RESUMO
O tema que se objetiva no presente artigo é a temática relacionada à teoria contratual moderna. Aqui se evidencia a idéia trazida por alguns autores, de que os contratos estariam em crise e, traz algumas possibilidades para uma melhor conceituação desse movimento que vem trazendo a renovação deste Instituto. Utiliza-se para a temática, discussões doutrinárias de três autores civilistas, destacando os pontos principais do pensamento de cada um deles e, por fim, defendendo-se a idéia que se acredita ser a mais adequada para essa nova realidade contratual. Para tanto, utiliza-se inicialmente, como parâmetro fundamental, a idéia de inclusão de princípios sociais no Ordenamento Jurídico Brasileiro e, com essa perspectiva, é enfatizada a função social do contrato, como o ponto chave para resguardar os direitos dos indivíduos nos contratos celebrados. Nesse ponto fica clara a idéia de mudança de paradigmas que será defendida. Cabe salientar ainda, a nova perspectiva abordada no contexto, dando enfoque econômico aos contratos, de acordo com a doutrina do autor Enzo Roppo.
PALAVRAS - CHAVE
crise dos contratos; função social do contrato; mudança no paradigma contratual.
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, o presente artigo tem como foco, trazer ao leitor a nova temática em relação à teoria contratual, que vem sendo debatida na atualidade por vários juristas. Desde então, é possível depreender que esse tema é de grande valia para todo estudante ou mesmo todo operador do Direito, pois com as constantes mudanças ocorridas nos contratos, há sempre uma necessidade de adequações às novas realidades.
É imperioso acentuar, que para alguns autores, o contrato estaria "em crise" [1], mas essa seria realmente a melhor denominação para essas transformações ocorridas? Com a leitura deste artigo, será possível identificar que, ao invés de se falar em crise dos contratos, seria melhor denominar esse movimento doutrinário, de renovação ou reformulação dos contratos.
Cumpre evocar ainda, que além da objetivação jurídica, o artigo traz inserido na discussão uma vertente social, pois se busca com as modificações realizadas, que as regras determinantes do convívio harmônico em sociedade sejam cumpridas, garantindo que os direitos dos indivíduos não sejam lesados. Sobre este aspecto, é realizada uma análise bibliográfica do tema, com a abordagem de vários posicionamentos doutrinários, a fim de tentar dar sustentação à argumentação que será defendida.
Contudo, dar-se-á uma ênfase maior à atuação da função social do contrato nesse contexto e suas contribuições à teoria contratual, pois este é o fator fundamental para responder aos questionamentos levantados, através de suas contribuições a essa nova teoria contratual.
2 SOLIDARIEDADE NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS
É imperioso salientar, primeiramente, que os contratos sofrem, constantemente, várias transformações e que essas mudanças refletem-se nas relações sociais e econômicas desenvolvidas pelos indivíduos. Isso traz como conseqüência a necessidade de adequação desse instituto às novas realidades que são vivenciadas, além de dar um suporte técnico ao operador do Direito para que consiga desenvolver suas atividades profissionais de forma eficaz.
Dentre os civilistas que tratam do assunto no Brasil, cabe enunciar o autor Bruno Miragem, que traz importantes posicionamentos em seus artigos quando trata dessas transformações ocorridas no mundo, ilustrando acerca desses avanços que são observados. Em um destes artigos, ao elucidar as transformações ocorridas durante o século XX, demonstra seus reflexos para a teoria contratual vigente.
[...] o descortinar de contínuas e profundas transformações sociais e econômicas durante o século XX dá origem a uma nova realidade contratual, dando causas aos fenômenos de massificação das relações contratuais e a conseqüente despersonalização do contrato, com a adoção de novas técnicas na formação do seu conteúdo. [2]
Nesse sentido, para compreender com precisão os institutos que norteiam essas novas relações travadas, deve-se remeter a alguns séculos atrás, com o intuito de ir ao cerne deste questionamento, demonstrando como ocorreu a entrada dos princípios sociais no Ordenamento Jurídico, suas contribuições para este e sua adequação à nova realidade contratual.
Em verdade, sabe-se que alguns destes princípios foram incorporados ao Ordenamento Jurídico Brasileiro, sob a influência de algumas codificações européias, como por exemplo, o Código Civil Francês, o BGB alemão e o Código Civil Italiano. Trazendo à tona o Código Francês e ao BGB, de forma didática, nas palavras do doutrinador Roberto Senise Lisboa, fica evidente que foi de grande importância para as relações contratuais, pois trouxeram a incorporação do princípio da boa-fé no Ordenamento, além das primeiras noções de lealdade entre os indivíduos em uma relação contratual celebrada, inclusive o da solidariedade, em que
A fraternité francesa e a lealdade germânica, frutos da evolução da boa-fé em cada um desses sistemas jurídicos, contribuíram decisivamente para que se pudesse identificar o princípio da solidariedade estatuído na constituição brasileira como diretriz a ser alcançada em todas as relações jurídicas, inclusive as de natureza contratual. [3]
Em virtude dessas declarações, recorre-se a esses ideais de solidariedade e boa-fé aqui expostos, como resultante de, uma releitura sistemática de nossa Carta Magna, englobando, tais preceitos às relações privadas, resguardadas pelo Código Civil de 2002 e, portanto, atuando de forma cogente, com a finalidade de buscar nas relações contratuais, o máximo de igualdade entre as partes.
Enfatize-se que Nelson Nery Júnior, também segue nessa mesma linha de raciocínio, quando trata de tecer comentários, acerca do artigo 421, do Código Civil 2002, com o seguinte texto "A Liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato".
Depreende-se da sua argumentação que em uma interpretação do respectivo dispositivo (art. 421 CC/02), destaca-se a função social do contrato, como estando intimamente ligada ao solidarismo, princípio fundamental da Carta Constitucional, em que "A cláusula geral da função social do contrato é decorrência lógica do princípio constitucional dos valores da solidariedade e da construção de uma solidariedade mais justa (CF3º, I)" [4].
Merece menção, ainda, o que declarou o jurista Augusto Geraldo Teizen Júnior, que acrescenta pensamento importante acerca de sociedade mais solidária e justa, ao afirmar que o Código civil, assim como toda a matéria contratual, deverá estar interligada ao Ordenamento como um sistema escalonado, em que
A Constituição à todos vincula, o legislador, o intérprete, o juiz, o órgão administrador e o cidadão. Há que se ter uma "mentalidade constitucionalizada", buscar as direções hermenêuticas e construtivas fundamentais da cidadania, empreendendo leitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição, fruto que é do "contrato social". [5]
A partir dessas afirmações preliminares, identifica-se que serão de fundamental importância para a compreensão do ponto central da temática que se deseja abordar, relacionada à função social do contrato.
3 CONCEITO DE CONTRATOS E O DIREITO ECONÔMICO:
No que é pertinente à teoria clássica dos contratos e à maioria dos autores civilistas, o conceito do que vem a ser um contrato, seria o de que "O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação de pelo menos duas partes" [6]. Em outras palavras, o contrato seria utilizado para que fossem resguardadas as relações interpessoais desenvolvidas, juridicamente, fazendo com que as obrigações fossem cumpridas de forma efetiva e com mútuo consenso entre as partes contratantes.
Saliente-se que essa não é a única posição doutrinária existente. Acreditar que os contratos servem para reger as relações entre os indivíduos, unicamente, no do âmbito jurídico é um equívoco. Dentro desse contexto, será de grande valia, a alusão feita ao doutrinador Enzo Roppo, que defende, categoricamente, uma nova concepção dessa teoria, ou seja, uma concepção econômica contratual. De acordo com ele, a abordagem que é dada, faz com que se evidencie
a operação econômica, na sua materialidade, como substracto necessário e imprescindível daquele conceito; o contrato, como formalização jurídica daquela, isto é como conquista da idéia de que as operações podem e devem ser reguladas pelo direito[...] Disse-se que o contrato é a veste jurídico-formal de operações econômicas. Donde se conclui que onde não há operação econômica, não pode haver também contrato. [7]
Essa nova vertente doutrinária poderia gerar dúvida nos operadores do Direito, quanto a toda a qualificação genérica que poderia ser dada a uma operação econômica, com a transferência de riqueza. Afirma o próprio autor que riqueza aqui deve ser entendida em sentido lato, onde "não nos referimos só ao dinheiro e aos outros bens materiais, mas consideramos todas as utilidades susceptíveis de avaliação econômica, ainda que não sejam coisas em sentido próprio." [8]
Esclareça-se, ainda, que o enfoque econômico não desvirtua o contrato de sua finalidade. De acordo com Eros Grau o Direito Econômico traz grandes benefícios aos contratos, pois
Pensar Direito Econômico é pensar o Direito como um nível todo social - nível da realidade, pois - como mediação específica e necessária das relações econômicas. Pensar Direito Econômico é optar pela adoção de um modelo de interpretação essencialmente teleológica, funcional que instrumentará toda a interpretação jurídica, no sentido de que conforma a interpretação de todo o Direito. [9]
Por outros termos, o contrato deve ser entendido como fruto de relações econômicas, sendo assim a forma mais correta de tratar este instituto jurídico. Essa importância é tamanha, pois conseguir contextualizar o enfoque econômico com o social possibilita o tratamento de cada caso concreto de forma individualizada, podendo adequá-los às realidades de cada um dos contratantes e, em caso de resolução de conflitos, auxiliando o aplicador do Direito na solução da lide, pois terá conhecimento do poder econômico das partes.
Indubitavelmente, cabe citar desde já, a inclusão do princípio da função social do contrato que deverá reger todas as relações contratuais, ressaltando sua atuação na relatividade dos efeitos entre as partes, frisando sua conexão com a liberdade de contratar inerente aos indivíduos.
Para essa temática, o que se quer inicialmente informar é que a liberdade de contratar e os seus efeitos estão previstos juridicamente no Ordenamento Brasileiro. Porém, vislumbra-se não ser possível que se interprete essa liberdade de contratar de forma muito ampla e extensiva, pois deve atuar dentro dos limites estabelecidos pelo Código Civil vigente, como dispõe o próprio dispositivo, artigo 421 do CC/02. Interessante consignar, portanto, que estes princípios, no que tange a essas limitações, devem ser observados por todos os indivíduos.
Como forma de dar sustentação às argumentações pertinentes ao assunto, serão utilizados três autores fundamentais nessa abordagem, com o intuito de realizar uma discussão doutrinária acerca do tema função social do contrato, descrevendo quais os seus efeitos e abordagens, além de mencionar aqueles que são os mais apropriados para esse contexto.
Para tanto se destacam, os autores Nelson Rosenvald, Cláudia Lima Marques e Calixto Salomão Filho, além dos demais posicionamentos que serão utilizados para comprovar o argumento em relação a cada um destes.
4 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO PARA NELSON ROSENVALD
De início, é importante salientar que Nelson Rosenvald trata das relações contratuais, destacando-as sobre dois enfoques de atuação: um deles seria o âmbito externo e o outro o âmbito interno. Quando o mesmo fala em âmbito interno, elucida o que se pode dizer de atuação da função social do contrato como intimamente ligada à dignidade da Pessoa Humana, merecendo menção, a autonomia privada e a liberdade de contratar.
Ensina o autor, no caso da autonomia privada, que cada indivíduo ter a possibilidade de contratar com quem quiser com certa liberdade,
não é apenas inserida no contexto da ordem econômica constitucional. Ela também é uma especificação do princípio da dignidade da pessoa humana, que consagra e tutela a existência de uma dimensão vital para que todo ser humano possa desenvolver e afirmar socialmente sua personalidade. A Função social do contrato exerce importante finalidade sindicante de evitar que o ser humano seja vítima de sua própria fragilidade ao realizar relações contratuais [...]. [10]
Não resta dúvida que o autor, ao tratar dessa função social interna, o mesmo aduz a atuação, como forma de se evitar efeitos danosos entre as partes contratantes, atuando sempre em conjunto com a boa-fé objetiva e tendo por escopo manter a lealdade das contratações realizadas, sem que restem quaisquer dúvidas quanto à obrigação que cada um deverá cumprir.
Em rigor, é possível afirmar que se está tratando, nesse ponto da abordagem, da relação do contrato com a eficácia limitada aos dois pólos da relação (bilateralidade), pois os indivíduos
[...] são livres para contratar. Essa liberdade abrange o direito de contratar se quiserem, com quem quiserem e sobre o que quiserem, ou seja, o direito de contratar e de não contratar, de escolher a pessoa com quem faze-lo e de estabelecer o conteúdo do contrato.[11]
Acresça-se a tudo citado acima, que os efeitos, mencionados por Rosenvald no âmbito interno, são abordados, também, por Carlos Roberto Gonçalves, quando afirma
na idéia de que os efeitos do contrato só produzem efeitos em relação às partes, àqueles que manifestaram a sua vontade, vinculando-os ao seu conteúdo, não afetando terceiros nem seu patrimônio. Mostra-se ele coerente com o modelo clássico de contrato, que objetivava exclusivamente a satisfação das necessidades individuais e que, portanto, só produzia efeitos entre aqueles que o haviam celebrado, mediante acordo de vontades. [12]
Entende-se com isso, via de regra, que seria uma espécie de "extensão dos Direitos Fundamentais" [13], previstos no artigo 5º da Constituição Federal, havendo um mútuo respeito às cláusulas contratuais. Por outros termos, acredita-se que o respeito a esses direitos devem existir, pois são intrínsecos ao contrato e que consequentemente, acabam por prezar pela dignidade da Pessoa Humana. A hipótese de se respeitar mutuamente as partes contratantes objetiva a pacificação social e visa atingir o escopo que a função social pretende na relação, evitar abusos ou disparidades entre os entes contratantes.
Por outro lado, Nelson Rosenvald, faz uma contraposição quanto a estes efeitos, quando afirma existirem, em uma outra vertente de atuação, o âmbito externo da função social do contrato.
Em verdade o autor, de acordo com a fonte doutrinária aqui levantada, enfoca a tentativa de se realizar sua abordagem trazendo a idéia de que os efeitos do contrato não apenas se restringem às partes contratantes, podendo abranger um maior número de pessoas. Nessa abordagem, o que vale ressaltar, é que Nelson Rosenvald subdivide a atuação externa em três grupos:"o contrato ofensivo a interesses metaindividuais; o terceiro ofendido e o terceiro ofensor" [14].
De forma sumária, o autor, com relação aos direitos metaindividuais, expõe a argumentação de não ser favorável aos contratos que aflijam direitos difusos ou coletivos, defendendo que os contratos devem manter igualdade entre os contratantes, além de não ofender direitos tidos como essenciais. Não se deve permitir que contratos celebrados infrinjam legislações, por exemplo, Ambientais e do Consumidor, não se admitindo também que venham a prejudicar terceiros, de forma drástica. Como forma de exemplificar é possível citar grandes empresas que causam impactos ambientais quando, poluem rios e mares, atingindo um grande contingente de indivíduos que serão prejudicados, mesmo não estando originariamente na relação. Cabe ainda exemplificar a formação de cartéis prejudicando a livre concorrência, atingindo uma grande massa populacional, pois acaba não possibilitando a satisfação dos consumidores. Entende-se aqui a possibilidade de ampliação dos efeitos da função social do contrato, de forma extensiva.
Já em relação ao terceiro ofendido, enuncia que não há como uma empresa que celebrou um contrato com um indivíduo e, que seu fruto, venha a prejudicar um terceiro tente se eximir da responsabilidade, por conseqüência do defeito apresentado. Os efeitos se estendem à todos, devendo ser responsabilizada pelo prejuízo que causou.
Por fim, em relação ao terceiro ofensor, afirma que aquele que, porventura, venha a interferir numa relação contratual, deverá arcar os ônus provenientes dessa interferência, não apenas se restringindo os efeitos à parte que descumpriu as cláusulas celebradas.
Nessa temática, tem-se por enfático a posição contrária à de que os efeitos da função social do contrato devam atuar exclusivamente em relação às partes do contrato (função social interna), pois seria um equívoco retirar outros (terceiros) que possam ser prejudicados, por conseqüência de contratos abusivos. É inegável também a posição contrária à divisão entre efeitos externos e internos, em nada se justificando uma divisão desse porte, pois em todas as relações celebradas, as duas devem coexistir. Não há como dissociar que em determinadas relações, a atuação será externa ou em outras será interna, pois tanto a função social interna como a externa, atuam como suporte uma da outra, regendo todos os contratos, tentando garantir que sejam cumpridos. Em outras palavras, poder-se-ia até dizer que a função externa, de certa forma, engloba a interna para atuar nos contratos.
5 A FUNÇÃO SOCIAL PARA CLÁUDIA LIMA MARQUES
Dentro desse contexto, vale ressaltar a argumentação que a autora traz, em alguns de seus artigos, a respeito do questionamento sobre a crise contratual, analisando, se existiria realmente uma crise, ou se os institutos estariam se alterando conforme as realidades que surgem. Por certo, esta autora realiza uma ligação entre "o contrato e o delito" [15], pautada em alguns autores europeus, que afirmam ser este o novo ideal da reformulação da teoria contratual.
Saliente-se que, a mesma faz alusão a esses autores, descrevendo o seguinte
Alguns autores europeus mencionam que esta nova crise do direito privado teria nascido deste crescente liberalismo internacionalizante e da americanização desregulamentadora dos modelos contratuais clássicos, em que o direito privado passa a ser apenas preventivo (administrativo) ou reparatório (punitivo-penal), deixando todo o mais para o delito. Outros alegam exatamente o contrário, que a crise do direito privado nas sociedades pós-industriais teria sido criada justamente por essa multiplicação de fontes de obrigação a regular a livre iniciativa... [16]
Por certo, acredita-se, ser a segunda concepção, a mais coerente, pois com a evolução das relações que existem e o surgimento dessas novas formas de obrigação, fazem com que o direito privado, na denominação desta autora, entre em crise. O que ocorre é que o Direito passa, na realidade, por uma mutação em sua forma. Aduz a própria autora que o maior questionamento encontra-se quando a mesma utiliza como parâmetro, em seus ensinamentos, a idéia de garantia e o princípio da confiança, sendo na sua concepção, o que melhor norteará essas novas relações "A confiança aparece aqui não como um princípio de proteção ao lado da boa-fé, como estou aqui utilizando, mas como a base do próprio contrato." [17]. Nesse ponto, a mesma destaca tal posicionamento, com o intuito de alertar que o contrato deve ter uma vertente mais voltada para o social.
Em suma, acredita-se que exista uma reformulação do contrato e que esta trará o seu "ressurgimento" [18], não estando fadado ao seu desaparecimento como alguns autores acreditaram, além de conseguir abarcar as mudanças que a todo o momento ocorrem no mundo e, conseqüentemente, no contexto jurídico.
Contudo, com essa concepção punitiva das cláusulas contratuais e, em específico, da função social dos contratos, acredita-se que a intenção do legislador não era a de incorporar um princípio social com a finalidade de punir indivíduos, e sim com a finalidade de buscar o máximo de respeito entre as partes, dando parâmetros legais para que fossem conseguidos benefícios mútuos a todos. É do conhecimento dos Operadores do Direito, que já há várias décadas as matérias penais e civis passaram a ser tratadas em concepções diferentes. Em outras palavras, são dois ramos distintos, em que um atua voltado para o Direito Público e o outro para reger as relações privadas.
Portanto, caso o legislador quisesse dar ênfase à incorporação de princípios para que atuassem, com o intuito de punição dos indivíduos por práticas delitivas, em tese os teria incluído no ramo penalista. O mais correto que se vislumbra é a possibilidade de adequação dos princípios à nova realidade contratual, trazendo à tona uma mudança dos paradigmas contratuais evitando-se que haja uma reiteração dessas práticas abusivas. Infelizmente, caso se acredite que a função punitiva seria a solução para os questionamentos levantados, seria um erro, pois sancionar o indivíduo não inibe que ele pratique novamente a conduta, porém caso haja uma modificação dos paradigmas da sociedade casos assim não mais ocorrerão e consegue-se uma melhor forma de adequação a realidade que se põe.
6 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO PARA CALIXTO SALOMÃO FILHO:
O comercialista Calixto Salomão, dentro dessa temática, traz inerente ao seu texto, o ideal que "não é mais possível admitir que existam apenas, de um lado, regras de proteção a direitos individuais econômicos e, de outro, apenas normas-objetivo, fins e objetivos do processo econômico". [19]
A eficácia da função social do contrato deve ser entendida, como aquela que atinge fatores que sejam favoráveis à sociedade. Para tanto, de acordo com o Calixto, mais uma vez, "Urge, então, reconhecer normas que incorporem valores, metaindividuais e sociais, exatamente para que não sejam mera extensão dos direitos individuais". [20] Esse pensamento refuta ainda mais a posição defendida por Nelson Rosenvald, pois nesse sentido, não existiria divisão entre âmbito interno ou externo, onde seriam protegidos os direitos coletivos como um todo.
Em relação ao tema, seria também inadmissível que os efeitos do contrato se restringissem apenas a garantir os direitos às partes contratantes, pois se estaria privando terceiros, de defender seus direitos, em caso de lesão ou ameaça a estes, por conta da irresponsabilidade em determinados contratos celebrados.
O autor traz uma nova denominação para as garantias dos indivíduos na coletividade. Para ele, "Essas normas, em que proteção de interesse coletivo e individual convivem - e são praticamente indivisíveis -, passaram a ser qualificadas como protetoras de instituições ou garantias institucionais no campo privado". [21]
Em virtude dessas declarações é que se pode inserir a função social do contrato nesse contexto e, a partir dessa proteção será possível sua identificação, depreendida dos ensinamentos em relação ao âmbito de atuação dentro das relações contratuais. Induz o autor que
O princípio da função social do contrato permite a tutela difusa pelo judiciário das garantias institucionais. Liberta a tutela de interesses supra-individuais da tutela administrativa ou da casuística prevista em lei. Toda vez que forem lesados interesses institucionais haverá lesão à função social do contrato. É no destaque por estes proporcionado entre interesse individual e coletivo que se encontra a justificativa para limitar a liberdade contratual. [22]
Pois bem, a tão almejada liberdade que o indivíduo tem de contratar, sofre aqui sua limitação no que tange à sua eficácia. Demonstra-se, portanto, uma limitação que deve existir, evitando que, com o desenvolvimento do capitalismo, caracterize-se nas relações contratuais um desinteresse pelo social, trazendo sérios problemas à coletividade, com a celebração de contratos extremamente perigosos e danosos.
A intenção do doutrinador, seria a tentativa de resolver os problemas que ainda persistem quanto ao âmbito coletivo de atuação. Calixto Salomão faz uma colocação que elucida o que, por muitos, acaba sendo equivocado.
Trata-se aqui necessariamente de uma política pública de reequilíbrio que deve partir de iniciativas legislativas e ter certo grau de coerência. Admitir um reequilíbrio difuso, além de provavelmente não garantir qualquer distribuição de riqueza exatamente por ser assistemático - criaria situação de insegurança pública, extremamente danosa para os contratos. [23]
Com essa citação, é possível remeter à idéia de que o legislador, na criação da norma, deve ter toda essa percepção de tutela dos interesses difusos, como forma de evitar problemas na interpretação do dispositivo, na hora de aplicação deste ao caso concreto.
Evidentemente, o contrato, ao contrário do que muitos queiram defender, deve ter eficácia em relação à coletividade, a fim de que garanta tanto que as relações internas sejam adimplidas, e que em caso de terceiros influenciarem na relação, ou dela sofrerem qualquer tipo de prejuízo, tenham condições de questionar seus direitos lesados.
7 CONCLUSÃO
No que é pertinente aos doutrinadores até aqui citados, começo desde aqui à delinear a função social do contrato, atuando da forma com a qual concorda-se, ser a mais correta atuação dela no âmbito da teoria contratual.
De início, foi exposto de forma explicativa a respeito do surgimento da função social do contrato, que sofreu influências francesa e alemã, desde os primórdios, vindo, a rigor, pautada pelo princípio da solidariedade, trazendo consigo vários outros princípios conexos.
Posteriormente, foi evidenciada a análise do contrato, de acordo com o autor Enzo Roppo, no qual, incorpora a visão econômica a este instituto jurídico, afirmando que o contrato, possui essa característica, servindo de resguardo a roupagem jurídica que lhe é inerte.
Após isso, foi abordada a análise do civilista Nelson Rosenvald, em que este elaborou uma divisão entre atuação da função social, em âmbito interno e externo, garantindo sua posição, no ideal defendido, que a função social seria mera extensão dos direitos fundamentais, que se resumiriam à dignidade da pessoa humana.
Acresça-se aqui ainda, a discussão da autora Cláudia Lima Marques, que em seu questionamento acerca do potencial delitivo do contrato, descreve a posição de alguns doutrinadores europeus, com os quais não se concorda, acreditando-se mais na vertente social do contrato.
Através de tudo abordado, foi de grande proveito identificar que os contratos encontram-se em constante mudança. Muitos dos doutrinadores admitem que o Contrato esteja em Crise, mas o que seria esta crise?Essa crise levará ao fim dos contratos?
Com toda a certeza essa resposta é negativa. Não há que se falar que os contratos chegarão ao fracasso, indo até a sua extinção dentro do âmbito das relações jurídicas. O contrato, na concepção que se acredita mais correta, sofre uma reformulação, ou em outras palavras, uma mutação.
Essa mutação não seria a de alterar a forma de elaborá-lo ou mesmo a de incluir normas com imposições mais rígidas. Não há como se depreender que os contratos, ao regerem as relações entre as partes, resumam-se somente a sancionar os indivíduos pelo descumprimento de uma obrigação, sem uma preocupação relevante com a sociedade.
Em rigor, o que se altera é a interpretação das normas que aqui se encontram, tornando os princípios sociais cada vez mais ativos dentro da teoria contratual, no que tange à dar ao indivíduo a possibilidade de desenvolver suas relações econômicas e jurídicas, desde que não infrinjam direitos de toda uma coletividade.
É de grande proveito remeter-se mais uma vez, ao doutrinador Calixto Salomão, que de forma clara e objetiva demonstra, qual é o papel da função social do contrato e sua contribuição para as relações contratuais modernas, sendo a melhor conclusão a que evidencia a função social no âmbito externo como a mais completa e coerente a ser defendida.
Por fim, deve ser garantido ainda, nessas situações, que existam instrumentos jurídicos eficazes, que conseguindo tutelar os indivíduos com maior rapidez e eficiência, a fim de manter o argumento atrelado ao respeito pelo social, intrínseco às relações desenvolvidas, alterando os paradigmas da sociedade, com a nova visão contratual levantada nesse artigo.
8 REFERÊNCIAS
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[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004, v.3, p. 2.
[7] ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 11
[8] ROPPO, 1988, p. 13
[9] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.179.
[10] ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. [[email protected]] Mensagem recebida por em 6. ago.2007.
[11] GONÇALVES, 2004, p. 20.
[12] IBIDEM, p. 26.
[13] ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. [[email protected]] Mensagem recebida por em 6. ago.2007.
[14] ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. [[email protected]] Mensagem recebida por em 6 ago.2007.
[15] MARQUES, 2007, p. 40
[16].MARQUES, 2007, p. 40.
[17] IBIDEM, p. 43.
[18] IBIDEM, p. 46.
[19] SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 823, ano 93, maio, 2004, p. 71.
[20] SALOMÃO FILHO, 2004, p. 72.
[21] IBIDEM, p. 73.
[22] IBIDEM, p. 83.
[23] SALOMÃO FILHO, 2004, p. 84
Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Professor-Assistente da Disciplina de Prática Simulada Cível na Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Assessor Jurídico no Ministério Público Federal do Espírito Santo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Marcelo Sant'Anna Vieira. Releitura contratual: direito econômico e a função social do contrato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 fev 2009, 06:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16730/releitura-contratual-direito-economico-e-a-funcao-social-do-contrato. Acesso em: 23 dez 2024.
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