O art. 405, § 2°, inc. I, do Código de Processo Civil determina que podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas, especificando, quanto às impedidas, que são o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito.
Muito embora não haja, da leitura processual com relação às relações de parentesco, a possibilidade no depoimento destes sujeitos, a princípio, pois o próprio dispositivo faz ressalvas e, portanto, admite tal depoimento quando o interesse público o exigir ou tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, como, por exemplo, o nome (v. arts. 11, 16 e 17, do Código Civil, v.g.), quero demonstrar, em poucas palavras, que o juiz não precisa se valer da exceção criada pela lei processual (testemunha impedida em depor pelo vínculo de parentesco por afinidade) para admitir seu depoimento.
Conceitua o art. 1.592 do Código Civil que são parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra (parentesco por consangüinidade). Em seguida, o art. 1.593 do mesmo Código diz que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.
Deste modo, para o Código Civil vigente, são parentes– parentesco consangüíneo – os colaterais ou transversais até o quarto grau.
Diferentemente, o revogado Código Civil, de 1916, precisamente em seu art. 331, considerava como parente colateral ou transversal até o sexto grau as pessoas que provinham de um só tronco, sem descenderem uma da outra (parentesco por consangüinidade).
O legislador de 2002 reduziu, destarte, dois graus na consideração do parentesco por consangüinidade colateral ou transversal (v. art. 1.592, cit.), com intuito nitidamente sucessório.
Ocorre que a lei processual, ao impedir o depoimento do colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes por consangüinidade ou afinidade, limita o direito da parte em arrolar determinada testemunha, mesmo que não se possa considerar, ao contrário, o pretenso depoente como parente colateral ou transversal por afinidade de alguma das partes. Isso porque o art. 1.595 do Código Civil vigente, ao prever que cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade (v. art. 1.593, cit.), mencionou expressamente que o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro (art. 1.595, § 1°).
Ora, os tios e os primos do cônjuge ou companheiro não são seus parentes por afinidade, mas sim seus contraparentes, advertem Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, ou seja, é o que, sem ser parente stricto sensu, mantém laços familiares remotos, normalmente por afinidade. Dado que o parentesco - dizem os eminentes doutrinadores – colateral por afinidade se limita ao segundo grau (CC 1595 § 1.° - cunhados), os tios (3.° grau) e primos (4.° grau) do cônjuge ou companheiro não são seus parentes por afinidade, mas sim seus contraparentes. Também o concunhado é contraparente, finalizam (CÓDIGO CIVIL COMENTADO, 5ª ed. RT: SP, 2007, p. 1029, item 4).
Se os tios e os primos do cônjuge ou companheiro não são parentes por afinidade, mas sim contraparentes, não pode a lei processual restringir o depoimento destas testemunhas em juízo. O parentesco civil ou por afinidade, no vigente Código Civil, é o previsto no art. 1.595, § 1°, cit., e não o previsto na lei processual (art. 405, § 2°, inc. I, cit.).
Não há, com efeito, conflito aparente de normas. A leitura do dispositivo processual deve partir, antes de tudo, da interpretação do direito material, precisamente nos termos dos arts. 1.592, 1.593 e 1.595, § 1°, cit., jamais o inverso.
Tem-se, pois, que o parentesco por afinidade na linha colateral ou transversal limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro, que são, em verdade, parentes por afinidade de 1° e 2° graus, respectivamente (v. art. 1.595, § 1°, cit.), e não, como se poderia pensar à primeira vista, os previstos pela lei processual (v. art. 405, § 2°, inc. I, cit.), que, conforme vimos, considera parente na linha colateral por afinidade até o terceiro grau, extrapolando, ilegalmente, o parentesco civil definido pelo direito material (v. art. 1.595, § 1°, cit.).
Não pode o juiz, em conclusão, indeferir o depoimento dos sujeitos que se encontram nestas situações alegando impedimento, nem, por outro lado, admitir sob a ressalva de que se trata de interesse público ou que a causa é relativa ao estado da pessoa porque ao assim agir estará automaticamente retirando o compromisso na oitiva da testemunha, podendo, quem sabe, atribuir valor probatório menor do que atribuiria se tivesse deferido o depoimento sem o obstáculo do impedimento (v. art. 405, § 4°, CPC).
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