No artigo anterior "O Código Florestal, as mudanças climáticas globais e a saúde da população - Parte I", expusemos a realidade da construção do Código Florestal Brasileiro (Lei 4771/1965 alterado pela MP 2166/2000), alicerçada em atitudes autoritárias, tomadas sem consulta ou consentimento da sociedade rural, e com graves conseqüências para toda a sociedade em face às mudanças climáticas globais, principalmente no que concerne a incidência de doenças infecto-contagiosas nas áreas de Reserva Legal e APP, que via de regra, não são utilizadas pelos produtores rurais efetivamente.
As doenças infecto-contagiosas causam 15 milhões de mortes anualmente. A ocorrência de epidemias de doenças florestais, nos países em desenvolvimento, destrói a capacidade do ambiente de garantir vida plena, ameaçando as economias nacionais e segurança alimentar.
Além do ataque de doenças e pragas, há evidências de que o aumento da concentração de gases atmosféricos, entre outros fenômenos da vida moderna, ameaça a sanidade das florestas, principalmente na Amazônia.
O estado de sanidade das florestas, é um sinalizador de futuros problemas para a população humana. Ataques de pragas florestais levam a mortalidade de árvores, que leva ao aumento da presença de microorganismos, envolvidos no processo de decomposição da matéria orgânica, que são potenciais vetores de doenças para os humanos. O mesmo, e em grau mais elevado, pode ser dito a respeito da fauna florestal.
Nos anos 70 ocorreram as primeiras epidemias na região Amazônica, 5 (uma em Goiás e quatro no Pará); nos anos 80, foram detectadas epidemias mais distribuídas, 6 (duas no Pará, outras em Goiás, Amazonas, Amapá e Maranhão); na década de 90, houve uma explosão de epidemias graves, 13.
O risco de espalhamento de doenças não está mais restrito, pelo processo de globalização em si mesmo, a um determinado local longe da sociedade ou a uma região remota, e nem mesmo a uma determinada classe social.
A pecuária, um dos mais importantes setores da economia nacional, é afetada e corre risco grave por conta de doenças epidêmicas, a mais importante a Febre Aftosa.
Uma doença de origem viral, extremamente contagiosa que afeta, principalmente, animais biungulados, e que se caracteriza por febre e formação de vesículas na cavidade bucal, focinho, espaço interdigital e na região coronária das patas.
Quando erradicadas nas populações de animais de criação, a doença encontra refúgio nas espécies silvestres. O vírus da febre aftosa é infeccioso e patogênico para uma grande variedade de animais de casco fendido, como bovinos, búfalos, carneiros cabras, lhamas, camelos e suínos.
Existem relatos do acometimento de elefantes e rinocerontes de um chifre. Os animais de laboratórios são sensíveis ao mesmo destacando-se o camundongo, o cabaio e os coelhos.
Uma vez infectados, todos esses animais tornam-se vetores, capazes de transmitir a doença para as criações domésticas. É importante que os mecanismos de prevenção da febre aftosa, incluam monitoramento das populações de animais silvestres ao longo das propriedades rurais, principalmente unidades de conservação.
As circunstâncias que fazem das áreas silvestres ambientes favoráveis à concentração de potenciais vetores e doenças, que aumentam o risco de incêndios e comprometem a saúde e segurança da população de humanos, precisam ser monitoradas, controladas, prevenidas e combatidas.
A terra deve constituir, para o homem que a trabalha, base de sua estabilidade econômica, fundamento de seu progresso e bem-estar social e, garantia de sua liberdade e dignidade.
O impacto das mudanças climáticas sobre a população do planeta, dependerá das ações que os setores de saúde nacionais tomarão(CASTILHO, 2006). A chamada "bioglobalização", tornou o Brasil altamente vulnerável ao ingresso de novas pragas e doenças no curtíssimo prazo.
O movimento global de mercado, somado à disseminação de organismos vivos, podem trazer ao país novos fungos, bactérias, vírus e ácaros, tão devastadores à produção e à economia nacional, quanto os focos de febre aftosa de Mato Grosso do Sul.
Nas regiões Sul e Sudeste, aumentariam as enxurradas e os temporais. No caso específico do Rio Grande do Sul, o aumento esperado chega aos 4º C, e o estado possui duas rotas grandes de migração, o Pampa Gaúcho e a Lagoa dos Patos, que com o aumento das temperaturas podem levar a danos irreparáveis na fauna e na flora.
As chuvas na região sudeste já estão se tornando mais intensas e menos distribuídas, o que prejudica principalmente o setor do agronegócio (NOBRE, 2007), altas concentrações de CO2 atmosférico, podem ser um fator inibidor de crescimento das plantas C4, nas áreas onde a pecuária foi abandonada, as gramíneas crescem e, secas, favorecem queimadas.
O problema mais extenso e sério que pode ocorrer com a vegetação é exatamente o que se apresenta na Floresta Amazônica e em áreas que são "abandonadas" à conservação: o superacúmulo de vegetação.
A floresta Amazônica brasileira representa cerca de 14% das florestas mundiais, mas tem mais de 25% da biomassa. O Brasil tem sido foco das atenções mundiais pela alta incidência de incêndios florestais ou "queimadas".
Reduzir a biomassa é fundamental para diminuir os riscos da incidência e do alastramento dos incêndios florestais. São os galhos e outras partes mortas das árvores, a vegetação rasteira e as árvores de diâmetro reduzido, os responsáveis pela potencialização das condições necessárias, para o alastramento das chamas dentro das florestas. A incidência de períodos de secas sazonais, também é um fator importante.
Um grupo estratégico coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), desenhou um cenário sombrio para os próximos anos. Há cada vez mais riscos de bioterrorismo e agroterrorismo, concentrados, sobretudo, na temida gripe aviária, que já avançou da Ásia para a Europa.
O grupo oficial critica a adequação dos controles, e a estratégia adotada pelo país, para impedir a entrada desses minúsculos inimigos incrustados em pessoas e produtos. Da Amazônia, vem boa parte das principais ameaças ao país.
As mudanças de uso da terra promovidas pelo homem favorecem a eclosão, e modificam a forma de transmissão, de várias doenças infecciosas, incluindo desmatamento, construção de estradas, pontes, irrigação de alagamento e expansão dos ambientes urbanos.
A poluição, migração humana, fragmentação florestal e introdução de doenças em áreas florestais, são uma seqüência de fatores que levam ao aumento do risco de ocorrência de doenças perigosas em locais como a reserva legal e área de preservação permanente (NOBRE, 2007)
Mais de 40% das mortes por malária e uma estimativa de 94% das mortes por diarréia duas das maiores doenças que matam crianças no mundo, poderiam ser prevenidas com um melhor gerenciamento do meio ambiente, de acordo com a OMS (PATZ el al, 2004).
A exigência da exploração racional da propriedade rural, está contida na própria definição de propriedade produtiva (art 6.º da Lei 8629/93), dizendo respeito inclusive aos aspectos ambientais, para que ela possa atender a sua função social (art 5.º, XXIII da CF/88), que define-se, entre outros: "pelo aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente e; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários rurais (art 186 da CF/88, I,II e IV )."
O meio ambiente é um ataque muito sério à destinação econômica da terra e, o mais grave, é a lesão ao próprio direito à saúde, que todo o ser humano tem (PIMENTA, 1995), a Organização Internacional do Trabalho ILO, considera o trabalho florestal como uma das atividades laborais mais perigosas existentes para os seres humanos.
Há uma vulnerabilidade da humanidade à invasão por formas de vida parasitárias. O respeito às condições mínimas necessárias, à sobrevivência da pessoa, devem ser garantidos. É uma questão de justiça social, que o bem-estar e condições de progresso social e econômico, sejam partilhados por aqueles que exercem a atividade agrária.
Os trabalhadores, têm direito constitucional à redução de riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (Art. 7.º, inciso XXII, da Constituição Federal); sendo de competência do Sistema Único de Saúde SUS, executar, dentre outras, as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; e colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (Art. 200, da Constituição Federal), detalhadas especialmente no que tange à saúde do trabalhador e ao meio ambiente (Art. 6.º, inciso I, alínea "c" e seus §§ 1.º, 2.º e 3.º, da Lei n.º 8.080/90), e repartidas entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no que se refere às ações de saúde do trabalhador e do meio ambiente, no âmbito do SUS (Art. 15, incisos VI e VII; 16, inciso II, alínea "c", e incisos IV,V e VI; art. 17, inciso IV, alínea "d" e inciso VII; e art. 18, inciso IV, alínea "e" e inciso VI; da Lei n.º 8.080/90).
Historicamente, a fiscalização dos ambientes e condições de trabalho, no tocante aos riscos à saúde, até o advento da Constituição de 88, era uma questão pacífica, uma vez que a competência para tratar da saúde do trabalhador estava confiada à União, que a fazia através do Ministério do Trabalho e Previdência Social, conforme o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho (Arts. 154 e seguintes).
A partir da instituição do Sistema Único de Saúde, e da tripartição da competência para cuidar da saúde, a saúde do trabalhador tem passado por muitas discussões, em razão desse aparente conflito de competência privativa da União, para realizar a inspeção do trabalho, e a articulação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para cuidar da saúde.
Esse conflito se reproduz na administração federal, uma vez que dúvidas persistem quanto à competência do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério da Saúde, para tratar de questões voltadas para a saúde do trabalhador, com alguns reflexos, ainda, no Ministério da Previdência e Assistência Social, no que diz respeito ao acidente do trabalho.
No Caso de áreas de reserva legal e área de preservação permanente, adiciona-se a responsabilidade estabelecida pelo Código Florestal ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, que devem garantir as condições mínimas para que a propriedade cumpra sua função social, mediante a adoção de medidas que possam prevenir os riscos de acidentes e doenças relacionadas com o trabalho.
Na análise do princípio da precaução, encontramos que, mesmo diante de controvérsias no plano científico com relação aos efeitos nocivos de determinada atividade ou substância sobre o meio ambiente, presente o perigo de dano grave ou irreversível, a atividade ou substância em questão deverá ser evitada ou rigorosamente controlada (MIRRA, 200?).
Isso inclui qualquer risco, que possa ameaçar a saúde humana, caso no qual devem ser tomadas ações para evitar o contágio e a ameaça à população. Se a ação for tardia, o ônus se traduz em sofrimento e morte na população.
E não são apenas os microorganismos, que ameaçam causar prejuízos para a população rural. No caso dos microorganismos, a ameaça vem da convivência junto as florestas, outros prejuízos vão estar relacionados, com o uso que a sociedade local faz delas.
O chamado "fogo vertical", que leva a destruição de grandes árvores, que de outra forma resistiriam as chamas, é causado pela presença desses elementos nas florestas.
O uso de fogo de baixa intensidade, nesse sentido, pode ser uma ferramenta útil, não só para diminuir a incidência desses precursores de incêndios florestais, mas também para auxiliar na erradicação de micróbios perigosos para a saúde humana, melhorando as condições de sanidade na natureza, e para os humanos.
O mundo precisa urgentemente avaliar os riscos e as vulnerabilidades, da biodiversidade, perante as mudanças climáticas, e integrá-las nos seus esforços de conservação (WWFBRASIL, 2007).
Isso nos arremete para estudar as condições necessárias para que medidas de controle sejam adotadas. O monitoramento das condições de sanidade das populações silvestres, por exemplo, já é adotado em diversos locais do planeta.
Uma equipe, trabalhando normalmente, em qualquer unidade de conservação, nos países de economia avançada, vai realizar entre 400 e 500 necropsias por ano. Um trabalho de amostragem, dos milhares de animais que morrem anualmente, mortos por populações tradicionais ou caçadores.
Adicionalmente as informações sobre as mortes nestas populações selvagens, que estejam diretamente relacionadas com doenças, o monitoramento inclui medir os níveis de contaminação aparentes de vírus e parasitas, que normalmente não representam risco, mas podem representar perigo se uma combinação de fatores, tais como stress ou poluição atmosférica, se somarem para favorecer o aumento de seu impacto.
Investigar a sanidade das populações silvestres pode evitar tragédias, e levar a aumentar o conhecimento, sobre a ocorrência de doenças, ao longo do alcance de ocupação das áreas silvestres. As espécies migratórias, por exemplo, e outros membros da fauna, não entendem nada sobre fronteiras internacionais; as suas doenças menos ainda.
Existem manuais de monitoramento, combate e prevenção da ocorrência e principalmente da difusão de doenças originárias da vida selvagem, na União Européia, Estados Unidos da América, Canadá e muitos outros países.
Há também legislação específica para a diminuição sistemática e periódica da quantidade de vegetação, especialmente aquela de baixo diâmetro, e que serve de combustível para alimentar incêndios florestais, realizada periodicamente.
As recomendações desses manuais, apoiados na legislação, podem servir de instrumento para a prevenção de eventos calamitosos, não somente para a economia dos países, mas principalmente para a vida humana.
Sem um adequado monitoramento da situação de sanidade desses locais toda a sociedade está em risco eminente de ser atingida em cheio e mortalmente em conseqüência da modificação destes ambientes. Essa mudança já ocorre, e tem se acentuado nos últimos anos, as "mudanças globais" são irrefutáveis.
As pessoas nos países tropicais sofrem de má-nutrição, péssimas condições de vida e um ambiente também pobre para os humanos, com as conseqüentes péssimas condições de sanidade que esses fatores trazem.
Essas populações são as que mais sofrem com doenças que afetam os humanos pelo mundo e, para complementar esse sofrível quadro, elas ainda tem de enfrentar doenças específicas: as Doenças Tropicais (OMS, 1990).
No Brasil esse monitoramento precisa incluir não somente um inventário completo, manejo e monitoramento de espécies da fauna, mas também procedimento idêntico para as espécies da flora.Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 150 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante. www.robsonzanetti.com.br e [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZANETTI, Robson. O Código Florestal, as mudanças climáticas globais e a saúde da população - Final Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago 2009, 08:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18047/o-codigo-florestal-as-mudancas-climaticas-globais-e-a-saude-da-populacao-final. Acesso em: 23 dez 2024.
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