SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Noções sobre o controle interno – 3. O dever de instituir o controle interno nos Municípios – 4. Conclusão – 5. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
O Município é o primeiro elo entre o particular e o Estado. No Brasil, em que pese os Estados-membros e a União titularizarem competências administrativas próprias, sejam exclusivas ou concorrentes, são os efeitos da gestão municipal que primeiro repercutem na esfera dos administrados. Desse modo, toda e qualquer medida no intuito de tornar positiva essa eficácia concreta dos atos municipais revela-se de capital importância para o bem estar comunitário.
A outro giro, para além da dita necessidade de uma devida gestão pública nos Municípios, ela tem sua importância aumentada vez que impera o fato de o prefeito exercer de per si a função de gestor administrativo, onde toda a atividade funciona de forma mais centralizada em face, inclusive, da escassez de recursos para uma melhor estruturação administrativa. Com efeito, o gestor municipal responde pessoalmente por quase todos os atos praticados, independentemente da função política por ele também exercida.
Nesse contexto, advêm a instituição efetiva do controle interno nos Municípios, que antes mesmo de um dever legal, ressai como principal solução para satisfazer as questões trazidas em apertada síntese acima, constituindo, assim, verdadeira pedra angular para a Administração Pública Municipal, beneficiando tanto os administrados quanto o próprio administrador, vez que combate os desvios, fraudes, danos ao erário público e demais irregularidades, enfim, promove a efetiva realização e tutela do interesse público.
2. NOÇÕES SOBRE O CONTROLE INTERNO
O controle da Administração Pública nada mais é senão a realização máxima da tutela do interesse público, pelo qual se assegura a perfeita correspondência entre a atividade administrativa e os respectivos preceitos, normas e princípios, na chamada gestão pública devida. Tal controle, em primeira análise, ocorre tanto interna quanto externamente.
No controle externo a atividade controladora é exercida por um terceiro ente administrativo estranho à atividade controlada. O julgamento das contas públicas pelos Tribunais de Contas acerca dos recursos públicos de um ente federativo é um grande exemplo de controle externo. Já o controle interno se dá no mesmo âmbito de desenvolvimento do ato controlado. A anulação por uma entidade autárquica de um ato administrativo por ela mesma realizado pode ser citado como uma típica amostra desse segundo controle. Trata-se de verdadeiro exercício da auto-tutela[1] pela Administração Pública.
Em ambos os casos, o controle pode ser prévio, concomitante ou subseqüente. No entanto, é possível construir aqui uma significativa linha distintiva, visto que o controle interno tem maior incidência na fase ex-ante , possuindo um caráter mais preventivo, de modo a orientar os gestores e agentes a corrigir falhas e adotar procedimentos recomendáveis. E o inverso se diga quanto ao controle externo, presente constantemente a posteriori , com o objetivo de proceder às avaliações periódicas, como nas prestações de constas anuais. Entretanto, repita-se que não há momento estanque para o exercício de quaisquer desses controles, até porque a necessidade de se velar ao máximo a coisa pública é constante.
Ainda na linha de diferenciação doutrinária, oportuno se faz distinguir o controle interno dos controles internos administrativos. Esses últimos constam da rotina da Administração Pública, no desempenho de atividades cotidianas no trilhar do alcance de objetivos preestabelecidos, de forma concreta, evidenciando eventuais desvios ao longo da gestão. Derivam, portanto, também da sobredita auto-tutela da Administração e tem execução contínua pelos dirigentes e servidores dos órgãos e entidades do poder público.
O controle interno é diferente, sendo exercido de modo específico na promoção de uma gestão pública devida, e, nessa atuação, acaba tendo como um dos seus focos a avaliação e correção dos próprios controles internos administrativos das unidades ou entidades públicas. A maior referência disso é o princípio maior da segregação de funções que figura na organização e funcionamento do controle interno e pelo qual a mesma pessoa não pode ser responsável simultaneamente por funções que possa cometer erros e irregularidades e outras que lhe permitam dissimular ou esconder esses desvios[2].
Para melhor entender as nuances do controle interno, um exemplo pragmático: enquanto a procuradoria de uma entidade administrativa assessora a conformação jurídica de um contrato firmado pelo gestor público e a contabilidade realiza sua concreção por meio do dispêndio dos respectivos recursos, o sistema de controle interno da mesma entidade há de avaliar os aspectos jurídicos e contábeis da atuação tanto da procuradoria quanto da contabilidade, emitindo pareceres de conformidade, de refiticações ou até mesmo de anulação, tudo para que não se incorra em conluios fraudulentos, desvios, desperdícios, abusos, erros e demais irregularidades na preservação do erário público.
Depreende-se, portanto, o controle interno como verdadeiro controle dos controles administrativos internos, promovendo um sistema verdadeiramente equilibrado e eficaz a tutelar e realizar o interesse público, cujo grande arremate dar-se-á ainda com a atuação totalmente independente e desvinculada do controle externo, julgando a regular aplicação dos recursos públicos e a própria atuação do controle interno.
Com efeito, pode-se afirmar que o controle interno é exercido dentro da própria entidade na qual o ato controlado se originou, lastrado no poder-dever de auto-tutela administrativa, cujo momento de ocorrência é predominantemente prévio, de caráter preventivo, embora se dê também de forma concomitante ou até posterior ao ato, não se confundido com os controles administrativo internos, estes ligados umbilicalmente a rotina da Administração Pública e realização de suas metas. É o controle interno eminentemente singular, específico, exercido por terceiros, mas ainda dentro do mesmo âmbito da Administração controlada, possuindo como principal objetivo a realização de uma gestão pública devida por meio da comprovação da legalidade e legitimidade dos atos e da avaliação dos resultados no que concerne à economicidade, eficiência e eficácia.
3. O DEVER DE INSTITUIR O CONTROLE INTERNO NOS MUNICÍPIOS
Como é cediço, a regra nas administrações municipais é a concentração de atividades em uma mesma unidade ou pessoa, cuja falta de recurso revela-se o grande argumento para as prefeituras não terem condições de segregar funções, gerando o risco de desvios por manipulação de vários processos e etapas por uma única pessoa. Enfim, como bem retrata o jargão popular, “é o barato que sai caro”, cujo preço elevado da ineficácia acaba bancado pelo povo, justamente o soberano do poder estatal.
Atento a esse cenário, com fundamento em exemplos concretos de sucesso na organização do controle interno na Administração Pública, ao longo do tempo, o legislador retirou a discricionariedade dos gestores públicos em instituir o sistema de controle interno e passou a impor sua estruturação como verdadeira obrigação jurídica.
Em 1964, a Lei nº 4.320, que cuida do controle do orçamento, trouxe para os Municípios, no seu art. 75[3], norma legal de forte conteúdo axiológico justificador da existência de sistemas internos de controle ao determiná-lo sobre os atos administrativos, a fidelidade funcional dos agentes, o cumprimento dos limites financeiros e o alcance dos resultados. Anos após, a Constituição Federal de 1988, nos seus artigos 31[4] e 74[5], fixou a obrigatoriedade expressa dos Municípios instituírem o sistema de controle interno, que ganhou, assim, status constitucional.
Se o controle interno já era obrigatório e necessário como suporte à boa e regular gestão, a partir de 2000, com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal[6], a instituição do controle interno nos Municípios passou a ter máxima efetividade,[7] haja vista o aumento substancial das responsabilidades dos agentes municipais, transformando, ainda, antigas transgressões meramente administrativas em penais, por meio da chamada “Lei de Crimes Fiscais” [8].
Em resumo, independentemente da forma, tipo, tamanho e tempo, não há mais como em uma gestão pública se abrir mão do exercício do múnus publico de realizar o controle interno do respectivo ente federativo, pois é ele que garante o resultado da sua razão de ser, notadamente, o interesse público, reduzindo riscos e preservando a responsabilidade dos dirigentes, a qual é indelegável e inerente à sua autoridade.
4. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, conclui-se da importância do sistema de controle interno nos Municípios, que deve ser estruturado em duas grandes áreas de avaliação, revisão e correção, quais sejam, a de contabilidade e de assuntos jurídicos, significando este indiscutivelmente o melhor caminho para se tutelar e satisfazer o interesse público[9]. Na Municipalidade essa relevância se torna capital, tudo mais porque é no seu âmbito onde os atos de gestão pública primeiro repercutem na esfera dos administrados e os prefeitos são diretamente por eles responsabilizados diante da obrigatoriedade legal de instituí-lo.
Em arremate, colaciona-se o seguinte trecho doutrinário que tão bem retrata a relevância do tema:
O dirigente não deve esquecer de que durante sua gestão todos o tratam bem, é lembrado, homenageado, bajulado, etc. Quando mudar a gestão, só resta ao ex-dirigente, em sua defesa e na defesa de seus atos, o controle interno que ele deixou funcionando.[10]
Fica, então, como última mensagem esse estímulo aos gestores municipais para instituírem o controle interno e assim assegurarem a conformidade da atividade pública desenvolvida nos Municípios ao regime jurídico administrativo.
5. BIBLIOGRAFIA
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CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 6ª ed.. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006.
CASTRO, Rodrigo Aguirre de. Sistema de Controle Interno. 1ª ed. São Paulo: Fórum, 2008.
CHAVES, Renato Santos. Auditoria e Controladoria no Setor Público. 1ª ed.. São Paulo: Jurua, 2009.
CRUZ, Flavio da; GLOCK, José Osvaldo. Controle Interno nos Municípios. 3ª ed.. São Paulo: Atlas, 2007.
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MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Marties; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 7ª ed.. São Paulo: Editora Atlas, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed.. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito Constitucional. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Lumen Luris, 2006. Notas:
[1] Nesse sentido, as Súmulas 346 e 473, respectivamente, ambas do Supremo Tribunal Federal: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”; e “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
[2] Nesse sentido, Domingos Poubel de Castro, Auditoria e Controle Interno na Administração Pública, p. 65: “segregação de funções: a segregação de funções, também conhecida como Princípio de Oposição de Interesse, consiste no fato de que, numa estrutura de controles internos, a pessoa que realiza uma operação não pode ser a mesma envolvida na função de registro”.
[3] Art 75, da Lei nº 4.32064: “O controle da execução orçamentária compreenderá: I – a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações; II – a fidelidade funcional dos agentes da administração, responsáveis por bens e valores públicos; III – o cumprimento do programa de trabalho expresso em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços”.
[4] Art. 31, da Constituição Federal, caput:: “A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei”.
[5] Art. 74, da Constituição Federal: “Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União.; II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas, sob pena de responsabilidade solidária. § 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”.
[6] Lei Complementar nº 101/2000.
[7] Nesse sentido, Domingos Poubel de Castro, Ob. cit., p. 88: “Controle dos controles: o art. 59, ao definir que além do Poder Legislativo e dos Tribunais de Contas, o Sistema de Controle Interno de cada poder deve fiscalizar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, acabou por introduzir um fato novo na cultura municipal. É a necessidade de criar uma auditoria interna, para falar a mesma linguagem dos Tribunais, avaliar os controles internos e para garantir que as regras fixadas sejam obedecidas”
[8] Lei nº 10.028/ 2000.
[9] Oportuno trazer à baila a arrematação doutrinária nesse sentido, nas lições do já reportado Domingos Poubel de Castro, na citada obra, p. 79, aqui transcrita: “Nesse caso, crescem em importância os sistemas e as áreas de contabilidade e de assuntos jurídicos. Estes dois setores procuram superar as deficiências administrativas através de controles contábeis e suporte jurídico com atuação prévia aos atos praticados pela autoridade máxima”.
[10] Domingos Poubel de Castro. Ob. cit., p. 71.
Advogado no Estado da Bahia e Distrito Federal. Pós-graduado em Direito Civil pela Universidade Cândido Mendes - UCAM/RJ. Membro do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Pós-Graduando em Direito Eleitoral pela Escola Nacional da Advocacia - ENA/UNISC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Jayme Vieira Lima. Por uma gestão municipal devida: o controle interno Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2009, 08:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18318/por-uma-gestao-municipal-devida-o-controle-interno. Acesso em: 23 dez 2024.
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