1. A JUSTIÇA MILITAR BRASILEIRA
Para que se possa ter uma noção satisfatória sobre o contexto da chamada Reforma Constitucional que está se operando na Justiça Militar brasileira, necessário se faze uma ligeira introdução sobre esta Justiça Especializada, que no Brasil está subdividida em Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual.
1. 1. JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO
A Justiça Militar da União é federal, tem por competência julgar e processar os crimes militares definidos em lei, não importando quem seja seu autor, o que vale dizer que julga inclusive o civil.
Possui jurisdição em todo território brasileiro.
São órgãos desta Justiça Militar da União, o Superior Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes Militares instituídos em lei.
Compõem o Superior Tribunal Militar (STM) 15 Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo 03 dentre Oficiais-Generais da Marinha, 04 dentre Oficiais-Generais do Exército e 03 dentre Oficiais-Generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira e, 05 dentre civis.
Os Ministros civis serão escolhidos também pelo Presidente da República sendo, 03 dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de 10 anos de atividade profissional, e 02 por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público Militar.
Em relação à Justiça Militar da União, aonde o constituinte emendador ainda não estabeleceu consenso (o texto retornou à Câmara), constata-se que haverá uma redução do número de Ministros do Superior Tribunal Militar previsto no art. 123 da Carta, caindo de 15 para 11, diminui o número de ministros militares e apesar de diminuir o número de ministros civis, a reforma privilegia os juízes auditores, o que nos parece natural e justo já que são juízes de carreira. Devem ficar portanto: 2 ministros da marinha, 3 do exército, 2 da aeronáutica e 4 civis, sendo 2 oriundos da carreira de juiz-auditor, 1 da carreira de advogados e um da carreira do ministério público militar.
Diferentemente da mudança operada em relação à Justiça Militar Estadual, não há previsão da figura do Juiz de Direito, nem muito menos da Presidência dos Conselhos passar para o Juiz-Auditor, o que poderá ocorrer de lege ferenda, através do processo legislativo que a própria Constituição estabelece.
O texto proposto para o art. 124 mantém a competência ampla de processar e julgar os crimes militares definidos em lei, independentemente de quem seja o seu autor (e aí não existe alteração nenhuma), mas é acrescido da nova competência de exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas.
A Justiça Militar da União está prevista entre os artigos 122 a 124 da Constituição Federal de 1988, tutelando os valores que são caros para as Forças Armadas do país.
O Superior Tribunal Militar e, por extensão, a Justiça Militar Brasileira, foi criado quando da vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1º de abril de 1808, por Alvará com força de lei, assinado pelo Príncipe-Regente D. João VI e com a denominação de Conselho Supremo Militar e de Justiça. É, portanto, o mais antigo Tribunal Superior do País; existindo há quase 200 anos. Além de ser a 2ª instância da Justiça Militar da União, o Superior Tribunal Militar tem competência originária para processar e julgar os Oficiais Generais, bem como de decretar a perda do posto e da patente dos Oficiais que forem julgados indignos ou incompatíveis para com o oficialato.
1. 1. JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL
A Justiça Militar Estadual tutela dos valores que são caros para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, a ela competindo processar julgar os crimes militares definidos em lei, desde que praticados por policiais e bombeiros militares.
É uma competência criminal restrita, dela escapando os civis. Sua jurisdição milita-se ao território de seu Estado ou do Distrito Federal.
Atualmente, conquanto a Constituição Federal preveja a possibilidade dos Estados criarem Tribunais Militares quando o Efetivo Militar estadual ultrapasse o efetivo de 20.000 integrantes, somente três Estados, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, possuem tribunais militares próprios.
‘ No Rio Grande do Sul, a Justiça Militar existiu mesmo antes da Justiça comum. Chegou a bordo das naus portuguesas que integravam a expedição militar de Silva Paes, em 1737’. [2]
Seu Tribunal Militar criado em 1918 é o mais antigo Tribunal Militar estadual do país.
Já o Tribunal Militar do Estado de São Paulo foi criado em 1937.
Como bem disse seu então Presidente, por ocasião do 61º aniversário daquela Corte, ‘efetivamente, forçoso é convir que a nível de Justiça de Alçada, somos a Corte Paulista mais antiga, historicamente’. [3]
Por fim, o Tribunal Militar do Estado de Minas Gerais data de 1946.
‘A história da Justiça Militar em Minas Gerais remonta ao cenário constituído pela chegada do político gaúcho Getúlio Vargas à Presidência da República em 1930. A era Vargas (1930-1945; 1950-1954), apesar de contraditória deixou como principal legado a consolidação definitiva da soberania e da organização do aparato estatal brasileiro. Entre inúmeras conquistas brasileiras originadas nesse período está a Justiça Militar no Estado, por meio da Lei nº 226, de 09.11.1937’. No primeiro momento a instituição era composta apenas de um auditor e de Conselhos de justiça, cabendo à Câmara Criminal da Corte de Apelação (atual Tribunal de Justiça) o julgamento em 2ª instância. Essa situação perdurou durante 09 anos quando finalmente em 1946, a Constituição da República incluiu a Justiça Militar Estadual como órgão do Poder Judiciário dos Estados. Ainda em 1946, a Lei de organização judiciária do Estado de Minas Gerais reestrutura as Justiças Militares, criando o Tribunal Supremo de Justiça Militar, com sede em Belo Horizonte. [4]
Os demais Estados brasileiros e o Distrito Federal possuem o 2º grau da Justiça Militar no seu respectivo Tribunal de Justiça.
No contexto da chamada “Reforma do Judiciário”, significativas mudanças já aconteceram e irão acontecer na Justiça Militar brasileira com a já promulgada Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, e desde que mantida a atual redação já aprovada pela PEC nº. 358/2005, que também altera a estrutura e amplia a competência da Justiça Militar da União.
Demorada, tramitando agora já há praticamente 14 anos no Congresso Nacional, as mudanças já acontecidas e aquelas propostas podem ser assim relacionadas:
2. CONTROLE EXTERNO DO PODER JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIROS
Criados pela EC nº 45/2004, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público foram concebidos como mecanismo de controle externo.
Alteraram profundamente tanto o Judiciário como o Parquet brasileiros, já que passaram a fazer parte de suas respectivas estruturas (art. 92, I-A e 130-A, da CF), sendo que suas decisões somente podem ser revistas pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, r, da CF).
Assevera Emerson GARCIA que os dois Conselhos, em comum apresentam uma composição híbrida, na qual coexistem membros dos órgãos controlados e agentes estranhos aos seus quadros; possuem atribuição para rever atos de cunho administrativo; têm poder disciplinar, podendo aplicar sanções que não a perda do cargo; serão municiados com informações colhidas por ouvidorias a serem criadas e devem elaborar relatório anual sobre suas atividades e a situação dos órgãos controlados no Brasil, relatório este que integrará a mensagem a ser encaminhada ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa. Embora não tenham ingerência direta nos atos de cunho funcional é manifesta a influência que podem exercer na atividade regular dos membros do Ministério Público e do Judiciário. [6]
Para o autor, que é membro do Ministério Público do Rio de Janeiro, apesar da pureza dos fins almejados, qual seja, aperfeiçoar a estrutura das Instituições controladas, de modo a eliminar os abusos que teriam sido praticados sob o signo da autonomia, a operação de transposição da plasticidade de suas linhas estruturais para a realidade tem ensejado o surgimento de não poucas dúvidas. Em caráter meramente enunciativo, podem ser apresentados: a) o alcance do poder normativo dos Conselhos; e b) a identificação de linha limítrofe entre a atuação dos Conselhos e a autonomia das Instituições controladas.
Não é objetivo deste ensaio, analisar os referidos Conselhos, por isso, se remete o leitor, ao precioso e sereno trabalho já referenciado de Emerson GARCIA.
Basta dizer, por ora, que em sede de cognição sumária, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 12, sendo relator o eminente Ministro Carlos Ayres Britto,que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, na Resolução do Conselho Nacional de Justiça, a força de diploma normativo primário, força esta, que por uma identidade de razões, se estendeu também às resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público.
Mas também lamentar, que na composição do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, CF) não tenha sido contemplado representante da Justiça Militar, que é parte integrante do Poder Judiciário pátrio (art.92, VI, CF). Mesmo porque o Ministério Público Militar integra o Conselho Nacional do MP, tendo sido assegurada a participação de 4 membros do Ministério Público da União, garantida a representação de cada uma de suas carreiras (art. 130-A, II,CF).
Esta lacuna incompreensível no Conselho Nacional de Justiça foi percebida por um de seus Conselheiros, o jurista Alexandre de Moraes, quando visitou os Presidentes dos Tribunais Militares Estaduais reunidos em São Paulo, nos dias 07 e 08 de junho de 2006, ocasião em que, em conversa, cobrou dos Juízes da Justiça Militar Estadual que se apresentassem aos membros do Conselho Nacional de Justiça, não só para fazer conhecer a Justiça Militar Estadual, como também para participar da Comissão que estuda a valorização dos magistrados nacionais e a segurança destes. [7]
3. MUDANÇAS QUANTO À ESTRUTURA E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR
Neste ponto sempre é bom destacar que a Justiça Militar brasileira é sui generis, apresentando duas espécies distintas, a saber, a Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual.
Dentre elas, as mudanças mais significativas ocorreram na Justiça Militar Estadual, já fazendo parte do texto aprovado da referida EC 45.
Há substancial alteração na redação do art. 125 da CF, em especial nos seus §§ 3º, 4º e 5º, como será demonstrado a seguir.
3.1. CRITÉRIOS PARA CRIAÇÃO DE TRIBUNAL MILITAR ESTADUAL
No § 3º mudou-se apenas a referência para a criação do Tribunal de Justiça Militar, com relação ao efetivo de cada Corporação, apontado agora como efetivo militar, para entender-se considerado no efetivo militar inclusive os integrantes dos Corpos de Bombeiros Militares. Ao mesmo tempo ressalva a competência do tribunal do júri quando a vítima for civil e mantém a competência do tribunal competente para decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Analisando este critério para criação de Tribunal Militar Estadual, Ronaldo João Roth asseverou que, dessa forma, o Texto Constitucional, quanto à criação do Tribunal de Justiça Militar, disciplinou-o em seu § 3o do artigo 125, e, mantendo a permanência condicionada ao efetivo da Instituição Militar estadual, com maior precisão agora o constituinte derivado vinculou a possibilidade da existência daquela Justiça Especializada diante do requisito quantitativo de militares no Estado, ou seja, ao efetivo militar estadual superior a vinte mil integrantes e não ao efetivo da Polícia Militar, como ocorria no Texto anterior.
É que a expressão efetivo militar estadual engloba o efetivo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar, Instituições essas que integram o sistema de segurança pública brasileiro, consoante explicitado na Carta Magna (artigo 144, V, e § 6o).
Ocorre que em alguns Estados essas duas Corporações integram uma mesma Instituição, como é o exemplo o Estado de São Paulo, sendo certo que na maioria dos Estados existem separadamente as duas Instituições militares estaduais .[8]
Vários Estados brasileiros, atualmente, já possuem efetivo militar superior a 20.000 integrantes, o que autorizaria a iniciativa de lei por parte do Tribunal de Justiça correspondente para a criação da Corte Militar, como Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e Pernambuco. O debate, portanto, seria de natureza política, entre as forças operantes da Unidade da Federação, ponderando a conveniência e oportunidade de tal criação.
A questão do Estado do Paraná merece uma ressalva.
Como já dissemos alhures [9], em que pese não ter sido instalado, por força da Emenda Constitucional nº. 1, de 17.10.1969, que abolindo a possibilidade de serem criados os Tribunais especiais nos Estados, manteve apenas aqueles já existentes antes de 15.03.1967, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ chegou a ser criado pela Lei Estadual nº. 5.796, de 24 de junho de 1968.
Dizíamos então que com a edição da EC nº. 01/69, nos pareceu que houve uma precipitação da parte do Poder Judiciário Paranaense, eis que o impedimento da instalação do Tribunal Militar Estadual operou-se ex tunc, contendo o que já havia sido legalmente criado e já estava dentro do contexto do Judiciário das Araucárias. E não se diga que a orientação para não se instalar a Corte Militar era da esfera federal pois tal justificativa não convence.
Ora, a Lei Complementar nº. 35, de 14.03.1979, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOM), editada quase 10(dez) anos após a Emenda Constitucional nº. 01/69, reconhece como legítimo o Tribunal de Justiça Militar do Paraná.
Em português escorreito, o art. 18 da LOM estabelece que são órgãos da Justiça Militar Estadual os Tribunais de Justiça e os Conselhos de Justiça, cuja composição, organização e competência são definidas na Constituição e na lei.
O parágrafo único traz com clareza que nos Estados de Minas Gerais, Paraná (grifamos), Rio Grande do Sul e São Paulo, a segunda instância da Justiça Militar Estadual é constituída pelo respectivo Tribunal Militar, integrado por Oficiais do mais alto posto da Polícia Militar e por civis, sempre em número ímpar, excedendo os primeiros aos segundos em uma unidade.
3.2. RESSALVA DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA
A ressalva da competência dos crimes dolosos contra a vida põe fim à controvérsia sobre a Lei nº 9.299/96, tida por muitos, dentre os quais nos incluímos, como inconstitucional já que operou por lei ordinária o deslocamento da competência fixada pela Constituição Federal.
Não iremos aprofundar a análise acerca da controvertida questão dos crimes dolosos contra a vida, mas podem-se fazer algumas considerações :[10]
Parece-nos claro que os crimes dolosos contra a vida – e dentre eles o de homicídio, sempre receberam a repulsa do Estado politicamente organizado.
No Brasil, a sistemática adotada pelo Código Penal Militar diverge de seu correlato comum na previsão de tais crimes.
Não resta dúvida de que o homicídio doloso praticado contra civil continua sendo crime militar, a previsão do art. 205 e a própria sistemática do CPM autorizam esta convicção.
Nem a Lei 9.299/1996, nem a EC 45/2004 retiraram a natureza militar do crime de homicídio, operando apenas um deslocamento de competência de questionável técnica jurídica.
Conquanto processado e julgado pela Justiça comum (Tribunal do Júri), é a Justiça Militar quem diz se o crime é ou não doloso contra a vida, e desta forma é a polícia judiciária militar a competente para investigá-lo, sendo o inquérito policial militar o instrumento hábil para tal mister.
Por conta desse deslocamento de competência – operado apenas em relação à Justiça Militar Estadual, florescem os conflitos processuais, que em nada auxiliam a prestação jurisdicional, mas ajudam a emperrar a máquina judiciária do Estado.
3.3. PRESIDÊNCIA DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA
A maior mudança diz respeito à figura do Juiz de Direito (ex - Juiz-Auditor), que passa a ser o Presidente dos Conselhos de Justiça, em detrimento dos Oficiais Superiores da Corporação, rompendo uma tradição que vem desde o nascimento da Justiça Militar brasileira, que ocorreu com a vinda de D. João VI ao Brasil e a criação do Conselho Supremo Militar e de Justiça (atual STM), em 1º de abril de 1808. [11]
Discorrendo sobre essa alteração, aduz Ronaldo João ROTH [12] que situação nova trazida também pela EC n. 45 foi a mudança da presidência do Conselho de Justiça, agora centrada na pessoa do juiz de direito e não mais na pessoa do militar de maior patente, consoante estabelecia a legislação infraconstitucional.
Veja que essa mudança significativa no colegiado castrense determina a alteração da legislação infraconstitucional (Lei de Organização Judiciária, CPPM etc) que estabelecem que a presidência do Escabinato recaia sobre o militar de maior patente e obrigatoriamente seja o mesmo um oficial superior.
Os oficiais na Instituição Militar são de diversas categorias: subalternos (Tenentes), intermediários (Capitães) e superiores (Majores, Tenente Coronéis e Coronéis), logo, como se falou, observando a tradição da legislação infraconstitucional, a presidência do Conselho de Justiça sempre foi reservada para o militar de maior patente naquele Escabinato.
À presidência do Conselho de Justiça a lei reservou, em síntese, os atos de abertura e encerramento da sessão, o controle do tempo de fala das partes, a ordenação de votos pelos outros juízes que integram aquele Colegiado e a polícia das sessões, esta exercida concomitantemente com as atribuições do juiz de direito (artigo 385 do CPPM).
No referido Colegiado da Justiça castrense, além do presidente, o juiz de direito exercia preponderante atividade de ouvir as pessoas (réu, ofendido e testemunhas), de fazer as reperguntas dos juízes militares (temporários) e das partes, como também a de relatar o processo e votar em primeiro lugar (art. 435 do CPPM), no julgamento propriamente dito, também cabendo-lhe redigir a sentença (art. 438, § 2o, do CPPM).
Com o advento da mudança constitucional, passando a presidência do Conselho de Justiça para o juiz de direito, há uma significativa alteração nas atividades conferidas aos juízes do Escabinato castrense, pois agora exclusivamente o juiz de direito é que detém atribuições de preponderância sobre os outros quatro juízes militares (temporários).
A atividade dos juízes militares ficou assim limitada à participação na instrução probatória com as reperguntas que lhe são devidas e às decisões do Escabinato, sempre tomadas por votação e, no mínimo, por maioria de votos.
2.4. COMPETÊNCIA SINGULAR PARA O JULGAMENTO DOS CRIMES COMETIDOS CONTRA CIVIS
Inova a Emenda Constitucional aprovada igualmente ao dispor que ao Juiz de Direito do Juízo Militar competirá decidir singularmente os crimes militares praticados contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares.
Em relação às ações judiciais contra atos disciplinares militares é fácil entender: não seria crível que o Conselho, formado muitas vezes por oficiais de menor posto ou antiguidade que o Comandante Militar apontado como autoridade coatora, pudesse julgar tais processos, o que não ocorre em relação ao Juiz de Direito, protegido pelas garantias da magistratura que a própria Constituição lhe estabelece. [13]
Já em relação aos crimes militares praticados contra civis, há inequívoco atrapalho deste “constituinte emendador” (pode parecer deselegante, mas esta foi a 45ª emenda à Constituição, em 16 anos) [14], pois não existem embasamentos jurídicos, técnicos ou lógicos, que justifiquem tal figura processual teratológica.
Basta imaginar, p.ex., que se um militar estadual, dentre as diversas hipóteses que norteiam a ocorrência de crime militar previstas no art. 9º do CPM, praticar furto, estupro, estelionato ou lesão corporal contra um civil (crime militar impróprio), o processo será instruído e julgado singularmente pelo Juiz de Direito. Porém, nos mesmos casos, se a vítima for outro militar – e só por isso, o processo será instruído e julgado pelo Conselho de Justiça. Isso sem falar nas hipóteses de ocorrência de conexão em relação às vítimas, ou seja, um militar estadual pratica lesões corporais contra duas vítimas, sendo uma militar e a outra civil: E agora, cinde-se o processo, cabendo o julgamento daquele feito em que a vítima é civil para o juiz de direito, e aqueloutro em que a vítima é militar para o conselho de justiça? Ou o juiz de direito exercerá vis atractiva sobre o fato cometido contra o militar e julgará os dois? Ou a vis atractiva será exercida pelo Conselho? Só o tempo dirá, depois de muitas e muitas decisões em sede de conflito de competência, que só contribuirão para o procrastinamento dos feitos e descrédito da Justiça.
Ronaldo João ROTH enfrentou bem a questão, lembrando que a expressão “crimes militares cometidos contra civil” poderia levar a conclusão de que seriam somente “aqueles cuja vítima seja civil” e não o prejudicado. Ora, imagine-se um homicídio (artigo 205 do CPM) inter milites, cuja competência é da Justiça Castrense e, em especial, do Conselho de Justiça; tal fato sofreria insegurança se fosse se considerar a família da vítima (civil) havendo, nesse falacioso raciocínio, um aparente conflito de competência entre o juiz singular e o juízo colegiado castrense.
Com a mudança constitucional, o constituinte derivado quis deixar à competência do juiz de direito singularmente, e não ao Conselho de Justiça, os delitos militares que objetivamente atingem o bem jurídico da vítima primária, o civil, como ocorre nos crimes contra a pessoa e contra o patrimônio.
Mas, não é somente isso. O civil pode ser vítima primária de crime militar nos delitos: contra a pessoa (homicídio, lesão corporal, ameaça etc), e contra o patrimônio (furto, roubo, apropriação indébita etc), tipos penais esses que serão processados e julgados perante o juiz de direito, e ser vítima secundária de crime militar nos delitos contra a Administração Pública, tipos penais estes últimos que deverão merecer apreciação pelo Conselho de Justiça e não pelo juiz de direito.
Assim, há delitos militares em que o civil pode ser vítima primária, isso equivale dizer que ela é titular do bem jurídico tutelado pela Lei Penal Militar (vida, liberdade, honra, patrimônio etc), no entanto, nos crimes contra a Administração Pública, o sujeito passivo em primeiro plano é o Estado ou a Administração Pública, como é o caso do peculato, da concussão e da corrupção passiva, podendo eventualmente o civil ser sujeito passivo secundário.
Para o ilustre autor, portanto, essa questão impõe então uma reflexão sobre a importância do bem jurídico tutelado para determinar o órgão julgador da Justiça Militar estadual que deverá atuar no processo e no julgamento da matéria, concluindo que, realmente, o melhor critério para definir a competência interna do Juízo Castrense de Primeira Instância singularmente ao juiz de direito, quando a vítima é civil, não deve alcançar os delitos em que eventualmente e de modo secundário o civil possa ser sujeito passivo daqueles crimes, devendo a interpretação para tal respeitar o bem jurídico tutelado e a classificação do crime, dele decorrente, e não o critério sui generis da vítima civil. [15]
Também não é difícil de imaginar que nos processos de crime militar praticados contra civis, o julgamento forçosamente deixará de ser oral e solene, o que será mantido apenas em relação daqueles crimes de Competência do Conselho de Justiça. Carece de sentido que as alegações escritas sejam debatidas em plenário [16] perante apenas o Juiz de Direito. Vê-se, portanto, que de forma reflexa (já que a idéia inicial e injusta era extinguir a justiça militar estadual), a Emenda Constitucional 45 acabou descaracterizando a Justiça Militar Estadual em seus aspectos intrínsecos, como a permanente solenidade e a facilmente constatada celeridade que sempre a distinguiu da justiça ordinária, além, é claro, de jogá-la na vala comum da insatisfação dos jurisdicionados: deixará de ser ágil para tornar-se morosa, frente, principalmente aos inúmeros recursos que daqui para frente irão questionar competência, tanto dos feitos em andamento, como daqueles que estão por iniciar-se, em prejuízo das instituições militares que sempre estiveram sob sua tutela.
Alexandre Arone de ABREU, Juiz de Direito da Justiça Militar Estadual gaúcha, titular da Auditoria da Justiça Militar Estadual em Santa Maria, também adota nosso entendimento pela desnecessidade de realização da chamada sessão de julgamento perante o Juiz de Direito [17].
O ilustre Magistrado registra seu entendimento pela desnecessidade de realização de sessão de julgamento, ao contrário do adotado em votação majoritária pelo Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul – aliás, entendimento esposado apenas por esse órgão, dentre todos os juízos castrenses de primeiro e segundo grau brasileiros-, sem que tal signifique descumprimento da lei Adjetiva militar mas tão-somente a sua interpretação – ato típico de jurisdição – à luz de norma mais recente e de hierarquia superior, qual seja, a Constituição Federal de 1988 com a redação que lhe deu a emenda Constitucional nº. 45/2004.
Note-se que o CPPM alude a “sessão de julgamento” assim como também estabelece que todos (grifo) os processos deverão ser julgados pelos Conselhos de Justiça. E porque o faz? Porque, a toda evidência, o diploma processual refere-se a uma etapa constitucional em que inexistiam delitos que fossem julgados por outros órgãos jurisdicionais, como passou a ocorrer tão-somente a partir da publicação da EC 45/2004. Evidente que, a partir da edição de novo regramento geral – posterior e de hierarquia superior, como ocorre com a aludida EC 45/2004 em relação ao CPPM – este (o CPPM) deve adaptar-se àquela (a Constituição Federal emendada), e não o contrário.
Como conseqüência, continua lecionando o ilustre Magistrado com o qual concordamos, a não realização de sessão de julgamento nos feitos atribuídos à decisão do Juiz de Direito, singularmente, a par de não significar qualquer descumprimento da legislação processual, afigura-se desnecessário e, inclusive, vem ao encontro do princípio constitucional da razoável duração do processo e celeridade ( art. 5º, LXVIII, inserido pela EC 45/04).
Não há, por outro lado, qualquer afronta à publicidade dos atos, vez que as partes são intimadas da decisão com inteiro teor da sentença prolatada.
Por fim, a não realização de sessão de julgamento em casos que tais não traz qualquer prejuízo à ampla defesa. Ao contrário, a Defesa vem a ser até beneficiada, por ter conhecimento previamente da tese defendida pelo Ministério Público, já que em alegações escritas, o agente ministerial, manifesta-se evidentemente, antes da Defesa, a qual tem, portanto, enorme lapso de tempo para poder contestá-la.
Ronaldo ROTH, analisando as hipóteses de conexão entre vítimas e a conseqüente necessidade de cisão processual face a competência monocrática do Juiz de Direito, lembrou que tanto a conexão como também a continência são institutos de direito que processualmente determinam a reunião dos processos, pelo simultaneus processus, salvo casos especiais (artigo 102 do CPPM), logo, a despeito da EC n. 45 instituir a competência singular do juiz de direito para processar e julgar o feito, quando exista vítima civil, tal norma deverá ser implementada diante da sistemática processual vigente, admitindo, pois, o processo perante o Conselho de Justiça naquelas hipóteses legais, todavia, reservando-se o julgamento do delito cometido contra civil para o juiz de direito.
Essa medida do processamento único teria como vis attractiva os crimes de competência do Conselho de Justiça, seja, como se falou, por conexão ou por continência, trazendo economia processual à instrução do fato, quando então tornaria uno o processo.
O julgamento sim, como se falou, deve ser cindido (artigo 105 do CPPM), guardando-se a exclusividade imposta pela EC n. 45 e deixando os crimes contra civil para o julgamento do juiz de direito.
A sessão de julgamento pode ser única, todavia, será precedida da cisão do julgamento, permitindo que os crimes processados numa mesma instrução e com base numa única denúncia fossem julgados separadamente.
Como conseqüência do processo uno e garantindo-se a cisão do julgamento, também pelo mesmo princípio de economia processual, nada obsta a realização de uma única sentença, englobando o decisum de competência do Escabinato e o decisum de competência do Juízo Monocrático.
Nesse sentido, citem-se a precedentes na 1ª Auditoria Militar do Estado de São Paulo, nos Processos n. 36.709/03, 30.219/01 e 34.726/03, todos com o Juiz de Direito, Dr. Roth, e denominados de competência mista, dos quais o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, em grau de apelação, no último deles (34.726/03), tratando de apreciação dos crimes de extorsão e de uso de documento falso na Apelação n. 5.475/05 – Rel. Juiz Cel PM Fernando Pereira, houve por bem respaldar, acolhendo os procedimentos aqui comentados. [18]
Outra pergunta: Se o constituinte privilegiou os Juízes de Direito (magistrados togados) para o julgamento dos crimes cometidos contra civis (critério que se afasta do próprio conceito doutrinário de crime militar) – e aí restringiu ao máximo o escabinato [19] do 1º grau, como poderão os juízes militares dos tribunais (escabinato de 2º grau) julgar recursos em que a experiência da caserna não foi necessária no juízo a quo, mas sim, o indispensável conhecimento jurídico próprio dos juízes togados, principalmente nos processos de jurisdição cível? Ousamos dizer que na Justiça Militar Estadual, o escabinato, que era o ator principal, passou a ser mero coadjuvante, embora se reconheça que o sistema adotado por Ronaldo ROTH continua a privilegiar o Conselho de Justiça.
2.5. DA ORDEM DE VOTAÇÃO DOS JUÍZES DO CONSELHO – POSIÇÃO DAS CADEIRAS
Em decorrência da reforma levada a efeito na Justiça Militar Estadual por conta da EC 45/04, passou-se a questionar a necessidade de alteração na ordem de votação dos membros do Conselho de Justiça, seja ele Permanente ou Especial.
No entanto, ainda com a referida mudança, é de se indagar se a presidência do Escabinato castrense, função anteriormente exercida, como se falou, por um oficial superior de maior patente entre os juízes militares - e, pela ordem legal, sempre o último a votar, cabendo-lhe, pois, quando do empate na votação dos juízes que lhe antecederam (2x2), decidir pelo voto de minerva – passou agora ao juiz de direito, impondo a este votar também em último lugar, ou em primeiro lugar.
Essa questão é de extrema relevância no Escabinato castrense, uma vez que a lei infraconstitucional estabelece que a ordem de votação é a seguinte: primeiro vota o juiz de direito (antigo juiz auditor) e depois, na ordem inversa de antiguidade, votam os juízes militares, até o último voto, que é proferido pelo oficial superior de maior patente entre os militares (art. 435 do CPPM).
Note-se que a tradição da legislação castrense foi sempre a de reservar o primeiro voto ao juiz togado (juiz auditor e agora denominado constitucionalmente juiz de direito), pois este é o juiz técnico e aquele que irá conduzir e nortear o voto do Conselho de Justiça, relatando-o e expondo todas as questões de fato e de direito que envolvem a matéria, decidindo, preponderantemente, pelo viés do direito.
Desse modo, os juízes militares terão, antes de votar, o conhecimento do voto técnico, do voto de direito, proferido pelo juiz togado, podendo concordar com aquele voto ou dele discordar, sempre fundamentando seu posicionamento. [20]
Para Ronaldo ROTH, essa ordem de assento, estabelecida pela lei, coincide com a ordem de votação que, com o advento da EC n. 45, deverá seguir a seguinte ordem: primeiro vota o juiz de direito (que também é o presidente do Conselho de Justiça), depois votam os juízes militares na ordem inversa de antigüidade, até o de maior patente naquele Colegiado.
Encerrando-se a votação, cabe ao presidente do Conselho de Justiça prolatar o veredicto, mormente precedida do cômputo dos votos (convergentes ou divergentes) dos cinco integrantes do Escabinato castrense, portanto, essa é mais uma tarefa que se soma às atribuições do juiz de direito.
Essa divisão de atribuições no Conselho de Justiça, ordenando a sua funcionalidade, de maneira alguma retira as prerrogativas dos juízes militares na sua nobre e árdua tarefa de julgar, garantindo-se-lhes a imparcialidade e a independência de sua atuação e de seus votos, marcados pela ordem de votação e pela garantia de justificativa do voto (art. 438, § 2o, do CPPM), caso assim o decida.
Parece ao autor que a ordem de votação dos juízes militares, depois do voto do juiz de direito, estabelecida pela lei, tem uma razão de ser, pois, como já se falou, tendo como condutor o voto do juiz técnico, primeiro, dentre os juízes militares, vota o militar de menor patente e, assim sucessivamente, até o de maior patente.
Essa ordenação de votos entre os juízes militares permite que o militar de menor patente, tendo como base o voto do juiz de direito, vote desvinculadamente dos votos que lhe seguirão, logo, propicia não haver qualquer constrangimento do juiz de menor patente discordar do voto do juiz de maior patente, pois este voto até aquele momento é desconhecido.
Esse procedimento estabelecido no CPPM, logo após os debates levados a efeito pelo Ministério Público e pela defesa, publicamente, caracterizam a beleza e altivez do julgamento castrense, marcando a atuação do Escabinato castrense, perante os olhos de todos os presentes à sessão, reservando-se ainda a qualquer daqueles juízes o exercício de justificar o seu voto, inclusive o próprio juiz de direito. [21]
Em sentido contrário – nos parece em uma posição isolada, está Eliezer Pereira Martins,para quem com o advento da EC nº. 45/2004, não mais prospera a regra do art. 435 do CPPM, assim, na sessão de julgamento, o Presidente do Conselho (Juiz de direito) convidará os juízes a se pronunciarem sobre as questões preliminares e o mérito da causa, votando em primeiro os juízes militares, por ordem inversa de hierarquia e, finalmente, o Juiz de direito do Juízo Militar. [22]
Para o autor, a inobservância do critério de ordem de votação aqui apontado é nulidade que causa prejuízo evidente ao réu, posto que a autoridade do Juiz de Direito do Juízo Militar inferirá seguramente no convencimento dos juízes militares, fazendo preponderar o juízo da autoridade sobre o juízo da justiça e do direito livremente fixados, razão pela qual aduz que o requerimento de observância da ordem de votação que ele defende seja feito ao final dos debates; que eventual indeferimento seja objeto de registro na ata de sessão de julgamento, entendendo por fim que a inobservância dessa ordem de votação por ele proposta, dará ensejo a habeas corpus por nulidade do processo.
Para Ronaldo ROTH, não deve passar despercebido nesse comentário que a lei infraconstitucional estabelece uma ordem de assento dos juízes no Escabinato castrense, ficando ao centro da mesa julgadora o presidente e, com base nesta posição, dispondo os demais juízes da seguinte forma: ao seu lado direito o juiz de direito e do lado esquerdo o militar de maior patente, à direita o outro militar de subordinação a esta última patente e por último, do lado esquerdo do presidente, o militar mais moderno (art. 400 do CPPM).
Pois bem, com a mudança constitucional, aquela ordem de assento também foi atingida, pois agora cabe ao juiz de direito também a presidência do Conselho de Justiça, logo, o assento central na mesa julgadora deve ser ocupado pelo juiz de direito (presidente) e nos demais assentos serem distribuídos os juízes militares na seguinte conformidade: à direita do juiz de direito, o militar de maior patente; à sua esquerda o militar de subordinação àquela patente; à direita o militar de menor patente que esta última; e por final, do lado esquerdo, o militar de menor patente.
A posição das cadeiras dentro do Escabinato, com a devida vênia, não nos parece trazer maiores conseqüências. Na Auditoria da Justiça Militar de Santa Maria, até mesmo por uma questão de praticidade, esta regra não tem sido obedecida, pelo seguinte motivo: foi colocado um computador em cima da mesa onde fica o Conselho. Para facilitar a digitação, o serventuário que opera o computador está ao lado direito do Juiz de togado, e os oficiais, estão todos à esquerda do magistrado. [23]
2.6. A REFORMA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO
Já em relação à Justiça Militar da União, aonde o constituinte emendador ainda não estabeleceu consenso, constata-se que haverá uma redução do número de Ministros do Superior Tribunal Militar previsto no art. 123 da Carta, caindo de 15 para 11, diminui o número de ministros militares e apesar de diminuir o número de ministros civis, a reforma privilegia os juízes auditores, o que me parece natural e justo já que são juízes de carreira. Devem ficar, portanto: 2 ministros da marinha, 3 do exército, 2 da aeronáutica e 4 civis, sendo 2 oriundos da carreira de juiz-auditor, 1 da carreira de advogados e um da carreira do ministério público militar.
Diferentemente da mudança operada em relação à Justiça Militar Estadual, não há previsão da figura do Juiz de Direito, nem muito menos da Presidência dos Conselhos passar para o Juiz-Auditor, o que poderá ocorrer de lege ferenda, através do processo legislativo que a própria Constituição estabelece, quando da reforma da Lei de Organização Judiciária Militar da União[24] , mas não há nenhum indicativo nesse sentido.
O texto proposto para o art. 124 mantém a competência ampla de processar e julgar os crimes militares definidos em lei, independentemente de quem seja o seu autor (e aí não existe alteração nenhuma), mas é acrescido da nova competência de exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas.
3. AÇÕES JUDICIAIS CONTRA ATOS DISCIPLINARES MILITARES versus CONTROLE JURISDICIONAL SOBRE AS PUNIÇÕES DISCIPLINARES.
Antes de se adentrar na análise sobre os textos propostos para aumentar a competência de cada uma das Justiças Militares deste país, necessário dizer que a questão afeta ao poder disciplinar e às punições disciplinares diz respeito ao chamado Direito Disciplinar Militar, que é um dos ramos do Direito Administrativo, ainda em desenvolvimento.
Daí porque, quanto à finalidade da alteração proposta, esta nos pareceu ser a de reunir, num só juízo, o direito penal e o direito disciplinar que já estão entrelaçados entre si, como se pode verificar dos próprios regulamentos disciplinares e do Código Penal Militar. Acaba-se assim, com a dualidade de jurisdição existente até então.
Quanto à forma de alteração, no entanto, o equívoco de quem elaborou a emenda constitucional são fáceis de se constatar, e serão, com certeza, de difícil aplicação ao caso concreto, gerando dúvidas da parte de seus operadores, conflitos a serem dirimidos na instância superior, colaborando assim para finalmente “emperrar” a até agora “célere” Justiça Militar.
A primeira coisa a ser feita é delimitar se as expressões “ações judiciais contra atos disciplinares militares” e “controle jurisdicional sobre as punições disciplinares militares” serão ou não sinônimas.
Atos disciplinares militares é, a nosso sentir, expressão mais ampla do que punições disciplinares aplicadas aos militares, isto porque estas, as punições, serão sempre aplicadas por meio de atos disciplinares, os quais, antes de qualquer coisa são atos administrativos, e como tal devem ser tratados.
É pelo ato disciplinar (v.g., a nota de punição) que se aplica a punição disciplinar que está previamente prevista nos regulamentos disciplinares militares.
Quais seriam, então, os limites desta nova jurisdição militar?
Quer nos parecer que o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares a ser exercido pela Justiça Militar da União ( caso a proposta de emenda se concretize, a tendência parece ser esta) só poderá ser exercido em decorrência das ações judiciais interpostas naquele juízo, da mesma forma que a Justiça Militar Estadual ao processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares, estará exercendo o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos militares estaduais.
Conquanto ditas de forma diversa, e postas em locais diversos da Constituição, a competência das duas espécies da Justiça Militar brasileira, com relação ao direito disciplinar – que é administrativo, é a mesma.
Sendo o ato disciplinar um ato administrativo por excelência, os limites da jurisdição são exatamente os mesmos estabelecidos para a análise pela jurisdição comum ou ordinária, ou seja, não se poderá verificar o mérito do ato administrativo mas sim, os pressupostos exigidos para a sua formação e validade.
Há que se verificar, neste momento, se ao Poder Judiciário é dado a mensurar a razoabilidade e proporcionalidade do ato disciplinar militar.
É certo que a vida castrense tem modus vivendi próprio, impõe-se uma rigorosa observância dos usos e costumes militares, de modo que o ato disciplinar militar adquire contornos específicos.
Via de regra se pugna pela impossibilidade de o Judiciário analisar o mérito do ato administrativo militar, somente podendo verificar os aspectos extrínsecos de sua legalidade. É a posição mais tradicional em nosso direito, mas com muita influência até hoje.
No entanto, existe corrente que advoga a possibilidade de análise do próprio mérito do ato administrativo disciplinar militar.
Para Paulo Tadeu Rodrigues ROSA, o Estado deve, sob pena de responsabilidade, art. 37, § 6º, da CF, punir o militar, mas isso não significa que as decisões administrativas possam ter um caráter pessoal, sujeitando o funcionário à vontade do julgador, que decide em alguns casos sem qualquer critério técnico-científico, fundamentando o ato na chamada discricionariedade, que não se confunde com arbitrariedade. [25]
Para o ilustre autor, as decisões administrativas que se afastam do razoável (como, por exemplo, a punição que melhor se aplicava no caso seria uma detenção de 10 dias, e não a exclusão dos quadros da Corporação) pode e deve ser revista pelo judiciário, que é o guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. [26]
José Armando da COSTA, comentando tal possibilidade, aponta que a proporcionalidade da punição vincula o detentor do poder disciplinar, constituindo, pois, aspecto extrínseco acessível ao exame do Judiciário, como muito bem infere o Sumo Pretório:” A legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao Poder Judiciário, compreende não só a competência para a prática do ato e de suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos sejam definidos em lei como vinculadores do ato administrativo ( in Revista Fórum Administrativo – Ano I, nº 3, maio de 2001, p.304)”. [27]
De nossa parte entendemos que a verificação pelo Poder judiciário, da razoabilidade e proporcionalidade do ato disciplinar militar, há que ser feita com muita prudência.
Para isso deve o magistrado verificar se o ato disciplinar obedeceu aos ditames legais e regulamentares de sua apuração – trata-se, a toda evidência de ato vinculado, cujo iter e limites devem ser obedecidos pela autoridade militar.
Daí porque concordamos com José Armando da COSTA, quando leciona que não é permitido ao Judiciário, ao examinar tal relação de razoabilidade ou proporcionalidade, realizar a redução da reprimenda imposta ao militar, caso constate a existência de excesso.
Em casos que tais, caberá ao Judiciário examinar tão somente os motivos e as provas existentes para aferir se a administração, ao impor a inflição, observou o critério da razoabilidade imposto pelo nosso jus positum. Constatando a existência de excessos e desproporções, caberá ao órgão judicante declarar a invalidez do ato disciplinar correspondente, uma vez que o ato punitivo desproporcional é ato nulo. Tão somente isso e nada mais. [28]
É vedado, portanto, ao magistrado, reduzir ou substituir a sanção imposta, porque ai estaria se substituindo ao administrador militar, o que não lhe é permitido.
Anote-se que os dispositivos constitucionais que tratam da matéria são de aplicação imediata e de eficácia plena, não necessitando de regulamentação, a não ser, é óbvio, aquelas necessárias para se adequar o rito processual a ser seguido desde já.
3. A JURISDIÇÃO CÍVEL DA JUSTIÇA MILITAR
Não há como negar a sensível mudança operada em relação à Justiça Militar.
Para exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares, o que fará através do processo e julgamento das ações judiciais contra atos disciplinares militares, a Justiça Militar passará a travar conhecimento com o processo cível, que até então, lhe era um completo desconhecido, à exceção do julgamento do mandado de segurança, pelos Tribunais.
O instrumento de aplicação desta nova forma de atuação será o Código de Processo Civil [29], coadjuvado pelo novo Código Civil Brasileiro [30] e, é lógico, toda a legislação administrativa e disciplinar aplicável à espécie de cada novo processo que ali irão aportar.
As hipóteses serão inúmeras, desde a simples anulação de uma punição disciplinar, passando pelo pedido de hábeas corpus preventivo nas transgressões disciplinares, até mesmo a reintegração daquele militar que, por hipótese foi excluído a bem da disciplina, que é uma punição disciplinar prevista no art.94, VIII, do Estatuto dos Militares [31] ou similares nos Estados e DF. Também as questões acerca do andamento dos processos administrativos de caráter disciplinar do Conselho de Justificação e Conselho de Disciplina, enquanto estiverem sendo processados nos quartéis, até mesmo, porque não, ações de indenizações por terem sido reintegrados na Força, tudo a exigir cálculos, liquidação de sentença, etc.
3.1. A PROXIMIDADE DA REFORMA EM FACE DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO
Em palestra proferida em Curitiba, em data de 28.09.2006 [32], o Ministro Dr. José Coelho Ferreira, do Superior Tribunal Militar aduziu que, sem dúvida, a maior modificação a ser operada pela referida proposta de emenda à Constituição (PEC 358/2005) é a ampliação da competência da Justiça Militar da União, que passará a “exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas”.
Atualmente a competência para apreciar as ações de natureza disciplinares são dos Juízes Federais de primeiro grau, com recurso para o Tribunal Regional Federal da respectiva região, o que dificulta, ainda mais, a uniformização da jurisprudência.
Tratar-se-á de uma nova atribuição, de natureza cível, numa Justiça que até hoje é predominantemente criminal, e que exigirá algumas mudanças para adaptar a Justiça Militar da União a essa nova realidade.
O referido Ministro ainda trouxe à colação, as alterações que a seu ver serão necessárias na estrutura da Justiça Militar da União, que foram assim exemplificadas:
3.1.1. Alterações na estrutura da Justiça Militar da União
O Projeto de Emenda Constitucional que tratava da Reforma do Judiciário (PEC 29) teve parte aprovada que resultou na EC nº 45, promulgada em 08/12/2004 e publicada no DOU de 31/12/2004, e o restante, tendo recebido algumas emendas no Senado Federal, retornou à Câmara dos Deputados para nova votação de revisão.
De acordo com o novo texto da proposta, agora denominada PEC nº. 358/2005, são apresentadas as seguintes modificações no tocante à estrutura da Justiça Militar da União:
“Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de onze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo dois dentre oficiais-generais da Marinha, três dentre oficiais-generais do Exército, dois dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e quatro dentre civis.
Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco, sendo:
I – dois dentre juízes-auditores;
II – um dentre advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional;
III – um dentre membros do Ministério Público Militar’.
“Art. 124. À Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, bem como exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas”.
O texto encaminhado pelo Senado Federal modificou a proposta anterior que reduzia o número de Ministros a 9, agora aumentado para 11, mais consentâneo com a nova realidade que advirá da ampliação da competência da Justiça Militar para apreciar as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas.
Essa nova composição também permite manter a atual proporcionalidade quando da redução do número de Ministros, pois cada categoria representada na Corte (Marinha, Exército, Aeronáutica e Ministros civis) perderá um membro.
No tocante à escolha dos Ministros civis (parágrafo único do art. 123), a proposta procura prestigiar os integrantes da carreira da magistratura militar, reservando-lhes duas vagas na Corte Superior Castrense, ao contrário do sistema atual, em que somente uma vaga era destinada àquela carreira. As duas vagas restantes serão destinadas, respectivamente, a um representante da advocacia (atualmente são três) e do Ministério Público Militar.
É de se ressaltar que mesmo com a promulgação da Emenda, os atuais Ministros continuarão mantidos nos seus cargos, devendo a composição da Corte ser reduzida à medida que forem ocorrendo as respectivas vagas (art. 3º da PEC).
A PEC 358/2005 também condiciona a aprovação dos Ministros indicados pelo Presidente da República para terem assento no Superior Tribunal Militar ao quorum mínimo de maioria absoluta dos membros do Senado Federal, a exemplo do atualmente já exigido para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais Superiores.
3.1.2. A futura competência cível da Justiça Militar da União
Procuramos analisar a futura competência da Justiça Militar da União nos moldes propostos pela PEC 358/2005, traçando um paralelo com a reforma introduzida na Justiça Militar estadual com o advento da EC n. 45/2004, realçando suas similitudes e distinções, para então averiguar as implicações dessa nova jurisdição cível no âmbito da nossa justiça especializada.
3.1.3. Não-previsão constitucional da figura do Juiz de Direito
Ao contrário do estabelecido pela EC 45/2004 em relação à Justiça Militar estadual, não há previsão na PEC 358/2005 de inserção do Juiz de Direito ou Juiz-Auditor como órgão da Justiça Militar, nem tampouco a transferência da presidência dos Conselhos ao Juiz-Auditor.
No tocante ao primeiro aspecto, despicienda se tornaria tal previsão, pois, ressalvado o Superior Tribunal Militar, o atual texto constitucional remete à legislação ordinária a instituição de Tribunais e Juízes Militares (art. 122, II), e o art. 1º, IV, da Lei nº. 8.457/92, já dispõe serem os Juízes-Auditores e Juízes-Auditores Substitutos órgãos da Justiça Militar da União. No que se refere ao segundo ponto, nada impede que o projeto de lei que deverá ser proposto pelo Tribunal para adaptar a Lei de Organização da Justiça Militar da União à reforma constitucional, quando esta for promulgada, disponha nesse sentido, se for o caso.
3.1.4. Julgamento de civis
A PEC também mantém a atual competência da Justiça Militar da União para o julgamento de crimes militares definidos em lei, independentemente de quem seja o seu autor, permitindo, assim, o julgamento de civis, quando sujeitos ativos, co-autor ou partícipes de crimes militares previstos em lei. A Justiça Militar da União não sofre a mesma limitação imposta pela Constituição à Justiça Militar estadual, que somente pode julgar “os militares dos Estados”, nos crimes militares. Trata-se, como já ressaltamos, de uma limitação que mereceria ser revista, sobretudo para manter a simetria entre as Justiças Militares dos Estados e da União.
3.1.5. Julgamento monocrático pelo Juiz togado
Outra alteração implantada pela EC 45/2004, que não encontra previsão de ser transplantada para a Justiça Militar da União na PEC 358/2005, é o julgamento monocrático, pelo Juiz togado do juízo militar, dos crimes militares praticados por sujeito ativo militar contra vítimas civis. Na Justiça Militar estadual, o constituinte derivado houve por bem atribuir essa competência, exclusivamente, ao Juiz de Direito, o que significa dizer que os militares integrantes dos Conselhos não poderão participar do processamento e julgamento desses crimes, ao passo que, no âmbito da Justiça Militar da União, os militares das Forças Armadas que praticarem crimes contra civis continuarão a ser julgados por seus pares, nos Conselhos de Justiça, Especial ou Permanente, conforme o caso.
3.1.6. Controle jurisdicional das punições disciplinares
3.1.6.1. Ações judiciais contra atos disciplinares militares versus controle jurisdicional sobre punições disciplinares
Para o Ministro José Coelho Ferreira, no que diz respeito à matéria disciplinar militar, em sendo mantida a redação prevista na PEC 358/2005, mais uma vez o constituinte derivado fará o uso de terminologias distintas para tratar de temas semelhantes, o que, sem dúvida, alguma, ocasionará questionamentos judiciais futuros, até que se consiga fixar a exata inteligência dos dispositivos constitucionais.
Na parte referente à Justiça Militar estadual, o § 4º do art. 125 da Constituição dispõe competir-lhe a apreciação das “ações judiciais contra atos disciplinares militares”, já a redação do caput do art. 124 proposta pela PEC 358/2005 para a Justiça Militar da União, refere-se a “exercer o controle jurisdicional sobre punições disciplinares”.
A primeira dúvida que vem a assolar o intérprete é se se trata ou não de expressões sinônimas. O Ministro concorda conosco que atos disciplinares são expressões mais amplas que punições disciplinares, [33] pois estas se materializam mediante atos disciplinares, espécie de atos administrativos, mas discorda quando afirmamos que “conquanto dita de forma diversa e posta em local diverso da Constituição, a competência das duas espécies de Justiça Militar brasileira, com relação ao Direito Disciplinar – que é Administrativo, é a mesma”. [34]
Assim, ao ver do ilustre Ministro, ainda que, ao processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares, a Justiça Militar estadual exercerá também um controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos militares dos Estados, a competência que lhes foi deferida pelo constituinte derivado é mais ampla do que aquela proposta pela PEC para a Justiça Militar da União.
Isso porque a apreciação jurisdicional dos atos disciplinares pela Justiça Militar estadual poderá abranger também todas as possíveis conseqüências daqueles atos, como as ações de indenizações e reparações civis, por exemplo, ou seja, típicas ações de responsabilidade civil. Por sua vez, a competência da Justiça Militar da União estará limitada ao Direito Disciplinar, vale dizer, “ao controle jurisdicional das punições disciplinares”.
De qualquer maneira, a exata compreensão da expressão “ações judiciais contra atos disciplinares militares” só deverá ser solvida após o pronunciamento dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, quer seja pelo Superior Tribunal de Justiça, a quem compete decidir os conflitos de competência instaurados entre “tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos” (CF/88, art. 105, I, d), quer pelo Supremo Tribunal Federal, a quem cabe fixar a inteligência das normas constitucionais.
Por óbvio que esta nova jurisdição posta à disposição dos militares não será gratuita, as ações passarão a exigir a cobrança de custas, preparo dos processos, valor da causa, serão sempre contenciosas, requerendo imediata adaptação da Lei de Organização judiciária Militar, que se mostrará completamente defasada.
Na lide entre o Militar e sua Força, o Ministério Público, tanto de 1º como de 2º grau, sairá de seu papel restrito do processo penal para, a partir do amplo leque de atribuições que lhe assegurou a Constituição Federal em seu art.127, ajustar sua atuação pelas regras dos artigos 81 a 85 do Código de Processo Civil.
Tomamos o cuidado de proceder a uma rápida verificação da situação atual da Justiça Militar Estadual, quase dois anos após a EC 45/2004, tendo sido constatado o seguinte:
A Justiça Militar de Minas Gerais passou a receber todos os processos contra atos disciplinares que estavam em andamento na Justiça comum. Este encaminhamento de processos transcorreu de forma natural e espontânea, ou seja, a Justiça comum abriu mão de sua competência em relação aos processos anteriores à EC 45/2004, sendo que os processos cíveis posteriores à reforma, passaram a ser ajuizados no Juízo Especializado. O TJMG procura se adaptar à esta nova realidade, já tendo criado uma Câmara Cível, somente para julgar os recursos interpostos contra as sentenças de1º grau que decidem as ações contra atos disciplinares militares. O aumento do volume de ações é considerável, sendo que já foi interposta quase uma centena de recursos extraordinários, nesses processos cíveis.
Existe um Projeto de Lei na Assembléia mineira, para criação de 2 cargos de juiz de direito e 2 cargos de juiz de direito substituto da Justiça Militar, visando a melhor prestação jurisdicional, inclusive com a criação e descentralização de auditorias para o interior do Estado.
Em São Paulo, o TJM concentrou todas as ações contra atos disciplinares militares na 2ª Auditoria, que conta, atualmente, com mais de 1.300 processos em andamento, já que o encaminhamento de processos anteriores à Reforma, por parte da Justiça comum, foi maciço.
Estranhamente, no Rio Grande do Sul, o encaminhamento de processos da Justiça comum para a Justiça Militar do Estado não vem ocorrendo como esperado, sendo que as Varas da Fazenda Pública não abrem mão de sua competência.
Só para se ter uma idéia da situação da Justiça Militar gaúcha, na Auditoria de Santa Maria, de dezembro de 2004 até agora, houve um total de apenas 37 processos, sendo que tão-somente 7 vieram da Justiça comum, 13 já estão arquivados e 24 continuam em andamento.
4. CONCLUSÃO
A conclusão a que se chega com meia reforma concluída (falta ainda a que afetará a Justiça Militar da União) é que, ressalvados os entendimentos opostos e de todo respeitados, não houve avanço nem melhoria na prestação jurisdicional da Justiça Especializada.
Houve sim novidades, em relação principalmente à Justiça Militar dos Estados e do DF, uma nova jurisdição penal para o Juiz de direito (ex-auditor) separada da jurisdição do Conselho de Justiça, além, é lógico, do acréscimo de competência com o advento da jurisdição de natureza cível, nos processos de origem administrativa, afetos à aplicação das punições disciplinares militares.
É cedo para se falar em avanço, tampouco em retrocesso. O tempo – e só ele dirá, cremos que dirá logo, a partir da inundação de argüição de conflitos (positivo e negativo) de competência que irá se desencadear, para serem resolvidos pelos Tribunais Superiores.
Não resta a menor dúvida que os operadores da Justiça Militar (Juízes, Advogados e Membros do Ministério Público) terão que se atualizar no campo do Direito Civil e Direito processual Civil, para que a prestação jurisdicional seja a mais adequada possível, em tempo razoável, já que com a duplicação de competência, a tão propalada e reconhecida celeridade processual será coisa do passado.
NOTAS:
1 Membro do Ministério Público da União. Promotor da Justiça Militar em Santa Maria – RS. Membro da Academia Mineira de Direito Militar
2 Garcia, João Carlos Bona. Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul: 85 anos. Revista Direito Militar nº 41, Florianópolis, maio / junho de 2003, p.17.
3 Castilho, Evanir Ferreira. Discurso por ocasião do 61º aniversário do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo. Revista Direito Militar nº 09, Florianópolis, janeiro / fevereiro de 1998, p. 24.
4 Justiça Militar de Minas Gerais comemora 65 anos. Revista de Estudos e Informações nº 10, Belo Horizonte, novembro de 2002, p. 04.
5 Da forma como foram colocados na Constituição – o que exsurge de sua simples leitura, verifica-se que ao contrário do Conselho Nacional de Justiça, que integra a estrutura do Poder Judiciário (art. 92), o Conselho Nacional do Ministério Público não integra a estrutura do Ministério Público (art. 128).
6 Poder Normativo primário dos Conselhos Nacionais do Ministério Público e da Justiça: a gênese de um equívoco. Revista MPM Jurídico, ano I, nº 4, Belo Horizonte, fevereiro/março de 200, p.10.
7 FORTES, Marilza Lúcia. Conselho Nacional de Justiça cobra a presença da Justiça Militar Estadual. Revista Direito Militar nº 60, Editorial, Florianópolis, julho/agosto de 2006.
8 Primeiros comentários sobre a Reforma Constitucional da Justiça Militar Estadual e seus efeitos. Disponível em http://www.jusmilitaris.com.br/?secao=doutrina&cat=1
9 Justiça Militar Estadual, Editora Juruá, Curitiba, 1992, páginas 49/50.
10 Análise mais aprofundada sobre o tema, consta de DIREITO MILITAR: HOMICÍDIO: ASPECTOS PENAIS E PROCESSUAIS EM FACE DAS RECENTES ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL, disponível em http://www.jusmilitaris.com.br/?secao=doutrina&cat=2
11 Inobstante, alguns Estados como Rio de Janeiro, Santa Catarina e o Distrito Federal, já consignavam a figura do Juiz-Auditor como Presidente dos Conselhos de Justiça.
12 Primeiros comentários a Reforma Constitucional da Justiça Militar Estadual, já citada.
13 CF, art. 95
14 Em novembro de 2006, atingimos a absurda marca de 52 emendas Constitucionais, vale dizer, nossa Constituição é uma verdadeira colcha de retalhos.
15 Primeiros comentários à Reforma Constitucional da Justiça Militar Estadual, já citada.
16 Conforme art. 433 e §§, do CPPM.
17 O ilustre Magistrado consigna seu entendimento em sede de preliminar, em suas r. sentenças, que tivemos oportunidade de examinar.
18 Primeiros comentários à Reforma Constitucional da Justiça Militar Estadual, já citada.
19 Colegiado formado por juízes togados e juízes leigos (oficiais militares).
20 Ronaldo João Roth, “Temas de Direito Militar”, Suprema Cultura, São Paulo, 2004, págs. 23/30.
21 Primeiros comentários à Reforma Constitucional da Justiça Militar Estadual.
22 A ordem de votação nos conselhos Permanentes e Especiais na primeira instância da Justiça Militar Federal e Estadual, pós reforma do Judiciário. Revista direito Militar nº 58, Florianópolis, março/abril de 2006, p.7/8.
23 A LC 75/93, Ao dispor sobre a organização, atribuições e estatuto do ministério público da união, reza, na letra a do inciso i de seu art. 18, entre as prerrogativas institucionais dos membros do órgão ministerial, a de sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direito dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem. O art. 19 da mesma lei dá as honras e tratamento dos ministros do stf ao procurador-geral da república, assim como aos demais membros da instituição as mesmas honras e tratamentos que forem reservados aos magistrados perante os quais oficiem. Decisão: Em 22/06/1993, por unanimidade, o STM deferiu a petição do MPM, no sentido de que sejam tomadas três providencias: a primeira, de natureza emergencial, de caráter imediato, consistindo em provimento a ser baixado pela presidência, estabelecendo as posições a serem tomadas pelos integrantes dos conselhos de justiça e pelo promotor da justiça militar, quando do funcionamento dos referidos conselhos; a segunda, de caráter mediato, consistindo em remessa ao congresso nacional de ante-projeto de lei, com pedido de urgência na sua tramitação, dando nova redação ao artigo 400, do CPPM, colocando os juizes-auditores na presidência dos conselhos de justiça; e a terceira no sentido de se incluir na proposta orça- mentária para 1994 os recursos necessários a modificação das bancadas existentes nas salas de sessões das auditorias. Por maioria, decidiu, ainda, o tribunal, adotar o dispositivo proposto pelo ministro Antonio Carlos de Seixas Telles (relator), a saber: o juiz-auditor sentar-se-á a esquerda do presidente do conselho de justiça, entre este e o oficial de posto mais elevado ou mais antigo; a direita do presidente sentar-se-á o promotor da justiça militar,nos termos do artigo 18, inciso I, alínea "a", da lei complementar nr. 75, de 20.05.93. Os ministros Raphael de Azevedo Branco, Luiz Leal Ferreira e José do Cabo Teixeira de Carvalho votavam pela adoção do seguinte dispositivo: a direita do presidente do conselho sentar-se-á o promotor da justiça militar e a esquerda o juiz-auditor seguido dos juizes militares em ordem decrescente de antiguidade. O ministro Raphael de Azevedo Branco fará declaração de voto. (chamada a julgamento a petição nr. 436-6(RJ), relator ministro Antonio Joaquim Soares Moreira, o ministro Antonio Carlos de Seixas Telles, em questão de ordem, considerando que a petição nr. 438-2(DF), do Exmo sr Procurador-Geral da Justiça Militar, da qual é relator, apresentava com a outra similaridade de objeto, manifestou-se em condições de relatar a( DF) sido chamada a julgamento, fora de pauta). Por conta dessa decisão, a questão chegou até o STF, onde no julgamento do ROMS nº. 21.884-7-DF ficou decidido que a LC nº. 75/93 não derrogou o art.400 do CPPM, que dispõe sobre a unicidade do Conselho de Justiça, da bancada julgadora, e reserva lugares próprios e equivalentes à acusação e à defesa (STF, 2ª Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJU de 25.11.1994).
24 Lei nº 8.457 / 1992.
25 Direito Administrativo Militar, 2ª edição, Lúmen Júris Editora, Rio de Janeiro, 2005, p.23.
26 Idem, p.23.
27 Direito Administrativo Disciplinar, citado, p.127.
28 idem, p.129/130.
29 Lei nº 5.869, de 11.01.1973.
30 Lei nº 10.406, de 10.01.2002.
31 Lei nº 6.880, de 09.12.1980.
32 I Seminário Jurídico ESMPU/MPM, dias 27 a 29 de setembro de 2006, Hotel Pestana, Curritiba – PR..
33 ASSIS, Jorge Cesar. A Reforma do Poder Judiciário e a Justiça Militar: Breves Considerações sobre seu Alcance. Revista de Estudos& Informações. Nov/2005, p. 19.
34 Idem
(*) PALESTRA PROFERIDA NO 1º SEMINÁRIO DE DIREITO MILITAR, REALIZADO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DE SÃO PAULO E ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO. SÃO PAULO, 04 DE DEZEMBRO DE 2006.
Membro do Ministério Público da União. Promotor da Justiça Militar, exercendo suas atividades na Procuradoria da Justiça Militar em Santa Maria/RS. Oficial da reserva não remunerada da Polícia Militar do Estado do Paraná, lecionou na Academia Policial Militar do Guatupê e no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças. Foi também Promotor de Justiça do Paraná, entre os anos de 1995 a 1999. Sócio fundador da Associação Internacional das Justiças Militares e membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar. Articulista assíduo em várias revistas jurídicas e Palestrante do Direito Militar, em inúmeros eventos, destacando-se o 1º Encontro Internacional de Direitos Humanos, Direito Penal e Direito Militar, realizado em Brasília/DF, em novembro de 2000, e o II Encontro Internacional de Direito Humanitário e Direito Militar, realizado em Florianópolis/SC, em dezembro de 2003. Semana de Reflexão sobre a Justiça Militar, realizado na cidade de Praia, República de Cabo Verde, em março de 2008, aonde palestrou a convite do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas daquele país, e o 3º Encontro de Direito Humanitário e Direito Militar, realizado pela Associação Internacional das Justiças Militares-AIJM, na cidade de Santiago, Chile, em maio de 2008, onde atuou na condição de Secretário Geral - Ad Hoc, da AIJM. Autor de livros relacionados a área militar. Site: www.jusmilitaris.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, Jorge Cesar de. A reforma constitucional do Poder Judiciário e do Ministério Público e a Justiça Militar - EC nº. 45/2004 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 fev 2009, 08:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16822/a-reforma-constitucional-do-poder-judiciario-e-do-ministerio-publico-e-a-justica-militar-ec-no-45-2004. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
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