Co-autor: TELMO DE ALENCASTRO VEIGA FILHO: Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Goiás – UCG; Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Goiás – UCG; Especialista em Direito Público pela Universidade Católica de Goiás – UCG; Professor de cursos de aperfeiçoamento jurídico; Advogado militante na área de Direito Civil, com escritório sediado em Goiânia-GO.
RESUMO: A lei 8.952/94 instituiu entre nós, de forma genérica, o instituto da tutela jurisdicional antecipada. É notório que tal instituto jurídico já era de nosso conhecimento, porém aplicado única e exclusivamente, em determinadas ações e procedimentos especiais dispostos por lei. Um dos exemplos de tutela antecipada em procedimentos especias, são ações possessórias, mais especificadamente e que nos interessa: as ações de reintegração e manutenção de posse. Para a concessão de liminares nesses casos especiais, necessário se faz uma interpretação comum dos arts. 924 e 928, ambos do Código de Processo Civil. Entretanto, com o advento da tutela antecipatória genérica, prevista atualmente no art. 273 do Digesto Instrumental, este instituto de extrema relevância, pode-se agora ser aplicado a qualquer procedimento ou rito desde que preenchido os requisitos estabelecidos no referido artigo, sem prejuízo das antecipações específicas encontradas, como já faladas, nos procedimentos especiais.
PALAVRAS-CHAVE:Tutela antecipada genérica; ação de reintegração e manutenção de posse; posse velha; aplicabilidade.
1 INTRODUÇÃO
Os assuntos que modestamente aqui serão tratados, ocupam um vasto campo de estudo em nosso direito, pois insurgem-se nos institutos da propriedade, da posse, das ações interditais, como a ação de reintegração de posse e manutenção de posse, assim como a antecipação dos efeitos da tutela. Para tanto, mister se faz o estudo singular de tais institutos jurídicos, com enfoque reflexo de cada um para o tema proposto, a fim de formular uma tese objetiva, elaborada num raciocínio lógico, culminando na conclusão que no momento defendemos como a mais acertada.
Desse modo, o presente trabalho de conclusão de curso tem como escopo demonstrar a importância de um estudo aprofundado do instituto da tutela jurisdicional antecipada, nas chamadas ações interditais, ou seja, nos interditos possessórios. Entretanto, como o próprio tema do trabalho se apresenta, o enfoque será dado à ação de reintegração e manutenção de posse, sucumbindo com o chamado interdito proibitório, vista que por nós considerado de duvidosa relevância.
Os motivos que levaram a realização da presente pesquisa são plurais, haja vista que tais ações são de uso cotidiano dos operadores do direito, tal como o instituto da tutela jurisdicional antecipada.
Indubitável é que, nas ações interditais, há a denominada tutela específica, prevista no Código de Processo Civil, no art. 928, do Livro IV do Capítulo V que trata das ações possessórias. Entretanto, a título de elucidação, a tutela específica entabulada nos arts. 924 e 928, ambos do Digesto Processual, é limitada à chamada “posse de ano e dia”, ou como denominado pela doutrina, “posse nova”.
Assim, o que se procura demonstrar, são as consequências processuais, quando este lapso temporal estiver extrapolado, isto é, quando de fato já ocorrer a chamada “posse velha”, ou como queiram a doutrina e jurisprudência, posse mais de “ano e dia”.
Os pontos do trabalho que merecem maior atenção são concernentes a aplicabilidade da tutela antecipada, prevista no art. 273 do Código Instrumental, nas ações de reintegração e manutenção de posse, bem como no fato de se já estar configurada a posse velha, há algum impedimento processual ao uso do referido instituto.
Contudo, é necessário analisar os requisitos indispensáveis à concessão da tutela antecipada, tais como a prova inequívoca capaz de convencer o magistrado da verossimilhança da alegação, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o abuso do direito defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, de forma a viabilizar, de maneira inconteste, a aplicação deste instituto nos casos susos.
Também no presente oportuno, procuraremos desmistificar os pseudo-impedimentos de ordem técnico-processual, levantados por alguns doutrinadores, defendendo de maneira fundamentada a possibilidade de aplicar a tutela antecipada genérica nas ações de manutenção e reintegração de posse.
2 CONCEITO DE POSSE
A importância do presente trabalho resvala-se tanto na cultura agrarista, na qual o direito de propriedade é praticamente absoluto, quanto nas inovações da sistemática processual, introduzidas pelas leis n.º 8.952 de 13 de dezembro de 1.994 e lei n.º 10.444 de 08 de maio de 2002, que serão oportunamente estudadas.
Primeiramente, é de vital importância, adentrar no instituto da posse, momento este que serão destacados os efeitos e algumas classificações da posse, pois assim pode-se compreender melhor a utilidade das ações possessórias.
O direito civil pátrio adotou a teoria objetiva de Ihering, na qual a posse possui como elemento apenas o “corpus”, rejeitando em parte, a teoria subjetiva e Savigny, na qual sustenta como elementos da posse, tanto o “corpus”, quanto o “animus”[1].
Não há no Código Civil de 2002 (Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002), uma definição do que vem a ser posse, entretanto, o art. 1.196 do mesmo diploma, praticamente repetindo o art. 485 do Código Civil de 1916 (Lei n.º 3.071 de 1º de janeiro de 1.916), conceitua o que vem a ser possuidor, estabelecendo, simplificadamente, que “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade”.
Para a clássica doutrina, a exemplo do douto professor Washington de Barros Monteiro[2], posse significa o “exercício de fato dos poderes constitutivos do domínio, ou propriedade, ou de alguns deles somente, como no caso de direito real sobre a propriedade alheia”.
Nota-se na definição acima estampada a palavra “domínio”, isso porque o correto conceito seguiu o preceito do art. 485 do Código Civil de 1916, que detinha tal substantivo no corpo da norma, de forma que o doutrinador levou-o em consideração, quando da elaboração da referida definição. Cumpre obtemperar, que não houve mudança no pensamento do legislador, apenas corrigiu o conceito de possuidor, quando da confecção do novo art. 1.196 do Digesto Cível de 2002, retirando a palavra “domínio”.
Denota-se esse entendimento nas palavras do ilustre deputado federal Ricardo Fiuza[3], que leciona da seguinte maneira:
“Assinala-se que o teor do dispositivo é, praticamente, o mesmo contido no art. 485 do CC de 1916, apenas com a supressão da palavra “domínio”, tornando-se assim a redação mais técnica e correta, tendo-se em conta que a expressão rechaçada é limitada aos bens corpóreos, enquanto a posse, como situação potestativa sócio-econômica de projeção no plano fatual do mundo jurídico nele, pode refletir-se, tendo por objeto bens semi-materiais ou semi-incorpóreos”.
Após sucinta explanação da teoria adotada pelo Código Civil pátrio, concerente a posse, bem como sua definição conforme se extrai do conceito de possuidor, passa-se então a analisar a classificação da posse.
Esta classificação se dá de várias formas, vista que a posse pode ser direta ou indireta, justa ou injusta, de boa ou má-fé, velha ou nova. No oportuno, duas classificações nos interessam primeiramente, as chamadas posse nova e posse velha, ou posse de menos de ano e dia ou mais de ano e dia, respectivamente.
Novamente observam-se os ensinamentos do douto prefessor Washington de Barros Monteiro[4], que assim leciona: “Essa distinção é de grande importância no tema da proteção possessória, como será examinado na ocasião oportuna, cabendo salientar apenas, neste ensejo, ser bastante obscura a história do direito a propósito da fixação desse prazo”.
É unânime a doutrina em desconhecer a origem correta deste lapso temporal de ano e dia, sabe-se tão somente que advém do direito romano e luso-brasileiro[5]. Concomitante também é o entendimento convergente concernente à importância desta chamada “idade da posse”.
A idade da posse, ou seja, se a posse vertida em determinada lide pode ser considerada velha ou nova, significa dizer ao operador do direito, como se verá, qual medida cabível ao caso concreto, uma vez que os procedimentos liminares não se assemelham. Nossa sistemática processual nos permite afirmar que há uma ficção jurídica relativa à perda da posse, em se tratando de posse nova, uma vez que o possuidor somente perderá juridicamente a posse (haja vista que de fato já a perdeu), caso não a restabeleça plenamente no prazo máximo de ano e dia, seja pelas vias da autotutela, desde que faça logo (§1° do art. 1.210 do Diploma Civil), ou através dos interditos possessórios (arts. 920 e segs. do Código de Processo Civil).
Num segundo plano, a posse justa e injusta também nos interessa, vista que, como ensina Humberto Theodoro Júnior[6], esta classificação:
“[...] é decisiva para que o possuidor possa obter ou não a tutela dos interditos possessórios: trata-se da que vem contida no art. 1.200 do CC/2002, e que prevê a existência de posse justa e injusta. Somente a posse justa é que desfruta da proteção possessória”.
O art. 1.200 do mesmo diploma afasta qualquer dúvida a respeito da distinção entre posse justa ou injusta, assim preceituando: “é justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”. Dessa forma, é de fácil conclusão que, posse injusta, é aquela violenta, clandestina ou precária.
Esta posse injusta, que desautoriza a proprositura de um dos interditos possessórios, também não é absoluta, vista que tal injustiça, somente obsta a titulariedade do novo possuidor injusto, face ao antigo possuidor, pois em relações aos demais, certamente poderá valer-se dos institutos possessórios.
Calha ressaltar, ainda, que posse e propriedade são institutos distintos, com elementos e características próprias. Propriedade, segundo o Código Civil, mais precisamente o art. 1.228, tal como ocorre com a posse no art. 1.196, não está definida com exatidão, porém, fala-se em proprietário, ou seja, ambos os casos – tanto na posse e quanto na propriedade - os legisladores recorreram-se aos sujeitos dos institutos jurídicos, a fim de explicá-los, senão vejamos: “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
Com tudo já visto, pode-se tranqüilamente afirmar que, propriedade é nada mais nada menos, do que o direito constitucional (art. 5º, XXII) que o indivíduo tem de usar, gozar, dispor de seus bens e reavê-los de quem injustamente os possua ou detenha.
Este instituto jurídico é de indubitável importância, tanto que o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Carlos Roberto Gonçalves[7], afirma que o direito de propriedade “trata-se do mais completo dos direitos subjetivos, a matriz dos direitos reais e o núcleo do direito das coisas”.
Esta distinção é de nosso notório interesse, devido ao fato de que não há se falar em propriedade ou domínio, quando da propositura das ações interditais, vista que, tais ações têm o condão de restabelecer ou manutenir o autor na posse, não na propriedade, que deve ser requerida por outras vias, distintas dos interditos possessórios, e que no oportuno não compreendem o objeto do presente trabalho.
Tanto é verdade que o autor da ação interdital, não tem que provar domínio da propriedade, mas tão somente se possuía a posse, e foi esbulhado, no caso de reintegração de posse, ou se ainda a possui, porém mediante turbações, no caso de manutenção de posse.
Sobre posse, ainda resta falar sobre os efeitos, sendo que o mais importante e único que interessa ao presente trabalho, é o de ter o possuidor a faculdade de invocar os interditos possessórios (art. 1.210 e seguintes do Código Civil), que, “latu senso” são seis: ação de reintegração de posse, ação de manutenção de posse, ação de interdito proibitório, ação de imissão de posse, embargos de terceiro ou possuidor e por fim, ação de nunciação de obra nova.
Essa classificação, apesar de representar de maneira ampla todos os interditos possessórios, não expressa para melhor doutrina o que realmente pode-se denominar como ações interditais, pois o Código de Processo Civil, define assim, apenas as ações de manutenção e reintegração de posse, e o interdito proibitório, bem como se percebe no Livro IV, do Capítulo V, Seção I, II e III, deste diploma processual.
No próximo item serão melhores estudadas as ações interditais, destacando neste oportuno uma série minúcias que merecem nossa atenção.
3 DAS AÇÕES INTERDITAIS
Classificar as ações interditais não é tarefa fácil, vista que vários são os renomados autores que entendem de forma diversa quanto o que é ou não ação interdital. Para a corrente seguida por Washington de Barros Monteiro[8] e Antenor Batista[9], dentre outros, o termo interdital, pode ser estendido para as chamadas: ação de imissão na posse, ação de nunciação de obra nova e embargos de terceiro “senhor e possuidor”.
Já para a corrente na qual corroboramos, cujas teses foram encabeçadas pelos doutos Joel Dias Figueira Jr.[10], Antônio Carlos Marcato[11], Carlos Roberto Gonçalves[12] e Francisco Antonio Casconi[13] entendem que as ações interditais se resumem em três, quais sejam: ação de reintegração de posse, ação de manutenção na posse e interdito proibitório.
Em verdade, essas três últimas ações são denominadas, de forma predominante pela doutrina, como ações possessórias típicas ou puras, porquanto buscam a posse com fundamento no fato jurídico da posse.
O conflito de interpretação existente entre os doutrinadores, baseia-se na tutela pretendida pela parte, por vezes o que notamos não se trata exclusivamente de posse, mas sim de propriedade/domínio, tal como ocorre na ação de depósito, na ação de nunciação de obra nova, na ação de imissão na posse e nos embargos de terceiros.
Destaca-se tal idéia nas palavras do doutor Joel Dias Figueira Jr.[14], pois assenta que não existem outras ações de natureza possessória, vista que:
“os remédios exclusivamente possessórios são aqueles que têm por escopo principal a tutela de uma determinada situação de fato e com fulcro exclusivamente no ius possessionis, variando de acordo com a finalidade específica perseguida, ou, mais precisamente, o petitum tendo em consideração a causa petendi. Em síntese, o que pretende o autor da demanda é ser mantido, em caso de turbação ou diante de justo receio de vir a sofrer atos espoliativos ou turbativos iminentes, ou restituído, na hipótese de esbulho, denominados, respectivametne, ação de manutenção, interdito proibitório e de reintegração de posse”.
Diante do exposto, deixemos tal discussão a respeito dos pormenores de tais institutos para o momento oportuno.
4 PECULIARIDADES DAS AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO E MANUTENÇÃO DE POSSE
Todos os requisitos à propositura das ações de manutenção e reintegração de posse, estão expressamente previsto no art. 927 e seus quatro incisos, os quais denotam os seguintes pressupostos que somam aos já previstos de forma genérica no art. 282 e 283, ambos do Diploma Instrumental: a posse; a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; a data da turbação ou do esbulho; a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, a perda da posse, na ação de reintegração.
Já foi mencionado que as ações possessórias foram geograficamente colacionadas, pelo legislador, no Livro IV do Código de Processo Civil, ou seja, que trata “Dos Procedimentos Especiais”. Permite-se dizer então, que certas peculiaridades serão encontradas nesses procedimentos, tanto que foram denominados de especiais. Algumas dessas específicidades foram demonstradas em parágrafos pretéritos, tais como os requisitos previstos no art. 927, que compreendem os pressupostos indispensáveis à proprositura das possessórias.
Outra distinção desse procedimento especial em relação aos procedimentos comuns – ordinário e sumário -, diz respeito à liminar a que tem direito o autor das ações interditais. A rigor, trata-se mais que uma mera faculdade do magistrado, mas sim, poder/dever de conceder a liminar quando pleiteada pelo autor, e comprovados os requisitos exigidos no art. 927 do Código de Processo Civil.
As restrições, entretanto, existem e partem do princípio da convicção racional e motivada do juiz, que se pode notar nas palavras de Francisco Antônio Casconi[15]:
“A apreciação da prova compete ao juiz, que, no entanto, deve oferecer decisão motivada, sob pena de nulidade. [...] No que tange ao poder que tem o juiz ao examinar a peça inaugural e documentos, a fim de verificar a presença dos requisitos necessários à concessão da liminar, a matéria não envolve verdadeiro arbítrio judicial, mas o princípio segundo o qual o convencimento judicial é livre, embora necessariamente racional”.
Assim podemos afirmar que no caso em tela, o arbítrio cabe ao autor da demanda que tem a faculdade de pleitear ou não a liminar, conforme sua conveniência e interesse. Ao juiz compete tão somente analisar as provas trasladas aos autos, e verificar, se as mesmas preenchem os requisitos estipulados nos arts. 924 e 927, ambos do Código de Processo Civil.
Tais assertivas podem ser facilmente comprovadas quando interpretamos literalmente os artigos 926 e 928, ambos do Código de Processo Civil. No art. 926 já citado, o legislador utilizou-se da palavra direito, aqui podendo ser interpretada como “faculdade”, ou seja, “o possuidor tem a faculdade de ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho”. Nesse oportuno cabe ressaltar o princípio da inércia da jurisdição, vez que se o autor não pleitear a referida liminar, não poderá ser deferida pelo magistrado, pois caso ocorra, será passível da anulação, por afrontar incontestadamente, a sistemática jurídica pátria. Concernente ao art. 928 do digesto processual cível, o legislador não conferiu a mesma faculdade ao juiz, haja vista utilizou-se da palavra “deferirá”, isto é, condicionou a liminar a apreciação das provas trazidas aos autos pelo autor, devendo, caso estejam em consonância com os preceitos estabelecidos para a concessão da liminar, concedê-la.
Inobstante a faculdade conferida pelo legislador ao autor da demanda possessória, o mesmo não se pode falar que ocorreu em face ao réu. Esta discussão se envereda entre os operadores do direito, o que torna inevitável que também seja aqui discutida.
Sobre o assunto Ladislau Karpat[16] pondera: “[...] a lei não autoriza a concessão da antecipação da tutela em favor do réu, na contestação, na defesa de sua posse. [...] É que réu, não veio antes a juízo reclamar qualquer ato de turbação ou esbulho recente. Por esta razão, não seria viável apenas nesta oportunidade, em contestação se colocar de tal sorte que necessite desta antecipação da tutela, que sequer cogitou de defender como autor”.
Faz sentido esta discussão, tendo por base o preceito do art. 922 do Código de Processo Civil, que autoriza o réu, em sede de contestação, alegar que foi ele o ofendido na posse, concomitante pleitear em seu favor a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos causados por atos de turbação ou esbulho do autor.
Trata-se do que a doutrina denomina de caráter dúplice das ações possessórias, uma vez que em tais procedimentos especiais, dispensada está a reconvenção - meio de defesa posto a favor do réu no procedimento comum, consistente na formulação de pedidos deste (réu) em desfavor do autor cuja natureza é de ação - aceitando como visto, que o réu no corpo da própria contestação, formule tais pedidos, porém, restrito por força do art. 922 do Código de Processo Civil, impossibilitando, portanto, pleito concernente à liminar.
Pois bem, já explicadas algumas peculiaridades do procedimento especial de reintegração e manutenção de posse, voltemos ao núcleo do presente trabalho, qual seja, a tutela jurisdicional antecipada nas referidas ações.
5 TUTELA JURISDICIONAL ANTECIPADA - BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
O Código de Processo Civil Pátrio sofreu desde sua publicação original, inúmeras alterações, nas quais foram incluídos e alterados alguns institutos jurídicos. A “primeira reforma” processual relevante, ocorreu com a publicação da Lei n.º 8.952 de 13 de dezembro de 1994, que instituiu entre nós o instituto da antecipação da tutela, de forma genérica, vista que de forma específica, já se vislumbrava em procedimentos especiais, como na ação possessória de força nova (art. 924 e 928, ambos do Código de Processo Civil), na ação de despejo (art. 59, §1º da Lei n.º 8.245 de 18 de outubro de 1991), a Liminar do art. 84, §3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990) e etc.
O douto juiz Carlos Eduardo Ferraz de Mattos Barroso[17] e doutor em processo civil, expõe em sua obra o que acabamos de demonstrar, afirmando da seguinte forma: “essa antecipação dos efeitos da tutela, hoje autorizada em qualquer procedimento comum, já existia em nossa legislação, sob forma de especialização de determinados procedimentos, como por exemplo das ações possessórias e na ação especial de alimentos”.
As idéias que influenciaram na elaboração de um arcabouço de propostas para alteração do referido diploma processual, conforme o doutrinador João Batista Lopes[18] leciona, deu-se como objetivo fundamental, “a agilização, a simplificação e a desburocratização do processo, entre as quais: a) modificação na prova pericial; b) introdução da tutela antecipada e da tutela específica; c) alteração do regime do agravo de instrumento; d) inclusão, no sistema, da ação monitória etc”.
Como notadamente se vislumbrou nos parágrafos pretéritos, a antecipação da tutela foi inserida no contexto do ordenamento jurídico-processual pátrio, a partir da reforma entabulada pela Lei n.º 8.952 de 13 de dezembro de 1994. Contudo, cumpre obtemperar, a segunda fase da reforma processual, encabeçada pelo ilustre ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, o que na ocasião do ano de 2000, foram submetidos ao Legislativo Federal três projetos de Lei – n.º 3.474, 3.475 e 3.476 – sendo prontamente aprovados com tímidas e reservadas alterações, convertendo-se nas Leis: Lei n.º 10.352 de 27 de dezembro de 2001, Lei n.º 10.358 de 27 de dezembro de 2001 e Lei n.º 10.444 de 08 de maio de 2002.
Como bem ensina o desembargador e professor Sidnei Agostinho Beneti[19]: “não se trata, a rigor, de segunda reforma, mas, de prosseguimento da reforma iniciada, de forma que, verdadeiramente, se cuida do seguimento da primeira reforma do sistema processual”. Das leis supra citadas, a única que diz respeito ao tema tutela antecipada é a Lei n.º 10.444 de 08 de maio de 2002, que acrescentou os parágrafos sexto e sétimo no art. 273 do Código de Processo Civil.
Feitas breves obervações históricas sobre a origem do instituto da tutela jurisdicional antecipada no ordenamento jurídico tupiniquim, resta-nos ainda, adentrar nos requisitos legais para sua concessão pelo magistrado.
6 REQUISITOS PREVISTOS NO CAPUT DO ART. 273, PARA A CONCESÃO DA TUTELA ANTECIPADA GENÉRICA
Extrai-se na redação do caput do art 273 do CPC, as primeiras exigências da lei, que serão estudadas distintamente a fim de melhor elucidá-las, para tanto, necessário se faz redigir o artigo supra:
“Art. 273. O juiz poderá (1), a requerimento da parte (2), antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial (3), desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação (4) e:”
A primeira observação que se nota é o ítem de número um (1), assinalado quando redigimos o artigo supra, afirmando que “o juiz poderá”. O resto do texto não precisa ser citado, vez que foi por esta economia que redigimos a integralidade do caput do art. 273.
A melhor interpretação a ser feita, certamente não é a literal, tal como fizemos anteriormente quando da análise dos arts. 926 e 928, ambos do Código de Processo Civil. Isso porque se assim o fizermos, cairemos em desgraça na interpretação, pois o legislador, ao que tudo indica, não alterou toda a sistemática processual vigente até a promulgação da Lei n.º 8.952 de 13 de dezembro de 1994, para facultar ao juiz a possibilidade de concessão da tutela antecipada, explica-se.
Mesmo que essa fosse a intenção do legislador, atualmente o significado fora alterado tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, senão vejamos o que os doutrinadores entendem:
Sergio Sahione Fadel[20] ensina: “A interpretação simplesmente literal do caput do art. 273 do Código de Processo Civil, especialmente da sua oração principal:
[...] o juiz poderá ... antecipar ... os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, certamente conduzirá o intérprete a equívoco”. [...].
“Não é essa, com efeito, a correta exegese do texto. Embora esteja ali utilizado o verbo auxiliar poder, isso apenas significa que integra as atribuições do magistrado a entrega dessa prestação jurisdicional antecipada, cujo deferimento, porém, não é faculdadde nem poder discricionário do juiz”.[...]
A dose de discrição do julgador é mínima, já que o legislador, embora aludindo a poder, apenas vinculou a tutela antecipada à presença, no caso concreto, dos requisitos que justificam sua concessão”. (Destaque nosso).
Carlos Roberto Feres[21] completa brilhantemente este raciocínio afirmando: “É nessa hora que o julgador deverá sopesar os princípios da efetividade de jurisdição com o da segurança jurídica (ampla defesa e contraditório) para não ser acusado de arbitrário, por uns, e de tímido, por outros”.
O ítem de número dois (2) “a requerimento da parte”, é um apanágio ao Princípio da Inércia da Jurisdição, vez que “a concessão da tutela antecipada depende, porém, ex vi legis, de pedido da parte, sendo defeso ao juiz deferi-la de ofício[22]”. Há, entretanto, discussão a respeito se a parte ré pode, em sede de contestação, pleitear tutela antecipada. Nosso entendimento, como já fora expendido, é de que não seja possível tal pleito, porém, nem todos pensam assim, restanto democraticamente lançar mão de uma tese contrária a nossa posição, a fim de submenter a presente, a correntes antagônicas.
Renomado doutrinador, doutor e advogado Luiz Guilherme Marinone[23] expõe seu entendimento com clareza da seguinte forma:
“Não há dúvida de que o autor ou o réu reconvinte podem requerer a tutela antecipatória. Como é sabido, muito embora tratada pelo CPC como espécie de resposta do réu, a reconvenção nada mais é do que uma uma ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo processo por esse instaurado. O réu faz pedido e requer tutela jurisdicional. Ora, se é assim, ou seja, se a reconvenção é a ação do réu, está o reconvinte autorizado a requerer a antecipação da tutela”.
Ainda segue afirmando: “também nas ações dúplices é possível ao réu requerer a tutela antecipatória”.
Não obstante a tal posicionamento, resta-nos afirmar que o ponto de maior interesse para o presente trabalho, está no explícito princípio da inércia da jurisdição, do princípio da adstrição do juiz ao pedido e o princípio da iniciativa da parte.
Quanto ao ítem de número três (3): antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, não há grandes divagações a serem feitas a respeito. Apenas significa dizer que o magistrado, a requerimento da parte, pode não só antecipar parcialmente os efeitos da tutela pretendida pela parte, como também pode deferí-lo, no todo.
No ítem quatro (4), desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação, significa dizer que o autor deverá embasar seu pedido em prova documental inconteste. Em verdade, há séria impropriedade nas palavras escolhidas pelo legislador, vez que o que é inequívoco, é o mesmo que exato, correto, passando uma certeza tamanha, que somente será alcançada em sentença transitada em julgado.
Por outras palavras, a redação preceitua que o autor deverá instruir sua petição inicial com documentos idôneos, capazes por si só, de convencerem o juiz da verossimilhança de suas alegações.
Segundo praticamente a unânimidade dos doutrinadores entendem que:
“a expressão prova inequívoca da verossimilhança é, no mínimo, contraditória. A mais correta interpretação dada aos requistios é a de juízo de probabilidade de acolhimento das alegações pelo autor em sua inicial; é mais forte do que uma simples possibilidade, inerente às liminares cautelares, mas menos contundente do que a certeza, esta só obtida com o desenvolvimento completo do processo e a prolação da sentença definitiva de mérito (cognição exauriente)[24]”.
Para melhor elucubrar o que vem a ser prova inequívoca e verossimilhança, que na verdade tratam-se de dois requisitos distintos, socorremo-nos aos ensinamentos do douto Carlos Roberto Feres[25], no qual afirma que:
“prova inequívoca é prova segura, evidente, robusta – não absoluta, que às vezes inexiste mesmo após a instrução do feito [...] Surge, daí, a necessidade de verificar o outro requisito, que é a verossimilhança da alegação, ou seja, o julgador há de estar convencido de que a prova inequívoca produzida é válida, real, existente, bem como de que, com base nela, o autor faz jus ao direito que pleiteia”.
É notório que ambos os requisitos são extremamente correlatos, e suas aplicabilidades práticas remontam a idéias de interdependência, restando ao magistrado, quando examiná-los, verificá-los concomitantemente, a fim de fundamentar a concessão ou a negação da tutela jurisdicional antecipada, sob pena de nulidade (art. 165, Código de Processo Civil e art. 93, IX, da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988).
7 REQUISITOS PREVISTOS NOS DOIS INCISOS DO ART. 273, PARA A CONCESÃO DA TUTELA ANTECIPADA GENÉRICA
Analisados os requisitos do caput do art. 273, resta-nos agora, fazer o mesmo em relação aos dois incisos que são parte integrante do referido artigo:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Estes incisos são de extrema importância para a concessão da tutela antecipada, pois a última palavra do caput do art. 273 é a vogal “e”, ou seja, além dos requisitos já estudados, o autor terá ainda que provar a existência de um dos dois requisitos previstos nos incisos supra, para garantir-lhe o direito ao instituto em comento.
Em sucintas palavras Carlos Roberto Feres[26] afirma, categoricamente, que “as hipóteses dos incisos I e II não configuram requisitos cumulativos para a antecipação da tutela”.
A sistemática legislativa moderna, a qual pode citar como exemplo o Código de Defesa do Consumidor, é alicerçada nas chamadas cláusulas gerais e conceitos abertos, podendo a nomenclatura variar conforme o doutrinador. Há distinções nos institutos citados, mas o que nos interessa para o momento, é que ambos significam que os institutos juríricos não têm mais a prentensão de colacionar todos os atos e fatos da vida, aplicando a lei, de maneira genérica, impondo aos jurisdicionados e aos operadores do direito, o que se pretende tutelar.
Nota-se tal método legislativo quando observamos o inciso I do art. 273, pois como bem ensina João Batista Lopes[27]:
“[...] as expressões dano irreparável e difícil reparação são exemplos do que, em doutrina, se chamam conceitos jurídicos vagos ou indeterminados.
Os conceitos indeterminados, como o próprio nome está a indicar, são os que não possuem conteúdo perfeitamnte definido ou delimitado, ficando, por isso, na dependência de interpretação flexível do juiz ajustada à natureza das coisas, segundo as circunstâncias do caso concreto”.
Ainda continua: “não há critérios rígidos para determinação do conteúdo dessa expressão, devendo o juiz guiar-se pelas máximas de experiência, pelo bom senso e pela equidade”.
Podemos desenvolver a idéia tomando por base os pressupostos para concessão das liminares nas ações cautelares, onde é indispensável o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”. No oportuno da tutela antecipada, o inciso I do art. 273 significa o “periculum in mora” das cautelares, tanto que a jurisprudência vem se mantendo em citar tal semelhança.
Concernente ao inciso II do art. 273, também não foi feliz o legislador ao escolher as palavras para confeccionar o referido inciso. Os doutos se posicionam novamente em unânimidade confirmando nossa posição. Isso ocorre porque a expressão “abuso de direito de defesa” é no mínimo contraditória, para não dizer de extrema atecnicidade.
Ora, como aceitar um direito de defesa abusivo? Uma coisa não coexiste com a outra, ou estaremos diante do direito – ato, portanto lícito – ou enfrentamos o abuso – ato ilícito -, de antemão, não é nosso objetivo discutir tal desiderato, nem mesmo perfunctoriamente, vez que não possuimos tal tema como objeto deste trabalho.
8 DA APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA TUTELA JURISDICIONAL ANTECIPADA GENÉRICA NAS AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO E MANUTENÇÃO DE POSSE
Basta para nós, sabermos que todas as hipóteses dos arts. 14, IV e 17, ambos do Código de Processo Civil, configuram o preceito do inciso II do art. 273, do mesmo diploma. Outras regras existem, e estão previstas nos sete parágrafos do referido artigo, e se necessário, serão estudadas conforme nossa tese for avançando no raciocínio.
Contudo, exposta fica a questão da problemática do presente trabalho de conclusão de curso, pode-se aplicar a tutela jurisdicional antecipada, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, nas ações de reintegração e manutenção de posse, em se tratanto de posse velha?
Como visto, o ordenamento pátrio prevê duas formas de antecipação de tutela, uma específica para determinadas ações ou procedimentos especiais, já demonstrados anteriormente, e outra genérica, cujos requisitos são distintos e aplicam-se a todos os ritos e procedimentos.
Há autores que defendem a aplicabilidade da tutela antecipada somente em processo cognitivo. A exemplo se pode citar Carlos Eduardo Ferraz de Mattos Barrosso[28], entendendo que “essa antecipação dos efeitos da tutela, hoje autorizada em qualquer procedimento comum, já existia em nossa legislação, sob forma de especialização de determinados procedimentos [...]”. Destaque nosso.
Existem julgados do Superior Tribunal de Justiça que remontam tal idéia, senão vejamos:
“a tutela é cabível em toda ação de conhecimento, seja a ação declaratória, seja constitutiva (negativa ou positiva), condenatória, mandamental, se presentes os requisitos do art. 273, CPC. (STJ, 5ª Turma Julg., Medida Cautelar n.º 4.205 – MG-Agravo Reg., Rel. Min. José Arnaldo, julgamento de 18/12/2001, negaram provimento, DJU de 04/03/2002, pág. 271).
Em contra partida, há quem defenda que a tutela seja aplicada em todos os ritos e procedimentos, e para defender essa posição a qual nos filiamos, cita-se Antonio Carlos Marcato[29] nas seguintes palavras: “Com a alteração do art. 273 do CPC ampliaram-se as oportunidades para concessão da tutela antecipada, que pode ser requerida em qualquer hipótese submetida a procedimento comum ou especial, não mais se limitando aos casos específicos anteriormente previstos”.
Mesmo para os que entendem somente ser aplicada a tutela antecipada nos procedimentos comuns, nada os impedem de adotar nossa tese, pois o art. 924, expressamente determina que as ações de reintegração e manutenção de posse, cujos esbulhos ou turbações respectivamente, ocorram a mais de ano e dia, deverão ser processadas pelo rito ordinário, e, sendo assim, pelas regras a ele aplicadas, a exemplo, as hipóteses de tutela antecipada.
A nosso ver, cabe ao autor da ação a observância dos requisitos de uma medida ou de outra, digo, se for posse nova, o pleito inicial deverá ser em conformidade com o previsto no art. 928 do Código de Processo Civil, porém, caso este lapso temporal esteja extrapolado, o pleito deverá ser feito com fulcro no art. 273, também do Código de Processo Civil, desde que obedecendo a seus requisitos próprios.
A preocupação tem lastro, porque vários são os posicionamentos que insistem em negar a possibilidade de antecipação da tutela em casos de ações de reintegração e manutenção de posse, em que o lapso temporal de ano e dia extrapolou-se.
Quem defende esta corrente, em que pese os doutos como Olívio Baptista da Silva e Ladislau Karpat, posicionam-se contrários à aplicabilidade da tutela antecipada nas ações interditais de força velha, porque consideram inaceitável alguém preencher o disposto no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil, depois de ter passado o prazo de ano e dia.
Elegemos as palavras de Ladislau Karpat[30] para falar em nome dos que comungam de tal idéia:
“[...] com efeito, os defensores dessa corrente à qual me filio defendem a posição que, para obteção da A. T. após o decurso do prazo previsto no procedimento especial, faltariam os requisitos do inciso I do art. 273 do CPC. É que se a medida liminar não foi necessária em ano e dia, é porque certamente o dano na demora não seria irreparável”.
Curioso, é que certamente de maneira equivocada, apesar de reconhecermos seu talento e posição, Ladislau Karpat, em sua respeitável obra já citada no presente trabalho, “Tutela antecipada na defesa da posse e da propriedade imóvel” pág. 65, fundamenta sua tese concernente a inaplicabilidade da tutela antecipada nas ações possessórias de força velha, utilizando das palavras do douto Joel Dias Figueira Jr.[31] quando, desenvolvendo um raciocínio que culminará em nosso posicionamento, afirma:
“[...] diante da previsão expressa de concessão de tutela interdital urgente, por intermédio de procedimento especial, a obtenção desse resultado satisfativo importaria em inaceitável burla ao próprio sistema. Significa dizer que, se o autor não teve necessidade urgente de, no prazo de ano e dia, recuperar ou manter-se liminarmente na posse do bem, objeto do esbulho ou turbação, com maior razão não apresentará interesse jurídico algum em atingir o mesmo resultado, desta feita por intermédios de vias transversais, utilizando-se do contido no inc. I art. 273, que tem por base o perigo de dano a ser rechaçado. [..]”.
Defendendo nossa tese, podemos citar os nomes: Nélson Nery Jr.[32] e Sérgio Sahione Fadel[33], também remetemos às palavras do festejado mestre Joel Dias Figueira Jr.[34] que, em continuação ao raciocínio redigido por Ladislau Karpat como visto no parágrafo anterior, por sua vez acostado em outro jurista, agora Arruda Alvim, afirma:
“[...] em sede de possessória, se decorrido o prazo de ano e dia sem que a demanda de rito especial tenha sido ajuizada, os fundamentos de fato e de direito ensejadores da pretensão à obtenção da tutela antecipatória não mais serão aqueles elencados nos arts. 499, 506 e 523 do CC, em harmonia com os arts. 926, 927 e 928 do Código Instrumental, mas agora deverão estar de acordo com os requisitos estabelecidos no art. 273”.
Calha ressaltar, que a obra em comento, do douto Joel Dias Figueira Jr., data do ano de 1999 e, por isso, das citações em relação ao Código Civil de 1916, de forma que para melhor entendimento, somente o art. 499 do Código Civil de 1916 foi novamente repetido, sofrendo ainda algumas alterações, e hoje corresponde ao art. 1.210 do Código Civil de 2002. Porém, sua tese continua autêntica e vigente, pois os artigos citados que não foram repetidos no Código Civil de 2002, de nada alteram a tese defendida pelo mestre.
A jurisprudência tem-se manifestado a favor de tal desiderato, ou seja, favorável à aplicabilidade do instituto da tutela antecipada genérica, nas ações interditais de força velha, senão vejamos:
EMENTA: "Agravo de Instrumento. Possessória. Competência. Tutela antecipada. Requisitos. 1 - as ações que discutem a posse de imóveis entre particulares, sem qualquer relação com os entes previstos no art. 109 da Constituição Federal, são da competência da justiça comum estadual. 2 - demonstrando a plausibilidade de verossimilhança quanto ao direito alegado, a prova inequívoca do fato alegado, a possibilidade de danos irreparáveis ou de difícil reparação, os requisitos pré-citados no art. 273 do CPC, o ato jurisdicional que fundamentadamente concede a tutela antecipada não merece censura. Agravo de Instrumento Conhecido e Improvido." (TJ/GO, 1ª Câmara Cível Julgadora. DJ de 04/06/2004, n.º 14.285, Acórdão de 27/04/2004, Des. Rel. Vitor Barbosa Lenza, Ag. de Inst. n.º 34528-0/180, Proc: 200301710753, Comarca: Goiânia-GO). (negrito nosso).
EMENTA: "Agravo de Instrumento. Ação de manutenção de posse. Decisão revogando o despacho de concessão de manutenção de posse liminarmente. I- ilegal não é a decisão que revoga despacho de manutenção liminarmente, na posse, datada de 16-02-91, que se pretende cumpri-la quatro anos depois. II- a decisão determinando a imissão do autor na posse, em ação possessória e, sem dúvida, antecipação de tutela. o art. 273, § 4º do CPC, com a nova redação imprimida pela lei 8.925/94, deixa ao alvedrio do juiz antecipar ou revogar a tutela, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. III - recurso conhecido e improvido. Decisão unânime". (TJ/GO, 2ª Câmara Cível Julgadora, DJ de 05/11/1996, n.º 12.427, Acórdão de 26/09/1996, Des. Rel. Gonçalo Teixeira e Silva, Ag. de Inst. n.º 10002-0/180, Comarca: Niquelândia-GO). (negrito nosso).
Primeiramente, cabe lembrar novamente, que os incisos contidos no art. 273 do Código de Processo Civil não são cumulativos, isto é, não carece que o autor preencha os dois para que possa obter o provimento jurisdicional desejado. A tese contrária a admissão da tutela antecipada nas ações estudadas, já se encontra infrutífera só por esse argumento, entretanto, merece-se tecer mais comentários.
Cumpre obtemperar, que a norma é abstrata, e não podemos generalizá-la. Dentro das centenas de milhares de fatos e atos da vida em sociedade, seria uma incongruência admitir que se uma pessoa não ajuizou a proteção possessória para lhe assegurar uma pretensão dentro do ano e dia, é porque já não mais se aperfeiçoará o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, disposto no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil.
Além do mais, cabe em qualquer caso, ao magistrado, examinar se realmente estão preenchidos os pressupostos exigidos em lei (art. 273, § 1º do Código de Processo Civil), o que torna o instituto ainda mais confiável, não podendo rechaçá-lo, apenas por causa de um lapso temporal, que, diga-se de passagem, nem mesmo abrange seu conteúdo.
Outro ponto, diz respeito à Lei de Introdução ao Código Civil, que prerroga no § 2º do art. 2º, que “a lei nova, que estabelece disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. Assim, é essa a regra de hermenêutica que deve ser aplicada ao art. 273 do referido Diploma Cível, instituidor da tutela jurisdicional antecipada genérica no ordenamento jurídico pátrio, a par das especiais já existentes.
Assim sendo, não há qualquer impedimento que possa afrontar a aplicabilidade da tutela antecipatória nas ações de reintegração e manutenção de posse, independentemente da posse que haja ocorrido em caso concreto, com exceção à posse nova, pois nesse caso, até por conveniência, o autor deve pleitear em juízo a liminar possessória, cujos quesitos são mais fáceis de se preencher.
Com o exposto, cabe ao autor da ação, quando se tratar de posse nova, atentar-se ao pedido, haja vista que é inaceitável o magistrado, ex officio, mudá-lo. Para tanto, necessário se faz fundamentar a petição inicial com fundamento no art. 928 do Código de Processo Civil, porém, se se tratar de posse velha, remeta-se o pedido com fulcro no art. 273 do Código de Processo Civil.
9 CONCLUSÕES FINAIS
Depois de vasta argumentação, resta-nos apenas confirmar a questão que pairava quando da elaboração do presente trabalho, qual seja: é aplicável a tutela antecipada nas ações possessórias de força velha? A resposta como vimos é sim.
Os motivos são vários. Notamos que por força do art. 924 do Código de Processo Civil, caso a ação seja ajuizada após o prazo de ano e dia, contados do esbulho ou turbação, o rito será o comum, ordinário. Assim, como o instituto da tutela antecipada, incluído de forma genérica em nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 8.952 de 13 de dezembro de 1994, pode ser aplicada em todo e qualquer procedimento e rito, demonstrado está que nada impede que o seja, em relação às ações de reintegração e manutenção de posse.
Óbvio que o autor da ação possessória de força velha, caso queira alguma tutela de urgência, terá que adequar seu pedido, agora, ao art. 273 do Código de Processo Civil, cujos requisitos são mais rigorosos do que os exigidos para a concessão das liminares possessórias.
Por fim, não há no processo civil, ou em nenhuma outra legislação extravagante, qualquer impedimento de ordem técno-processual, capaz de impossibilitar a aplicabilidade do referido instituto nas ações supracitadas, configurando-se aí, uma nova visão aos operadores do direito, que na prática lidam com as matérias vertidas no presente trabalho.
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[1] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Direito das Coisas. 36 ed., V. 3, São Paulo: Saraiva, 2000, págs. 16 e 17.
[2] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Direito das Coisas. 36 ed., V. 3, São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 18.
[3] FIUZA, Ricardo. Novo código civil. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, pág. 1.094.
[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Direito das Coisas. 36 ed., V. 3, São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 30.
[5] FIGUEIRA Junior, Joel Dias. Liminares nas ações possessórias. 2 ed., São Paulo: RT, 1999, pág. 263.
[6] THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 31 ed., V. III. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 115.
[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 6 ed., V. 3, São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 84.
[8] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Direito das Coisas. 36 ed., V. 3, São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 43.
[9] BATISTA, Antenor. Posse, possessória, usucapião e ação rescisória. 2 ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, pág. 37.
[10] FIGUEIRA Junior, Joel Dias. Liminares nas ações possessórias. 2 ed., São Paulo: RT, 1999, págs. 70 e 76.
[11] MARCATO, Antonio Carlos, Coord. Código de processo civil interpretado. 1 ed., São Paulo: Atlas, 2004, pág. 2.401.
[12] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 6 ed., V. 3, São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 32.
[13] CASCONI, Francisco Antonio. Tutela antecipada nas ações possessórias. 1 ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, pág. 25.
[14] FIGUEIRA Junior, Joel Dias. Liminares nas ações possessórias. 2 ed., São Paulo: RT, 1999, pág. 70.
[15] CASCONI, Francisco Antonio. Tutela antecipada nas ações possessórias. 1 ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, pág. 42.
[16] KARPAT, Ladislau. Tutela anteicpada na defesa da posse e da propriedade imóvel. 1 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, págs. 57 e 58.
[17] BARROSO, Carlos Eduardo F. de Mattos. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 3 ed., V. 11, São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 125.
[18] LOPES, João Batista. Tutela antecipada no Processo Civil Brasileiro. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 6.
[19] BENETI, Sidnei Agostinho. A segunda fase da reforma processual. Caderno de Doutrina da Associação Paulista de Magistrados. Jul./Ago. 1999. In: Tutela antecipada no Processo Civil Brasileiro. João Batista Lopes. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 8.
[20] FADEL, Sergio Sahione. Antecipação da tutela no processo civil. 2 ed., São Paulo: Dialética, 2002, págs. 26 e 27.
[21] FERES, Carlos Roberto. Antecipação da tutela jurisdicional. 1 ed., São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 26.
[22] CARREIRA ALVIM, J. E. Tutela antecipada. 3 ed., Curitiba: Juruá, 2003, pág. 37.
[23] MARINONE, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 8 ed., São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 172.
[24] BARROSO, Carlos Eduardo F. de Mattos. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 3 ed., V. 11, São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 127.
[25] FERES, Carlos Roberto. Antecipação da tutela jurisdicional. 1 ed., São Paulo: Saraiva, 1999, págs. 55 e 56.
[26] FERES, Carlos Roberto. Antecipação da tutela jurisdicional. 1 ed., São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 50.
[27] LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 71 e 72.
[28] BARROSO, Carlos Eduardo F. de Mattos. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 3 ed., V. 11, São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 125.
[29] MARCATO, Antonio Carlos, Coord. Código de processo civil interpretado. 1 ed., São Paulo: Atlas, 2004, pág. 790.
[30] KARPAT, Ladislau. Tutela anteicpada na defesa da posse e da propriedade imóvel. 1 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, págs. 67.
[31] FIGUEIRA Junior, Joel Dias. Liminares nas ações possessórias. 2 ed., São Paulo: RT, 1999, pág. 204.
[32] NERY Junior, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 3 ed., São Paulo: RT, 1997, pág. 964.
[33] FADEL, Sergio Sahione. Antecipação da tutela no processo civil. 2 ed., São Paulo: Dialética, 2002, pág. 113.
[34] FIGUEIRA Junior, Joel Dias. Liminares nas ações possessórias. 2 ed., São Paulo: RT, 1999, pág. 205.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Fernando de Paula Gomes; VEIGA FILHO, Telmo de Alencastro. Antecipação da Tutela Jurisdicional nas Ações de Reintegração e Manutenção de Posse de Força Velha. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 12 out. 2009. Disponível em: . Acesso em: ___/___/___.
Graduado em Direito pela PUC/GO; Especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Público pela PUC/GO; Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC/GO; Professor convidado de Direito Civil e Processo Civil da PUC/GO; Professor efetivo de Direito Civil e Processo Civil da Faculdade Cambury; Professor de cursos de aperfeiçoamento jurídico nas áreas de Direito Civil e Processo Civil; Ex-professor de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Estadual de Goiás - UEG; Palestrante e Advogado militante na área de Direito Civil com escritório sediado em Goiânia-GO.
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