I – HISTÓRICO RECENTE DOS SISTEMAS DE TRABALHO
Os sistemas de relações de trabalho vêm sofrendo um processo de mudança, ocorrido também no cenário internacional.
Há mais ou menos 20 anos, países capitalistas vêm conhecendo estas alterações cuja principal característica é a transferência do controle do uso do trabalho, do espaço público para o privado.
O período de crescimento do pós-guerra, de 50 ao final dos anos 70, representou um período de desenvolvimento sustentado, com a geração de empregos e redução do poder das empresas de controlar o uso do trabalho.
A alta capacidade de gerar empregos relativamente estáveis, os aumentos sistemáticos do salário real e a progressiva elevação dos gastos públicos possibilitaram um maior domínio dos trabalhadores sobre as negociações coletivas e uma ampliação da ação do Estado, no sentido de coibir o uso depreciativo da força de trabalho por parte das empresas.
Tal processo pode ser visualizado como deslocamento e socialização das relações de trabalho, sendo assim um processo que reduziu o caráter privativo das relações de trabalho, minimizando por conseguinte, o espaço de construção no interior das empresas.
Esta foi uma característica marcante do pós-guerra, com exceção do Japão, que manteve o controle das relações de trabalho no interior das empresas, graças à repressão ao movimento sindical que o governo impôs, garantindo a elas a construção própria das relações de trabalho.
De meados dos anos 70 até hoje, a tendência vem sendo um desmonte progressivo daqueles sistemas. De maneira crescente, vai se reconstruindo o poder das empresas sobre a determinação das relações de trabalho diretamente com seus trabalhadores, em várias situações com a presença de sindicatos.
Progressivamente, verificamos que perdem importância os contratos e os acordos coletivos nacionais por setor e ganham importância os acordos por empresas, que vão se moldando às necessidades de cada uma delas.
Assim, os contratos e acordos de trabalho estão se adaptando às características específicas de cada uma das empresas.
Trata-se de uma tendência mundial.
Desta feita, na grande maioria dos países amplia-se a ocorrência dos contratos e acordos coletivos realizados nas empresas, graças ao baixo crescimento econômico e ao aumento do desemprego, entre outros fatores.
Neste mesmo período pós década de 70, observamos a utilização de novos conceitos como a globalização, a mundialização, a internacionalização das economias e, independentemente do conceito empregado, é inegável que temos um acirramento da competição entre as nações, um período de profunda concorrência, com aprofundamento de uma das características marcantes do desenvolvimento econômico deste século, que é o movimento de concentração do capital.
Nesses últimos vinte anos a rapidez com que tem ocorrido a concentração de riquezas em torno das instituições financeiras é enorme.
Atualmente, as empresas tem um poder imenso de pressão sobre os trabalhadores e sobre os sindicatos, para que firmem acordos no âmbito das empresas, rompendo o padrão de organização setorial e nacional que prevalecia anteriormente, face à ameaça constante de desemprego.
As condições de trabalho, suas funções, bem como os salários e consectários são, de forma crescente, determinados e adaptados pela especificidade da relação construída junto à empresa.
Neste cenário, surgem idéias como trabalho polivalente, banco de horas, participação nos lucros das empresas, pontuando significativamente os acordos coletivos feitos no âmbito empresarial, principalmente no Brasil.
A cada novo momento da ampliação do desemprego, as empresas exigem uma nova flexibilização das relações de trabalho, no sentido de se re-apropriarem do controle do uso do trabalho em detrimento da esfera pública (que se encontra cada vez mais limitada e restringida), dos sindicatos e da política pública do Estado.
II – GLOBALIZAÇÃO
As transformações fundamentais nas relações de trabalho tiveram como efeitos : o aumento das forças produtivas em todo mundo pelos processos de concentração de capitais e a diminuição da demanda de trabalho vivo no processo produtivo em virtude do incremento da tecnologia de produção.
Desarticularam-se as bases materiais e sociais que haviam sustentado o elevado dinamismo e a relativa estabilidade do ciclo de crescimento econômico do pós-guerra.
Os deslocamentos de poder econômico e político gerados pela globalização dos negócios tendem a enfraquecer o controle da sociedade sobre as forças do mercado.
No plano econômico, o problema reside na dificuldade de harmonizar o caráter predatório da concorrência com a capacidade de a sociedade nacional preservar a integridade de seus sistemas produtivos, o que está comprometendo a reprodução de mecanismos de solidariedade orgânica entre as classes sociais.
No plano político, a dificuldade encontra-se no fato de que a disputa pelo monopólio das novas tecnologias, pelo acesso às matérias-primas estratégicas e pelo controle dos mercados mundiais está acirrando as rivalidades entre os Estados, minando as bases da ordem econômica social.
Submetidos aos imperativos da concorrência em escala global, os Estados ficam sujeitos a pressões para ajustar sua economia e sua sociedade aos novos imperativos do capital internacional.
Poderíamos simplificar o processo de globalização dizendo que o Estado perdeu sua renda, o Sindicato perdeu sua força, a lei se recusava a avançar, tudo isso levando a um achatamento do poder aquisitivo. Tal círculo passou a ser vicioso e como não havia novo mundo para se explorar, era preciso reinventar.
Foram invadiu mercados alheios, caindo por terra barreiras nacionais, embora sempre menos nos países de ponta que nos periféricos.
Inverte-se o movimento entre produção e consumo. A primeira é repensada e torna-se variada e variável, quase sob medida, otimizando e cortando custos de forma crescente, em busca da qualidade total.
III – IMPACTO NO CENÁRIO BRASILEIRO
Analisando a experiência brasileira percebe-se um sistema de relações de trabalho frágil, em grande medida pela ausência de articulação de um controle sindical efetivo sobre o uso do trabalho aliada a manutenção de estruturas de relações trabalhistas definidas por legislação e controle público baseados ainda nos anos 40.
Em momentos da década de 60, quando o movimento sindical desenhava o rompimento com a estrutura sindical e com a forma de estruturação das relações de trabalho prevalecentes no país, houve uma forte repressão, sendo que o governo ditatorial coibiu a ação do movimento sindical, transformou o sistema de relações de trabalho e deu maior controle do uso do trabalho ao setor privado, no momento que o mercado de trabalho era favorável à estruturação do movimento sindical.
Nos anos 80 há pouco avanço na regulação formal das relações de trabalho, em contraponto com o grande avanço político, cujo ápice foi a Constituição de 88, seguida pela primeira eleição presidencial do País, após o período militar.
Nesta conjuntura, o mercado de trabalho encontra-se deteriorado em termos de emprego e renda, fragilizado, marcado tanto pelo desmonte de segmentos importantes da estrutura produtiva quanto pelo processo brutal de internacionalização da economia brasileira, face a crise mundial.
Nestes últimos anos, as empresas vêm demandando uma mudança no padrão de relações de trabalho no Brasil e exigindo a flexibilização do trabalho. Mas é preciso também deixar claro que o mercado de trabalho sempre foi flexível no país. O uso e a alocação do trabalho, bem como a definição de funções do trabalhador, sempre foram prerrogativas das empresas. Os sindicatos nunca conseguiram intervir de maneira mais intensa no processo.
Neste cenário, o governo apresenta uma sugestão de adaptação da estrutura sindical à realidade de mercado, mas na verdade não quer a mudança da estrutura sindical, mas sim flexibilização dos direitos sociais no sentido de ampliar o poder das empresas de determinar um padrão das relações de trabalho. Alega que é necessário adaptar a estrutura sindical ao novo padrão de relações de trabalho que o mercado vem impondo, e que precisa mudar e dar maior liberdade de negociação aos sindicatos.
O impacto desestruturante da globalização dos negócios foi devastador. A industrialização para substituição de importações, que avançava pela linha de menor resistência, ancorada no Estado e impulsionada pelas grandes empresas multinacionais, revelou-se particularmente vulnerável às novas tendências do sistema capitalista mundial.
A crise do processo de industrialização, cujos primeiros sintomas começaram a aparecer ainda na primeira metade da década de 70, tornou-se patente nos anos 80, após a crise da dívida externa. Uma década de estagnação da renda per capita, de obsolescência das forças produtivas e de desmantelamento do Estado desarticularam as bases do movimento de substituição de importações. Sem condições de enfrentar os desafios da concorrência internacional, o Brasil tornou-se presa de poderosos processos econômicos e políticos que conduzem à reversão neocolonial.
No início dos anos 90, o Brasil capitula às recomendações do Consenso de Washington. Desde então, organiza sua economia e sua sociedade em função da necessidade de ajustar-se aos imperativos da mundialização do capital. Não é difícil imaginar os efeitos catastróficos deste processo de formação da economia e da sociedade brasileira, quando se leva em consideração a dimensão continental de seu território; o imenso contingente populacional excluído das benesses do desenvolvimento; a acentuada heterogeneidade regional e o elevado grau de urbanização, hoje equivalente ao dos países mais industrializados do mundo.
O governo federal denunciou a Convenção 158 da OIT, que estabelece normas limitadoras do poder absoluto do empregador em efetuar demissões. Por força de seus dispositivos, tanto a demissão individual quanto a coletiva precisam preencher determinados procedimentos para alcançar a regularidade jurídica. Essa Convenção ficou em vigor apenas por 10 meses, sendo denunciada por meio do Decreto 2.100/96. Com essa denúncia, o caminho ficou novamente livre para as demissões sem justa causa, mais uma medida que contribuiu para a precarização do mercado de trabalho num momento em que havia uma tendência ao aumento do desemprego e o governo desejava eliminar qualquer entrave para a quebra da estabilidade dos servidores públicos.
Na relação com os seus servidores, o governo federal adotou uma política de retirada de direitos e controle e restrição da prática sindical, limitando o número de dirigentes sindicais nas suas associações de classe, estabelecendo um forte controle sobre as negociações das empresas estatais, promovendo uma reforma administrativa com a clara intenção de flexibilizar as formas de contratação e quebrar a estabilidade dos servidores públicos, adotando postura de não negociação com as entidades dos servidores públicos, não reconhecendo o direito de greve para os servidores públicos e estabelecendo punições em caso de paralisações.
A opção do governo para enfrentar o crescente problema do desemprego foi acentuar a flexibilidade do mercado de trabalho, com a adoção do Contrato por prazo determinado (lei 9601/98). Além da redução fiscal, as empresas que admitirem pessoal nos termos da lei passarão a ter preferência no acesso a créditos do BNDES. A mesma lei instituiu o banco de horas, iniciativa que visa permitir uma utilização mais flexível da jornada de trabalho por parte da empresa, com o ajuste da utilização da mão-de-obra de acordo com os fluxos de produção durante o ano.
As condições de trabalho são pautadas na atualidade pela realidade da força empregadora, enquanto a reforma trabalhista não é colocada em prática pelo poder Legislativo.
Relega-se ao desequilíbrio o embate das forças trabalhistas no ajuste mercadológico, cruel ao trabalhador num sistema em franca desaceleração cambial pelo abuso excessivo do capital imobiliário americano.
Professora Universitária. Defensora Pública - MG e Mestre em Direito
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Isabel Cristina Raposo e. Análise histórica e impacto das alterações nas relações de trabalho até a globalização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 fev 2009, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16806/analise-historica-e-impacto-das-alteracoes-nas-relacoes-de-trabalho-ate-a-globalizacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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