Artigo em Co-autoria com: Jadilson da Silva Maciel: Chefe da Divisão de Auditoria Contábil do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região. Bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade Moraes Júnior. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Uni-Rio. Pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Gama Filho.
Palavras-Chave: Execução Antecipada do Orçamento, Duodécimo, Despesas Correntes de Caráter Inadiável, Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA), Ordenador de Despesas, Contabilidade, Ordenação de despesa não autorizada.
A nossa Constituição Republicana prevê, no inciso I do artigo 167, a vedação de início de programas [01] ou projetos [02] não incluídos na Lei Orçamentária Anual (LOA).
De igual modo, o inciso II do artigo 167 da Constituição veda a "realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais", tornando defesa, portanto, a atividade orçamentária e financeira do Estado sem a existência do precedente e necessário crédito orçamentário presente na LOA.
Como já observamos em outra sede, o Decreto-Lei no 200/67 dispõe, em seu art. 70, que após a publicação da LOA os órgãos administrativos ficam habilitados a tomar as providências cabíveis para o cumprimento das suas atividades, litteris:
"Art. 70. Publicados a lei orçamentária ou os decretos de abertura de créditos adicionais, as unidades orçamentárias, os órgãos administrativos, os de contabilização e os de fiscalização financeira ficam, desde logo, habilitados a tomar as providências cabíveis para o desempenho das suas tarefas."
Essa mesma norma dispõe ainda que nenhuma despesa pode ser realizada sem a existência de crédito que a comporte (art. 73), aí entendido crédito como a dotação incluída no orçamento para atender às despesas do Estado.
O Estatuto das Licitações só admite a abertura da fase externa da licitação ante a existência de previsão de recursos orçamentários [03] (inc. III do § 2º do art. 7o c/c art. 14 c/c caput do art. 38). É bem verdade que em relação às compras (art. 14) a Lei de Licitações e Contratos valeu-se da expressão indicação de recursos orçamentários em lugar de previsão de recursos orçamentários, mas a ratio legis referente à gestão responsável é indubitavelmente a mesma.
Por fim, a Lei Complementar no 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) preconiza no §4o do art. 16 - reforçando a previsão dos incisos I e II do artigo 167 da CRFB/88 - que a criação de ação governamental ou de projetos que acarretem aumento da despesa tem de ter dotação orçamentária na LOA.
Como bem sabemos, até a sanção da LOA a Administração Pública brasileira dispõe tão-somente de autorização dada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para executar despesas obrigatórias como, por exemplo: pagamento de pessoal, serviço da dívida, SUS e outras despesas correntes de caráter inadiável, estas limitadas a apenas 1/12 das programações constantes do projeto de lei relativas a custeio (duodécimo).
Para o exercício financeiro de 2008, o dispositivo que permitia a realização de despesa antes da aprovação da LOA 2008 era o artigo 72, da Lei nº 11.514/2007 (LDO 2008), verbis:
"Art. 72. Se o Projeto de Lei Orçamentária de 2008 não for sancionado pelo Presidente da República até 31 de dezembro de 2007, a programação dele constante poderá ser executada para o atendimento de:
I - despesas que constituem obrigações constitucionais ou legais da União, relacionadas na Seção I do Anexo IV desta Lei;
II - bolsas de estudo, no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - - Capes, de residência médica e do Programa de Educação Tutorial - PET;
III - despesas com a realização das eleições municipais de 2008, constantes de programações específicas;
IV - pagamento de estagiários e de contratações temporárias por excepcional interesse público na forma da Lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993; e
V - outras despesas correntes de caráter inadiável.
§ 1o As despesas descritas no inciso V deste artigo estão limitadas à 1/12 (um doze avos) do total de cada ação prevista no Projeto de Lei Orçamentária de 2008, multiplicado pelo número de meses decorridos até a sanção da respectiva lei
§ 2o Aplica-se, no que couber, o disposto no art. 60 desta Lei aos recursos liberados na forma deste artigo.
§ 3o Na execução de outras despesas correntes de caráter inadiável, a que se refere o inciso V do caput, o ordenador de despesa poderá considerar os valores constantes do Projeto de Lei Orçamentária de 2008 para fins do cumprimento do disposto no art. 16 da Lei Complementar no 101, de 2000."(g. n.)
Julgamos importante tratar do dispositivo relativo à despesa corrente de caráter inadiável, a despeito da publicação da LOA 2008 (Lei no 11.647/2008) - diga-se de passagem, também feita fora do prazo constitucional -, até porque não são pequenas as chances de advir um atraso na publicação das Leis Orçamentárias Anuais nos próximos exercícios.
A freqüência desse citado atraso pode ser comprovada pela relação das Leis Orçamentárias Anuais da União desde a edição da Constituição Republicana de 1988, tendo sido grifadas abaixo todas aquelas leis editadas a posteriori do prazo constitucional para sanção, de 15 dias úteis a partir do encerramento do exercício antecedente, tudo conforme Nota Técnica no 48/2005 da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara de Deputados [04], por nós atualizada nesse particular. Impressiona-nos que 12 (doze) das 19 (dezenove) LOAs tenham desrespeitado o prazo constitucional, vejamos:
"Lei nº 11.451 de 07 de fevereiro de 2007 – LOA 2007; Lei nº 11.306 de 16 de maio de 2006 – LOA 2006; Lei nº 11.100 de 25 de janeiro de 2005 – LOA 2005; Lei nº 10.837 de 16 de janeiro de 2004 – LOA 2004; Lei nº 10.640 de 14 de janeiro de 2003 – LOA 2003; Lei nº 10.407 de 10 de janeiro de 2002 – LOA 2002; Lei nº 10.171 de 05 de janeiro de 2001– LOA 2001; Lei nº 9.969 de 11 de maio de 2000 – LOA 2000; Lei nº 9.789 de 23 de fevereiro de 1999 – LOA 1999; Lei nº 9.598 de 30 de dezembro de 1997 – LOA 1998; Lei nº 9.438 de 26 de fevereiro de 1997– LOA 1997; Lei nº 9.275 de 9 de maio de 1996 – LOA 1996; Lei nº 8.980, de 19 de janeiro de 1995 – LOA 1995; Lei nº 8.933, de 9 de novembro de 1994 – LOA 1994; Lei nº 8.652, de 29 de abril de 1993 – LOA 1993; Lei nº 8.409, de 28 de fevereiro de 1992 – LOA 1992; Lei nº 8.175, de 31 de janeiro de 1991 – LOA 1991; Lei nº 7.999, de 31 de janeiro de 1990 – LOA 1990; Lei nº 7.715, de 3 de janeiro de 1989 – LOA 1989.
Na ausência da LOA como base para o empenho e realização da despesa pública, alguns gestores públicos têm caracterizado despesas ordinárias como se "despesas correntes de caráter inadiável" fossem, isso sob a alegação, como regra, de que assim procedem a fim de evitar a ocorrência de um pseudo "prejuízo irremediável" no caso da não realização dessas despesas.
Nesse passo, gostaríamos de alertar os gestores públicos para a necessidade de maior cautela na declaração da potencialidade desse prejuízo para a Administração Pública como base para a caracterização da despesa como inadiável, tendo em vista os efeitos e as conseqüências que podem advir de um erro de avaliação, como veremos mais à frente.
É bem verdade que a previsão contida no inciso V do artigo 72 da LDO 2008, referente a despesas inadiáveis, traz em seu bojo um conceito jurídico indeterminado, entretanto o mesmo deve ser interpretado segundo a lógica do racional e do razoável [05].
A aplicação de conceitos jurídicos indeterminados impõe um juízo de legalidade, no qual há qualificação jurídica dos fatos, e não um mero juízo de conveniência e oportunidade que resultaria no reconhecimento de discricionariedade administrativa.
Com efeito, a previsão contida no citado inciso V destina-se a prover despesas correntes revestidas de caráter de urgência e emergenciais, que exijam pronta realização, ou com contratações relativas a aquisições e serviços essenciais a continuidade administrativa [06], tudo de modo a não ocasionar prejuízo ou risco à Administração.
De igual modo, é cânone elementar de hermenêutica jurídica que normas que albergam exceção [07] devem ser interpretadas restritivamente.
Na análise de processos administrativos relativos à aquisição e contratação de serviços, temos observado Ordenadores de Despesas - diga-se de passagem, com a constante omissão de órgãos de apoio (v.g.: setor de Contabilidade) - acolhendo, de afogadilho, julgamentos dos órgãos de linha que demandam em verdade despesas ordinárias, esperando assim tornar inadiável despesas que sugerem, inelutavelmente, a inafastabilidade da observância do princípio orçamentário da anualidade [08], isto é, necessidade de espera da publicação da LOA para a execução da despesa.
Verdadeiramente, por regra, toda despesa pública deve estar submetida ao regime orçamentário anual, cuja técnica legislativa implica aprovação da lei orçamentária vinculada a cada exercício financeiro, isto é, deve-se esperar a LOA antes de dar início à execução da despesa, ou, em outras palavras, não se pode avançar para a fase externa da licitação sem que antes haja a publicação da LOA e, obviamente, a edição da programação orçamentária e financeira para o ano corrente.
É importante ressaltar que a previsão de execução orçamentária antecipada é obra do legislador ordinário federal, que, apesar de a priori ir ao encontro do interesse público, tem contestável constitucionalidade, porquanto "remediar a falta de lei orçamentária autorizadora para a abertura dos créditos necessários à realização da despesa inadiável com a abertura de créditos extraordinários afigura-se como conflitante com o objeto a que é destinado constitucionalmente o crédito extraordinário. O § 3º do art. 167 da Lex Legum circunscreve a abertura de crédito extraordinário somente para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública." [09]
Não pretendemos entrar no debate sobre a constitucionalidade ou não da execução antecipada do orçamento, ao menos não nesta oportunidade, o que propugnamos verdadeiramente aqui é tão-somente a adequação da realização da despesa às regras impostas pelo regime anual do orçamento público, que nos conduz a apenas executar antecipadamente as despesas nos casos substancialmente previstos como exceção na LDO.
Assim, é fora de dúvida que ordinariamente deverá a Administração enquadrar a aquisição ou a contratação de serviços em período da vigência da Lei de Meios, isto é, da LOA.
Importa dizer que o artigo 23 do Decreto nº 93.872/80, repercutindo o que preconizado pela Lei nº 4.320/64, proíbe expressamente que o Ordenador de Despesas autorize a realização de despesa sem a devida autorização legal.
"Art. 23. Nenhuma despesa poderá ser realizada sem a existência de crédito que a comporte ou quando imputada a dotação imprópria, vedada expressamente qualquer atribuição de fornecimento ou prestação de serviços, cujo custo excede aos limites previamente fixados em lei (Decreto-lei nº 200/87, art. 73). " (g.n.)
Não podemos perder de vista que a análise da juridicidade do ato de gestão enfeixa o campo da legalidade e legitimidade [10], aliás, essa é uma das principais funções dos órgãos de controle interno da estrutura administrativa da Administração Pública. A Carta Magna reforça tal assertiva, sobretudo em seus artigos 70 e 74, quando reforça a função do controle do desempenho da gestão pública.
A questão do controle da despesa pública tornou-se assaz importante nos dias de hoje, tanto que o legislador ordinário editou norma penal, tipificando a conduta daqueles gestores públicos que se desviam de suas funções precípuas de administração e manutenção do patrimônio público.
Nesse diapasão, pode-se observar o artigo 359-D do Código Penal, que prevê que ordenar despesa não autorizada por lei é ato criminoso, dispositivo esse acrescentado pela Lei no 10.028/2000, que veio para viabilizar a punição ao ato de má gestão fiscal.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, cremos que os Ordenadores de Despesas, na falta de vigência da LOA, deveriam se abster de autorizar a realização de despesa que não esteja enquadrada nos restritos dispositivos previstos pela LDO, tendo ganhado destaque nesta abordagem a despesa corrente de caráter inadiável.
De igual modo, aconselhamos os órgãos de Contabilidade, sob pena de responsabilidade solidária [11], que aperfeiçoem o controle da despesa no sentido de prover expressa orientação ao Ordenador de Despesas, facultando condições adequadas para a respectiva tomada de decisão.
Gostaríamos de finalizar lembrando que o caminho da observância das normas é um dever de todos, tanto mais do gestor público, sendo uma vez mais oportuno lembrar as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro [12], para quem "paradoxalmente, ao invés de procurar flexibilizar os meios de atuação Administrativa, pela alteração dos dispositivos legais e constitucionais que a emperram, prefere-se manter a rigidez do direito positivo e a procura de formas paralelas à margem desse mesmo direito. Por outras palavras, o direito positivo é bom como fachada, como norma escrita, como direito posto, mas ruim como direito aplicado."(g.n)
Notas
01 O programa é o instrumento de organização da atuação governamental que articula um conjunto de ações que concorrem para um objetivo comum preestabelecido, mensurado por indicadores instituídos no plano, visando a solução de um problema ou o atendimento de determinada necessidade ou demanda da sociedade (definição dada pelo Manual Técnico de Orçamento MTO-02 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG).
02 Instrumento de programação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou aperfeiçoamento da ação do Governo (definição dada pelo Manual Técnico de Orçamento MTO-02 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG).
03 Exceção feita ao Sistema de Registro de Preços - SRP, em que há a desnecessidade de previsão orçamentária nas licitações (concorrência e pregão), uma vez que a existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir. Entretanto, por óbvio, necessária será a existência de crédito orçamentário quando das contratações decorrentes do registro de preços.
04 Disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www2.camara.gov.br/orcamentobrasil/orcamentouniao/loa/loa2006/relgerenciais/nt48_exec_antec_ploa_2006.pdf (acesso em 27.03.2008)
05 Conforme escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello a expressão "discricionariedade administrativa" é: "[...] a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente". (g.n.)
06 Fácil ver que algumas despesas correntes são intrinsecamente inadiáveis, como é o caso das despesas com água, esgoto, energia elétrica, alugueres etc, essenciais para que não haja solução de continuidade na prestação de serviços públicos.
07 In casu, possibilidade restrita de aplicação de recursos públicos sem a publicação da LOA.
08 Segundo João Angélico, o princípio orçamentário da anualidade consiste na realização de receitas e despesas em submissão a um regime orçamentário anual que, no Brasil, coincide com o ano civil.
09 Seja consentido, uma vez mais, remeter à Nota Técnica no 48 da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara de Deputados.
10 Cf. nos informa o Ministro Marcos Vinícios Vilaça, a legitimidade formal das ações do governo é sua conformidade à lei. A legitimidade substantiva envolve o bom uso dos recursos públicos, bom uso significando, ao mesmo tempo, o seu emprego socialmente desejado, tecnicamente factível e economicamente eficiente. A legitimidade substantiva, em suma, mede-se na escala dos resultados.
11 Inteligência do Decreto-Lei no 200/67.
12 In "Parcerias na Administração Pública", 3a Edição, Editora Atlas, São Paulo, 1999, p. 227.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Autor de vários artigos jurídicos. Co-autor e organizador do livro "Direito Público do Trabalho: estudos em homenagem a Ivan D. Rodrigues Alves" (Belo Horizonte, Fórum, 2008). Blog: http://oceanojuridico.blogspot.com/
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Marcelo. Análise da juridicidade da execução antecipada do orçamento com base na caracterização de despesas correntes de caráter inadiável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 ago 2009, 08:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18252/analise-da-juridicidade-da-execucao-antecipada-do-orcamento-com-base-na-caracterizacao-de-despesas-correntes-de-carater-inadiavel. Acesso em: 23 dez 2024.
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