SUMÁRIO: I. Introdução. II. Aplicabilidade da prescrição e ao processo sócio-educativo. III. Conclusão.
I. Introdução.
No ano de 1990 foi promulgada a Lei n.º 8.069/1990 que instituiu o atual Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Este diploma legal, cujo conteúdo está em harmonia com o texto constitucional de 1988 e diversos documentos internacionais, tais como, a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1949, a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, a Convenção Interamericana de Direito Humanos – Pacto de San José da Costa Rica de 1963, reconhece que crianças e adolescente são pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, devendo, portanto, merecer do Estado, da família e da sociedade atenção especial.
A atenção especial traduz-se pela garantia de proteção de integral a tais indivíduos, assegurando-lhe, dentre outras coisas, os meios que permitam seu desenvolvimento físico e mental saudável.
Por outro lado, quando o assunto se refere a desvios de conduta de menores, tais como prática delituosas, o tratamento não poderia ser diferente.
O legislador brasileiro fixou a idade de 18 anos como o termo inicial da maioridade penal do indivíduo, conforme previsão do art. 228 da Constituição Federal (CF), bem como do art. 27 do Código Penal e do art. 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo, um sistema diferenciado de responsabilização penal da pessoa menor de 18 anos, daquele previsto no Código Penal destinado aos adultos.
Em outras palavras, ao adolescente que for atribuída a prática de ato tipificado como crime terá sua responsabilidade apurada com base em lei especialmente destinada a ele, qual seja, Lei 8.069/90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo, portanto, tratado fora do sistema formal da Justiça Penal.
A mencionada legislação especial determina, dentre outras coisas, que o indivíduo menor de 18 anos autor de ilícito penal fica sujeito às medidas de proteção e/ou medidas sócio-educativas nele previstas quando da prática de ato infracional.
Apesar disso, para a aplicação adequada de tais medidas, deve-se observar a diferenciação entre criança e adolescente estabelecida pelo próprio ECA.
Tal distinção foi fixada com base em critério objetivo etário e na psicologia evolutiva, de modo que considera-se criança, a pessoa até 12 (doze) anos incompletos, e adolescente, aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. (ECA, art. 2º)
A pessoa com idade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos denominamos, genericamente, de jovem adulto.
A questão é relevante, principalmente no que se refere à prática de ato infracional, porque ao adolescente infrator podem ser aplicadas tanto as medidas protetivas (art. 101), quanto as sócio-educativas (art.112), ao passo que à criança infratora somente podem ser aplicadas medidas protetivas.
Portanto, não se deve confundir inimputabilidade com impunidade já que o sistema do ECA promove a responsabilização do adolescente diante do cometimento de fatos tipificados como crimes.
Além disso, cabe esclarecer ainda, que a prática delitiva atribuída a adolescente deve ser qualificada como ato infracional, entendendo-se este por conduta descrita como crime ou contravenção penal (ECA, art.103). Daí decorre que só estará sujeito às medidas sócio-educativas, o adolescente que cometer a conduta criminosa descrita na lei formal, emanada do Poder Legislativo.
Assim, somente a prática de ato infracional devidamente apurada que justifica a aplicação de quaisquer medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do ECA ao adolescente.
Deste modo, considerando que os atos infracionais são análogos aos crimes e às contravenções penais, torna-se conveniente explicitar quando se dá a prescrição das infrações praticadas por adolescentes e quais os seus efeitos, bem como se tal instituto é aplicável ao processo sócio-educativo.
II. Aplicabilidade da prescrição e ao processo sócio-educativo.
O instituto da prescrição é uma construção jurídica que tem por fim conferir estabilidade às relações sociais, pois atribui ao titular de um direito o dever de exercê-lo dentro de certo prazo, sob pena de não o fazendo, ver extinto o seu direito.
A respeito da prescrição Luiz Roberto Barroso observa que:
Num Estado democrático de direito, a ordem jurídica gravita em torno de dois valores essenciais: a segurança e a justiça. Para realizar a justiça, tanto material como formal, prevêem-se diferentes mecanismos, que vão da redistribuição de riquezas ao asseguramento do devido processo legal. É para promovê-la que se defende a supremacia da Constituição, o acesso ao Judiciário, o respeito a princípios como os da isonomia e o da retroação da norma punitiva mais benéfica.
A segurança, por sua vez, encerra valores e bens jurídicos que não se esgotam na mera preservação da integridade física do Estado e das pessoas. Abrigam-se em seu conteúdo, ao contrário, conceitos fundamentais para a vida civilizada, como a continuidade das normas jurídicas, a estabilidade das situações constituídas e a certeza jurídica que se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas. Em nome da segurança jurídica, consolidaram-se institutos desenvolvidos historicamente, com destaque para a preservação dos direitos adquiridos e da coisa julgada. É nessa mesma ordem de idéias que se firmou e difundiu o conceito de prescrição, vale dizer, da estabilização das situações jurídicas potencialmente litigiosas por força do decurso do tempo.[1]
Portanto, para promover justiça o Estado deve, dentre outras coisas, garantir ao jurisdicionado a célere resolução da lide para que este possa satisfazer o seu direito a contento.
Decisões judiciais tardias podem traduzir-se em injustiça na medida em que não mais correspondem à realidade da época em que a pretensão foi deduzida.
Por tal motivo, o instituto da prescrição serve à tranqüilidade social ao evitar que o Estado julgue questão já esquecida no tempo.
O ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio da prescritibilidade das pretensões como regra, haja vista que o legislador constituinte previu a título de exceção somente duas hipóteses de imprescritibilidade, quais sejam, a prática de racismo (CF, art. 5º, XLIII) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV).
Em outras palavras, a Lei Fundamental, ao excepcionar certos delitos como imprescritíveis, consagrou a regra de que para todas as demais infrações corre o lapso prescricional para exercício do direito respectivo.
Nesse sentido, esclarece o professor Barroso:
Em qualquer dos campos do direito, a prescrição tem como fundamento lógico o princípio geral de segurança das relações jurídicas e, como tal, é a regra, sendo a imprescritibilidade situação excepcional. A própria Constituição Federal de 1988 tratou do tema para prever as únicas hipóteses em que se admite a imprescritibilidade, garantindo, em sua sistemática, o princípio geral da perda da pretensão pelo decurso do tempo.
(...)
Uma primeira conclusão se pode extrair desde logo: se o princípio é a prescritibilidade, é a imprescritibilidade que depende de norma expressa, e não o inverso.
O fato de não haver uma norma dispondo especificamente acerca do prazo prescricional, em determinada hipótese, não confere a qualquer pretensão a nota da imprescritibilidade. Caberá ao intérprete buscar no sistema normativo, em regra através da interpretação extensiva ou da analogia, o prazo aplicável.
Com efeito, o argumento de que o tema da prescrição seria de “direito estrito”, não admitindo por isso analogia, não tem fundamento. Como se sabe, a analogia só é vedada nas hipóteses de disposições excepcionais.
Como a exceção, no caso, é que os direitos sejam imprescritíveis, não se poderão criar novas situações de imprescritibilidade mediante analogia. A prescritibilidade, ao contrário, sendo a regra, admite a integração.[2] (g.n.)
No que se refere ao processo sócio-educativo, o ECA não tratou do instituto da prescrição ao disciplinar sobre a aplicação e execução das medidas socioeducativas a adolescentes autores de atos infracionais.
Lembrando que o instituto da prescrição é comum a todos os ramos do direito, seja ele privado ou público, não há que se falar em exceção com relação ao ECA, sob pena de violação ao princípio constitucional da prescritibilidade das pretensões, conforme já mencionado anteriormente.
De tal modo, por meio de analogia tem-se que os prazos prescricionais aplicáveis ao processo sócio-educativo serão os previstos no Código Penal. Isto porque, por ato infracional entende-se a conduta descrita como crime ou contravenção penal (ECA, art. 103).
No direito penal, prescrição é o modo pelo qual se extingue a punibilidade do autor de um crime ou contravenção, em conseqüência de não haver o Estado, durante o prazo legal, exercitado contra ele o seu direito de punir ou não haver executado a sanção penal que lhe foi imposta.
A prescrição pode ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença, quando extingue a pretensão punitiva, e, conseqüentemente, o direito de exercer a ação, ou, posteriormente a esse fato, quando põe fim ao direito de aplicar a pena, impedindo a execução do título executório.
Sobre o tema, cabe mencionar preciso ensinamento do professor Damásio de Jesus:
Na prescrição da pretensão punitiva, impropriamente denominada “prescrição da ação”, a passagem do tempo sem o seu exercício faz com que o Estado perca o poder-dever de punir no que tange à pretensão (punitiva) de o Poder Judiciário apreciar a lide surgida com a prática da infração penal e aplicar a sanção respectiva. Titular do direito concreto de punir, o Estado o exerce por intermédio da ação penal, que tem por objeto direito a exigência de julgamento da própria pretensão punitiva e por objeto mediato a aplicação da sanção penal. Com o decurso do tempo sem o seu exercício, o Estado vê extinta a punibilidade e, por conseqüência, perde o direito de ver satisfeitos aqueles dois objetos do processo.
(...)
Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o direito de punir concreto se transforma em jus executionis: o Estado adquire o poder-dever de impor concretamente a sanção imposta ao autor da infração penal pelo Poder Judiciário. Pelo decurso do tempo o Estado perde esse poder-dever, i.e., perde o direito de exercer a pretensão executória. Daí falar-se em prescrição da pretensão executória, impropriamente chamada de “prescrição da pena” e “prescrição da condenação”.[3]
O Código Penal regula em seus arts. 109 e 110 os prazos em que se dá a perda do direito de punir e executar a pena pela prática de infrações penais, os quais variam conforme o máximo de pena a elas cominadas ou aplicadas e de acordo com a espécie de prescrição.
Além disso, prevê o referido diploma legal que, se o autor do delito contava com menos de 21 anos na data do fato, os prazos prescricionais deverão ser reduzidos pela metade. (CP, art. 115, caput, 1ª parte)
Não obstante haja sólido entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido da aplicabilidade do instituto da prescrição das pretensões declaratórias ou executórias sócio-educativa, o tema tem divido opiniões.
Alguns argumentam que a omissão do ECA quanto ao instituto da prescrição se justifica pela natureza pedagógica e não punitiva da medida sócio-educativa, de modo que, enquanto houver a necessidade impor ao adolescente a resposta sócio-pedagógica, terá o Estado o poder de aplicá-la. Portanto, segundo essa linha de pensamento, a medida sócio-educativa só não poderia ser aplicada na hipótese do adolescente atingir a idade de 21 anos, caso em que já será considerado adulto não mais se sujeitando às normas do Estatuto.
Nesse sentido, explica Marina de Aguiar Michelman:
Há, certamente, quem entenda pela inaplicabilidade do instituto da prescrição a procedimentos infracionais. Para esta corrente, não vem a propósito cogitar-se de prescrição, porquanto medidas socioeducativas têm natureza e finalidade diversas das penas, a saber, reeducar e ressocializar o menor.[4]
Compartilha dessa opinião o Promotor de Justiça Murillo José Digiácomo, citado na obra de João Batista Costa Saraiva, argumentando que o reconhecimento da prescrição estaria em descompasso como o ECA para “o atendimento do adolescente em conflito com a lei, até porque não cabe ao Estado (latu sensu), abrir mão, sem motivo justificado, de seu de dever de proporcionar ao jovem a resposta sociopedagógica adequada, enquanto esta ainda se fizer necessária. O estabelecimento de uma causa objetiva de perda da pretensão socioeducativa seria contrária à proposta da proteção integral do adolescente, que mesmo após decorrido o ‘lapso prescricional’ previsto ainda poderia estar a necessitar dos limites e das oportunidades decorrentes da medida originalmente aplicada ou de outra que viesse a substituí-la.”[5]
De outro lado, para os que defendem a aplicação da prescrição ao processo sócio-educativo é inegável o caráter retributivo repressivo das medidas sócio-educativas, além do reeducativo, sendo, portanto, compatível a aplicação do instituto da prescrição à pretensão sócio-educativa ou executória do Estado face ao adolescente em conflito com a lei.
Esse é igualmente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que sumulou o entendimento no sentido da possibilidade da aplicação da prescrição ao processo sócio-educativo, como se vê abaixo:
Súmula 338 STJ: "A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas"
Por oportuno, cabe ainda mencionar a título de exemplo recentíssimo julgado acerca do assunto:
HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO À TENTATIVADE FURTO QUALIFICADO. MEDIDA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ÀCOMUNIDADE PELO PRAZO DE 3 MESES. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. SÚMULA 338/STJ. PRAZO PRESCRICIONAL DE 4 ANOS.
NÃO APERFEIÇOAMENTO DO LAPSO TEMPORAL EXIGIDO. PACIENTE QUE ATINGIU 21 ANOS. ORDEM CONCEDIDA.
1. Em virtude da natureza retributiva e repressiva das medidas sócio-educativas, além de sua função protetiva e reeducativa, admite-se a prescrição destas, da forma como prevista no CPP; tal entendimento resultou na recente edição da Súmula 338 desta Corte, segunda a qual a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas.
2. A diretriz jurisprudencial desta Corte assentou a orientação de que, para o cálculo do prazo prescricional da pretensão sócio-educativa, caso a medida tenha sido aplicada sem termo final, far-se-á uso do prazo máximo em abstrato de duração da medida de internação, que, à luz do disposto no art. 121, § 3o. do ECA, é de 3 anos; ao passo que, na hipótese de ter sido fixado um prazo final, terá como parâmetro a sua duração determinada na sentença. Uma vez fixado o prazo, este deve ser reduzido pela metade, em decorrência do disposto no art. 115 do CPB.
3. Decorrendo lapso superior ao prazo prescricional de 1 ano, entre sua evasão e o presente mandamus, e não havendo qualquer causa interruptiva ou suspensiva, consuma-se o instituto da prescrição, extinguindo a punibilidade do ato infracional praticado pelo paciente.
4. Ordem concedida, em conformidade com o parecer ministerial, para reconhecer a prescrição da medida sócio-educativa. (STJ, HC n.º 84.402/SP, Rel. Min. Napoleão Nunues Maia Filho, DJ 28.04.08) (g.n.)
No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal (STF) tem julgado a questão:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRESCRIÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. APLICABILIDADE DAS REGRAS PREVISTAS NO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL À METADE COM BASE NO ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTE. ORDEM DENEGADA. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DENEGADO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Se a alegação da eventual incidência do princípio da insignificância não foi submetida às instâncias antecedentes, não cabe ao Supremo Tribunal delas conhecer originariamente, sob pena de supressão de instância. 2. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a prescrição das medidas socioeducativas segue as regras estabelecidas no Código Penal aos agentes menores de 21 (vinte e um) anos ao tempo do crime, ou seja, o prazo prescricional dos tipos penais previstos no Código Penal é reduzido de metade quando aplicado aos atos infracionais praticados pela criança ou pelo adolescente. 3. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado. 4. Concessão de ofício para reconhecer a incidência do princípio da insignificância.” (STF, HC n.º HC 96.520/RS, Rel. Cármen Lúcia, DJ 24.03.09). (g.n.)
Em brilhante artigo sobre o caráter sancionatório das medidas sócio-educativas, Karyna Batista Sposato expõe que:
No caso dos adolescentes, infelizmente resistimos em reconhecer que as chamadas medidas sócio-educativas são em verdade sanções jurídico-penais, é dizer, são penas.
Conseqüentemente, a delimitação da natureza e finalidade da medida sócio-educativa situa-se como chave de toda a discussão. A medida sócio-educativa tem natureza penal, uma vez que representa o exercício do poder coercitivo do Estado e implica necessariamente uma limitação ou restrição de direito ou de liberdade. De uma perspectiva estrutural qualitativa não difere da penas. Isto porque cumpre o mesmo papel de controle social formalizado que a pena, possuindo mesmas finalidades e conteúdo.
A medida sócio-educativa assim como a pena está condicionada ao princípio da legalidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente utilizou como técnica a tipificação delegada, ou seja, a aplicação dos tipos penais de adultos para definir as infrações do sistema de justiça juvenil. Deste modo, reforça-se o entendimento da medida sócio-educativa como espécie de sanção penal, uma vez representa a resposta do Estado diante do cometimento de um ato infracional, praticado por adolescentes, e revela a mesma seleção da condutas antijurídicas que se exerce para a imposição de uma pena.
Já neste estágio de reflexão podemos conceber que as medidas sócio-educativas e sua execução não se dissociam, da política criminal. E revestem-se de uma feição extremamente importante, pois constituem o sistema formalizado de controle penal sobre a adolescência.
(...)
É importante frisar que o reconhecimento do caráter sancionatório da medida sócio-educativa não retira a tarefa e o desafio pedagógico que se colocam para a Justiça da Infância e Juventude e para os programas de atendimento sócio-educativo.[6]
Na mesma linha de pensamento, Antonio Fernando Amaral e Silva sustenta que reconhecer a existência da responsabilidade penal juvenil é necessário, argumentando que:
Legislações juvenis, antigas e novas, geralmente relacionam as seguintes medidas como respostas pela delinqüência juvenil: advertência (a mais branda de todas); prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; semiliberdade; internação em estabelecimento educacional.
Se a simples advertência, materializada através de repreensão, da ameaça de sanções mais graves, não tiver caráter penal, não corresponder a uma punição? A que corresponderá?
Prestação de serviços à comunidade é pena restritiva de direitos na maioria das legislações penais de adultos.
Liberdade assistida não passa de probation da legislação penal comum.
A internação, eufemismo, corresponde à privação da liberdade.
(...)
Embora de caráter predominantemente pedagógico, as medidas socioeducativas, pertencendo ao gênero penas, não passam de sanções impostas aos jovens.[7]
Desta feita, reconhecendo que as medidas sócio-educativas são, a exemplo das sanções penais, mecanismos de defesa social, distinguindo-se delas pelo predomínio do caráter pedagógico sobre o punitivo, não estão livres do propósito intimidativo e retributivo próprio da pena.
Além do mais, a imposição de medida sócio-educativa implica na interferência do Estado na liberdade individual do adolescente para lhe impor, coercitivamente, um “programa pedagógico”, seja por meio de privação total ou parcial de liberdade, seja a ameaça de imposição de internação sanção, sendo esta uma espécie de punição imposta ao adolescente por não ter acatado a medida sócio-educativa a ele imposta anteriormente, tendo de forma reiterada insistido em seu descumprimento (ECA, art. 122, III).
Assim, considerando que no âmbito criminal o legislador prevê a perda, pelo Estado, do poder de punir ou de executar a pena pela incidência da prescrição, deve-se dispensar o mesmo tratamento ao autor de ato infracional, tendo-se em vista o caráter sancionatório das medidas sócio-educativas, sob pena de afronta ao princípio constitucional da igualdade (CF, art. 5º, caput).
A corroborar com esta opinião, merece destaque o comentário do Promotor de Justiça Alexandre César Fernandes Teixeira:
Quem defende a proteção integral do adolescente não pode ser contra a prescrição em comento. O ECA não pode ser mais severo que o CP.
São várias as razões pelas quais o adolescente merece ser beneficiado pela prescrição de ato infracional. Uma delas é que existe prescrição no processo criminal, no processo trabalhista, no processo administrativo, no processo eleitoral, no processo civil, no processo penal militar, e não pode existir no processo em que se apura contravenção ou crime praticado por menor?
O Estado tem que ter limites para apurar determinados fatos, a não ser quando a CF faz a ressalva da imprescritibilidade (art. 5º, XLII e XVIV).
Em nenhum momento a CF diz que os fatos praticados por menores são imprescritíveis.
O Estado não pode tratar desigualmente as pessoas infratoras (art. 5º, I, da CF). Quando o maior comete um crime de lesão leve, e o Juiz recebe a denúncia depois de 4 anos da data do fato, ocorre a prescrição da pretensão punitiva. Quando o menor comete um ato infracional, lesão leve, que é crime, não há prescrição depois de 4 anos entre a data do fato e o recebimento da representação? É ou não um tratamento desigual? Isso é incompreensível.
O argumento de que a medida sócio-educativa é educacional não pode ser mais relevante do que o princípio da igualdade. O absurdo é o menor processado, e o maior em liberdade pela extinção da punibilidade (prescrição), quando eles praticaram o crime em co-autoria. Não é desigual? Quem está sendo protegido pela lei? O maior é claro. O menor está sofrendo o peso do processo e suas conseqüências!
E o adolescente não tem direito ao perdão judicial? Só o maior tem direito a tão importante benefício? E a igualdade onde fica?
Se o maior cometer crime contra o menor, ocorrerá prescrição (art. 226, do ECA). Se o menor cometer ato infracional contra maior, não? E se as lesões forem recíprocas, um ferindo o outro, a extinção da punibilidade pela prescrição só vale para um. Onde está a igualdade tão defendida hodiernamente?[8]
Existe, ainda, uma terceira corrente, intermediária às anteriores que, apesar de não admitir a aplicação das regras de prescrição ao procedimento especial do ECA, defende a possibilidade do juiz, ex officio ou a requerimento da parte, reconhecer a perda do objeto sócio-educativo face à desnecessidade de impor ao adolescente a resposta sócio-pedagógica de seu ato em razão do prolongado decurso do tempo.
Isto porque, decorrido longo prazo do ato infracional, e não havendo notícia de que o adolescente tenha infringido a lei penal, presume-se este tenha se corrigido, não havendo sentido em insistir na aplicação de uma medida sócio-educativa a um indivíduo que já se encontra reeducado.
Cezar Roberto Bitencourt, mencionando lição de Magalhães Noronha, avalia os efeitos da ação do tempo na personalidade do indivíduo autor de ilícito penal:
Em se tratando de condenação, força é convir que o longo lapso de tempo decorrido, sem que o réu haja praticado outro delito, está a indicar que, por si mesmo, ele foi capaz de alcançar o fim que a pena tem em vista, que é o da sua readaptação ou reajustamento social.[9]
Desta feita, não havendo mais interesse processual, deve o juiz declarar extinto o procedimento apuratório ou executório sem julgamento do mérito, por força do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
Marina Aguiar Michelman explica com clareza a questão:
Outra corrente, porém, desvincula a aplicação do instituto da prescrição dos critérios objetivos do Código Penal, de modo que inexistiria lapso temporal pré-definido para o Estado deixar de impor a medida ou executá-la. Assim, constatada concretamente, caso a caso, a ineficácia pedagógica da medida, tendo como referência o momento da aplicação ou execução da medida e não a do ato infracional, o juiz poderá invocar o non liquet ou deixar determinar a execução da medida, levando em conta as alterações instaladas pelo tempo na personalidade do adolescente, em suas condições culturais, socioeconômicas e maturacionais (artigos 100 e 112, § 1º, do ECA). Para tanto, poderá recorrer a seu prudente arbítrio, mediante “inspeção judicial”em relação ao adolescente e aos responsáveis legais ou requisitar o assessoramento de equipe interprofissional (artigos 150 e 151 do ECA).[10]
Respeitados os argumentos de tal corrente, não parece ser a melhor solução para a questão do decurso do tempo nas ações sócio-educativas. Isto porque, ao vedar a aplicação da prescrição a tal procedimento, incorre em afronta ao princípio da prescritibilidade garantido constitucionalmente, criando hipótese de imprescritibilidade não pretendida pelo legislador.
Por outro lado, considerando o caráter sacionatório das medidas sócio-educativas, deve-se assegurar ao adolescente as garantias próprias do direito penal a fim de evitar eventuais arbitrariedades por parte das autoridades judiciárias.
Assim, outra saída não há senão aplicar ao âmbito de apuração do ato infracional e execução das medidas sócio-educativa as regras da prescrição previstas na Lei Penal.
3. Conclusão.
Em conclusão, temos que o instituto da prescrição é perfeitamente aplicável ao processo sócio-educativo dado o caráter marcadamente penal do sistema infracional previsto no ECA, o que já foi reconhecido pelos tribunais superiores brasileiros, correspondendo, inclusive, objeto de súmula do STJ.
Desta feita, ao reconhecer o caráter sancionatório do Direito Infracional, deve-se admitir a aplicação de todas as garantias comuns ao Direito Penal ao âmbito do processo sócio-educativo, incluindo-se aí as regras da prescrição.
Por outro lado, a prescritibilidade das pretensões constitui garantia constitucional inderrogável que confere segurança às relações jurídicas.
Assim, apesar da Lei 8.069/1990 ter silenciado quanto à aplicação da prescrição ao seu procedimento, não se trata de hipótese de imprescritibilidade, haja vista que o legislador constituinte previu expressamente, no rol dos direitos e garantias fundamentais, as únicas hipóteses de imprescritibilidade admitidas pelo o ordenamento jurídico pátrio, razão pela qual, não é autorizado ao intérprete criar outras hipóteses de imprescritibilidade, sob pena de ferir garantia fundamental.
BIBLIOGRAFIA GERAL
1. AMARAL e SILVA, Antonio Fernando. O mito da inimputabilidade penal e o estatuto da criança e do adolescente. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, v. 5, AMC, Florianópolis, 1998.
2. BARROSO FILHO, José. Ato infracional; sentenças e normas pertinentes. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997.
3. BARROSO, Luis Roberto. A prescrição administrativa no direito brasileiro antes e depois da lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 4, 2001.. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 01 de junho de 2009.
4. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1: parte geral. 13ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
5. JESUS, Dámásio E. de. Prescrição penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 23 e 87.MICHELMAN, Marina de Aguiar. Revista Brasileira de Ciências Criminais" nº 27, de julho-setembro de 1999.
6. TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
7. SARAIVA, João Batista Costa. Direito penal juvenil: adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. 2ª ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002
8. SPOSATO, Karyna Batista. Gato por lebre: a ideologia correcional no Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista Brasileira de Ciências Criminais – n.º 58. Janeiro-fevereiro de 2006. Ano 14.
9. TEIXEIRA, Alexandre César Fernandes. Prescrição da ação que apura infração praticada por adolescente . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1654>. Acesso em: 29 maio 2009.
[1] BARROSO, Luis Roberto. A prescrição administrativa no direito brasileiro antes e depois da lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 4, 2001, p. 03. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 01 de junho de 2009.
[2] BARROSO, Luis Roberto. A prescrição administrativa no direito brasileiro antes e depois da lei nº 9.873/99. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 4, 2001, p. 04/05. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 01 de junho de 2009.
[3] JESUS, Dámásio E. de. Prescrição penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 23 e 87.
[4] MICHELMAN, Marina de Aguiar. Revista Brasileira de Ciências Criminais" nº 27, de julho-setembro de 1999,
[5] SARAIVA, João Batista Costa. Direito penal juvenil: adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. 2ª ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 38
[6] SPOSATO, Karyna Batista. Gato por lebre: a ideologia correcional no Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista Brasileira de Ciências Criminais – n.º 58. Janeiro-fevereiro de 2006. Ano 14, p. 139
[7] AMARAL e SILVA, Antonio Fernando. O mito da inimputabilidade penal e o estatuto da criança e do adolescente. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, v. 5, AMC, Florianópolis, 1998, p. 263
[8] TEIXEIRA, Alexandre César Fernandes. Prescrição da ação que apura infração praticada por adolescente . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1654>. Acesso em: 29 maio 2009.
[9] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1: parte geral. 13ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 730.
[10] MICHELMAN, Marina de Aguiar. Revista Brasileira de Ciências Criminais" nº 27, de julho-setembro de 1999.
Estudante de Direito - Graduanda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIA, Raquel Aparecida de. Prescrição e o processo sócio-educativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2009, 07:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17560/prescricao-e-o-processo-socio-educativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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