Resumo: O texto aborda o tema da responsabilização do adolescente no ordenamento jurídico brasileiro face à prática de ilícito penal.
Palavras chave: ato infracional; medidas sócio-educativas.
O crime constitui um desvalor social que deve ser coibido pelo Estado, mesmo quando praticado por pessoas de pouca idade.
O ordenamento jurídico brasileiro prevê um sistema diferenciado de responsabilização penal da pessoa menor de 18 anos, daquele previsto no Código Penal destinado aos adultos.
O sistema jurídico que prevê a responsabilização do jovem menor de 18 anos é a Lei 8.060/90, chamada de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o qual determina, dentre outras coisas, que o menor fica sujeito às medidas de assistência, proteção e vigilância nele previstas.
Considerando que adultos, crianças e adolescentes são pessoas desiguais, não podem ser tratadas de maneira igual.
Diante disso, tem-se que o indivíduo maior de 18 anos que comete um crime, será responsabilizado nos termos da lei penal vigente. Por outro lado, a pessoa menor de 18 anos de idade que for autora de fato tipificado como crime terá sua responsabilidade apurada com base em lei especial, qual seja, Lei 8.069/90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sendo, portanto, tratada fora do sistema formal da Justiça Penal.
Segundo entendimento Heleno Fragoso, o ordenamento jurídico pátrio, ao dispensar tratamento diferenciado à criança e ao adolescente, não afere a capacidade de culpa destes indivíduos, razão pela qual não se trata, tecnicamente, de inimputabilidade. Para ele, na verdade, “os menores estão fora do direito penal e não podem ser autores de fatos puníveis.”[1]
A responsabilidade penal do indivíduo menor de 18 anos, entretanto, está limitada à idade de 12 anos, a qual inaugura a fase da adolescência segundo o ECA (art. 2º). Isso significa dizer que, o menor de 12 anos, por ser considerado criança, ficará isento de responsabilidade quando da prática de um crime ou contravenção penal, devendo ser encaminhado ao Conselho Tutelar, onde lhe serão aplicadas medidas protetivas. (ECA, art.105)
No entendimento de Roberto José dos Santos, tal diferenciação se deve ao fato de a “criança ser considerada como um ser, ainda, incapaz de refletir em profundidade o ato cometido, e, portanto, alvo de medidas que visem à sua proteção.” [2]
Desde 07 de dezembro de 1940, data em que o Código Penal (Decreto-Lei 2.848) entrou em vigência em nosso país, o critério adotado pelo legislador para a responsabilização criminal do indivíduo foi o biológico, por motivo de política criminal conforme consta da Exposição de Motivos do referido código.
Segundo Heleno Fragoso, política criminal consiste em:
(...) atividade que tem por fim a pesquisa dos meios mais adequados para o controle da criminalidade, valendo-se dos resultados que proporciona a Criminologia, inclusive através da análise e crítica do sistema punitivo vigente.
A política criminal não é ciência, mas apenas técnica, aproximando-se das disciplinas políticas, que são disciplinas de meios e fins. É o campo da Política Criminal (e não no da Dogmática Jurídico-Penal) que o jurista discute e critica a oportunidade ou a conveniência de medidas ou soluções propostas ou existentes no direito vigente, sendo este o terreno em que se defrontam as diversas correntes de opinião.[3]
A Constituição Federal de 1988 veio para confirmar definitivamente a questão, ao dispor no art. 228, que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
A inimputabilidade tem na Constituição da República o sentido de exclusão das conseqüências jurídicas de natureza penal, prescrevendo a não aplicação do Direito Penal quando se verificar a prática de crimes ou contravenções penais por menores de dezoito anos.
Apesar disso, não se deve confundir imputabilidade com impunidade, já que o adolescente é responsável por seus atos nos termos da lei que dispensa a ele tratamento especial, isto é, o Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme já dito.
O critério biológico adotado pelo legislador para a responsabilização criminal do indivíduo, na linha de pensamento de Guilherme de Souza Nucci, criou uma:
(...) presunção absoluta de que o menor de 18 anos, em face do desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento. [4]
Discorda de tal entendimento Karyna Sposato, sustentando que:
Em primeiro lugar, cabe uma reflexão mais apurada acerca do que significa responsabilizar diferentemente um jovem de 17 anos e outro de 18 anos por atos praticamente idênticos do ponto de vista da tipicidade penal. Trata-se, a meu ver, de uma opção de política criminal consistente, que ao estabelecer um limite para a imputação penal, oferece uma oportunidade diferenciada para a juventude delinqüente.
O critério de 18 anos para imputabilidade penal não se relaciona com a capacidade de entendimento dos jovens abaixo dessa idade, e sim como uma opção acerca de conveniência em não submetê-los ao sistema reservado aos adultos como forma mais eficiente para prevenir essa modalidade de criminalidade.[5]
Reproduzindo literalmente o texto constitucional, o ECA estabelece que os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, estando sujeitos às medidas nele previstas (ECA, art. 104), sendo certo que o parágrafo único desse dispositivo determina que a idade a ser considerada para apuração do ato infracional é a data do fato criminoso. Ato infracional, por sua vez, constitui a conduta descrita como crime ou contravenção penal (ECA, art. 103).
Ao prever que a idade a ser considerada para apuração do ato infracional é a do fato criminoso, o ECA, em consonância com o Código Penal vigente, adotou a teoria da atividade, segunda a qual ”considera-se praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. (CP, art.4º)
Isto significa dizer que na hipótese de um adolescente cometer um crime às vésperas de atingir a maioridade, e ocorrendo o resultado do ilícito penal quando este já contar com 18 anos completos, não poderá ser punido com o rigor da lei penal, já que era menor de idade na data dos fatos, razão pela qual estará sujeito à aplicação de medidas sócio-educativas prevista no ECA.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
Na aplicação de medidas s previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, leva-se em consideração a idade do menor ao tempo da prática do fato, para efeito de cumprimento de sanção, a circunstância de atingir o agente a maioridade (STJ, RHC 7.308/98-SP, DJU 27-4-98. p. 217)
Guilherme de Souza Nucci, analisando a questão do termo inicial da maioridade penal expõe que existem três correntes, quais sejam:
a) a partir do primeiro instante do dia do aniversário (“É a lei civil que determina a idade das pessoas. Impossível caber interpretação diversa na legislação penal e processual, uma vez não ter cabimento que alguém tenha 18 anos pela lei civil e ainda não tenha pela lei penal, ou militar, ou eleitoral. Logo, considera-se penalmente responsável o agente que pratica a infração no preciso dia em que comemora o seu 18º aniversário”, TACRIM, HC 286.966/4-SP, 13ª C., rel. Juiz San Juan França, 13.02.1996; b) a partir da exata hora em que nasceu o agente do dia do seu aniversário; c) a partir do último instante do dia do aniversário (cf. José Antonio Paganella Boschi, Das penas e seus critérios de aplicação, p. 264). [6]
Aduz, ainda, o mencionado autor, que a corrente predominante é a primeira, a qual este se filia.
Portanto, o indivíduo que violar a norma penal ou contravencional na véspera do seu 18º aniversário, não comete crime, mas tão somente ato infracional e estará sujeito às medidas sócio-educativas previstas no ECA.
Considerando que por ato infracional entende-se a conduta descrita como crime ou contravenção penal (ECA, art.103), só estará sujeito às medidas sócio-educativas, o adolescente que cometer a conduta criminosa descrita na lei formal, emanada do Poder Legislativo.
Deste modo, o ato cometido por adolescente que pode ser qualificado como infracional, e assim determinar a incidência de medidas jurídicas, é somente aquele que, no mundo adulto, corresponde a uma ação típica, antijurídica e culpável.
Segundo Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Thales Cezar de Oliveira:
Ao exigir, para caracterização do ato infracional, a demonstração de que o fato praticado também se subsume a uma figura típica, o Estado acolheu o princípio da reserva legal, segundo qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX da CF). Por conseqüência, não pode haver ato infracional sem lei penal anterior que o defina, nem medida sócio-educativa sem prévia cominação legal.[7]
Não há, no código penal vigente, um conceito de crime, sendo este resultado de produção doutrinária, que o divide em conceito formal e conceito material.
Segundo Heleno Fragoso, o conceito formal de crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena.[8]
No que tange ao conceito material, o entendimento doutrinário majoritário é no sentido de que se trata de uma conduta típica, antijurídica e culpável.
Por seu turno, a contravenção penal, se diferencia do crime tão somente em razão da pena aplicada ao agente. Deste modo, os crimes são apenados com de reclusão ou detenção, enquanto as contravenções, no máximo implicam em prisão simples.
Ainda sobre a configuração do ato infracional, Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Thales Cezar argumentam:
Depreende-se, portanto, que para a caracterização de um ato infracional, há que ficar demonstrada a ocorrência de crime ou contravenção, com todos os seus elementos constitutivos, subjetivo, objetivo e normativo, bem como com todas as circunstâncias e demais requisitos do fato delituoso. Não demonstrada a tipicidade da conduta, apenas medidas protetivas (art. 101 do ECA) podem ser aplicadas.[9]
Diante disso, pode-se dizer que a delinqüência juvenil encontra no Estatuto da Criança e do Adolescente resposta adequada (ao menos na teoria) como um sistema preventivo-repressivo, com fim de promover a reeducação e a reinserção social do adolescente, que ao cometer um ato infracional, será submetido à aplicação de medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do ECA, que têm por escopo, a reeducação do indivíduo em desenvolvimento.
Na hipótese do ato infracional ter sido cometido por criança, como já dito, somente poderão ser aplicadas medidas de proteção.
Além do mais, a ONU recomenda que,
(...) nos sistemas jurídicos que reconheçam o conceito de responsabilidade penal para menores, seu começo não deverá fixar-se numa idade demasiado precoce, levando em conta as circunstâncias que acompanham a maturidade emocional, mental e intelectual.[10]
Contudo, a aplicação de tais medidas não se dá de modo arbitrário, devendo-se respeitar o devido processo legal, e assegurar ao menor, a ampla defesa e o direito ao contraditório.
Portanto, o ato infracional atribuído ao adolescente deverá ser apurado formalmente mediante representação sócio-educativa pública a ser oferecida pelo Ministério Público (ECA, art.182).
A representação equivale à denúncia oferecida contra o imputável, contudo o seu oferecimento não é obrigatório, conforme explica Paulo Afonso Garrido de Paula, promotor público de do Estado de São Paulo:
Se do sistema processual penal deflui o princípio da obrigatoriedade da propositura da ação penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao instituir a remissão como forma de exclusão do processo, expressamente adotou o princípio da oportunidade, conferindo ao titular da ação a decisão de invocar ou não a tutela jurisdicional. A decisão nasce do confronto dos interesses sociais e individuais tutelados unitariamente pelas normas insertas no Estatuto (interessa à sociedade defender-se de atos infracionais, ainda que praticados por adolescentes, ainda que infrator). Assim, em cada caso concreto, pode o Ministério Público dispor da ação sócio-educativa pública através da remissão, concedendo-a como perdão puro e simples ou, numa espécie de transação, incluir medida não privativa de liberdade, excetuando-se, portanto, a semiliberdade e a internação.[11]
Outra diferença entre a ação penal pública e a ação sócio-educativa pública é mencionada por Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Thales Cezar:
Ao contrário do que ocorre no processo penal, para a propositura da ação sócio-educativa pública não são necessárias provas pré-constituídas de autoria e materialidade, o que dá maior celeridade ao procedimento e permite a dispensa do inquérito policial.
A exceção, entretanto, atinge apenas o oferecimento da inicial, uma vez que para o julgamento da lide e eventual imposição de medida sócio-educativa essas provas deverão estar obrigatoriamente presentes.
Também não é preciso declinar qual a medida sócio-educativa e ou protetiva pretendida, cuja indicação deve surgir da instrução. Na escolha, o magistrado levará em consideração a prova colhida, o contato mantido com o adolescente e, principalmente, o relatório elaborado pela equipe interprofissional.[12]
A privação da liberdade do adolescente é excepcional e somente permitida em hipóteses bem definidas no Estatuo. Esta só poderá ser efetivada por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, ressalvada a hipótese de flagrante de ato infracional (ECA, art.106), caso em que a autoridade policial (preferencialmente especializada, onde houver) deverá lavrar auto de apreensão pela autoridade policial, ouvindo o condutor, as testemunhas, a vítima e o adolescente.
Além disso, a autoridade policial tem o dever de comunicar o fato à autoridade judiciária competente, à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada (ECA, art. 107)
No que tange à prisão em flagrante do adolescente, Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Thales Cezar ensinam:
Por razões lógicas, os mesmos direitos garantidos ao maior imputável quando da lavratura do auto de prisão em flagrante devem ser observados com relação ao infrator, como, por exemplo, o direito à presença familiar, de assistência por advogado, de conhecimento de todos os motivos da apreensão, de ciência sobre a identidade do responsável pela apreensão (art.106 do ECA) etc.[13]
Após a lavratura do auto de apreensão, este deverá ser encaminhado imediatamente ao Ministério Público em exercício no Juízo da Infância e Juventude, juntamente com o próprio menor (ECA, art.173 do ECA).
Em qualquer momento que os pais ou responsáveis do adolescente comparecerem, este deverá ser “prontamente liberado sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo possível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.” (ECA, art., 174)
Portanto, a privação da liberdade do adolescente é medida excepcional que somente se justifica em caso de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, conforme já mencionado.
Cabe pontuar que, o termo autoridade judiciária competente trata-se do juiz da infância e da juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária do local, conforme determinação do art. 146 do Estatuto.
Por fim, julgada procedente a representação, o juiz, na sentença fundamentada, determina a medida a ser aplicada ao adolescente dentre as arroladas nos incisos I e VII. Poderá ser uma delas, apenas, ou umas e outras cumuladas. Isto é possível em face do disposto no art. 113, que remete ao art. 99, onde a cumulação é prevista.
As medidas sócio-educativas consistem em: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional; além do conjunto de medidas protetivas constantes do art. 101, I a VI do Estatuto (ECA, art.121).
O rol de medidas sócio-educativas é fechado, sendo vedado ao juiz impor medidas diversas daquelas elencadas no art. 121 da Lei, em razão do princípio da legalidade.
A primeira medida sócio-educativa é aplicada ao adolescente infrator pela prática infracional de menor gravidade e consiste em advertência verbal que será reduzida a termo, na qual o menor é repreendido e conscientizado das conseqüências de seus atos, sendo posteriormente entregue à responsabilidade de seus pais ou responsável, mediante assinatura de um termo de compromisso perante o juiz.
Por sua vez, a obrigação de reparar o dano consiste em restituir ou recompensar o dano causado à vítima.
Segundo estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Sobre o Desenvolvimento do Estado do Ceará: “Esta medida tem grande eficácia especialmente em adolescentes de poder aquisitivo, sobretudo coibindo práticas de pichadores do patrimônio público e privado.”[14]
Contudo, na maioria dos casos o adolescente não tem condições financeiras, nem patrimônio que possibilite a reparação do dano, o que não impede a aplicação da medida em apreço.
Isto porque, o art. 932, I do atual Código Civil dispõe que os pais são responsáveis solidários pela reparação dos danos decorrentes do ato ilícito praticado por seus filhos incapazes, e por conseqüência, caso o ato infracional praticado tenha reflexos patrimoniais, os genitores deverão se responsabilizar por eventuais danos causados.
Por outro lado, se nem o menor nem seus pais tiverem condições para reparar os danos decorrentes do ato infracional, o juiz poderá aplicar outra medida sócio-educativa, visto que deve este deve avaliar a capacidade do infrator em cumpri-la, antes mesmo de aplicá-la.
Quanto à prestação de serviços à comunidade, o art.117 do ECA dispõe:
A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitalares, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
Tal medida deverá ser cumprida em um período semanal máximo de oito horas, em qualquer dia da semana, não podendo em hipótese alguma prejudicar a freqüência na escola ou à jornada normal de trabalho.
Tratando sobre o tema, Augusto César da Luz Calvalcante (p.400/401) revela que:
Inserida num contexto comunitário abrangente (entidades assistenciais, hospitais, escolas, programas comunitários, governamentais etc.), a medida possibilita o alargamento da própria visão do bem público e do valor da relação comunitária, cujo contexto deve estar inserido numa verdadeira práxis, onde os valores de dignidade, cidadania, trabalho, escola, relação comunitária e justiça social não para alguns, mas para todos, sejam cultivados durante a aplicação. Porém, há a necessidade não só da cultivação de tais valores, mas também da inserção e exercício prático da cidadania, aqui entendida como efetivação de todos os direitos e garantias inerentes à pessoa e elencados na lei e na Constituição. Inegáveis se fazem, pois, tais aspectos num País cuja perspectiva de vida digna, de planos pessoais em nível profissionalizante, conhecimento desalienante, realização pessoal, dentre outros, sofre profunda deterioração entre a população juvenil.[15]
Outra medida, prevista no art. 118 do ECA, é a liberdade assistida que na prática não tem produzido resultados eficazes.
Acerca do assunto, escreveram Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Thales Cezar de Oliveira:
A liberdade assistida, medida que na prática vem se demonstrando absolutamente inócua em reconduzir o adolescente ao sadio da convivência social, tem apontado como uma das medidas-padrão do ECA, talvez porque independa de grandes investimentos por parte do Estado.
Para se ter uma pálida idéia da falência do sistema, basta verificar que apenas entre agosto de 2003 e julho de 2994, 420 jovens que cumpriam a medida foram assassinados no Estado de São Paulo (AZEVEDO, 2004), demonstrando a completa falta de estrutura e acompanhamento por parte das unidades de atendimento.
Baseada no instituto norte-americano do probation system, consiste em submeter o adolescente, após sua entre aos pais ou responsável, a uma vigilância e acompanhamento discretos, à distância, com o fim de impedir a reincidência e obter a ressocialização.
Na prática, consiste na obrigação de o adolescente infrator e seus responsáveis legais comparecerem periodicamente a um posto predeterminado e, ali, entrevistarem-se com os técnicos para informar suas atividades.[16]
O regime de semiliberdade tem previsão no art. 120 do ECA e pode ser usada como medida inicial, evitando-se o total cerceamento do direito de ir e vir do jovem infrator e consiste no recolhimento noturno e realização de atividades externas durante o dia, sob supervisão da equipe multidisciplinar.
Outra hipótese que esta medida sócio-educativa é aplicada ocorre quando o adolescente que estava sob o regime de internação, passa para o da semiliberdade como meio de transição para o meio aberto.
Apesar de tal medida importar em restrições à liberdade do adolescente, a semiliberdade diferencia-se da internação, pois não pode ser revogada e permite ao adolescente que este estabeleça algum contato com a sociedade.
A medida sob comento não comporta prazo determinado, nos termos do § 2º, do art.120, devendo o adolescente ser reavaliado no máximo semestralmente para verificação da conveniência da manutenção da semiliberdade, podendo tal medida ser excepcionalmente aplicada entre os 18 e os 21 anos de idade (ECA, art. 120, § 2º, cc art. 121, § 5º), mas apenas por fato cometido antes da maioridade.
Por fim, a internação, que é a medida sócio-educativa mais grave, tem a sua aplicação disciplinada pelos princípios da excepcionalidade, da brevidade e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, constitucionalmente previstos no art. 227, § 3º, V, da Constituição Federal que, por sua vez, está em consonância com os três instrumentos internacionais que se referem explicitamente ao tema da privação da liberdade dos jovens, quais sejam, Convenção Internacional, Regras de Beijing e Regas Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados da Liberdade.
Ainda, nos termos do art. 37, a, da Convenção dos Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário:
Nenhuma criança será privada de liberdade de forma ilegal ou arbitrária: a captura, detenção ou prisão de uma criança devem ser conformes à lei, serão utilizadas unicamente como medida de último recurso e terão a duração mais breve possível.
A internação tem como efeito principal o cerceamento da liberdade de ir e vir do infrator, com o intuito de reeducá-lo e reinseri-lo na sociedade. Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende da leitura do julgado a seguir:
As medidas socioeducativas impostas ao menor infrator devem ser concebidas em consonância como os elevados objetivos da sua reeducação, sendo relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à sua dignidade com pessoa humana e a adoção de posturas demonstrativas de justiça. A internação deve ser reservada a situações quando, na verdade, a família não tenha controle sobre o menor e que se exija um tratamento rigoroso. Daí porque, diante desse quadro, impõe prestigiar-se a decisão do Juízo de Primeiro Grau que examinou a questão à luz dos dados conhecidos pelos assistentes sociais. Habeas corpus concedido. (STJ, 6.ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, HC 8858/SP)
O prazo de duração do internamento será indeterminado nos termos do § 2º, do art. 121, devendo a sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses, sendo que, em hipótese alguma, o período máximo da medida excederá três anos (ECA, art. 121, § 3º).
Excepcionalmente a medida de internação poderá ser aplicada após os 18 anos e até os 21, do mesmo modo a semiliberdade, mas somente pode ser executada em decorrência de fatos praticados antes da maioridade penal, visto que a infração penal praticada a partir dos 18 anos de idade sujeitará o indivíduo às penas previstas na legislação criminal.
No dizer de Heleno Cláudio Fragoso:
O cabimento da internação se circunscreve às hipóteses taxativamente previstas, não se admitindo extensão (art. 122,I e III, Lei 8.060/90). A internação somente será determinada se for inviável ou malograr a aplicação das demais medidas (art. 122, § 2º, L. 8.060/90). A internação somente será mantida enquanto absolutamente necessária, devendo ser avaliada periodicamente a possibilidade de progressão para medida mais branda. Por outro lado, a regressão a internação somente pode ser determinada após a oitiva do adolescente (Súmula 265/STJ).[17]
O art. 122 do ECA prevê as hipóteses de aplicação da medida de internação ao adolescente em conflito com a lei. São elas: ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; cometimento reiterado de infrações graves; e descumprimento reiterado e injustificável de medida imposta anteriormente.
Nesta última hipótese, a medida é chamada de internação sanção, pois constitui uma espécie de punição imposta ao infrator por não ter acatado a medida sócio-educativa a ele imposta anteriormente, tendo reiteradamente insistido em seu descumprimento.
Esta modalidade de internação, que não poderá exceder o prazo de três meses, não substitui a medida inicialmente imposta. Findo o período de internação, o infrator deve voltar a cumprir a medida anteriormente aplicada.
Por fim, o art. 123 do ECA estabelece que:
A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
Antônio Carlos Gomes, comentando o artigo mencionado, expõe que:
O primeiro aspecto a ser ressaltado no art. 123 é a rigorosa separação que ele estabelece entre o estabelecimento destinado à internação e aquele voltado às funções de abrigo.
A mistura arbitrária de adolescentes infratores e não infratores é uma das mazelas mais antigas e perniciosas do nosso sistema de ação social especializada.
Além da separação entre infratores e não infratores, o artigo em pauta estabelece ainda a separação dos adolescentes por idade, compleição física e gravidade da infração cometida.
Estes cuidados, evidentemente, estão voltados para a prevenção, ou pelo menos a contenção em limites mínimos, de violência cometida pelos adolescentes uns contra os outros. É importante, nesse particular, que tenhamos em vista as Regras Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados da Liberdade. É com base nelas que devemos não só decidir acerca da estrutura física dos estabelecimentos destinados a esse tipo de atendimento como, também, definir os fins e os meios do programa sócio-educativo a ser desenvolvido em seu interior.[18]
Como se vê, a finalidade das medidas sócio-educativas é reintegrar, ressocializar ou recuperar o adolescente infrator.
Apesar de a legislação ser bem intencionada, a teoria esbarra na prática, de modo que pouco ou nenhum resultado é obtido.
Percival de Souza, em seu livro “Meninos Bandidos Atacam”, tece críticas e discute as políticas voltadas à delinqüência juvenil. Ao tratar sobre o assunto da prática reiterada de atos infracionais por adolescentes, expõe que:
No Rio de Janeiro, tanto na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) como as Varas de Infância e da Juventude sabem, por tudo que já estão acostumadas a apurar, que a maior parte dos adolescentes infratores começou como abandonados de rua ou largados pelos pais em áreas de extrema carência. (...), ao longo dos primeiros cinco meses de 2005 a Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro calculava que havia cerca de 6 mil menores infratores não localizados. Dos 2.531 apreendidos, 44% eram reincidentes. Um percentual alto – 45% – eram de menores envolvidos em crimes contra o patrimônio (roubos e furtos) e 13% com o tráfico.[19]
Ainda sobre a reincidência infracional e internação dos adolescentes, conclui o autor que “não basta trancá-los e submetê-los a maus tratos, o que apenas contribui para que saiam ainda piores do que entraram.” [20]
A corroborar com esta opinião, o jornalista menciona dados de um levantamento feito pela Secretaria de Administração Penitenciária:
(...) em 2000, o estado de São Paulo tinha 53.117 presos. A população carcerária tinha crescido um pouco menos de 100% em quatro anos. Exatos 109.117, em dezembro de 2004. Os estabelecimentos penais em 62. O número de presídios subiu para128. A faixa etária dos prisioneiros continua em queda. (g.n)[21]
Ademais, as medidas sócio-educativas mais severas, na prática, pouco diferem das penas impostas aos adultos em estabelecimentos prisionais.
Sabe-se que, a internação ao menos teoricamente deveria ser realizada em instituição própria e adequada, mediante a monitoração de especialistas, almejando a reabilitação do adolescente.
Apesar disso, na maioria dos casos os infratores são trancafiados em verdadeiras prisões para menores, onde é improvável que sejam reeducados. Além disso, é notório que tais locais não atenderem às exigências mínimas de salubridade e dignidade para a vivência de um ser humano.
Acerca da falência da aplicação das medidas sócio-educativas, Karyna Sposato pondera:
Ademais, a prática em nosso país vem demonstrando grande ausência do papel da Justiça após a internação, não há um prosseguimento aos procedimentos de proteção. E em geral, as instituições de privação de liberdade não têm curso formal que desperte o interesse dos jovens, os cursos profissionalizantes não têm utilidade para suas vidas ou exigem um nível de escolaridade que os jovens ainda não atingiram.[22]
Percival de Souza demonstra que o problema é muito mais complexo do que se imagina:
Acompanhar esses menores, exige algo mais da pedagogia a ser aplicada. Muitos não receberam a menor educação sobre cidadania, respeito, civilidade, relações humanas, ou seja, ele não reconhecem qualquer coisa que não seja o domínio da lei do mais forte ou poderoso sobre o mais fraco. Internados, os mais fracos sofrem as imposições dos mais fortes, a coação física e psicológica, o terror diante dos que se mantêm agrupados, andam juntos e desafiam os recém-chegados. Se nunca foram educados, o conceito de ‘reeducar’ fica obviamente prejudicado. (g.n.)[23]
Diante do exposto, conclui-se que muitos problemas permeiam o tema acerca do limite da responsabilidade penal, os quais transcendem a problemática da mera mudança legislativa.
Dentre esses problemas, como se viu, encontra-se a questão da efetividade das medidas sócio-educativas como meio de reeducação e reinserção social, a qual deve ser pensada cuidadosamente tanto pelas autoridades, como por toda a sociedade que, por seu turno, deve cobrar a implementação das ações sociais que efetivarão o que está expresso na letra da lei, fazendo com que os direitos das crianças e dos adolescentes sejam concretizados e não acabem por tornarem-se meras abstrações de normas e princípios morais.
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TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
VALENTE, José Jacob. Estatuto da criança e do adolescente: apuração do ato infracional à luz da jurisprudência: Lei federal n.º 8.060/90. São Paulo: Atlas, 2002. (Série fundamentos jurídicos)
[1] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
[2] CURY, Munir (Coord.); SILVA, Antônio Fernando do Amaral; MENDES, Emílio Garcia. (Org.) Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006
[3] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral. 3ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
[5] SPOSATO, Karyna. O jovem: conflitos com a Lei. A Lei: Conflitos com a prática. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 8, n. º 30, abril/junho, 2000.
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral. 3ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
[7] DEL- CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; Thales Cezar de Oliveira. Estatuto da criança e do adolescente. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. (Série leituras jurídicas: provas e concursos)
[8] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. ed. rev. por Fernando Fragaso. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
[9] DEL- CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; Thales Cezar de Oliveira. Estatuto da criança e do adolescente. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. (Série leituras jurídicas: provas e concursos)
[10] Regras de Beijing, Res. ONU-40/33, de 29.11.85 – regra 4
[11] CURY, Munir (Coord.); SILVA, Antônio Fernando do Amaral; MENDES, Emílio Garcia. (Org.) Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006
[12] DEL- CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; Thales Cezar de Oliveira. Estatuto da criança e do adolescente. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. (Série leituras jurídicas: provas e concursos)
[13] Ibidem
[14] Instituto de Pesquisas Sobre o Desenvolvimento do Estado do Ceará. Medidas sócio-educativas para jovens em situação de risco: Prevenção, Aplicação e Eficácia. INESP, Ceará, 2007. Disponível na Internet: <www.al.ce.gov.br/inesp/4.pdf> . Acesso em: 29 mai.2008
[15] CURY, Munir (Coord.); SILVA, Antônio Fernando do Amaral; MENDES, Emílio Garcia. (Org.) Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
[16] DEL- CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; Thales Cezar de Oliveira. Estatuto da criança e do adolescente. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. (Série leituras jurídicas: provas e concursos)
[17] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. ed. rev. por Fernando Fragaso. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
[18] CURY, Munir (Coord.); SILVA, Antônio Fernando do Amaral; MENDES, Emílio Garcia. (Org.) Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
[19] SOUZA, Percival de. Meninos bandidos atacam: e nem sabemos o que fazer com eles. 1ª Ed. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Mostarda, 2006.
[20] SOUZA, Percival de. Meninos bandidos atacam: e nem sabemos o que fazer com eles. 1ª Ed. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Mostarda, 2006.
[21] Ibidem
[22] SPOSATO, Karyna. O jovem: conflitos com a Lei. A Lei: Conflitos com a prática. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 8, n. º 30, abril/junho, 2000.
[23] SOUZA, Percival de. Meninos bandidos atacam: e nem sabemos o que fazer com eles. 1ª Ed. São Paulo: Editora Terceiro Nome: Mostarda, 2006
Estudante de Direito - Graduanda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIA, Raquel Aparecida de. Responsabilidade penal do adolescente e ato infracional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2009, 07:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17566/responsabilidade-penal-do-adolescente-e-ato-infracional. Acesso em: 23 dez 2024.
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