Primeiramente, é curial destacar que a produção de uma teoria crítica do direito civil, como a que neste momento se propõe realizar, deve, necessariamente, dado o objetivo já delineado, ultrapassar o seu conceito moderno.
A teoria crítica moderna, segundo Santos (2001, p.26), “(...) concebe a sociedade como uma totalidade e, como tal, propõe uma alternativa total a sociedade que existe”, adotando-se, portanto, uma fórmula única distante de uma realidade multicultural, a qual é avessa a universalismos ou totalidades.
O princípio único da teoria crítica da modernidade, como bem lembra Santos(2001, p. 27), assenta-se na inevitabilidade da construção de um futuro socialista. No entanto, não há lugar, na produção de uma teoria crítica, para um único princípio de transformação social. “Não há agentes históricos nem uma única forma de dominação.[...]Sendo múltiplas as faces de dominação, são múltiplas as resistências e os agentes que as protagonizam” (SANTOS, 2001; p. 27).
Repudia-se, então, como defendido por Lyotard e Kumar, as metanarrativas, haja vista se tratarem estas últimas de “(...)grandes esquemas histórico-filosóficos de progresso e perfectibilidade criados pela era moderna” (KUMAR, 1997; p. 143).
Demais disso, o socialismo, como produto da modernidade, tem de ser observado a partir de uma nova perspectiva, na medida em que o ideário capitalista, oposto àquele primeiro, sofreu consideráveis transformações com o advento da sociedade de informação ou pós-industrial. Mais do que nunca se reconhece que “(...)a industrialização não é necessariamente o motor do progresso nem a parteira do desenvolvimento” (SANTOS, 2001; p. 27).
Um dos defeitos da teoria crítica moderna é que produz um conhecimento a partir da razão que se critica, razão esta que legitima aquilo que é criticável. Neste sentido, a produção de uma teoria crítica desta natureza não traz subsídios para a superação da crise da modernidade, haja vista estarmos nos deparando com problemas modernos para os quais não há soluções modernas, uma das causas, diga-se, do esgotamento do paradigma tradicional.
Segundo Santos (2001, p. 29 e 30). “(...) a teoria crítica pós-moderna peto [sic] contrário todo o conhecimento crítico tem que começar pela crítica do conhecimento” e continua:
Na actual fase de transição paradigmática a teoria crítica pós moderna constrói-se a partir de uma tradição epistemológica marginalizada e desacreditada da modernidade o conhecimento emancipação.
Esta concepção norteia toda a teoria de Santos, na medida em que este reconhece, no decurso da era moderna, a existência, como se verá logo a seguir, do conhecimento regulação e do conhecimento emancipação, ambos originados de pilares modernos homônimos e que deveriam interagir constantemente. Ocorre que a sobreposição da regulação sobre a emancipação impôs a ordem em detrimento da solidariedade. Isto, leciona o sociólogo português, “deveu-se ao modo como a ciência moderna se converteu em conhecimento hegemônico e se institucionalizou como tal” (SANTOS, 2001, p. 29).
A produção de uma teoria crítica pós-moderna, que tem como pressuposto o conhecimento emancipação, possibilita a construção, nas palavras de Santos, de um conhecimento-reconhecimento, pautado na solidariedade, esquecida pelo individualismo moderno, e que teria como condão a retomada da aproximação entre sujeito e objeto, fundamento essencial na construção de um novo estatuto para as ciências, em especial das ciências sociais, conquanto impossibilita a coisificação do outro enquanto objeto de estudo.
Da mesma forma, este reconhecimento do outro enquanto outro, possibilitando-nos a definição dos nossos próprios limites, é o fundamento primeiro de uma ambiente democrático, vez que garante, com a condição de nos encontrarmos na plena vivência deste contexto de alteridade, o respeito a todas as formas de ver o mundo.
Devemos ressaltar que este respeito a todas as formas de ver o mundo – o qual se traduz no respeito de classes, gênero, opções sexuais, entre outros – é o maior desafio neste novo olhar lançado sobre as relações privadas. Neste sentido, basta observa que, mesmo após o advento da Constituição Democrática e das incontáveis e ainda existentes discussões em torno da sua aplicabilidade e eficácia, principalmente no tocante à matéria civilista, ainda nos utilizamos de conceitos arcaicos e distantes de princípios considerados fundamentais, como a igualdade, dignidade e solidariedade. Mesmo transcorrido mais de dez anos do texto constitucional a doutrina tradicional ainda se demonstra avessa às mudanças introduzidas pelo processo de repersonalização e despatrimonialização das relações privadas.
Na esteira da necessidade de se alcançar o conhecimento emancipação, ensina Michel Miaille que a produção de uma teoria crítica, embora esteja ainda a tratar da teoria crítica moderna, deverá ter como base um pensamento dialético, o qual tem a consciência que a realidade é um processo constante e não um momento congelado no tempo, permitindo, assim,
(...) não só descobrir os diferentes aspectos escondidos de uma realidade em movimento, mas sobretudo abre, então, as portas de uma nova dimensão: a da ‘emancipação’, segundo o termo de G. Raulet (MIAILLE, 1979; p. 19).
Destaca, ainda, o jurista francês que esta nova dimensão ultrapassa o sentido tradicional do direito, na medida em que o simples “(...)recenseamento, a classificação e o conhecimento do funcionamento das diversas noções jurídicas, das instituições e dos mecanismos do direito” (MIAILLE, 1979, p. 19) não deve mais ser considerado como a verdadeira essência da discussão jurídica.
Ora, a norma é o instrumento de trabalho do jurista e tem a sua importância, mas não pode ser alçada a condição de fundamento primeiro do direito. Neste rastilho, Miaille (1979, p. 19, grifo nosso) afirma o seguinte:
Porque, em definitivo, trata-se de saber porque é que dada regra jurídica, e não dada outra, rege dada sociedade, em dado momento. Se a ciência jurídica apenas nos pode dizer como essa regra funciona, ela encontra-se reduzida a uma tecnologia perfeitamente insatisfatória. Temos direito de exigir mais dessa ciência, ou melhor de exigir coisa diversa de uma simples descrição de mecanismos.
Percebe-se, então, que a realização de uma teoria crítica pós-moderna tem por objetivo produzir uma real crítica epistemológica à ciência moderna, trazendo alterações substanciais ao direito que durante muito tempo foi utilizado como instrumento de dominação e que passa, não sem acirradas discussões, a estar a serviço da mudança.
Diante da perspectiva interdisciplinar e dialética que norteia a feitura deste trabalho monográfico é fundamental trazer a baila algumas das implicações apontadas por Santos em virtude da opção das ciências sociais e da sociologia em adotar o conhecimento-emancipação.
A primeira dessas implicações concentra-se na observação de que, como já mencionado, a obtenção da solidariedade ocorre através do reconhecimento do outro, na medida em que este outro também é produtor de conhecimento, fato que concede ao conhecimento-emancipação uma vocação multicultural (SANTOS, 2001; p. 30).
É evidente que este multiculturalismo se depara com infindáveis obstáculos para a sua concretização. Entre eles podemos mencionar o ocidentalismo e o etnocentrismo cultural e social praticado pela sociedade européia e americana, os quais, autorizados por valores universais (v.g. paz, Deus), carrearam as sociedades, tidas como selvagens ou primitivas, quase que uma destruição total da sua cultura. Neste sentido, por essencial, cabe colacionar o questionamento lançado por Santos (2001, p. 31): “(...)como realizar um diálogo multicultural quando algumas culturas foram reduzidas ao silêncio e as suas formas de ver e conhecer o mundo se tornaram impronunciáveis?”
Um outro obstáculo para a concretização do multiculturalismo, na esteira do que foi anteriormente mencionado, entendemos, é o não reconhecimento da diferença, ou, em outras palavras, o entendimento de que o diferente é estranho a sociedade.
Foi essa posição que permitiu durante considerável período, p. ex., a exclusão da mulher, reduzindo-a a um papel secundário, seja na sociedade como um todo, seja na família. Ressalva-se também o não reconhecimento pela maior parte da doutrina e jurisprudência das uniões homossexuais, argumentando-se para tanto a inexistência de permissivo legal que autorize o entendimento contrário.
A segunda implicação, consubstanciada em um outro desafio para o conhecimento-emancipação, trata da construção de um conhecimento edificante.
Segundo a ciência moderna, o conhecimento é válido independentemente das condições que o tornam possíveis. Isto significa que há um desequilíbrio de escalas entre a ação técnica e as conseqüências técnicas, ou seja, a ciência moderna desenvolveu uma enorme capacidade de agir, deixando de lado o desenvolvimento de uma correspondente capacidade de previsão das conseqüências acarretadas pela ação científica (SANTOS, 2001; p. 31).
O conhecimento edificante, fundamental para a construção de um nova paradigma, tendo como premissa o reconhecimento do outro enquanto outro e a inexistência de um mundo estável, objetiva a produção de um conhecimento responsável e direcionado à mudança. É a construção de “um conhecimento prudente para uma vida decente” (SANTOS, 2001).
Para arrematar, de acordo com Santos (2001, p. 32,
A teoria crítica pós-moderna parte do pressuposto de que o conhecimento é sempre contextualizado pelas condições que o tornam possível e de que ele só progride na medida em que transforma em sentido progressista essas condições. Por isso o conhecimento-emancipação conquista-se assumindo as consequências do seu impacto.
Percebemos, portanto, que a produção de uma teoria crítica pós-moderna, a qual será encaminhada ao longo deste trabalho, terá como pressuposto o alcance de um conhecimento-emancipação, que será, por sua vez, fundado na alteridade, com o seu característico respeito pela diferença e seus efeitos, e na concretização de um conhecimento que tenha mais consciência do seu lugar enquanto instrumento de transformação.
Diante desses fundamentos, imperioso é demonstrar, como se fará a seguir, o que se pretende criticar e apontar alguns caminhos, aprofundando-se, assim, a discussão proposta.
2. O ESGOTAMENTO DA ESTRUTURA MODERNA E A TRANSIÇÃO PARA UM NOVO PARADIGMA
O termo moderno, originada do latim modernus, derivado de modo, tem sua origem no século V, e foi usado inicialmente como antônimo de antiquus (GIESELA, 1999; p. 07). Mais tarde, a partir do séc. X, termos como “tempos modernos” e “homens de nosso tempo”, tornaram-se bastante comuns (KUMAR, 1997; p. 79). Mas foi a Renascença, por volta do séc. XIV, que pela primeira vez dividiu a história ocidental em três épocas: Antiga, Medieval e a Moderna (KUMAR, 1997; p. 85). Atribui-se a Petrarca, considerado o pai do humanismo, a invenção, já no séc. XIV, da idéia de Idade das Trevas, a qual é diretamente associada ao período que transcorreu entre a queda do Império Romano e a Renascença (KUMAR, 1997; p. 85).
Esta contraposição entre Idade Média e Renascença culminou com numa nova visão do futuro, que, por sua vez, tinha seus olhos voltados para o passado. Explica-se: a Renascença significava “(...)a recuperação das formas mais antigas, do pensamento e dos costumes do mundo clássico” (KUMAR, 1997, p. 85), localizando-se, a partir disso, em posição diametralmente oposta àquela da chamada Idade das Trevas, caraterizado pela barbárie, obscuridade e atraso.
A Revolução Científica do Séc. XVI, no entender de Santos, foi o momento em que se estabeleceu o modelo de racionalidade que preside a ciência moderna (SANTOS, 2001; p. 60), superando-se a primeira fase da era moderna iniciada com a Renascença.
Kumar, no entanto, entende que a “idéia moderna de modernidade” surgiu no séc. VII, ainda sob a vigência de idéias clássicas e cristãs de tempo e história, gradualmente relegadas a um plano mais modesto em meados do séc. XVIII, com a posterior construção de um novo conceito de modernidade (KUMAR, 1997).
O pensamento apocalíptico e milenarista deu lugar a uma filosofia dinâmica de história, possibilitando assim a real construção dos tempos modernos.
A modernidade, então, passa a significar “(...)rompimento completo com o passado, um novo começo baseado em princípios radicalmente novos. E significava também o ingresso em um tempo futuro expandido de forma infinita, um tempo para progressos sem precedentes na evolução da humanidade” (KUMAR, 1997; p. 91).
Partido disso, entende o supramencionado autor que a modernidade, ou ao menos a sua idéia moderna, inicia-se concomitantemente ao capitalismo, o qual tem sua base no protestantismo do séc. XVI, mas que teve lançada a sua pedra fundamental com a ascensão da burguesia ao poder e com a Revolução Industrial, já no séc. XVIII (KUMAR, 1997).
Não obstante tenha o capitalismo coexistido com a modernidade, entende Santos, ao contrário do pensamento esposado por Kumar, que a modernidade ocidental e o capitalismo são dois processos históricos diferentes.
Segundo o emérito sociólogo, o paradigma sócio-cultural da modernidade foi constituído entre os séc. XVI e final do séc. XVIII, antes, portanto, do capitalismo se tornar dominante nos países centrais (SANTOS, 2001; p. 49).
Marshal Berman manifesta este mesmo pensamento, embora entenda, como Habermas, que não há um esgotamento da modernidade, mas sim a percepção de que esta última não cumpriu o seu objetivo. Tendo isto em perspectiva, Berman (1996, p. 16) divide a modernidade em três fases:
Na primeira fase, do início do século XVI até fim do século XVIII, as pessoas estão apenas começando a experimentar a vida moderna. (...) A segunda fase começa com a grande onda revolucionária de 1790. Com a Revolução Francesa [...] ganha vida, de maneira abrupta e dramática, um grande e moderno público. [...] No século XX, nossa terceira e última fase, o processo de modernização se expande a ponto de abarcar virtualmente o mundo todo [...].
Partindo, então, da doutrina boaventuriana, cumpre destacarmos a essência deste paradigma moderno, o seu encontro com a estrutura capitalista e os demonstrativos do esgotamento deste modelo tradicionalista, além de um movimento de transição para um novo paradigma, que se convenciona denominar de pós-modernidade.
2.1 A MODERNIDADE ENQUANTO PARADIGMA DOMINANTA
Primeiramente, a que se destacar que a descrição em torno de um paradigma moderno, e da transição que o segue em virtude do seu esgotamento, não carreia, como se poderia imaginar, um sentido de lineariedade no desenvolvimento histórico, que pautou a própria modernidade a partir da divisão, logo no seu início, entre Antigüidade, Idade Média e Modernidade. Vale dizer, em uma mesma época convive mais de uma forma de entender o mundo, não ocorrendo, portanto, um rompimento total com todas os outros tipos de conhecimento.
A Modernidade, diante da necessidade da construção de um estatuto científico único, ou mesmo do estabelecimento de um conceito de ciência, predispôs-se a fundação de um modelo de conhecimento global, caracterizado, primeiramente, pelo rompimento com todas as formas de conhecimento científico precedente, e, da mesma maneira, pela ruptura com todos os tipos de conhecimento considerado não científicas, quais sejam: “(...)o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos)” (SANTOS, 2001; p. 10).
Este modelo científico global, adotando, portanto, uma perspectiva totalitária, exclui do seu novo conceito de racionalidade todas as formas de conhecimento que não se encontrem fundadas nas suas regras metodológicos e princípios epistemológicos.
Os protagonistas deste novo paradigma, cientes de que estavam edificando uma nova visão do mundo e não realizando uma mera observação dos fatos, empreenderam uma luta ferrenha contra todas as formas de dogmatismos e autoridade. Mas a consciência de que estavam realizado um novo estado de coisas trouxe a estes protagonistas “(...)uma serena arrogância” (SANTOS, 2001; p. 61), fundada na certeza de que estavam produzindo o conhecimento verdadeiro.
Essa nova forma de visão do mundo, de acordo com Santos, conduz a duas distinções fundamentais: de um lado, conhecimento científico e senso comum e, de outro, natureza e pessoa humana (SANTOS, 2001; p. 12).
A primeira distinção traz no seu bojo a tentativa de produção de um conhecimento puro e exato, sendo, talvez, uma das principais razões pela qual as ciências sociais não eram reconhecidas como tal.
O fundamento primeiro da ruptura entre ciência moderna e senso comum seria o fato daquela primeira desconfiar da experiência imediata, haja vista esta última produzir um conhecimento vulgar, ilusório. Além disso, a ciência moderna privilegia a descoberta de como funcionam as coisas em detrimento de “qual o agente e qual o fim das coisas”, estes últimos encontrados no senso comum (Santos, 2001; p. 15 a 17).
A ciência, afirma Santos, ao citar Bachelard, opõe-se à opinião. O senso comum, continua o autor, “o ‘conhecimento vulgar’, a ‘sociologia espontânea’, a ‘experiência imediata’, tudo isto são opiniões, formas de conhecimento falso com que é preciso romper para que se torne possível o conhecimento científico” (SANTOS, 2000; p. 31).
Ora, não se poderia conceber, à época, a produção de conhecimento científico que, se apresentado neutro, fundamento esse essencial para a formação de um paradigma único e estático, levasse em conta uma pré-compreensão pessoal, além dos mais variados conceitos e pré-conceitos imaginados pelo senso comum.
A outra distinção apontada pelo sociólogo português gira em torno da total dissociação entre homem e natureza. Esta virtual separação lança a perspectiva de que
A natureza é tão-só extensão e movimento; é passível eterna e reversível (...); não tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar os seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes activo, já que visa conhecer a natureza para dominar e controlar. Como diz Bacon, a ciência fará da pessoa humana ‘o senhor e possuidor da natureza” (Santos, 2001, p. 13, grifo nosso).
Esta divisão entre ontológica entre homem e natureza, vez que fundada em uma concepção instrumentalista e unidimensional, causou outras rupturas como a existente entre sujeito e objeto, além daquela ocorrida entre o público e privado.
A ruptura produzida entre sujeito e objeto levou a um maior distanciamento entre um outro e, consequentemente, a certeza de que o conhecimento alcançando era neutro e objetivo.
Esse distanciamento, otimiza a separação entre ciência moderna e senso comum, foi uma das razões pelas quais o sujeito, aparentemente, não se interessava pelas conseqüências do conhecimento científico formado e aplicado, fato que possibilitou, com a chegada do capitalismo a merticanlização da ciência.
Deixemos claro que não temos a ilusão de que o conhecimento produzido a partir do concepção moderna era de fato neutro e objetivo, ao menos não da forma defendida pelos modernos. Pelo contrário. As escolhas que permitiram a construção do ideário moderno já demonstram por si só o não exercício da neutralidade.
A ruptura entre homem e natureza, e todas as outras rupturas que a seguiram, não permitiram somente a exploração exagerada desta última, que foi realizada em nome do progresso, mas também permitiu a exploração do próprio homem. Nesse diapasão, é imperioso ressaltar que as questões ora apresentadas tiveram o seu nascitura a partir do capitalismo, que, diante da exigência de desenvolvimento das forças produtivas, desencadeou um processo de exploração tanto da natureza quanto do homem.
Frente à exigência moderna de um estatuto científico único, a matemática, como método desse novo paradigma, passou a ser utilizada como instrumento de análise e investigação.
Do lugar central ocupado pela matemática, destacamos, conforme ensinamento de Santos, duas conseqüências: a primeira delas trata da afirmação de que “conhecer significa quantificar”. O rigor científico, então, passa a ser aferido pelo rigor das medições, sendo, neste sentido, desqualificado o objeto e, em seu lugar, “(...) passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir”. Daí o entendimento de que somente pode ser considerado cientificamente relevante aquilo que for quantificável (SANTOS, 2001; p. 63).
Este entendimento acompanhou, e ainda acompanha, muitos dos conceitos e preceitos jurídicos, na medida em que traz consigo, além de uma idéia de controle e estabilidade, um conteúdo eminentemente econômico.
Nesse sentido, basta observar que, na vigência dessa metodologia calcada no rigor matemático, seria impossível a introdução da discussão do afeto como elo fundamental da família, haja vista nos depararmos com a óbvia impossibilidade de quantificarmos um sentimento. Até mesmo os ramos do direito civil que, tradicionalmente, traçam a sua estrada sob o conteúdo econômico, vêem esta perspectiva modificada em face da introdução de princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade.
A segunda conseqüência ocasionada pela posição central da matemática dentro do paradigma moderno, é a percepção de que “(...) o método científico se assenta na redução da complexidade”. Vale dizer, conhecer significa dividir, classificar e depois determinar relações sistemáticas entre aquilo que foi dividido.
De fato, como bem reconhecido na modernidade, o conhecimento é muito vasto e há a necessidade de uma separação para sua melhor compreensão. Embora tenha o paradigma moderno determinado a necessidade de se estabelecer formas prévias de ligação entre o que se separou, há que se observar: primeiro, a impossibilidade de se fixar aprioristicamente esta relação, já que, muitas das vezes, esta ligação só poderá ser observada quando da análise do caso concreto, e, segundo, que esta ligação não foi produzida dentro do ambiente moderno, ocorrendo, pelo contrário, um distanciamento e um isolamento cada vez maior entre as ciências e também entre as suas ramificações.
Diante desse quadro, Japiassu (1976), numa ácida crítica ao processo de especialização desencadeado entre os principais ramos do saber, afirma que esta compartimentalização é a patologia do saber na era moderna, vez que as divisões produzidas, dado terem adotado um postura estanque e distante, empobreciam o conhecimento produzido.
O próprio Direito foi um dos atingidos por este processo, pois a divisão da ciência jurídica nos mais diversos ramos, e que deveria ter um intuito meramente didático, foi resultado de um cultura legalista e positivista ainda perpetuada em nossos manuais, peças legislativas e decisões judiciais.
Um exemplo do que estamos a tratar pode ser encontrado dentro do próprio Direito Civil, por ter se subdivido em vários sub-ramos, cada qual trazendo regras e princípios próprios, sendo, no entanto, praticamente inexistente a comunicação entre eles.
Devemos ainda observar que as ciências também adotaram entre si esta mesma perspectiva isolacionista, havendo entre elas um contato mínimo, cingindo-se cada uma a apontar quais seriam as disciplinas que, secundariamente, interagiriam com aquele que afirmava ser a principal.
O Direito se destaca como um dos exemplos mais claros desse fato, pois, como se pode ver através de despreocupada leitura dos nossos manuais, que, em sua maioria, dedicam um tópico inteiro para discorrer sobre as disciplinas afins de determinado ramo jurídico, a uma preocupação de apresentar o Direito como ciência principal e todas as outras em um campo secundário, o que, sob o ponto de vista traçado neste trabalho, parece ser uma visão extremamente equivocada.
Ora, como seria possível, v. g., desenvolver um processo de adoção sem o acompanhamento próximo de profissionais oriundos de outras áreas? Ainda mais: como poderia ser otimizado esse mesmo processo de adoção se os operadores do direito que fazem parte dele não tiverem conhecimentos outros que não aqueles legais?
A própria possibilidade da clonagem, bem como a existência da inseminação artificial, seja homóloga ou heteróloga, e a preocupação dos efeitos carreados por esses dois procedimentos, exigem do operador do direito uma postura seguramente interdisciplinar.
Dessa maneira, propõe Japiassu, como remédio à patologia causada pelo processo especialização-compartimentalização do conhecimento, o desenvolvimento da interdisciplinaridade, que tem por objetivo o crescimento de um saber mais consciente de suas potencialidades.
Cumpre esclarecer que não temos a intenção, como já ficou claro, de produzir um conhecimento universal. Afinal o conhecimento alcançou uma dinamicidade que impossibilita a absorção de todas as informações disponíveis. A introdução da interdisciplinaridade, quiçá da transdiciplinariedade, busca sim evitar a construção de um saber estanque e distante da própria realidade.
O mesmo objeto de estudo do Direito, de certa maneira, também é o da Sociologia, sendo fundamental perceber que cada uma dessas ciências observa o referido objeto de um maneira diferenciada, fato esse que lança a imprescindibilidade do Direito não só recorrer à Sociologia, como se esta fosse mera perfumaria, mas sim adotar um diálogo continuo com esta última.
É, no mesmo sentido, o pensamento de Agostinho Ramalho (2001, p. 95 e 96) quando afirma:
É claro que, quanto maior o número de aspectos considerados, maior a possibilidade de a ciência fornecer uma explicação mais profunda sobre os fenômenos. Ocorre, entretanto, que nenhuma ciência dispõe de referencial teórico que lhe possibilite penetrar em todos os aspectos da realidade. Daí a necessidade sempre crescente de pesquisas de natureza interdisciplinar.
O Direito Ambiental parece ser um dos casos mais evidentes desta realidade, porquanto exige daquele que o aplica, além de vasto conhecimento da legislação, trânsito em outras áreas do saber como a arquitetura e o turismo.
Outrossim, ainda no estudo dos instrumentos que fortaleceram a concepção da construção de um paradigma estático, devemos realçar o papel da mecânica newtoniana, por ter esta última fornecido à modernidade a idéia de mundo máquina, que, segundo Santos, iria se tornar na hipótese universal da era moderna.
Segundo a percepção newtonia, o mundo pode ser apreendido mediante operações captadas pelas leis físicas e matemáticas. Esta concepção, por volta do séc. XVIII, passa a constituir um dos pilares da idéia de progresso, vez que, já naquele momento, a classe burguesa ascendente via no determinismo mecanicista a possibilidade de um maior controle e de sua manutenção no poder, além de ser considerado este o “(...)estádio final de evolução da humanidade” (SANTOS, 2001; p. 64 a 68).
Esse Estado-máquina, fundamental dentro do modelo capitalista, garantia “(...)a certeza e a previsibilidade das suas operações e, acima de tudo, a regulação eficaz das relações de mercado” (SANTOS, 2001; p. 142).
Esta busca pela formação de normas, que definiriam a própria ciência, é considerado por Santos um fato endêmico. Nas palavras do autor: “A meu ver, a apresentação de afirmações normativas como afirmações científicas e de afirmações científicas como afirmações normativas é uma facto endémico [sic] no paradigma da modernidade” (SANTOS, 2001; p. 54).
Diante do que foi apresentado, resta essencial discorrer em breves palavras sobre o encontro entre modernidade e capitalismo, pois, parece-nos que o desvirtuamento do projeto lançado por aquela ocorreu em decorrência do surgimento deste último.
2.1.1 O modelo capitalista e a modernidade
O paradigma moderno, na escorreita lição de Santos, encontrava-se assentado na interação de dois pilares fundamentais: regulação e emancipação, cada qual constituído por três princípios.
O primeiro deles é formado pelo princípio do Estado, formulado basicamente por Hobbes; e os demais pelo princípio do mercado, construído por Locke e Adam Smith e pelo princípio da comunidade, encontrado na teoria social de Rousseau. Por sua vez, “o pilar da emancipação é constituído pelas três lógicas da racionalidade definidas por Weber: a racionalidade estético-expressiva das artes e da literatura, a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia e a racionalidade moral-prática da ética e do direito” (SANTOS, 2001; p. 50).
A tensão entre os referidos pilares constituía-se em um fundamento essencial do projeto ambicioso e revolucionário apresentado pela modernidade. No entanto, o crescimento irregular tanto da emancipação quanto da regulação pôs em cheque o projeto moderno.
A hipercientifização do pilar emancipação permitiu a realização, por parte da modernidade, de promessas brilhantes e ambiciosas, no entanto, no decurso do tempo, restou claro a impossibilidade de realizar todas elas. A promessa, p. ex., de dominação da natureza para o benefício da humanidade encaminhou um movimento de exploração excessiva dos recursos naturais, causando uma catástrofe ecológica. A promessa de uma paz perpétua, bem como de uma sociedade mais justa, viu-se reduzida por uma conversão da ciência em força produtiva e pela espoliação do chamado terceiro mundo (SANTOS, 2001; p. 56).
No que toca ao pilar regulação, observa Santos um desenvolvimento excessivo do princípio do mercado em detrimento do princípio do Estado e da comunidade.
Dessa forma, a redução do pilar emancipação à sua dimensão cognitivo-instrumental, além do excessivo destaque concedido ao princípio do mercado, encaminhou a rendição da emancipação a regulação, haja vista ter o modelo moderno se voltado, principalmente a partir da introdução de ideais capitalistas, a uma tentativa de construção de um ambiente estável e controlado. “Neste processo, a emancipação deixou de ser o outro da regulação para se converter no seu duplo” (SANTOS, 2001; p. 57).
A modernidade, desde o seu início, previu a possibilidade de surgimento de déficits e excessos. Qualquer um desses a serem resolvidos por seus recursos materiais, intelectuais e institucionais. Essa gestão reconstrutiva, de acordo com expressão cunhada por Santos, foi deixada a cargo da ciência, embora o Direito também teria ocupado uma posição determinante neste processo.
Ocorre que nesse processo, os critérios científicos de eficiência e eficácia logo se tornam hegemônicos. Assim, levando-se em conta a crise moral que atingiu a Europa desde a Reforma, cuja a conseqüência foi a separação entre os poderes secular e religioso, a ciência moderna, no início do Séc. XIX, momento em que o capitalismo se tornou o modo de produção dominante dos países centrais, “(...)foi convertida numa instância moral suprema, para além do bem e do mal” (SANTOS, 2001; p. 51).
O Direito ocupou posição central neste processo da gestão reconstrutiva, embora, na visão de Santos, tenha o feito subordinadamente à ciência, visto que a racionalidade cognitiva-instrumental desta última se sobrepõe a racionalidade moral-prática daquele primeiro. Nesta perspectiva, o Direito destacou-se diante da necessidade de proteger a gestão científica de quaisquer oposições ao modelo hegemônico que se formava, exercendo tal função através da integração normativa e da utilização da força coercitiva (SANTOS, 2001; p. 52).
A hegemonia capitalista no séc. XIX e, partir daí, o desenvolvimento concomitante com o paradigma moderno nos levam, no entender de Santos, a uma divisão do capitalismo em três períodos.
O primeiro deles, transcorrido durante todo o séc. XIX, seria o do capitalismo liberal; o segundo, corresponderia ao período do capitalismo organizado e teria seu início em fins do séc. XIX e se estenderia até as duas primeiras décadas do após-guerra; o terceiro período, denominado capitalismo desorganizado, iniciou-se nos fins dos anos 60 e continua até hoje (SANTOS, 2001; p. 139).
2.1.1.1 O Capitalismo liberal
O Estado liberal, iniciado como resultado do período Revolucionário, de acordo com a exigência de uma nova classe que ascendia ao poder, tinha como pressuposto romper com a estrutura feudal e absolutista vigente.
A burguesia deu os seus primeiros passos ainda na época feudal. Os produtos que eram produzidos pelos vassalos nas terras dos senhores feudais eram repassados a estes, a título de pagamento de impostos, o que sobrava era trocado nas proximidades dos próprios feudos, fato esse que permitiu a formação de pequenas cidades e de um sistema de troca que mais tarde foi aperfeiçoado (MIAILLE, 1979).
Apesar do considerável crescimento dos negócios, a burguesia se viu prejudicada pelas classes que dominavam a estrutura estatal absolutista. Nem a nobreza ou o clero tinham a intenção de abrir mão do poder que detinham, entendo-se a partir daí a imperiosidade e a inevitabilidade de um processo revolucionário que teria como fulcro o respeito aos direitos individuais, fundamentais para o desenvolvimento dos ideais liberais capitalistas.
Dessa forma, com fundamento em direitos considerados universais – liberdade, igualdade e fraternidade – a burguesia, herdeira de uma rica tradição intelectual iniciada pela modernidade – direito natural racionalista e as teorias do contrato social empreendidas por Hobbes, Rousseu e Locke –, introduziu uma nova perspectiva social e econômica através do modelo de Estado que se iniciava.
Manejado pelas teorias insurgentes, o Estado Constitucional do séc. XIX “(...)minimizou os ideais éticos e as promessas políticas de modo a ajustar uns e outros às necessidades regulatórias do capitalismo liberal” (SANTOS, 2001; p. 140). O advento da filosofia positivista, combinado com a doutrina científica de construção de um paradigma estático e neutro, carreado pelo rompimento com todas as formas de conhecimento consideradas não científicas, em especial o senso comum, além da utilização do método matemático e das concepções newtonianas, promoveu o capitalismo a uma posição hegemônica.
A cerca desta discussão não podemos deixar de colacionar valiosa lição de Santos (2001, p. 141), ipsi litteris:
O aparecimento do positivismo na epistemologia moderna e do positivismo jurídico na dogmática jurídica podem considerar-se, em ambos os casos, construções ideológicas destinadas a reduzir o progresso societal ao desenvolvimento capitalista, bem como a imunizar a racionalidade contra a contaminação de qualquer irracionalidade não capitalista[...].
Nessa perspectiva, a Razão, conforme idealizado por Hobbes, destrona a Tradição, a Metafísica e Deus. A Cidade Celestial de Agostinho é deixada para trás e o tempo “insignificante do homem na terra” passa a ter uma maior importância (KUMAR, 1997; p. 83).
Diante deste conceito hegemônico e autoritário, o Estado nascente, visando estabelecer um maior controle, transformou a soberania popular em soberania do Estado-nação e a vontade geral em uma regra da maioria, esta, por sua vez, regiamente escolhida entre uma seleta casta de governantes, ricos fazendeiros e comerciantes. O Direito, por sua vez, separando-se dos seus princípios éticos, “(...) tornou-se um dócil instrumento da construção institucional e da regulação do mercado” (SANTOS, 2001; p. 140).
Os próprios direitos individuais, reconhecidos pela novo ordenamento constitucional e privado, visavam otimizar as relações entre empregador e empregado, na medida em que aqueles direitos, em tese, garantiam a este último a possibilidade de ser contratado e de negociar a forma com que isto se daria. Há que ressaltar que esta perspectiva era essencial diante do fato de, à época, estar a pleno vapor a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra no séc. XVIII e que, segundo Kumar (1997, p. 94)., se tornaria no substrato material da modernidade.
O positivismo, segundo Santos (2001, p. 141), seria a “consciência filosófica do conhecimento regulação”. E, nesse passo, continua o sociólogo português, “graças à ordem positivista, a natureza pode tornar-se previsível e certa, de forma a poder ser controlada, enquanto a sociedade será controlada para que possa tornar-se previsível e certa” (Santos, 2001, p. 141).
O direito privado, como foco privilegiado do positivismo jurídico, complementado por medidas fiscais, monetárias e financeiras, passou a ser instrumento fundamental no processo de corrigir os desequilíbrios resultantes da sociedade do mercado. Outros ramos do Direito, como o constitucional e administrativo, cingiam-se a garantir a não intervenção do Estado nas liberdades individuais, o que desvinculava todo o ordenamento jurídico de qualquer conteúdo político ou social (SANTOS, 2001; FACHIN, 2001; TEPEDINO, 2002).
Cumpre destacar que este período não se caracterizou apenas pelo positivismo na ciência e no Direito, mas também por reações a este estado de coisas, o que seria feito através do aprofundamento do idealismo romântico do séc. XVIII e do surgimento do socialismo como movimento político (SANTOS, 2001; p. 144).
3.1.1.2 O Capitalismo organizado
Nesse período, a distinção entre sociedade civil e Estado sofreu profundas transformações, em virtude do domínio crescente do modo de produção capitalista tanto nas relações econômicas quanto na vida social.
A exploração da força de trabalho, encaminhada pelo capitalismo do primeiro período, levou a formação de sindicatos e agremiações que tinham por objeto a luta pelos direitos sociais ainda não reconhecidos.
Esse redimensionamento da fronteira entre sociedade civil e Estado levou a dois processos evolutivos diferentes, mas convergentes.
O primeiro deles tratava da necessidade do estabelecimento de “(...)uma gestão econômica pública imposta pela crescente complexidade da economia capitalista”. Esse movimento trouxe consigo uma aparente contradição, já que teve, como um dos seus efeitos, a percepção da crescente desigualdade dos agentes econômicos, o que motivou a intervenção estatal. Por outro lado, este mesmo processo evolutivo, conduziu o Estado capitalista, dado o grande poder político acumulado pelas grandes empresas, a proteger os interesses empresariais através, entre outras coisas, da disponibilização de infra-estrutura e da criação de sistemas educacionais capazes de habilitar e especializar a mão-de-obra necessária ao desenvolvimento do capital (SANTOS, 2001; p. 147 e 148).
A segunda onda evolutiva foi desencadeada pela extensão do voto aos trabalhadores e pelo surgimento dos grandes partidos políticos. De acordo com Santos, a politização das desigualdades sociais “(...)envolveu a intervenção do Estado na relação salarial e no consumo colectivo”, levando a construção de políticas sociais na área da saúde, educação e do trabalho (SANTOS, 2001; p. 148).
A introdução destas medidas, por serem consideradas radicalmente diferentes das políticas adotadas no período do capitalismo selvagem, motivaram um novo pacto social entre capital e trabalho, sob a égide do Estado Providência.
Essa também foi a época de introdução de novo modelo regulatório: o fordismo.
O referido modelo foi amplamente utilizado, juntamente com o taylorismo[1], nas linhas de montagem das grandes fábricas, estas caracterizadas pela produção em série dos mais variados produtos, conforme exigência de uma sociedade cada vez mais consumista.
Contudo, o fordismo, além de seu viés econômico, também significava, na lição de Kumar (1997, p. 63).,
[...]Lei Seca e ‘puritanismo’, a tentativa de regular a vida sexual e familiar do trabalhador, e não apenas sua vida de trabalho. ‘Os novo métodos de trabalho’, dizia Gramsci, ‘são inseparáveis de um modo específico de viver, pensar e sentir’.
A monitorização do processo econômico trouxe uma nova perspectiva ao direito. Com o surgimento de novos domínios jurídicos, ocorreu o redimensionamento da fronteira entre o público e o privado. As próprias constituições deixaram de ter um caráter meramente burocrático e passaram a desenvolver o papel de intermediação entre os valores e interesses sociais conflitantes.
Há que se destacar, também, o reconhecimento, nesse período, dos direitos sociais e econômicos, considerados direitos humanos de segunda e terceira geração, respectivamente.
No que toca ao Direito, as profundas alterações ocasionados pelo intervencionismo estatal e pela nova instrumentalidade do direito, carrearam-lhe uma maior estatização, o que levou a um fetichismo jurídico e institucional (SANTOS, 2001; MIAILLE, 1979).
Assim, segundo Santos, “o direito [sic] foi despromovido da categoria de princípio legitimador do Estado para a de instrumento de legitimação do Estado. Assim se lançavam as sementes da banalização do direito [sic]” (SANTOS, 2001; p. 152).
2.1.1.3 O Capitalismo desorganizado (?)
Desde o início da década de 70, o modelo de regulação fordista tem se deteriorado consideravelmente, e as transformações têm sido tão vastas que motivaram o surgimento deste novo período do capitalismo denominado desorganizado.
As primeiras mudanças nesse sentido foram encaminhas pela denominada terceira revolução industrial. Iniciava-se, a partir daí, a sociedade pós-industrial, a qual não tem como base a produção de bens em massa, mas sim a informação e o conhecimento.
Mas, ao contrário do que se pensa, a mudança introduzida pela sociedade de informação, sendo esta, inclusive, considerada como um dos demonstrativos do esgotamento do paradigma moderno, somente mudou o foco do modelo capitalista.
Kumar, citando Tessa Moris-Suzuki, afirma o seguinte:
O capitalismo monopolista, diz ela, é hoje, em alto grau, ‘capitalismo de informação’, ‘a apropriação privada do conhecimento social’. Com o aumento da automação, a extração da mais-valia (lucro) depende agora da ‘economia da inovação perpétua’, cujo o recurso fundamental é o conhecimento ( Moris-Susuzi apud Kumar, 1997; p. 29).
E, percorrendo esse mesmo caminho, afirma o referido autor, ao tratar da ideologia inserta na sociedade de informação, que “os instrumentos e técnicas podem mudar, mas os objetivos e finalidades supremos das sociedades industriais capitalistas permanecem os mesmos” (KUMAR, 1997; p. 44).
A sociedade pós-industrial, portanto, ainda traz no seu bojo os ideais capitalistas, embora modificados para uma nova realidade.
O primeiro retrato desse fato é o desenvolvimento do modo de produção pós-fordista ou neo-fordista, que visa não mais ao consumidor dos produtos padronizados e produzidos em alta escala, mas sim àqueles que se adequam a um modelo de especialização flexível.
A especialização flexível, que tem como substrato a tecnologia de informação, visa a uma grande produção, mas de acordo, na medida do possível, com os interesses de cada um dos consumidores.
Esse modelo é caracterizado pela existência crescente de confederações de pequenas e médias empresas ou pela terceirização de serviços, os quais antes eram exercidos com exclusividade pelas grandes empresas, condições essas que possibilitam uma flexibilização do produto que é disponibilizado ao consumidor.
Kumar (1997, p. 57) traz como exemplo deste novo foco capitalista a empresa italiana produtora de roupas Benetton. Esta empresa possui diversos pontos de venda ao redor mundo, sendo que cada um deles, através de um sistema on-line, transmite diretamente à matriz quais são os produtos mais vendidos (cor, estilo, tipo de artigo etc.) possibilitando, assim, otimizar as decisões sobre desenho e produção. Além de instalações próprias, a referida empresa conta com uma série de subcontratantes encarregados de flexibilizar o adicional do volume. Segundo Kumar, esse sistema possibilitava a Benetton uma resposta as mudanças do mercado no prazo máximo de dez dias.
É nessa perspectiva, que Santos (2001, p. 154 e 155).a afirma o seguinte:
A expansão extensiva do mercado acompanha a sua expansão intensiva, como demonstram a ideologia cultural do consumismo – com a crescente diferenciação dos produtos e individualização dos gostos, e o conseqüente aumento de escolhas – e a progressiva mercadorização da informação e da comunicação social, que oferece oportunidades virtualmente infinitas para a reprodução alargada do capital.
No entanto, embora esta nova estrutura tenha se adequado com sucesso à concepção capitalista, não podemos nos esquecer que as inovações introduzidas não trouxeram nenhuma mudança substancial a qualidade de vida da população em geral – ao menos entendo que a “facilidade” de adquirir um carro ou liqüidificador não se enquadra em uma real melhoria da qualidade de vida. Pelo contrário.
O capitalismo continua a promover a estratificação e a desigualdade social, não obstante ainda traga consigo as promessas de uma maior distribuição de renda e de solução dos conflitos sociais.
Como se pôde observar, o capitalismo, a despeito da nomenclatura utilizada para identificação deste período, nunca estava mais organizado e nunca ocupou uma posição mais hegemônica, haja vista dominar todos os “(...)aspectos da vida social e ter conseguido neutralizar todos os seus inimigos tradicionais (movimento socialista, o activismo operário, as relações não-mercantilizadas) (SANTOS, 2001; p. 153).
Nesse período, destacamos, há um crescimento substancial do já hegemônico princípio do mercado e com ele, em decorrência de um processo de globalização neoliberal já amplamente difundido, a um incremento espetacular dos mercados mundiais, movimento este que passou a minar a capacidade do Estado-nação, impossibilitando-o de regular o mercado, sob o ponto de vista nacional e retirando-o da posição de protagonista no sistema internacional.
Essa queda relativa do protoganismo do Estado tem causado profundas perdas nas políticas sociais a serem desenvolvidas, haja vista estar sempre restringido pelo sistema mundial, em virtude do trânsito de um capital meramente especulativo, o que força a construir uma estabilidade econômica que só alcança os investidores estrangeiros.
É necessário que se observe, a despeito da hegemonia do modelo posto, que há um esgotamento do paradigma tradicional, e, em contrapartida o surgimento de um outro, capaz de tratar de questões não mais abarcadas pela modernidade.
Resta ainda fundamental apontar a crise no direito privado, motivada pela sua formação no âmago da modernidade, e as soluções apontadas por um novo paradigma.
3. TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA E A PÓS-MODERNIDADE
Antes de tudo, é necessário ressaltar que o conceito de pós-modernidade que por nós é adotado, não se sustenta sobre a falsa alegação de um rompimento total com o passado.
Ora, não temos a intenção de nos enquadrar numa compreensão de um pós-modernismo, como afirma Berman (1996, p. 32).
(...)que se esforça para cultivar a ignorância da história e da cultura modernas e se manifesta como se todos os sentimentos humanos, toda a expressividade, atividade, sexualidade e senso de comunidade acabassem de ser inventados – pelos pós-modernistas – e fossem desconhecidos, ou mesmo inconcebíveis até semana passada.
O diálogo com o passado – afinal não partimos do nada – dá-nos a percepção de mudança, não pelo fato de, ao virarmos nossos olhos, descobrirmos as respostas necessárias para os problemas que hoje nos são colocados – aí está, diga-se, um dos maiores demonstrativo da insuficiência do paradigma moderno: a inexistência de respostas frente as questões lançadas pela contemporaniedade – , mas pelo fato de adquirirmos a compreensão da existência de rupturas e do desenvolvimento não linear da história.
Esse diálogo também possibilita, na lição de Lyotard, desde que a observação do passado seja feita a partir do paradigma emergente, o reconhecimento de que não há somente uma razão ou somente uma história, mas sim razões e histórias (Lyotard apud Taschner, 1999; p. 15).
Também, há que se reconhecer, diante dessa mesma perspectiva de desenvolvimento não linear, a impossibilidade de uma ruptura total com o passado, haja vista conviverem em uma mesma época mais de uma concepção, mais de um paradigma científico, ressaltando, assim, nesse processo, o papel fundamental da dialética.
Outrossim, é essencial que se diga que não temos a ilusão de traçar um paralelo entre modernismo e pós-modernidade, vez que ambas apresentam diferenças substanciais.
Uma parte da doutrina entende que o modernismo foi um movimento que objetivava um reação cultural a todas as correntes da modernidade e, nessa medida, constituiu-se em uma crítica a era moderna (KUMAR, 1997).
Por outro lado, Marshall afirma que o modernismo foi uma parte da modernidade, embora tenha se constituído no seu oposto. Partindo dessa concepção, o modernismo é entendido pelo autor como o elemento capaz de trazer a tensão necessária para o desenvolvimento do paradigma moderno (BERMAN, 1996).
No entanto, devemos destacar que, assim como a tensão existente entre os dois pilares modernos – regulação e emancipação – desvaneceu, o mesmo ocorreu com a tensão existente entre modernidade e modernismo, fato esse que deu ao último, já no séc. XX, uma outra configuração, agora mais crítica, sendo daí o entendimento de que a pós-modernidade é tão-somente a continuação do processo iniciado na era moderna.
Jamenson, citado por Kumar, acredita que o “(...)posmodernismo [sic] não é uma tendência que deve ser cronologicamente definida, mas sim uma categoria ideal, ou melhor ainda uma Kunstwollen, uma maneira de agir” (JAMENSON apud KUMAR, 1997; p. 222).
Diante disso, o que se questiona é o sentido do termo pós-moderno, além do seu próprio objetivo. Será que esta designação tenciona apregoar o surgimento de novos tempos ou somente anunciar a morte da era moderna ?
Como diz o dito popular: “nem tanto ao mar, nem tanto a terra”.
A pós-modernidade de fato significa o surgimento de novos tempos, mas não implica no desaparecimento total das concepções modernas, afinal, como já dito, a história não se desenvolve linearmente, sendo, no entanto, como irá se demonstrar, patente o esgotamento deste paradigma dominante.
Nessa trilha de entendimento, partindo da teoria de Santos, a pós-modernidade, além de trazer inserto, por óbvio, o signo da mudança, representa um momento de transição paradigmática, que tenciona atingir todos os setores da sociedade.
É um movimento que busca a construção de um “paradigma de conhecimento prudente para uma vida decente”. E não podia ser diferente, pois, como reconhece Santos, a revolução científica proposta em sua teoria, e aqui colacionada, ocorre numa sociedade já revolucionada pela ciência, sendo fundamental, diante da desigualdade e estratificação social, a despeito da evolução científica existente, e até mesmo em razão desta, a construção de um paradigma social (SANTOS, 2001; p. 74 e 75).
3.1 CONDIÇÕES DA CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE
A crise do paradigma dominante tem como pressuposto a existência de duas condições.
O paradigma moderno se predispunha a tratar, através do sistema de gestão reconstrutiva, de todas as crises ocorridas dentro do seu estatuto científico. Vale dizer, a modernidade, mediante a tensão entre o pilar regulação e o emancipação, além da utilização do Direito, tentava superar a existência de déficits e excessos, já previstos, segundo Santos, desde o início da formação da modernidade.
No entanto, a sobreposição do pilar regulação, com a elevação do princípio do mercado, em detrimento do pilar emancipação, passando este a não mais a ser o oposto daquele, mas um único elemento, a modernidade se viu diante da impossibilidade de gerir as crise criadas dentro do seu estatuto científico, fato esse que constitui a primeira condição da crise do paradigma dominante.
Nesse passo, a primeira condição consistiria na percepção de que a modernidade, ao tentar propor respostas às crises acumuladas dentro do seu estatuto científico, somente a agrava, gerando mais e mais profundas crises, demonstrando a insuficiência do paradigma moderno (SANTOS, 2000; p. 35 e 36).
Corolário dessa condição, também trazemos à baila, como demonstrativo da insuficiência do paradigma moderno, a impossibilidade da modernidade responder a questionamentos pós-modernos, em face de estar pautada aquela primeira em um estatuto científico rígido, que se predispõe a trazer respostas pré-constituídas, capazes de manter o modelo único escolhido, em contraposição ao problemas contemporâneos, os quais se encontram contextualizados em um ambiente multifacetado e dinâmico.
A segunda condição da crise do paradigma dominante se consubstancia na existência de quatro condições teóricas a seguir explicitadas.
A primeira delas gira em torno do fato de que o reconhecimento dos limites do paradigma moderno surge como resultado do grande avanço científico que este modelo propiciou. Vale dizer, o desenvolvimento científico alcançado ao longo dos séculos apontam cabalmente a insuficiência do paradigma tradicional, fato esse agravado pela a redução da modernidade ao princípio do mercado e ao capitalismo.
A segunda condição teórica seria, numa crítica ao rigor do conhecimento que é obtido através das medições, o surgimento da mecânica quântica. Segundo esta concepção, não é possível observar ou medir um objeto sem trazer algum tipo de interferência ou alteração ao mesmo. Assim, estabelecendo-se um pressuposto metodológico importante, reconhece-se que um objeto não permanece o mesmo após um processo de medição.
Percebemos, então, a clara distinção entre objeto real e objeto de conhecimento, o que é, no nosso ponto vista, argumento importante na construção de uma teoria jurídica civilista pós-moderna, na medida em que o Direito Civil tradicional, já há bastante tempo, pauta os seus conceitos na pretensão de retratar o real sem nenhuma interferência.
Ora, “a idéia de que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos, ou seja, que não conhecemos do real senão a nossa intervenção nele(...)” (SANTOS, 2001; p. 69) nos dá a real dimensão de quão limitado é o nosso conhecimento, porquanto só podemos aspirar resultados aproximados.
É como afirma o mestre Agostinho Ramalho (2001, p. 15): “Todas as verdades, inclusive as científicas, são aproximadas e relativas; são parcialmente verdade e parcialmente erro”.
E continua o referido autor, ao tratar de conceitos tão comuns dentro do próprio Direito: “Por serem produto de um trabalho de construção, os conceitos não atingem a realidade, mas somente se aproximam dela “(MARQUES NETO, 2001, p. 15).
Nessa perspectiva, a categoria “objeto real/objeto de conhecimento” é criada a fim de demonstrar a impossibilidade da captação do real sentido do objeto, sendo somente possível a percepção de um conteúdo limitado deste último. Afinal, quem será capaz de definir um determinado objeto enquanto real, diante do fato de que o cumprimento desse desiderato já implica na realização de um processo cognitivo que traz no seu bojo, por parte do pesquisador, a introdução de conceitos pré-constituídos e de métodos.
Na verdade, a realização de todo um processo cognitivo, iniciado na pré-compreensão do pesquisador, pois, como afirma Agostinho, “(...)o sujeito não vai em branco observar o objeto” (MARQUES NETO, 2001; p. 14), conduz a uma construção deste último.
O reconhecimento desse fato, destacamos, reforça ainda mais o argumento anteriormente produzido, e no qual reivindicamos a aplicação da interdisciplinariedade, vez que a constatação de que o objeto de conhecimento é construído através das concepções de um determinado pesquisador e, conseqüente, de uma determinada ciência, dá-nos a real dimensão do esfacelamento do objeto.
Nesse passo, as disciplinas devem interagir constantemente, sob pena de incorrerem no mesmo fetichismo positivista que comandou a produção do conhecimento e que culminou com um isolamento entre as ciências. O Direito, ainda mais diante da dinamicidade que hoje envolve a sociedade, não pode abdicar de conhecimentos produzidos no campo da sociologia, da biologia, da genética, da filosofia, entre muitas outras a serem percebidas quando da discussão de um caso concreto.
Uma outra implicação, transmitida por essa segunda condição teórica, seria a redefinição da dicotomia sujeito/objeto.
Estabelecida, principalmente, pela necessidade da produção de um conhecimento neutro, a dicotomia referida ganha novos contornos e a concepção de distanciamento entre um outro, o que se demonstrou praticamente impossível no domínio das ciências sociais e humanas, é substituído, nas palavras de Santos, pela “(...) forma de um continuum” (SANTOS, 2001; p. 69).
Karl-Otto Apel, citado por Mártires, ao apresentar a necessidade de formação de um novo binômio cognitivo, ressalta a importância do reconhecimento do objeto, não enquanto objeto, mas enquanto um outro sujeito, também participe e artífice em um processo construtivo e interpretativo do conhecimento, litteris:
Para que haja comunicação é necessário que o Outro fale e reconheça o que eu falo. Nesse eixo já existe a assunção mínima de que há um campo democrático e de respeito na argumentação sem o qual não existe comunicação. É por isso que afirmo que é um tipo de racionalidade que demanda um outro tipo de binômio cognitivo: sujeito/co-sujeito e não sujeito/objeto, como nas teorias solipsistas modernas. É uma validade epistemólogica intersubjetiva e não uma busca de objetividade ingenuamente neutra, como nos prôpos um ciência cega (grifamos) (Karl-Otto Apel apud Branco, Coelho, Mendes; p. 22).
A terceira condição da crise do paradigma dominante é particularizada pelo questionamento do veículo formal da medição, qual seja, a matemática. Segundo Santos, carece o rigor matemático de fundamento, pois, os teoremas da completude e sobre a impossbilidade, que vieram para provar a consistência e a irrefutabilidade do sistema, terminaram por demonstrar que, mesmo seguindo a risca as regras da lógica estabelecida por esse modelo ainda é possível a formulação de “(...)proposições indecidíveis, proposições que se não podem demonstrar nem refutar, sendo que uma dessas proposições é precisamente a que postula o caráter não-contraditório do sistema” (SANTOS, 2001; p. 26 e 27).
A quarta condição teórica trata da crise do paradigma newtoniano, a partir do progresso do conhecimento alcançado nos últimos trinta anos nos domínios da microfísica, da biologia e da química.
A título de exemplo, Santos (2001, p. 70). traz a teoria desenvolvida pelo físico-químico Ilya Prigogine, onde se estabelece que em sistemas abertos – aqueles que funcionam a margem da estabilidade – a evolução ocorre através de flutuações de energia que conduzem a reações espontâneas capazes de pressionar o sistema para além de um limite máximo, levando-o a um novo estado macroscópico. Introduz-se, assim, uma lógica de “auto-organização numa situação de não-equilíbrio” distante daquilo trazido pela física clássica (Santos,
Assevera Santos (2001, p. 71). que o questionamento introduzido pela teoria acima mencionada não se constituí num fenômeno isolado, mas sim parte de um movimento com vocação transdisciplinar que atravessa as ciências da natureza e ciências sociais e é designado por paradigma da auto-organização.
A reflexão ocasionada por essas condições teóricas da crise do paradigma dominante, acrescidos da introdução do paradigma de auto-organização, apresenta duas facetas sociológicas, ambas diretamente relacionadas com a imprescindibilidade, dentro do paradigma emergente, da construção de um pensamento transdisciplinar.
A primeira dessas facetas destaca que essa reflexão é levada a cabo pelos próprios cientistas, a partir de um interesse filósofico de problematizar a sua prática, ao contrário do que ocorreu no séc. XIX, quando se constatou uma verdadeira aversão a essa reflexão filosófica com a conseqüente produção de um conhecimento meramente técnico (SANTOS, 2001; p. 71).
A segunda faceta se concentra no fato da reflexão produzida por essas condições teóricas abranger da mesma forma questões sociológicas que, no paradigma newtoniano, fugiam da alçada do cientista (SANTOS, 2001; p. 71 e 72).
Percebemos, então, mais uma vez, a importância alcançada pela interdisciplinariedade no processo de produção do conhecimento e na sua própria aplicação, haja vista as referidas facetas sociológicas trazerem no seu bojo o reconhecimento, por parte do cientista, da função social que ocupa e da responsabilidade que isto acarreta.
3.2 O paradigma emergente
A análise do paradigma científico emergente não tem por objeto buscar soluções fáceis dentro de pessimismos reacionários ou de um volutarismo inconseqüente, mas sim procurar soluções, em regras, difíceis, a partir da identificação, em um primeiro momento, das representações mais abertas ou inacabadas do nosso tempo (Santos, 2001; p. 74).
Nesta perspectiva, afirma Santos (2001, p. 75, grifo nosso):
Isto significa, antes de mais, que só a partir da modernidade é possível transcender a modernidade. Se é verdade que a modernidade não pode fornecer a solução para excessos e défices por que é responsável, não é menos verdade que só ela permite desejá-la. De facto, podemos encontrar na modernidade tudo o que é necessário para formular uma solução, tudo menos essa solução.
Vale dizer, a modernidade nos dá algumas representações, ainda inacabadas ou incompletas em virtude do desavirtuamento do seu sentido, que são consideradas fundamentais para o paradigma emergente. Uma delas é o princípio da comunidade, constitutivo, na era moderna, do pilar regulação e que foi deixado de lado em decorrência da sobreposição do princípio do mercado.
Necessário esclarecer, até mesmo como premissa do trabalho de construção de um novo paradigma, que o paradigma emergente não tem como fulcro restabelecer o equilíbrio entre a regulação e emancipação, afinal esta seria um resposta moderna a um problema moderno, mas sim pender a balança a favor da emancipação, já que estamos a buscar a construção de novo paradigma, agora mais consciente do seu papel social e mais condizente com os problemas trazidos por um período pós-moderno.
A primazia do conhecimento emancipação, importante que se diga, alçará a solidariedade a condição de forma hegemônica do saber. Ao contrário da era moderna onde esta posição de hegemonia, dada a precedência do conhecimento regulação, era ocupada pela ordem (SANTOS, 2001; p. 79).
Uma outra transformação trazida pelo conhecimento emancipação, diretamente ligada ao pensamento aduzido anteriormente, refere-se à aceitação do caos enquanto constituinte do conhecimento, pois é partindo dele que adquirimos a consciência de que “(...) uma pequena causa pode produzir um grande efeito” (SANTOS, 2001, p. 79) e que o controle das causas não nos garante controle absoluto sobre as conseqüências, sendo necessário, então, o estabelecimento de conhecimento prudente. A prudência, ressalta Santos, é de difícil execução, pois só sabemos o que está em jogo depois que, de fato, já estiver em jogo (SANTOS, 2001, p. 80).
A pós-modernidade também questiona o unitarismo científico, forjado na sua essência pela filosofia positivista, tendo instituído um estatuto científico único, ao qual estavam sujeitas tanto as ciências naturais quanto as ciências sociais.
Segundo a doutrina positivista, a credibilidade necessária para se fundar um conhecimento objetivo estaria concentrada no uso, no curso do processo de investigação científica, de métodos mais precisos e confiáveis. A modernidade, então, mitifica o método, sendo aquele método único “(...)comum a todas as ciências, independentemente do grau de evolução que tenham atingindo e das circunstâncias histórico-culturais em que se processe sua elaboração” (MARQUES NETO, 2001, p. 65).
Nessa concepção, a sociologia positivista, embora reconhecesse a existência de diferenças entre as ciências sociais e naturais, considerou, por outro lado, que poderiam ser as mesmas desprezadas, forjando-se a partir daí o princípio de que não existiam diferenças qualitativas entre os fenômenos naturais e os fenômenos sociais, devendo estes últimos serem objeto de rigorosa investigação científica, que seria realizada partindo do pressuposto da desumanização do objeto (“fatos sociais deveriam ser analisados como coisas”) (SANTOS, 2000; p. 53, SANTOS, 2001; p. 83 e MARQUES NETO, 2001; p. 92).
A desumanização do objeto ou a sua coisificação foram instrumentos preciosos no processo de construção de um conhecimento instrumental e regulatório.
Essa visão, lançada pelo unitarismo moderno, iniciou um processo denominado etnocentrismo naturalista, que se caracterizava pela observação do estatuto científico através dos olhos da ciências naturais, permitindo, assim, a percepção do porque das ciências sociais não serem consideradas como tais.
Somente para referir algumas das diferenças traçadas entre ciências sociais e naturais, que impediam aquelas primeiras, na modernidade, de construírem um modelo científico próprio, destacamos, primeiramente, a afirmação de as ciências sociais, em virtude do caráter pouco geral de suas proposições, serem incapazes de formular alguma lei.
Leciona Marques Neto que a distinção em parte é correta, haja vista as ciências sociais, em decorrência da complexidade maior do social, não conseguirem elaborar proposições com um grau muito elevado de generalidade. Por outro lado, afirma o autor que o desenvolvimento relativamente recente das ciências sociais também contribui para este fato, mas, mesmo com essas ressalvas, não há por que se afirmar que as ciências naturais são exatas e as sociais meramente probalísticas, pois, lembra Marques Neto (2001, p. 98)., “(...)as ciências naturais são também probalísticas, no sentido de que suas predições não são absolutas, mas retificáveis”.
Um outro critério de distinção é aquele que leva em conta a maior objetividade das ciências naturais. No entanto, como bem frisa Marques Neto, é um equívoco considerar que as ciências naturais são isentas de todo um conteúdo ideológico ou político. Um exemplo disso foram as restrições de caráter ideológico realizadas na extinta União Soviética ou mesmo as pesquisas desenvolvidas na Alemanha nazista objetivando demonstrar a superioridade da raça ariana (MARQUES NETO, 2001; p. 99).
O terceiro critério distintivo firma o entendimento que as ciências naturais têm um caráter explicativo e descritivo, enquanto as ciência sociais trazem um caráter compreensivo.
Esse critério surge diante da impossibilidade encontrada pelas ciências sociais em controlar o seu objeto e submetê-lo a testes experimentais. No entanto, há que se observar que a experimentação muitas vezes não é possível nem nas próprias ciências naturais e, além disso, resta evidente que as ciências naturais têm mais recursos para fornecer algum tipo de explicação, todavia isso não quer dizer que as ciências sociais não possam “(...)oferecer explicações para os fenômenos que constituem o seu objeto, dentro dos limites do instrumental teórico e metodológico utilizado no trabalho de pesquisa” (MARQUES NETO, 2001; p. 100).
Vale esclarecer, todavia, que os critérios distintivos aqui apresentados, que buscam estabelecer uma distinção entre as ciências sociais e as ciências naturais, não têm por objetivo apontar, na visão adotada pelo modelo tradicional, que cada uma detém um estatuto científico diferenciado, mas sim demonstrar que as ciências sociais, ao não se adequarem ao modelo científico preconizado pelas ciências naturais, não podem ser consideradas como ciência.
Tanto é assim, que a grande obsessão dos cientistas sociais na modernidade foi adequação dos pressupostos metodológicos de cada ciência àqueles determinados pelo modelo elaborado pelas ciências naturais.
No campo da ciência jurídica, podemos mencionar o naturalismo jurídico de Pontes de Miranda. Para este autor não havia diferença substancial entre ciências naturais e ciência sociais, na medida em que todos os fenômenos são naturais. Afirma o eminente jurisconsulto: “O Direito é ciência natural como qualquer outra. E somente como ciência natural é que ele é digno das cogitações, do tempo, do zelo e da dedicação de espíritos contemporâneos” (MIRANDA apud MARQUES NETO, 2001; p. 160).
Nesse mesmo passo, coadunando a sua teoria ao mito da neutralidade e do método científico, defende o seguinte, verbis: “Não é com o sentimento, nem com o raciocínio puro, que deve trabalhar o legislador, ou o cientista do Direito: o que se lhe exige é raciocinar objetivamente, e induzir segundo o método científico” (MIRANDA apud MARQUES NETO, 2001; p. 160).
Segundo Santos (2000, p. 64)., o movimento de denúncia do etnocentrimo naturalista começa a ser possível com base em duas condições da sociologia da ciência, litteris:
(...)o fim da inocência das ciências naturais a partir do pós-guerra e a emergência de uma consciência social crítica sob o impacto do desenvolvimento tecnológico na criação de alienação social, na destruição do meio ambiente e no agravamento das desigualdades entre países centrais e países periféricos.
Afirma, ainda, o renomado sociólogo português que o paradigma emergente é também caracterizado pela não existência de dualismo e que a utilização pelas ciências naturais de conceitos, metáforas, teorias e analogias das ciências sociais denota uma aproximação entre as ciências, favorecendo, assim, a caminhada rumo a construção de um paradigma social.
No entanto, entendemos que há a necessidade de se estabelecer, evidentemente não aprioristicamente, uma distinção entre os dos grandes campos das ciências, a final
(...) mesmo que não houvesse diferenças qualitativas entre essas matérias, os enfoques teóricos e metodológicos das ciências sociais, haveriam de ser diversos das ciências naturais, pois diversos são os pontos de vista sob os quais cada ciência estuda a realidade, e diversos são os problemas que elas formulam e buscam. (MARQUES NETO, 2001; p. 109).
O contrário implicaria na construção de uma novo estatuto científico único, com a conseqüente sobreposição de um dos campos das ciências sobre o outro, o que nos levaria uma novo concepção etnocentrista, causando, assim, danos substanciais ao paradigma emergente ora proposto.
Uma outra consideração necessária a cerca do paradigma pós-moderno, parte da afirmação de Santos de que “todo conhecimento é autoconhecimento”, pensamento este que vai de encontro à distinção epistemológica e empírica entre sujeito e objeto (SANTOS, 2001; p. 50).
Segundo o mencionado autor, “a ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistémico mas expulso-o, tal como a Deus, enquanto sujeito empírico” (SANTOS, 2001; p. 50). A explosão desse relação dicotômica entre sujeito e objeto possibilitou, mesmo nas ciências naturais, uma diminuição do distanciamento social existente, podendo ser considerado o objeto a continuação do sujeito, o que conduziu, por sua vez, ao reconhecimento de que todo o conhecimento é autoconhecimento, vez que nenhum trabalho científico poderá deixar de observar, pressupostos metafísicos, sistema de crenças e juízos de valor.
O reconhecimento de que todo conhecimento é autobiográfico parte concepção de que, no curso de uma pesquisa científica, nós não deixamos de lado as nossas trajetórias de vidas pessoais, as nossas crenças ou sistemas de valores, reforçando, assim, a idéia já esposada de que cada pesquisador constrói o seu objeto de conhecimento sem abandonar toda uma carga ideológica ou política. É como afirma Santos (2001, p. 84, grifo nosso):
No paradigma emergente, o carácter autobiográfico do conhecimento-emancipação é plenamente assumido: um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos.
Uma outra questão a ser levantada é a dupla ruptura epistomólogica, aspecto importante na construção do paradigma emergente boaventuriano, e que concerne ao retorno de um senso comum transformado.
O senso comum, enquanto conceito filosófico, deu a sua largada no séc. XVIII. E representava o combate ideólogico da burguesia ascendente contra o irracionalismo do ancien régime, tendo sido desvalorizado e considerado um conhecimento superficial e ilusório a partir da ascensão burguesa ao poder, já no séc. XIX (SANTOS, 2000, p. 36).
Adotando uma perspectiva racionalista, realizou a ciência moderna uma ruptura com todas as outras formas de conhecimento, incluindo-se e entre estas o senso comum, já que considerava este último falso e ilusório.
O paradigma pós-moderno, todavia, tenta reabilitar o senso comum, na medida em que reconhece ness’a forma de conhecimento virtualidades capazes de enriquecer a nossa visão de mundo.
Diante disso, a dupla ruptura epistemológica se caracteriza pelo rompimento com a primeira delas, ocorrida com o advento da modernidade, objetivando com isso o estabelecimento de um novo senso comum e de um novo conhecimento científico.
Portanto, a ruptura que ora se produz não tem por fulcro romper com a totalidade do estatuto científico moderno, como foi realizado, em tese, pelo rompimento produzido pelo advento da modernidade, mas sim apontar a necessidade, assim entendemos, do reconhecimento de outras formas de conhecimento, em especial o senso comum, o que já destacamos como fundamental em uma paradigma transdisciplinar, que não objetiva o estabelecimento de verdades absolutas pautadas em um modelo científico rígido e arredio a mudanças. Neste sentido, imperioso é observarmos as lições trazidas por Santos (2000, p.41, grifo nosso), in verbis:
(...) uma vez feita a ruptura epistemológica com o senso comum, o ato mais importante é a ruptura com a ruptura epistemológica. (...) a dupla ruptura não significa que a segunda neutralize a primeira e que, assim, se regresse ao status quo ante, à situação anterior a primeira ruptura. (...) A dupla ruptura epistemológica tem por objeto criar uma forma de conhecimento, ou melhor, uma configuração de conhecimentos que, sendo prática, não deixe de ser esclarecida e, sendo sábia, não deixe de estar democraticamente distribuída.
É esse processo, ressaltamos, que possibilita ao conhecimento-emancipação a produção de senso comum emancipatório, que tem como finalidade romper com o senso comum mistificado da modernidade, valorizando, portanto, a sua dimensão utópica e libertadora (Santos, 2001a, p. 107 e 108).
Este senso comum transformado traz consigo três dimensões, que são consideradas fundamentais por Santos.
A primeira delas, a dimensão da solidariedade, tem por objetivo a desconstituição da ética liberal, que se encontrava confinada ao espaço contíguo e um tempo imediato, funcionada em uma seqüência linear: um sujeito, uma ação, uma conseqüência (Santos, 2001a, p. 111).
O princípio da solidariedade firma a idéia da impossibilidade da existência de seqüências lineares, haja vista vivermos em uma época em que a cada dia se torna mais difícil determinar “(...)quem são os agentes, quais as ações e quais as conseqüências” (Santos, 2001a, p. 111). Esse princípio nos coloca no centro de tudo e nos torna responsáveis pelo outro, partindo daí o entendimento de que “toda responsabilidade é co-responsabilidade (...)” (Santos, 2001a, p. 113).
Essa dimensão da solidariedade vem a se coadunar com toda a perspectiva lançada pelo paradigma emergente, na medida em que se assenta na noção de respeito ao outro e da responsabilidade do cientista, social ou natural, na produção do conhecimento.
Uma outra dimensão que compõe o senso comum transformado, agora de ordem política, é a da participação, que visa uma repolitização global da vida coletiva.
Essa dimensão participativa vem motivada pela limitação, ou neutralização, do ideal democrático na era moderna.
Os conceitos de democracia, no geral, são constantemente direcionados ao seu aspecto meramente representativo, cabendo ao Estado, composto por representantes escolhidos pelo povo, direta ou indiretamente, determinar todas as políticas sociais e econômicas a serem aplicadas, sem que houvesse nenhuma intervenção por parte da sociedade civil.
Esse monopólio interpretativo do Estado somente pode ser interrompido pela ativa participação da sociedade civil. O conceito de democracia, portanto, não se restringe ao seu aspecto meramente representativo, mas se estende ao aspecto participativo, o qual restou esquecido no curso da modernidade.
A terceira e última dimensão é a estética, sendo que esta é caracterizada pela introdução do prazer, da paixão e da retórica – expulsos pela ciência moderna em decorrência da necessidade de manutenção de dualismos como aquele existente entre sujeito e objeto – no paradigma emergente.
É necessário frisar que essa dupla ruptura epistemólogica implica na percepção de que todo o conhecimento científico deve se converter em senso comum, ou seja, na análise de Mauro Noleto (1998, p. 115), “(...)é preciso que este conhecimento possibilite a sua compreensão no universo social em que se aplicam seus postulados e preceitos”.
Este anseio de produzir um conhecimento científico, que não se restringe à própria ciência, é manifestamente admitido por Santos quando firma a necessidade de fazermos perguntas simples, capazes, por si só, de trazerem “(...)luz nova à nossa perplexidade” (Santos, 2001; p. 59). Seguindo esse caminho cita o sociólogo português as respostas trazidas por Rousseau, diante de questionamentos lançados pela Academia de Dijon, litteris:
(...)o progresso das ciências e das artes contribuirá para purificar ou para corromper os nossos costumes? (...) para lhes dar resposta (...) Rousseau fez as seguintes perguntas não menos elementares: há alguma relação entre a ciência e a virtude? Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que partilhamos com os homens e mulheres da nossa sociedade pelo conhecimento científico por poucos e inacessível para à maioria? Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática? Perguntas simples a que Rousseau responde, de modo igualmente simples, com um redondo não (SANTOS, 2001, p. 59)
Atrevemo-nos a dizer que, as respostas para estas perguntas continua a ser um vigoroso e vergonhoso não.
O novo paradigma que ora se propõe, assim entendemos, adota as perguntas acima citadas como objetivo. É a busca de um paradigma que terá como fundamento essencial o redescobrimento e a valorização da pessoa humana, a despeito da redução da sociedade a um conceito meramente econômico e tecnológico. É como afirma Santos (2001b, p.57):
A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida.
Como se vê, o paradigma emergente que se inicia, pautado em idéia de transição paradigmática, não objetiva o rompimento total com o paradigma dominante. Pelo contrário mas também não tenta encontrar dentro da modernidade respostas para problemas pós-modernas, ainda mais diante da insuficiência do paradigma dominante para tratar de problemas contemporâneos.
A aplicação do paradigma moderno pelo modelo capitalismo conduziu a construção de uma estrutura estratificada e voltada exclusivamente para aqueles que estavam no seu topo. A redefinição do capitalismo ,a partir do advento da sociedade de informação, não introduziu um conceito mais social e humano no paradigma vigente, mas sim forneceu novos instrumentos de dominação, os quais permanecerem perfeitamente adequados ao ideal perpetuado desde o séc. XIX.
Alguns entendem, no entanto, que um dos motivos para o surgimento da pós-modernidade é o advento do pós-industrialismo, além da própria sociedade de informação, os quais teriam inscrito na já desgastada matriz moderna uma nova percepção de mundo.
Muito embora estivesse o paradigma moderno diretamente associado ao desenvolvimento capitalista, em especial após o séc. XIX, a desconstituição do modelo industrial, enquanto modo de produção dominante, não implica dizer que a modernidade chegou ao seu fim, pois, como se viu, o capitalismo, mais hegemônico do que nunca, foi capaz de se coadunar com novos instrumentos, como a necessidade da produção de conhecimento, o que conduziu a uma maior industrialização da ciência.
Não obstante reconheçamos que o advento da sociedade pós-industrial tenha possibilitado uma rediscussão do paradigma dominante, a crise da modernidade foi anunciada pela impossibilidade de tratar de questões sociais prementes (estratificação social, industrialização da ciência, danos ao meio ambiente, exclusão social, entre outros), aos quais foram motivadas, inclusive, pela própria era moderna.
O conceito de pós-modernidade, que aqui defendemos, tem em vista a necessidade da construção de um paradigma prudente para uma vida decente, ou seja, resta fundamental que a ciência, em qualquer de suas grandes áreas, reconheça o seu papel social.
O Direito também não foge a essa regra.
Esse processo de construção de um novo paradigma implica em uma transformação substancial do Direito e, em particular, do Direito privado.
O Direito Civil, antes símbolo de um ideal patrimonialista e individualista, parte, doravante, da premissa de que é fundamental, frente à necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana, o firmamento de um novo paradigma, agora social, capaz de integrar e preservar, ao invés de destruir e separar.
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[1] Enquanto o fordismo se traduzia numa filosofia de desenvolvimento capitalista o taylorismo significava a sua forma de organização, notadamente nas grandes fábricas produtoras de bens em série e em larga escala.
Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Maranhão; Professor Universitário/Especialista em Ciências Penais - UNISUL/LFG Cidade: São Luís (MA)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Aureliano Coelho. Pressupostos para a construção de uma Teoria Crítica Pós-Moderna Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 set 2009, 10:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18391/pressupostos-para-a-construcao-de-uma-teoria-critica-pos-moderna. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
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Por: isabella maria rabelo gontijo
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