Sumário
Introdução. Da jurisdição. O acesso amplo e justo à jurisdição. O princípio do processo tempestivo. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
A garantia da razoável duração de um processo é um direito fundamental do cidadão e decorre do princípio-matriz (devido processo legal).
A análise do princípio do processo tempestivo é relevante no contexto jurídico atual, especialmente pela inserção no texto constitucional brasileiro, do inciso LXXVIII, no art. 5º, através da Emenda Constitucional nº 45/2004, que trata do princípio do processo tempestivo.
Assim, não se pode negar que a Constituição Federal, como regra maior, contempla as garantias relacionadas ao devido processo legal, dentre elas, a garantia fundamental contra a demora no julgamento dos processos.
O direito processual, como ramo do direito público, tem os seus delineamentos básicos traçados pelo direito constitucional, pois é a Constituição que fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais, garante a distribuição da justiça e a aplicação do direito ao caso concreto. Por conseqüência, estabelece alguns princípios processuais, inclusive de processo penal.
Nesse diapasão, a garantia da razoável duração de um processo exsurge da cláusula do devido processo legal. Portanto, é uma garantia fundamental do cidadão, consagrada nos países democráticos.
Assim, a efetividade da prestação jurisdicional não se concretiza sem a observância do processo tempestivo, que é uma garantia constitucional fundamental e que deve ser interpretada conjuntamente com os princípios de acesso aos tribunais e o da eficiência (princípio da eficiência ou da interpretação efetiva). Assim, é elemento inerente ao Estado de Direito e, conseqüentemente, como direito fundamental do cidadão.
A importância do princípio do processo tempestivo decorre do fator tempo, que permeia a noção de processo, constituindo o seu desrespeito uma violação do direito à tutela jurisdicional, assegurado no Estado Democrático de Direito.
1. Da jurisdição.
O conceito de jurisdição é uma prova de fogo para os juristas. Em regra, o Estado moderno exerce o monopólio da produção e aplicação do direito.
Mas nem sempre foi assim, pois, na antigüidade, o direito, antes de ser monopólio do Estado, era uma manifestação das leis de Deus, apenas conhecidas e reveladas pelos sacerdotes. Não havia normas estatais reguladoras da conduta humana. Contudo, a verdadeira jurisdição surgiu a partir do momento que o Estado tornou-se independente, desvinculando-se dos valores religiosos e passou a exercer um poder mais acentuado de controle social.
Assim, abolida a autotutela ou justiça privada (justiça pelas próprias mãos) do nosso ordenamento jurídico, restou ao poder estatal o monopólio da realização da justiça, dado que a regra geral é que as demandas serão decididas pelo Judiciário. Diz-se que a jurisdição é uma função inerte e só se põe em movimento, quando ativada por aquele que invoca a proteção jurisdicional do Estado.
Enfim, o monopólio estatal da Justiça cria para o indivíduo o direito subjetivo público de exigir a prestação jurisdicional sempre que se sentir envolvido em uma situação conflituosa. Por outro lado, a prestação jurisdicional, geralmente, é realizada por meio do processo.
A jurisdição, ao lado do processo e da ação, constitui-se num dos pilares do chamado tripé estrutural do processo. Contudo, jurisdição e processo são dois institutos indissociáveis, como ressalta Humberto Theodoro Júnior.[1]
Contudo, a tutela jurisdicional consiste em um direito público subjetivo, universalmente consagrado, decorrente da assunção, pelo Estado, do monopólio da administração da Justiça. Também denominada de direito ao processo ou, ainda, direito à tutela jurisdicional do Estado, essa garantia tem sido definida nas mais importantes declarações de direitos humanos (art. 10, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU, em 10.12.1948; art. 6º, nº 1, da Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em 04.11.1950; art. 14, nº 1, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 16.12.1966; art. 8º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em 22.11.1969), bem como no art. 5º, XXXV, da atual Constituição Federal do Brasil[2], que consagra um dos mais expressivos direitos subjetivos conferidos pelo Estado aos jurisdicionados, estes entendidos como todos quantos vivam no território nacional, igualados no tocante aos direitos fundamentais e suas garantias.
Em sentido genérico, jurisdição é o poder do Estado de fazer justiça – de dizer o direito (do latim jus dicere, jus dictio - dizer o direito). Em linguagem técnica, porém, costuma-se conceituar a jurisdição como sendo uma função do Estado, exercida pelo juiz, dentro de um processo, para solucionar um litígio entre partes.
As pessoas não podem, por elas mesmas, decidir quem tem razão ou fazer justiça com as próprias mãos, porque o Estado, nas questões controvertidas, substitui a vontade dos litigantes e, no lugar deles, passa a dizer o direito. Daí a afirmação de que a substitutividade é uma das características da jurisdição.
Assim, a jurisdição, para Cândido Rangel Dinamarco,[3] “é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada)”.
É de Calamandrei, ainda, a noção de jurisdição de eqüidade e jurisdição de direito: o princípio da legalidade.[4] Entende o jurista italiano que, “segundo predomine um ou outro método de formulação do direito, será diferente no Estado a posição do juiz, e diferente, por conseguinte, o conteúdo da função jurisdicional”.[5]
Por sua vez, Chiovenda[6] parte do pressuposto de que, modernamente, a produção do direito é monopólio estatal. Entende que o Estado moderno considera como sua função essencial a administração da justiça, ressaltando que a jurisdição é o poder estatal exclusivo de aplicar a lei ao caso concreto.
Já a doutrina de Allorio, sustenta a tese de que a essência do ato jurisdicional está em sua aptidão para produzir a coisa julgada. Allorio parte de uma premissa devida a Kelsen e demais filósofos normativistas, segundo a qual as funções do Estado não podem ser catalogadas e definidas por seus fins, e sim por suas formas. Para ele, o ordenamento jurídico pode ser atuado ou realizado pelas mais diversas formas, seja por particulares, quando se comportam em conformidade com a norma, seja pelos órgãos do Poder Executivo (administradores que realizam a ordem jurídica estatal). A coisa julgada seria o sinal inequívoco da verdadeira e própria jurisdição; não havendo coisa julgada, como na jurisdição voluntária, não há verdadeira jurisdição. Calamandrei também já afirmava que a coisa julgada constituía a pedra de toque do ato jurisdicional. Igualmente Liebman e Couture são simpatizantes da doutrina de Allorio.
2. O acesso amplo e justo à jurisdição.
O que difere a jurisdição (poder estatal de exercer a justiça) das demais funções do Estado é a finalidade pacificadora exercida. Então, para que haja uma função jurisdicional integral, devem ser observados os princípios e garantias constitucionais.
Não há mais a autodefesa como forma de justiça, desde quando o Estado resolveu intervir para evitar os conflitos, proibindo as partes de solucionar a questão, justamente porque ninguém é bom juiz em causa própria (neomo judex in rem sua). Assim, somente a imparcialidade pode conduzir à justiça e esta é feita pela autoridade estatal, consubstanciada no Judiciário, que tem a função de decidir a demanda. Essa função é a jurisdição.
Leciona Chiovenda que é característico da função jurisdicional a substituição de uma atividade privada de outrem por uma atividade pública, referente a dois estágios processuais: a cognição e a execução. E o mesmo jurista italiano[7] ressalta que o Estado moderno considera como função essencial própria a administração da Justiça; seria exclusivamente estatal o poder de atuar a vontade da lei no caso concreto, poder que se diz “jurisdição”.
A função jurisdicional enquadra-se na categoria das garantias de direito objetivo na carta constitucional brasileira, em que a intervenção do Estado, por meio do processo, atuando jurisdicionalmente com o objetivo de impor a obediência à ordem jurídica. É função da soberania do Estado e como tal é preservada, na própria Constituição, quando distribui o seu exercício entre os órgãos judiciários.
Deve o Estado, portanto, assegurar a integridade dos direitos lesados, pela tutela jurisdicional desses direitos, observadas as regras processuais inerentes, o que é garantido constitucionalmente aos jurisdicionados.
No entanto, interessante ressaltar que o crescente desrespeito à indeclinabilidade da jurisdição estatal fez com que o Estado tenha dado índole jurisdicional à arbitragem, à medida que reconheceu a excessiva quantidade de lides que não consegue prestar, devidamente, a tutela jurisdicional justa e efetiva.
Atualmente, há uma busca incessante de meios e formas alternativas, bem como de tutelas específicas para atingir-se a função eficaz da jurisdição.
3. O princípio do processo tempestivo.
O direito de acesso efetivo à jurisdição implica também que a resposta à pretensão deduzida seja em prazo razoável e tempestivo, pois a decisão judicial tardia pode equivaler à denegação da justiça. É o que a doutrina denomina de princípio da garantia do processo sem dilações indevidas ou do processo tempestivo (tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável).
O direito de acesso à ordem jurídica justa, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, não deve exprimir apenas que todos podem ir a juízo e se defender, mas também, como bem ressalta Marinoni,[8] que todos têm direito à adequada tutela jurisdicional (efetiva, adequada e tempestiva). Assim, o direito a uma tutela judicial efetiva pressupõe o direito a obter uma decisão em prazos razoáveis, sem dilações indevidas; a tutela adequada implica em obter-se uma decisão num lapso de tempo razoável, que deve ser proporcional e adequado à complexidade do processo.
Dispõe o art. 125, II, do Código de Processo Civil brasileiro, que o juiz deve “velar pela rápida solução do litígio”, devendo valer-se do impulso oficial (art. 262 do CPC). Entretanto, este mandamento processual não é capaz de fazer com que, na prática, haja uma célere e eficaz prestação jurisdicional.
A alarmante lentidão verificada na justiça de vários países colaborou para a instituição do direito a um processo sem dilações indevidas, já consagrado em inúmeros textos legais, a partir da doutrina e da jurisprudência. Ora, não é de hoje que tempo é dinheiro, ainda mais quando se está em litígio. Por isso que Eduardo Couture já dizia que “tiempo es oro”.
Modernamente, toma-se consciência, cada vez mais clara, da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar, de maneira efetiva, o papel que lhe toca, de forma célere e eficaz. É preciso oferecer ao processo mecanismos que permitam o cumprimento de toda a sua missão institucional.
O processo é forma. Para Eduardo Couture,[9] sob certa ótica, pode ser visto como um conjunto de formas. Portanto, as formas do processo têm caráter instrumental e são meios para se atingirem fins. Se atingidos os fins do processo, não fazem com que a falta de atenção à forma gere nulidade.
Nas palavras de Arruda Alvim,[10] “o processo é um “mal”, e, portanto, quanto menos estende-se, melhor será para todos. Assim, o quão mais rapidamente for decidida a lide, melhor. É o princípio da celeridade”. Já no princípio da economia processual, “deve-se obter o máximo de rendimento com o mínimo de atividade jurisdicional”
Modernamente, entende-se que a inobservância dos princípios da celeridade, simplicidade, instrumentalidade e economia processual acarreta verdadeira barreira para o acesso eficaz a uma ordem jurídica justa, pois deixa de aproximar o sistema judiciário dos jurisdicionados.
A lentidão da justiça civil não é de fácil solução, muito embora os tempos modernos exijam, cada vez mais, soluções processuais rápidas. Na verdade, há um conflito entre a aspiração à certeza (exigindo ponderação e meditação da decisão para se evitarem injustiças) e a necessidade de rapidez na conclusão do processo.
Todavia, como ensina José Rogério Cruz e Tucci,[11] foi a partir da edição da Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (art. 6-1), subscrita em Roma, no dia 04.11.50, “que o direito ao processo sem dilações indevidas passou a ser concebido como um direito subjetivo constitucional, de caráter autônomo, de todos os membros da coletividade (incluídas as pessoas jurídicas) à tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável, decorrente da proibição do non liquet, vale dizer, do dever que têm os agentes do Poder Judiciário de julgar as causas com estrita observância das normas de direito positivo”.
O art. 6º, n. 1, da mencionada Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assim dispõe: “Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida”.
É de se ressaltar que os ordenamentos jurídicos de diversos países fazem previsão expressa, nos respectivos textos constitucionais ou em legislação infra-constitucional, ao direito ao processo sem dilações indevidas ou direito ao processo tempestivo (em um tempo razoável).
Por exemplo, a Constituição portuguesa garante que a causa proposta seja examinada em prazo razoável e mediante processo eqüitativo (art. 20.1)[12]; por sua vez, o Código de Processo Civil português, em seu art. 2.1,[13] garante a proteção jurídica em prazo razoável. Da mesma forma, a Constituição espanhola de dezembro de 1978, garante, de forma expressa, o direito ao “processo público sem dilações indevidas”, conforme dispõe o seu art. 24.2:[14] “Todos têm direito ao juiz ordinário previamente determinado por lei, à defesa e à assistência de advogado, a ser informado da acusação contra si deduzida, a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias, a utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa, a não declarar contra si mesmo, a não confessar culpa e à presunção de inocência”.[15]
O Tribunal Constitucional da Espanha, em famoso julgamento de janeiro de 1985, citado por José Rogério Cruz e Tucci[16], deixou assentado que: “O art. 24.2 não constitucionalizou o direito aos prazos, na verdade, constitucionalizou, configurado como um direito fundamental, o direito de toda pessoa a que sua causa seja resolvida dentro de um tempo razoável .... Este conceito (o do processo sem dilações indevidas, ou em um tempo razoável) é indeterminado ou aberto, que deve ser dotado de um conteúdo concreto em cada caso, atendendo a critérios objetivos congruentes com seu enunciado genérico, como já ficou deliberado na precedente sentença de 14 de março de 1984”.
Diante disso, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), com fundamento no art. 6.1, do Convênio Europeu de Direitos Humanos (CEDH), tem condenado o Estado quando a prestação jurisdicional não se realiza em prazo razoável.[17]
Também o projeto de revisão da lei processual portuguesa fez previsão expressa ao direito a um processo despido de inoportunas procrastinações. Assinala José Lebre de Freitas,[18] que a futura legislação processual deu um importante passo ao consagrar, em seu art. 2º-2, o direito “a obter, em prazo razoável, uma decisão de mérito e a respectiva exceção”. Aduz, ainda, que esse postulado fundamental consubstancia-se em “uma derivação do direito de acesso aos tribunais, que a demora desrazoável dos processos judiciais viola, constituindo uma actuação inconstitucional. A nova lei de processo civil pode (e deve) contribuir para esta violação, hoje contínua, deixe de se verificar”.
No sistema da common law, de modo assemelhado, a doutrina e a jurisprudência também se esforçam para traçar os pressupostos de um processo sem dilações injustificadas.
O ordenamento legal do Canadá também centra o prazo da demanda entre aquelas questões que merecem particular atenção. O art. 11, letra b, da Carta Canadense dos Direitos e Liberdades, do ano de 1982, assim dispõe: “Toda pessoa demandada tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável”. A doutrina canadense entende que o direito à rápida prestação jurisdicional deve levar em conta: a) identificação do interesse que esse direito visa a proteger; b) determinação dos beneficiários do direito e da relevância da demora; c) vários fatores devem ser considerados para verificar se a demora é injustificada; d) remédios apropriados para combater a violação a tal direito.
No nosso ordenamento, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi ratificada pelo Brasil no Decreto n.º 678/92, passando a ter índole constitucional os direitos e garantias processuais nele inseridos, nos termos do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal,[19] inclusive, a nova garantia surgida expressamente da Convenção, que é o direito ao processo em prazo razoável.
O art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica, em 22.11.69, que foi incorporado ao direito interno através do Decreto n.º 678/92, preceitua o seguinte: “Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, instituído por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ele formulada, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza ......”. E o art. 25.1, do mesmo Pacto de São José da Costa Rica (Decreto 678/92), ao tratar da proteção judicial, dispôs que: “Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”.
Diante disso, o melhor entendimento é que os países que ratificam a Convenção, assumam a obrigação de aparelhar a sua organização judiciária, de modo a permitir o cumprimento das condições acordadas, em um tempo razoável.
Então, incumbe ao ordenamento processual atender, do modo mais completo e eficiente possível, ao pleito daquele que exerceu o seu direito à jurisdição, bem como daquele que resistiu, apresentando defesa. Ao lado da efetividade do resultado que deve conotá-la, também é imperioso que a decisão seja tempestiva.
Não foi por outro motivo que, no Brasil, foi editada a Lei n.º 10.173/2001, com a introdução de três artigos no Código de Processo Civil (arts. 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C), conferindo prioridade aos procedimentos judiciais que envolvam pessoas com, pelo menos, 65 (sessenta e cinco) anos. Busca esta lei possibilitar às pessoas idosas usufruir do direito postulado ainda em vida. A Lei n.º 10.173/2001 não delimitou com precisão o significado da preferência que institui, referindo-se, simplesmente, “à prioridade na tramitação de todos os atos e diligências em qualquer instância”.
Para consagrar o princípio da eficiência processual, foi inserido no direito brasileiro, o inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº 45/2004, a garantia constitucional expressa do processo tempestivo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Na verdade, a busca de novas tutelas jurisdicionais diferenciadas (monitória, tutela antecipada, etc.) e as reformas processuais são uma tentativa de mais celeridade e efetividade ao processo, em face da reconhecida incompetência estatal em prestar adequadamente a jurisdição pelos métodos e tutelas tradicionais. A garantia da tutela jurisdicional em prazo razoável integra as garantias do devido processo legal, dado que a justiça tardia não é justiça verdadeira.
A grande questão, todavia, é determinar-se qual seria o prazo razoável ou quais os critérios para se chegar a ele. Consoante posicionamento jurisprudencial da Corte Européia dos Direitos do Homem, citado por José Rogério Cruz e Tucci,[20] três critérios, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, devem ser levados em conta para a determinação do tempo de duração razoável de um processo: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo penal; e c) a atuação do órgão jurisdicional. Na lição de Tucci, ‘‘o reconhecimento desses critérios traz como imediata conseqüência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como a simples inobservância dos prazos processuais pré-fixados. Assim, é evidente que se uma determinada questão envolve, por exemplo, a apuração de crimes de natureza fiscal ou econômica, à prova pericial a ser produzida poderá exigir muitas diligências que justificarão duração bem mais prolongada da fase instrutória”.
Mas, a demora inaceitável é aquela que decorra da inércia, pura e simples, do órgão jurisdicional, não podendo ser como justificativa plausível para a lentidão da tutela, o excesso de trabalho. Os óbices à celeridade, entre outros, são o acúmulo de serviço e o pequeno número de juízes, aliado à timidez estatal em distribuir melhor a riqueza e solucionar os conflitos sociais.
O princípio da prestação jurisdicional sem dilações indevidas está ligada ao princípio da celeridade e da eficiência (brevidade), pelo qual o processo deve ter andamento o mais célere possível. Deve ser perseguido o ideal de processo barato, rápido e justo. A celeridade é uma das quatro vertentes que constituem o princípio da economia processual; as outras são a economia de custo, economia de atos e eficiência da administração judiciária.
Sem dúvida, a solução judicial em prazo razoável é uma garantia constitucional e um direito fundamental do cidadão, de extrema relevância, pois toca diretamente o acesso à justiça, uma vez que a tutela pleiteada deve ser logo apreciada, sendo que o exagerado atraso na prestação jurisdicional é uma negativa da própria justiça.
A morosidade processual estrangula os direitos fundamentais do cidadão, já que o processo é um instrumento indispensável para a efetiva e concreta atuação do direito de ação e para remoção de situações que impeçam o pleno desenvolvimento da pessoa humana.
Conclusão.
Da leitura da ordem jurídica, bem como dos princípios fundamentais do cidadão relativos ao processo, verifica-se que os princípios derivados do devido processo legal são as diretrizes que devem ser utilizadas como critério superior de interpretação das normas pertinentes, orientando sua aplicação no caso concreto, buscando sempre a justiça no seu ideal imaginário, de forma razoável, efetiva, célere e eficaz.
Os princípios que regem o direito processual, além de criativos, devem ser harmônicos com o sistema jurídico, antes de tudo, pois caso haja conflito entre eles, deve-se buscar a sua harmonização ou proporcionalidade, de modo a não eliminar um deles, porém compatibilizá-los. Esses princípios, capitaneados pelo devido processo legal, que decorre do Estado Democrático de Direito, são os vetores na busca da real intenção do sistema jurídico em que se situam.
No direito moderno, merecem destaque os princípios e garantias consagrados na Constituição Federal, pois a tutela constitucional, especialmente a do processo, realiza-se pela sua observância, estabelecendo padrões éticos e políticos para traçar o seu modo de ser.
Assume papel relevante a garantia constitucional do devido processo legal que exige seja dada às partes a tutela jurisdicional adequada, de forma justa e em tempo razoável (tempestivo). Essa garantia objetiva, também, a limitação política do poder estatal como um todo. É dela que derivam quase todos os princípios em nível constitucional. O devido processo legal incorpora um considerável conjunto de garantias fundamentais destinadas a assegurarem os mais amplos direitos dos cidadãos.
Uma ordem jurídica justa deve acompanhar a evolução da sociedade, o surgimento de novos direitos, fazendo surgir, com essa evolução, um novo, dinâmico e eficiente ordenamento jurídico, capaz de perseguir e alcançar com êxito a tão almejada justiça. A idéia de um due process jurisdicional, que deu origem à justiça processual, é atualmente vislumbrada como uma conformação justa e adequada do direito à tutela jurisdicional, dando a todos os cidadãos que intervenham em uma causa, uma decisão em prazo razoável e pelo processo eqüitativo (justo).
Ora, se o Estado possui o monopólio da jurisdição, deve exercê-lo com eficiência ao consumidor da justiça (jurisdicional). Ressalte-se que prestação jurisdicional tardia é denegação da verdadeira justiça.
No entanto, a demora nos processos é uma preocupação mundial (mal universal), razão pela qual há uma necessidade de dar eficiência à jurisdição, sob pena de gerar o direito à indenização estatal.
Não é por outro motivo que a Constituição do Brasil e a Constituição de Portugal consagram, de forma expressa, o princípio do devido processo legal e o princípio do processo tempestivo, demonstrando a intenção constitucional de dar à sociedade uma eficiente e ampla garantia dos interesses individuais e coletivos.
O cidadão não pode ficar privado da tutela jurisdicional, devendo o processo servir apenas de instrumento para a realização do direito pleiteado, cujas decisões devem ser justas e úteis (efetivas), tendo o princípio do devido processo legal, por sua própria origem e natureza, papel fundamental para que se alcancem esses objetivos.
A justiça é o valor superior inerente a todo ordenamento jurídico, sendo que o direito a uma jurisdição efetiva é direito fundamental instrumental, acarretando o seu descumprimento, a inefetividade dos demais direitos fundamentais.
Não se pode negar, ainda, que uma justiça morosa acarreta um grande mal social, provocando irreversíveis danos sociais, econômicos, éticos e jurídicos, que podem aprofundar a desigualdade e a injustiça social.
Em conclusão, a busca da justa, adequada e eficiente solução dos conflitos dos cidadãos, garantindo, por conseqüência, a vida, a propriedade e a liberdade humana, é a razão de ser do Estado Democrático de Direito.
Referências Bibliográficas.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Princípios gerais do direito processual civil. Revista de Processo, São Paulo, n. 23, p. 173-191, 1981.
[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Princípios gerais do direito processual civil. Revista de Processo. n. 23. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 179.
[2] “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel, GRINOVER, Ada Pellegrini, CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 129.
[4] CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. v. I. Campinas: Bookseller, 1999, p. 100: “De tudo quanto se tem dito, aparece o alcance exato da contraposição, que ainda hoje se faz entre jurisdição de equidade e jurisdição de direito. A atividade do juiz de equidade, que cria o direito para o caso singular, é mais complexa e mais compreensiva que a do juiz de direito, que aplica ao caso singular o direito criado pelo legislador: no juízo de equidade, a criação – A legalidade, princípio fundamental do nosso ordenamento – do direito e sua aplicação ao caso concreto tem lugar no mesmo momento, com um ato único; no juízo de direito, o mesmo caminho realiza-se em duas etapas, a primeira por obra do legislador, a segunda por obra do juiz; de maneira que pode-se dizer que a jurisdição de equidade concreta em si mesma, atuando caso a caso, a função criadora do direito que no sistema da legalidade está subtraída ao juiz e reservada do legislador”.
[5] CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Campinas: vol. I, Bookseller, 1999, p. 98.
[6] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. I. Campinas: Bookseller, 2000, p. 57.
[7] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. I. Campinas: Bookseller, 2000, p. 58.
[8] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 20.
[9] COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Campinas: Red Livros, 1999, p. 374.
[10] ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda, ALVIM, Teresa Celina de Arruda. Nulidades processuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 22.
[11] TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 67.
[12] Art. 20.1 da Constituição portuguesa: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
[13] Art. 2.1 do Código de Processo Civil português: “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.
[14] Constituição do Brasil e constituições estrangeiras. vol. I. Brasília: Senado Federal. Subsecretaria de Edições Técnicas, 1987, p. 365.
[15] No original, diz o art. 24.2: “Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a um proceso público sin dilaciones indebidas y com todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no confesarse culpables y la presunción de inocencia”.
[16] TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 76.
[17] MARGINAL: TEDH 2000/156. RESOLUCION: Sentencia de 26 septiembre 2000. Caso Guisset contra Francia. Demanda núm. 33933/1996. JURISDICCION: CONSTITUCIONAL (TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS DE ESTRASBURGO, Sección 1ª.
RESUMEN:
“DERECHO A UM PROCESO EQUITATIVO: Publicidade del proceso: garantía de los justiciables contra uma justicia secreta que escapa de la fiscalización del público, que constituye uno de los medios para contribuir a preservar la confianza em los tribunales; Supuesto: proceso penal por malversación de fondos del Estado iniciado contra diplomático francés que finalizó com sanción y afectó al desarrolo posterior de su carrera profesional: vistas celebradas a puerta cerrada sin justificación alguna: exigencia de publicidad: violación existente.
PROCEDIMIENTO ANTE EL TEDH: Legimación: consideración de “víctima”: la existencia de uma violación del Convenio concurre incluso cuando no existe perjuicio alguno: la sentencia absolutoria no puede considerase uma reparación de la violación alegada: el demandante no há perdido su condición de víctima”.
Opinión parcialmente concordante y parcialmente disidente del Juez señor Pacteau y opinión parcialmente disidente del Juez señor Zupancic.
[18] FREITAS, José Lebre de. Em torno da revisão do direito processual civil. Revista da Ordem dos Advogados. Lisboa, 1995, p. 15.
[19] Art. 5º, § 2º, da CF: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
[20] TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 67.
Mestre em Direito/UFPE. Advogado e Professor em Brasília-DF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do processo tempestivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2009, 06:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17471/o-principio-do-processo-tempestivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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