Vivemos hoje em um mundo acelerado. O desenvolvimento da tecnologia, especialmente na comunicação e transporte, faz que possamos trabalhar mais, produzir mais. O computador, o celular, o avião e outras tecnologias, no lugar de nos permitir mais tempo de ócio, logo de reflexão, convivência e lazer, fazem com que trabalhemos mais, e muitas vezes, ocupemos os postos de trabalho de várias outras pessoas, pois, se trabalhamos mais, fazemos o serviço do outro.
Esta correria alucinada nos envolve e nos torna estranhos para nós mesmos. Não conseguimos parar, nem nos fins de semana. Em vez de simplesmente pararmos, o que nos permite conviver, refletir, descansar, ocupamos o tempo livre com diversão e mais diversão. Não conseguimos parar. Talvez esta incapacidade momentânea de refletir sem preconceitos seja a explicação para convivermos com tantos absurdos. A mídia, especialmente a televisão e alguns semanários, já pensam por nós, simplificam as soluções dos problemas, que, entretanto, muitas vezes se agravam, constroem mitos e condenam pessoas sem julgamento.
Propomos aqui algumas reflexões em uma necessária pausa diária para mantermos nossa sanidade e nossa unidade interior:
Por que a imprensa comemora quando as empresas automobilísticas vendem mais carros?
Em São Paulo são 900 automóveis novos por dia. Em Belo Horizonte os engarrafamentos se multiplicam inclusive nos fins de semana. A razão para comemorar, segundo a mídia, está no fato de que mais pessoas podem comprar seu automóvel e isto reflete crescimento econômico com geração de emprego (para quantos? E que tipo de emprego? Com qual salário?). Entretanto a pergunta que permanece é a seguinte: quanto tempo vai demorar para as metrópoles se inviabilizarem se continuarmos apostando no transporte individual? Em São Paulo presenciamos engarrafamentos diários, alguns ultrapassando 130 km de extensão. Este é um modelo de crescimento econômico pra lá de insustentável.
Por que comemoram a descoberta de enormes poços de petróleo quando o aquecimento global aumenta e compromete nossa vida?
O aumento de circulação de automóveis em todo mundo reforçando a devastação ambiental, poluição do ar, das águas, da terra e dos seus filhos, derrubada de florestas, aumento de criação de gado e outros fatores têm contribuído para o aquecimento global. O consumo de combustíveis fósseis tem dado uma grande contribuição neste aquecimento que já vem causando catástrofes em diversos pontos do mundo e ameaça inundar cidades inteiras. Entretanto, assistimos à imprensa “oficial” comemorar a descoberta de novos poços. O fato mais contraditório, ilustrativo desta aposta insana foi a descoberta de uma monumental reserva de petróleo no Pólo Norte. Esta reserva poderá ser explorada em breve justamente pelo fato da calota polar estar derretendo de forma acelerada. Ou seja: com o aquecimento poderemos explorar mais petróleo onde antes o gelo impedia de explorar, e com isto acelerar o aquecimento que por fim, parece, irá nos afogar.
Porque tanta preocupação com a vida de embriões congelados, muitos inviáveis, e tão pouca preocupação com crianças famintas, abandonadas e miseráveis?
Os embriões congelados se não forem utilizados para salvarem outras vidas permanecerão congelados ou serão jogados fora. Muitos destes embriões são inviáveis para gerar vida humana, uma vez que eles não são ainda pessoas. Muitas pessoas que se mobilizam contra a pesquisa com células-tronco embrionárias e fazem discursos inflamados pela “vida” não se ocupam da vida de milhões de pessoas que necessitam de vida digna. Se toda vida tem que ser respeitada, por que muitos não fazem nada pela pessoa humana que muitas vezes está necessitada e bate à sua porta?
Porque, mesmo pagando mais caro, cada vez mais, com serviços piores, com filas maiores e lucros exorbitantes, as pessoas continuam acreditando na eficiência privada?
É interessante o que a propaganda massiva na cabeça das pessoas é capaz de fazer. Outro dia chegando ao atendimento de urgência de um hospital privado às 19:30 horas, conversando com outras pessoas, na urgência pediátrica, muitas pessoas esperavam o atendimento há mais de quatro horas com as crianças no colo. Entretanto não ouvi nenhuma reclamação do tipo: “esta ineficiência da saúde privada é um absurdo”. Em um hospital público, presenciando fato semelhante, ouvimos várias vezes a seguinte expressão: “tudo que é público não funciona”; “tem que privatizar tudo” e coisas do gênero. Comecei a observar e percebi a generalização do preconceito: nas enormes filas de Banco vi uma pessoa esbravejar contra um Banco público, entretanto não ouvi nenhum comentário a respeito de uma fila bem maior em um Banco privado. E o mais interessante é o fato que, com as novas tecnologias aplicadas ao sistema financeiro, nós trabalhamos para o banqueiro (fazendo todas as operações nas máquinas, após enfrentarmos fila diante de máquinas) e ainda pagamos para trabalhar, garantindo lucros absurdamente altos para estas instituições.
PORQUE?
Uma explicação para que as perguntas acima permaneçam, para muitos, sem respostas, podemos encontrar na geração da mentira ou na ideologia vigente, que constrói falsas verdades que encobrem a realidade. O fato do poder econômico ou qualquer outra forma de poder dispor de mecanismos sofisticados de propaganda, capaz de encobrir fatos, distorcer a realidade e criar mitos e estórias para nos manipular é uma importante explicação histórica para entendermos o fato de como, em muitos momentos da história, milhões de pessoas foram mobilizadas para defender interesses que não os seus, para defender sistemas contra os seus interesses, contra seus filhos, contra as pessoas que mais lhes importavam. Porque muitas vezes agimos contra nós mesmos? Pelo simples fato de não enxergamos ou muito pior: pelo fato de nos fazerem enxergar falsas representações do real. Pelo fato de nos impedirem de ver os reais jogos de poder encobertos de nossos olhos por esta cortina de fumaça da mentira difundida aos quatro ventos por uma mídia comprometida com os interesses de poucos, mesmo por que, pertence a estes poucos muito ricos.
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