1. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
1.1 CONCEITO
Antes de se adentrar no estudo do que seja improbidade administrativa, mister fazer uma distinção entre probidade administrativa e moralidade administrativa.
Juridicamente, não há qualquer distinção entre o que seja moralidade administrativa e probidade administrativa, sendo que ambos os conceitos exprimem uma idéia de retidão no trato da coisa pública.
Segundo Maria Silvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 695), pode-se dizer que são expressões que significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a idéia de honestidade na Administração Pública.
Apesar das semelhanças dos vocábulos, o que realmente viria a ser um ato de improbidade administrativa? Como este seria conceituado? Usar-se-á a sábia lição de Kiyoshi Harada (HARADA, Kiyoshi. Ato de Improbidade Administrativa. p. 01. Disponível em ) para tais indagações. De acordo com este ilustre advogado e professor paulista,
[...] podemos conceituar o ato de improbidade administrativa como sendo aquele praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão de conduta no modo de proceder perante a administração pública direta, indireta ou fundacional, nas três esferas políticas.
1.2 ORIGEM HISTÓRICA
Após tratar-se do conceito de improbidade administrativa, faz-se imperioso frisar o histórico da improbidade para uma melhor compreensão do tema ora estudado.
No tocante à previsão constitucional da improbidade, nenhuma outra Constituição ousou abordá-la nos moldes de como se encontra na Carta Política atual.
As Constituições passadas apenas tratavam do enriquecimento ilícito, modalidade mais incisiva da improbidade administrativa. O art. 146, § 31, in fine, da CF de 1946 estatuía o seguinte: "A lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica". Percebe-se que a Constituição Federal de 1946 não fazia previsão nem da perda da função pública, mas apenas sanções pecuniárias como o seqüestro e o perdimento de bens quando houvesse comprovado enriquecimento ilícito por parte do administrador.
Na Constituição de 1967, alterada pelas Emendas 1/69 e 11/78, o art. 153, §11, previa em sua parte final que "a lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício da função pública". Por esta Constituição nota-se um tímido avanço, pois o perdimento de bens poderia não só derivar de um possível enriquecimento ilícito, como também poderia derivar de atos praticados pelo administrador que gerassem lesão aos cofres públicos. Por esta Constituição, o administrador público que, de alguma forma, beneficiasse ilicitamente outrem, causando, destarte, lesão ao erário, também ficaria sujeito aos rigores da Lei, ao contrário do que ocorreria caso isso acontecesse quando da vigência da Constituição Federal de 1946.
A Constituição de 1988 inovou no seu art. 37, §4º, alargando o conceito de improbidade administrativa, passando assim, a sociedade, a contar com mais um instrumento no combate a essa mazela que é a corrupção.
É notório para toda a sociedade que, para o administrador público, não basta a observância estrita da legalidade, deve este também agir de acordo com a ética e dignidade, de acordo com as condutas julgadas válidas pela sociedade quando da administração da res publica.
1.3 PREVISÕES NORMATIVAS DE COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ANTERIORES À LEI Nº. 8.429/92
A improbidade administrativa há tempos era prevista na legislação infraconstitucional. Por meio dela, a atividade legiferante brasileira produziu duas leis nessa área, anteriores à Lei 8.429/92. Podem-se citar a Lei nº. 3.164/57 (Lei Pitombo-Godoí Ilha) e a Lei nº. 3.502/58 (Lei Bilac Pinto).
A Lei Pitombo-Godoí, em seu artigo 1º, transcreveu o texto da Carta Magna de 1946. Por ela sujeitavam-se a seqüestro os bens de servidor público, adquiridos por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que aquele tenha ocorrido. Pontos importantes da lei foram exatamente a legitimidade do Ministério Público e de qualquer do povo para a propositura da ação judicial contra o servidor público que tenha enriquecido ilicitamente. Em decorrência da dificuldade de prova do nexo de causalidade entre o abuso do cargo e a aquisição do bem, tal diploma legal obteve pouca aplicação prática, não atingindo a efetividade esperada (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 177).
A Lei Bilac Pinto foi sancionada em 21 de dezembro de 1958 e regulava o seqüestro e o perdimento de bens de servidor púbico da administração direta e indireta, nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função. Esse novo ato normativo trouxe uma melhor sistematização da matéria, tendo, inclusive, disposto acerca do alcance da expressão ‘servidor público’ para melhor identificar o sujeito ativo dos atos tratados pela Lei nº. 3.502/58 (GARCIA; ALVES, ob. citada, p. 177).
Nesta lei, o enriquecimento ilícito foi classificado como crime contra a administração pública e o patrimônio público. Apesar de não mais comentar sobre a legitimação do Ministério Público, tal legitimação persistia em virtude da Lei nº. 3.167/57. Já no que tange à legitimação por parte de qualquer do povo, esta foi restringida para somente o sê-lo o cidadão (GARCIA; ALVES, ob. citada, p. 177).
Eram duas leis de pouca aplicação, pois tratavam apenas do enriquecimento ilícito, sendo de rara incidência, máxime no que diz respeito à difícil caracterização deste.
Além das duas leis supracitadas, vale também ressaltar a possibilidade de anular-se ou pedir a declaração de tal nulidade de atos lesivos ao patrimônio público por meio da Lei nº. 4.717/65 (Lei de Ação Popular). Como as anteriores Leis discorridas acima, esta Lei não previa sanções diretas ao servidor público, mas apenas a obrigação em ressarcir o patrimônio público ao status quo (GARCIA; ALVES, ob. citada, p. 177).
Outra Lei em que se previam sanções a atos de improbidade praticados por administradores públicos era a Lei nº. 1079/50, Lei dos Crimes de Responsabilidade. Nesta Lei, o ato de improbidade administrativa estava classificado como crime de responsabilidade quando cometido por agentes políticos. Tal previsão estava contida no artigo 9º de tal Lei, onde estavam enumeradas nove condutas praticadas por tais agentes, consideradas crimes contra a probidade da administração. Aos servidores públicos não classificados como agentes políticos aplicavam-se sanções por atos que importassem seu enriquecimento ilícito praticado dentro da Administração Pública ou em virtude do cargo que este exercesse.
1.4 A LEI Nº. 8429/92 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA)
No dia 2 de junho de 1992, o então Presidente da República Fernando Collor de Mello sancionou a Lei nº. 8.429, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa. Tal Lei dispõe sobre as sanções aplicadas aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito, de lesão ao erário e de infração aos princípios que norteiam a administração pública no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
O sujeito ativo, ou seja, aquele que possui legitimidade para cometer um ato de improbidade foi alargado. Antes, apenas os agentes políticos poderiam cometer um ato de improbidade que, neste caso, era também classificado como crime de responsabilidade contra a probidade da administração. Agora, o vocábulo empregado é ‘agente público’, e o conceito de agente público adotado pela Lei é o mais amplo possível, sendo transcrito in verbis o artigo 2º que traz tal conceituação:
Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
O mandamento constitucional que autorizou a elaboração da multicitada Lei está previsto no artigo 37, §4º, da Constituição Federal de 1988, que versa ipsis litteris: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão de direitos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradações previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” Decorrente desta autorização constitucional e em meio a escândalos de corrupção que assolavam o País à época, foi enviado ao Congresso Nacional, pelo então Presidente da República Fernando Collor de Mello, o Projeto de Lei nº. 1.446/91, que regulamentava o mandamento constitucional.
Entrando em vigor na data de sua publicação (02 de junho de 1992), a Lei de Improbidade Administrativa sofreu inúmeras críticas de todos os operadores do Direito como também de parte da sociedade civil interessada. Primeiramente, em virtude de conter normas de Direito civil, administrativo, penal, processual civil e penal; não se sabia a natureza jurídica da ação que serviria de instrumento para aplicação das sanções previstas pela Lei. Seria de natureza penal ou civil? As conseqüências que adviriam da determinação de tal natureza jurídica seriam de extrema relevância, como, v.g., em qual foro seria impetrada a Ação de Improbidade Administrativa, isto é, quem seria o juiz natural para o julgamento desta ação? O entendimento que se consolidou foi de que a Ação de Improbidade Administrativa é uma ação civil, não obstante algumas sanções de notório caráter penal.
Outra controvérsia surgiu da amplitude dos atos enquadrados na Lei como ímprobos, aliados à severidade das sanções impostas. A Lei 8.429/92 tem em seu corpo três modalidades de atos de improbidade administrativa, quais sejam: a) os que importam enriquecimento ilícito, b) os que causam dano ao erário e c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública. Importante ressaltar o uso do termo ‘notadamente’ no caput dos artigos 9º, 10 e 11, que enumeram as três diversas modalidades de improbidade administrativa, o que leva a uma interpretação lógica de que os atos descritos na LIA são numerus apertus, isto é, de rol meramente exemplificativo.
A forma descuidada como foram utilizadas na Lei as expressões ‘dolo’ e ‘culpa’ também trouxe inúmeras críticas. Tal descuido daria ensejo a aplicações de sanções desproporcionais à conduta praticada pelo administrador, uma vez que, mesmo agindo de boa-fé, mas, em virtude desta conduta, ter causado lesão ao patrimônio público, poderia sofrer perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Já alguns crimes funcionais abarcados pelo Código Penal exigem um dolo específico e não trazem sanções tão severas quanto a sanção decorrente da prática culposa de um ato considerado como ímprobo pelo simples fato de causar lesão ao patrimônio público.
Em virtude destas controvérsias decorrentes da falta de técnica legislativa quando da elaboração da LIA, houve certo desvirtuamento não desejado do verdadeiro foco que fomentou sua elaboração, qual seja criar mecanismos capazes de acabar com o mau trato da coisa pública por parte dos administradores públicos brasileiros que padecem de desvio de caráter e são extremamente suscetíveis à corrupção.
O escopo da LIA é louvável, sendo notório hoje, para toda a sociedade civil, o quão maléfica é a falta de probidade do administrador da coisa pública, que, exemplificando, entrava o crescimento econômico e inibe a distribuição de riquezas.
A promulgação de uma Lei desta envergadura, indubitavelmente, leva a crer que a sociedade brasileira já tomou conhecimento de que a corrupção que reside nas entranhas da Administração Pública é tão nefasta quanto o ato de ceifar a vida alheia. O desvio de verbas destinadas à saúde, por exemplo, pode gerar conseqüências mais graves do que um homicídio. Projetos de Lei que almejam equiparar os crimes contra o patrimônio público aos crimes hediondos, que aumentam a norma secundária de determinados crimes funcionais, estão emperrados nas prateleiras do Congresso Nacional.
Por motivos óbvios, os congressistas não possuem interesse na aprovação dos citados Projetos.
Qualquer instrumento hoje que, de alguma forma, seja criado com o intuito de combater a corrupção na Administração Pública deve ser comemorado. Em virtude do exposto, passou a LIA a ser feroz instrumento de combate à corrupção em todos os níveis de governo. Isso se deu em grande parte ao entendimento assentado de que a ação de improbidade administrativa era de natureza civil, o que legitimava qualquer promotor estadual ou procurador da República a propô-la e a qualquer juiz estadual ou federal a julgá-la. Nestes mais de 15 (quinze) anos de vigência, já foram ajuizadas milhares de ações civis públicas declaratórias de ato de improbidade administrativa apenas contra os denominados agentes políticos.
Posteriormente a essas ações terem alcançado o trânsito em julgado, isto é, após tantos e tantos julgamentos que passaram pelo crivo de milhares de Juízes Estaduais e Federais, sob o visto de uma infinidade de Promotores de Justiça e de Procuradores da República; condenações, no sentido extensivo da Lei, que foram confirmadas pela unanimidade dos Tribunais brasileiros; sentenças e acórdãos que percorreram incólumes os corredores do Superior Tribunal de Justiça, sendo que muitas delas, de uma forma ou de outra, aportaram no Supremo Tribunal Federal, sem reversão da matéria; enfim, querem voltar ao status quo fazendo tudo ‘voltar a ser como antes no Quartel de Abrantes’.
Tal efetividade acabou por incomodar poderosos figurões do cenário político brasileiro, passando a Lei de Improbidade Administrativa a ser o grande alvo de ataque daqueles que se beneficiam com a institucionalizada corrupção brasileira. Só a mera possibilidade de se ver o sepultamento de um dos mais eficazes instrumentos legais postos à disposição do Ministério Público e da sociedade, de forma mediata, para o desmantelamento de práticas de corrupção, já faz os operadores do Direito lutarem pela continuidade de sua vigência, haja vista o notório retrocesso que se verificará.
2. CONCLUSÃO
Não há dúvidas de que a corrupção é um verdadeiro câncer que corrói a sociedade brasileira como um todo. O prejuízo que o Estado brasileiro verifica em virtude de estar permeado de agentes públicos corruptos chega às cifras astronômicas dos bilhões de reais ao ano.
A promulgação da Lei nº. 8429/92, Lei de Improbidade Administrativa, sem sombra de dúvida veio a juntar-se a outros instrumentos que combatiam a má administração do erário. Combatiam, mas perdiam feio.
Sob esta ótica veio a LIA tornar-se um dos principais instrumentos, se não o maior, de combate à corrupção nacional.
Advogado atuante em Salvador/BA. Pós-Graduado em Direito Público pela Unyahna.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WEBER, Guilherme Diamantino de Oliveira. Lei de Improbidade Administrativa: aspectos relevantes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2008, 00:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16227/lei-de-improbidade-administrativa-aspectos-relevantes. Acesso em: 22 dez 2024.
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