Co-autora: Sandra Barbon Lewis, mestre e doutora em Direito do Estado pela PUC/SP, advogada e professora nas áreas do Direito Tributário e do Direito do Terceiro Setor. Advogada do Lewis & Associados (www.lewis.adv.br).
1. Situação objeto do presente artigo
A MP nº. 446, de 10 de novembro de 2008, que renovava todos os certificados das entidades beneficentes de assistência social (CEBAS), foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, na última terça-feira, dia 10 de fevereiro de 2009. Como consequência, a MP é arquivada, somente podendo ser editada nova MP na próxima sessão legislativa.
Conforme o relator da MP, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), não será apresentado o projeto de decreto legislativo para regulamentar os efeitos decorrentes da vigência da MP. Cabe ao relator da MP apresentar o projeto de decreto legislativo no prazo de 15 dias e no caso da não apresentação outro deputado poderá fazê-lo. Todavia, caso ninguém apresente o projeto decorridos 60 (sessenta) dias, os atos da MP restarão convalidados.
Ao longo do trâmite da MP nº. 446, muitas entidades com pedido de renovação do CEBAS protocolados no CNAS tiveram seus pedidos aceitos, operando-se a renovação automática preconizada pela MP nº. 446. Tais renovações tiveram publicidade por meio das Resoluções abaixo, senão veja-se:
CNAS publica o deferimento de processos de renovação.
05/02/2009 - 08:00 por Ranieri — Última modificação 10/02/2009 - 13:32
Estas publicações apresentam a identificação da entidade, o número de processo, o período de validade da respectiva renovação, bem como área de atuação. Para consulta, clique nas resoluções:
CNAS nº 03, de 23/01/2009
CNAS nº 07, de 03/02/2009
CNAS nº 08, de 04/02/2009
CNAS nº 12, de 09/02/2009
Ademais, em informação verbal do CNAS, foram editadas as Resoluções nº. 10 e 11, às quais não se tem acesso, porquanto, junto ao site da instituição.
Pois bem, as indagações que o presente artigo visa responder são as seguintes:
a) Quais são os efeitos da rejeição da MP nº. 446 em relação ao artigo 55 da Lei nº. 8.212/91, que regulamenta a imunidade da cota patronal da contribuição social previdenciária?
b) Quais são as possibilidades agora existentes em termos de regulamentação da matéria objeto da MP nº. 446?
c) E se for expedido decreto legislativo para disciplinar os efeitos da MP, quais serão as consequências?
d) Como fica a situação das entidades que tiveram seus certificados renovados automaticamente pela MP, diante da rejeição da MP 446?
e) A renovação automática demanda ou não demanda resolução do CNAS para que a MP tenha eficácia?
Para tanto, exporemos inicialmente a respeito do regime jurídico constitucional da Medida Provisória.
2. O regime jurídico constitucional da Medida Provisória
A Medida Provisória tem força de lei apenas; não se trata de verdadeira espécie normativa ante a inexistência de processo legislativo.
Somente pode ser editada estando presentes os pressupostos fáticos exigidos pela Constituição Federal, quais sejam: relevância e urgência. Na presença desses, o Presidente da República pode adotar medida provisória com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao CN.
Adotada pelo Presidente da República, a MP tem vigência por 60 dias, contados da data de sua publicação no Diário Oficial, podendo ser prorrogada por mais 60 dias, de forma a se completar uma vigência total de, no máximo, 120 dias.
O prazo de vigência é suspenso durante os períodos de recesso parlamentar (18 a 31 de julho e de 23 de dezembro a 02 de fevereiro – art. 57, caput).
Em caso de convocação extraordinária, todavia, havendo Medidas Provisórias em vigor na data de sua convocação, serão automaticamente incluídas na pauta de convocação (art. 57, § 8º).
Assim, graficamente, as Medidas Provisórias apresentam a seguinte evolução no tempo:
Assim, a Medida Provisória perde a eficácia desde a edição se não for convertida em lei no prazo de 60 dias prorrogável por mais 60 dias, operando efeitos “ex tunc”, isto é, retroagindo à sua edição, como se nunca tivesse existido.
No que concerne à tramitação, verifica-se a seguinte sucessão de atos:
a) adotada pelo Presidente da República;
b) submetida de imediato ao Congresso Nacional;
c) Comissão Mista de deputados e senadores devem examinar Medida Provisória e emitir parecer sobre aspectos constitucionais (relevância + urgência) e de mérito, bem como sobre a adequação financeira e orçamentária e o cumprimento pelo Presidente da República do encaminhamento do Medida Provisória ao Congresso Nacional no dia da publicação, acompanhada da respectiva mensagem e de documento expondo a motivação do ato;
d) apreciação do Plenário de cada uma das Casas (inicia na Câmara dos Deputados e Senado Federal revisa). O Plenário analisará a observância dos requisitos acima.
Em havendo urgência, adota-se o regime do art. 62, § 2º, em função do que restarão sobrestadas as deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando a Medida Provisória. Caso esta não seja apreciada em até 45 dias contados de sua publicação.
A medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional ou que tenham perdido a eficácia por decurso de prazo, não pode ser reeditada na mesma sessão legislativa, conforme o art. 62, § 10º, CF. Somente na sessão legislativa seguinte será permitida a reedição.
A aprovação da Medida Provisória é dada pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional.
A respeito dos destinos que a MP pode ter em decorrência do trâmite para conversão em lei, veja-se no esquema abaixo:
A MP nº. 446/2008 foi rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados). Nesta hipótese, o Congresso Nacional deverá disciplinar os efeitos decorrentes através de decreto legislativo.
A respeito deste Decreto Legislativo dispõe o art. 62, §§3º e 11º, CF, abaixo transcrito:
Art. 62 [...]
§3º. As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do §7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
§11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o §3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (sem grifos no original)
Assim, em caso de rejeição de Medida Provisória pelo Congresso Nacional, em regra a Medida Provisória perde sua eficácia, desde a edição. O Congresso Nacional deverá disciplinar as relações decorrentes por decreto legislativo (art. 62, §§ 3º e 4º e 7º). Se o Congresso Nacional não editar tal decreto legislativo, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da Medida Provisória conservar-se-ão por elas regidas, valendo as regras da Medida Provisória nesse caso.
No presente caso, portanto, deve-se aguardar o transcurso do prazo de 60 (sessenta) dias, para verificar se será ou não editado o mencionado decreto legislativo e os termos de eventual regulamentação das relações jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante a vigência da Medida Provisória, que se referem basicamente aos certificados de entidades beneficentes automaticamente renovados essencialmente.
3. Os possíveis destinos da MP nº. 446/2008
Durante a vigência da MP nº. 446/2008, que durou de 07 de novembro de 2008 a 10 de fevereiro de 2009, inúmeras relações restaram constituídas, em razão especialmente de alguns dispositivos da referida Medida Provisória constante de suas disposições gerais e transitórias, quais sejam os artigos 37 a 39 da MP nº. 446/2008, abaixo transcritos:
Art. 37. Os pedidos de renovação de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social protocolizados, que ainda não tenham sido objeto de julgamento por parte do CNAS até a data de publicação desta Medida Provisória, consideram-se deferidos.
Parágrafo único. As representações em curso no CNAS propostas pelo Poder Executivo em face da renovação referida no caput ficam prejudicadas, inclusive em relação a períodos anteriores.
Art. 38. Fica extinto o recurso, em tramitação até a data de publicação desta Medida Provisória, relativo a pedido de renovação ou de concessão originária de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social deferido pelo CNAS.
Art. 39. Os pedidos de renovação de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social indeferidos pelo CNAS, que sejam objeto de pedido de reconsideração ou de recurso pendentes de julgamento até a data de publicação desta Medida Provisória, consideram-se deferidos.
Tais dispositivos são a razão de ser das indagações inicialmente feitas, as quais, para melhor desenvolvimento do raciocínio seguem novamente transcritas, abaixo:
b) Quais são as possibilidades agora existentes em termos de regulamentação da matéria objeto da MP nº. 446?
c) E se for expedido decreto legislativo para disciplinar os efeitos da MP, quais serão as conseqüências?
d) Como fica a situação das entidades que tiveram seus certificados renovados automaticamente pela MP, diante da rejeição da MP 446?
e) A renovação automática demanda ou não demanda resolução do CNAS para que a MP tenha eficácia?
Pois bem, em razão da rejeição expressa da MP nº. 446/2008, resta ao Congresso Nacional expedir Decreto Legislativo, nos termos do art. 62, §§3º e 11º, da CF, para disciplinar as relações jurídicas da MP decorrentes.
Assim, fica-se agora na dependência do Congresso Nacional confeccionar projeto de lei de decreto legislativo com esse intuito, para se ter conhecimento acerca do conteúdo de eventual regulamentação. Por enquanto, como já informado, não se vislumbra tal possibilidade, dadas as manifestações de representantes do Congresso Nacional.
Ora, não editado este decreto legislativo, em até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
Isto quer dizer, à primeira vista, que, não editado o decreto legislativo, em 60 dias, as instituições que tiveram o CEBAS renovado automaticamente manterão os respectivos títulos até a data de vigência dos mesmos, devendo, quando do término dessa vigência e do novo pedido de renovação, submeter-se às regras no futuro porventura existentes.
Então, essa será a consequência, caso o decreto legislativo não seja editado até a data de 11 de abril de 2009.
Respondidas as três primeiras questões, passa-se à quarta: A renovação automática demanda ou não demanda resolução do CNAS para que a renovação automática tenha eficácia?
Faz-se essa indagação, em função de o CNAS não ter editado, até a data da rejeição da MP nº. 446, todas as resoluções necessárias a fim de dar publicidade à renovação automática do CEBAS de todas as entidades presentes na situação ora mencionada. Assim, é necessário saber qual é o efeito da Resolução do CNAS que arrola tais entidades?
Em esclarecimentos prestados pelo próprio CNAS encontramos algumas luzes. Eis os esclarecimentos feitos, os quais constam do site do CNAS:
O que a entidade deve fazer para concretizar o disposto nos artigos 37, 38 e 39 da Medida Provisória nº. 446 de 07/11/2008, publicada no D.O.U. em 10/11/2008?
- Nenhum ato é necessário por parte da entidade, pois a legislação é auto-aplicável e o CNAS está tomando as providências para atender o que dispõe a MP 446/2008.
O que acontece com os pedidos de renovação do Certificado encaminhados ao CNAS via correio e que chegaram ao Setor de Protocolo após a publicação da MP nº. 446/2008?
- Duas situações distintas podem ocorrer, pois deve ser verificada a validade do Certificado existente, ou seja:
· Os pedidos de renovação anteriores a 09/11/2008 (a MP 446/2008 foi publicada em 10/11/2008), estão DEFERIDOS na forma do caput do art. 37 da MP 446/2008.
· Os pedidos de renovação protocolizados posterior à data vigência da MP 446/2008, serão devolvidos (documentos) para a respectiva entidade, para que esta formalize o pedido junto ao Ministério competente.
Qual a forma de publicização dos efeitos jurídicos das renovações deferidas em função do caput do art. 37?
- Constará em Resolução publicada no D.O.U. a relação contendo o número do processo e a identificação da entidade e a correspondente validade do Certificado renovado em razão da MP 446/2008.
A partir dessas respostas, dadas pelo próprio CNAS, fica claro que a Resolução do CNAS tem o condão apenas de “conferir publicidade” à renovação automática do CEBAS, já que a normatização dada pela MP nº. 446/2008 é auto-aplicável.
Assim, desde que o pedido de renovação seja anterior a 09/11/2008 (a MP 446/2008 foi publicada em 10/11/2008), estará DEFERIDO na forma do caput do art. 37 da MP 446/2008.
4. Fim da suspensão dos dispositivos da Lei nº. 8.245/91, que regulamentavam a concessão do CEBAS
A MP nº. 446 dispôs em seu artigo 48 que revogava o art. 55 da Lei nº. 8.212/91. Tal dispositivo regula a imunidade das contribuições sociais.
A MP suspende (paralisa temporariamente) as leis ou dispositivos de lei com ela incompatíveis. Quando aprovada e convertida em lei, aí sim revogará as leis incompatíveis. Caso contrário, tem fim a aludida suspensão, retornando à vigência os dispositivos de lei paralisados temporariamente pelo advento da Medida Provisória.
Assim, não obstante o texto da MP nº. 446 determinasse que o artigo 55 da Lei nº.8.212/91 foi “revogado”, é preciso lembrar que medida provisória não tem o condão de revogar lei; a eficácia de uma medida provisória limita-se a apenas suspender a eficácia da legislação com ela incompatível. Logo, outra conclusão não há, a não ser de que, com a rejeição da MP nº. 446, o art. 55 da Lei nº. 8.212/91 volta a viger.
5. Conclusão
Como se percebe, a rejeição expressa da Medida Provisória não resolveu o imbróglio jurídico que ela própria instalou no ordenamento jurídico brasileiro, pelo contrário, acabou por intensificá-lo. Assim, melhor conclusão não cabe ao presente artigo: vamos esperar pelos próximos capítulos. Se porventura for editado o Decreto Legislativo destinado a regulamentar os efeitos da MP nº. 446/2008 ou até mesmo aprovado projeto de lei regulamentando a matéria da certificação, poder-se-á afirmar com segurança qual será o destino brasileiro em matéria de certificação das entidades filantrópicas e da imunidade tributária das mesmas.
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC/PR. Advogada e professora na área do Direito Tributário. Advogada do Lewis & Associados (www.lewis.adv.br).
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