A aquisição de condições dignas para subsistência do cidadão após a inatividade é um anseio que assola toda a sociedade. Vivemos ainda a fase em que os proventos de aposentadoria mostram-se, muitas vezes, insuficientes para o atendimento das necessidades básicas do aposentado, que, não raro, vê-se obrigado a buscar outras fontes de renda, que lhe permitam melhorar sua condição econômica.
Nesse contexto, a desaposentação surge como uma alternativa para o servidor inativo que busca a melhoria de suas condições econômicas, mediante o ingresso em novo cargo público, sem incidir na vedação de acumulação de cargos públicos.
Através da liberação do tempo abrangido pela antiga aposentadoria, busca-se, como direito do servidor, a aquisição de uma nova aposentadoria mais vantajosa.
Não obstante seja o instituto amplamente aceito pela doutrina e jurisprudência, a ausência de previsão legal dificulta seu estudo e aplicação, que ainda não possui uma delimitação clara sobre os efeitos da desaposentação para o servidor, motivo pelo qual a desaposentação é muitas vezes negada pelos órgãos da Administração Pública.
1. Da aposentadoria
Aposentadoria é o “direito garantido pela Constituição, ao servidor público, de perceber determinada remuneração na inatividade” (CARVALHO FILHO, 2003, p. 543).
Com efeito, a aposentadoria constitui um direito fundamental do servidor público, previsto no art. 40 da Constituição Federal, que após o cumprimento do período e das condições previstas no ordenamento passa a ter o direito a receber do Estado determinado valor durante a inatividade.
A concessão da aposentadoria é materializada por meio de um ato administrativo vinculado, emanado pelo Estado no exercício de suas funções, tendo por finalidade reconhecer uma situação jurídica subjetiva do servidor. No contexto do Estado Social, é ato que emana do Poder Público em sua função típica, de forma vinculada, reconhecendo o direito do beneficiário. (IBRAHIM, 2005, p. 33).
Com a mestria que lhe é peculiar a Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 413) esclarece que o ato de aposentadoria, em verdade, não é uma concessão do Estado, mas um direito que é assegurado ao agente público, formalizado através de um processo de reconhecimento de sua aquisição pelo interessado. Sob esse prisma, a aposentadoria visa garantir os recursos financeiros indispensáveis ao beneficiário, de natureza alimentar, quando este já não tenha condições de obtê-los por conta própria.
Não se trata, contudo, de nenhum privilégio, favor ou condescendência do Estado, mas, sim, de um direito fundamental do servidor-trabalhador garantido pela Carta Magna como uma das formas de se assegurar a dignidade da pessoa humana.
Desta feita, a concessão da aposentadoria constitui uma prerrogativa constitucional do servidor formalizada através de um ato administrativo emanado pelo Estado, em conseqüência do preenchimento dos requisitos legais.
Discorrendo sobre o direito à aposentadoria, afirma Roseval Rodrigues da Cunha Filho:
Aposentadoria constitui direito personalíssimo, pelo que não se admite sua transação ou transferência à terceiros a qualquer título, sendo vedada a sua cessão a qualquer título. Não significa, necessariamente que a aposentadoria seja um direito indisponível pelo seu titular (CUNHA FILHO, 2003, p. 8).
Corroborando o entendimento quanto à natureza disponível do direito à aposentadoria, Roberto Luis Luchi Demo aduz que “a aposentadoria é direito subjetivo e patrimonial posto ser ontologicamente direito disponível, decorrente da relação jurídico-previdenciária” (DEMO, 2003, p. 23 apud CUNHA FILHO, 2003, p. 9.).
Segundo essa linha de entendimento, a aposentadoria como direito subjetivo e personalíssimo de seu titular diz respeito única e exclusivamente ao seu beneficiário, sendo, desta forma, um direito renunciável, já que preenchidos os requisitos legais, o servidor público pode ou não a vir exercê-lo.
Costa Júnior (1998) observa que atendidos os requisitos legais terá o trabalhador direito à aposentadoria, bastando, para isso, que ele manifeste sua vontade, por meio de requerimento dirigido à autoridade competente. Assim, aposentadoria, quando alcançada, passa a ser um direito patrimonial do trabalhador e, sendo ele o legítimo titular desse direito, poderá dele dispor, como melhor lhe aprouver, no exercício do seu livre arbítrio.
A propósito, releva mencionar que no julgamento do Resp 692628/DF, nosso colendo Superior Tribunal de Justiça manifestou-se expressamente no sentido de que a aposentadoria é direito patrimonial disponível do servidor público, passível, portanto, de renúncia.
Coelho (2000) ressalta, ainda, que na qualidade de direito personalíssimo, disponível, o ato de disposição do benefício de aposentadoria pertence ao inativo, não comportando ingerências do Estado, motivo pelo qual seu deferimento independe da anuência da Administração.
Em sentido oposto, cumpre destacar o entendimento adotado por Colnago (2005, p. 793 apud KRAVCHYCHYN, 2007) no sentido de que o ato de aposentadoria, na qualidade de ato jurídico perfeito, possui caráter irrenunciável, somente se admitindo sua retirada do ordenamento jurídico, em razão do princípio da paridade das formas, por outro ato administrativo com requisitos idênticos e mediante expressa permissão legal.
Posicionamento análogo restou defendido pela Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais (2003), em face do pedido de renúncia à aposentadoria apresentado por servidor estadual, almejando a posse em cargo inacumulável na esfera federal, em Parecer assim ementado:
RENÚNCIA DE APOSENTADORIA - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA - RESPEITO AOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - OBEDIÊNCIA AO ATO JURÍDICO PERFEITO E PRESERVAÇÃO DA SEGURANÇA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1998 - PRECEDENTES DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO - PROVIMENTO DO RECURSO OFICIAL RELATÓRIO.
De acordo com o entendimento perfilhado pela referida Advocacia-Geral do Estado, tendo sido reconhecidos os direitos de determinado servidor público para apuração de seus proventos, o ato de formalização da aposentadoria configura-se em ato jurídico perfeito, sendo inadmissível sua alteração de forma unilateral pelo servidor, que ensejaria não apenas a violação ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, mas igualmente aos princípios da legalidade, moralidade e, ainda, ao planejamento fiscal público.
Assim, ao argumento de violação ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica, os defensores do caráter irrenunciável da aposentadoria sustentam a impossibilidade de sua desconstituição dar-se por ato unilateral do aposentado, dependendo, portanto, da anuência da Administração (CARDOSO, 2007).
De fato, adverte Ibrahim (2005, p. 43) que a negação das prerrogativas do ato jurídico perfeito viola a segurança jurídica levando o servidor à condição de eterna insegurança, caso seu benefício pudesse ser revisto a qualquer tempo ou até mesmo diante do deferimento, meramente abdicativo, da renúncia dos proventos de aposentadoria sem que disso advenha disso qualquer benefício ao servidor.
Desta forma, a renúncia à aposentadoria somente se apresentaria perfeitamente viável, quando realizada por ato voluntário do servidor e em seu benefício, como no caso da obtenção de uma aposentadoria mais vantajosa.
2. Da desaposentação
O conceito de desaposentação decorre de uma construção essencialmente doutrinária e jurisprudencial, especialmente em virtude da ausência de previsão legal do instituto (ARAÚJO, 2007, p. 1).
Segundo Coelho a desaposentação consiste no:
[...] direito de o aposentado renunciar à jubilação e aproveitar o tempo de serviço para nova aposentadoria. Logo, o escopo último do fenômeno jurídico desaposentação é, exatamente, o de outorgar ao jubilado a prerrogativa de unificar os seus tempos de serviços numa nova aposentadoria (COELHO, 2000).
Partindo para um conceito mais abrangente Castro e Lazzari definem a desaposentação como:
O ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário. Trata-se, em verdade, de uma prerrogativa do jubilado de unificar os seus tempos de serviço/contribuição numa nova aposentadoria (CASTRO E LAZZARI, 2006, p. 545).
Ibrahim (2005, p. 35) preleciona que a desaposentação se traduz na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição, com objetivo de melhorar o status financeiro do aposentado.
Sob esse enfoque, a desaposentação consiste na renúncia aos proventos da aposentadoria tendo como principal objetivo permitir ao beneficiário a utilização do respectivo tempo de serviço/contribuição para aquisição de nova aposentadoria mais vantajosa para o servidor no mesmo regime ou em regime diverso.
Lima (s.d) escreve que o intuito da desaposentação é exatamente o de liberar o tempo de contribuição computado para a aquisição da aposentadoria, de forma que esse tempo fique livre e desimpedido para averbação em outro regime ou no mesmo regime, em razão de o servidor continuar laborando após aposentar-se.
De acordo com Araújo (2007, p. 2) o objetivo primordial do instituto é propiciar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário, através da continuidade laborativa do segurado aposentado, utilizando-se das contribuições vertidas antes e após a aposentação. Não se trata, portanto, de cumulação de benefícios ou remuneração, mas sim da cessação de uma aposentadoria para que se possa dar continuidade à atividade laborativa do servidor para, posteriormente, dar-se início a outra aposentadoria.
Ressalta a mencionada autora que a doutrina apresenta posicionamentos divergentes, ora considerando a desaposentação como a desconstituição da aposentação com vistas a possibilitar o aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria no mesmo ou em outro regime, ora restringindo o conceito de restringindo a possibilidade de aproveitamento do tempo de contribuição somente quando a nova aposentadoria for em outro regime.
No sentido de limitar a desaposentação à hipótese de obtenção de uma nova aposentadoria em outro regime, leciona Cunha Filho:
Assim, tem-se a desaposentação como ato unilateral do aposentado, concernente no desfazimento voluntário da inatividade, aproveitando-se contudo o tempo de serviço no respectivo para jubilação em outro regime a que tenha se vinculado (CUNHA FILHO, 2003, p.12).
Sob outro contexto, Sarruf (2007) diferencia o direito à renuncia à aposentadoria, que consistiria num ato unilateral do beneficiário de não perceber seus proventos de inatividade, da desaposentação, propriamente dita, que seria a desconstituição do ato de aposentadoria, implicando necessariamente a sua extinção.
Segundo o autor, a renúncia seria mero ato de abdicação aos proventos de aposentadoria, motivo pelo qual não garantiam ao renunciante o direito de obter a contagem de tempo de serviço para ingresso em outro regime, a saber:
A renúncia não exerce poderes de desconstituição sobre o ato e tampouco consiste em instrumento adequado para se extinguir o vínculo existente entre o servidor e o ente público ao qual está ligado. Por conseqüência, não garante ao servidor-renunciante a obtenção de certidão de tempo de serviço para o fim de averbação em outro regime de previdência. A renúncia também não pode ser, de maneira alguma, considerada como meio de possibilitar o ingresso ou mesmo a investidura do servidor no serviço público.
Fundamentando seu posicionamento, o autor menciona a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro [1] no sentido de que a renúncia não revoga nem tampouco anula o ato de aposentadoria, que permanece íntegro em relação ao ente público, mas apenas retira do aposentado, a sua eficácia quanto à percepção dos proventos.
A jurisprudência predominante, entretanto, conforme veremos mais adiante em capítulo próprio, tem admitido a renúncia à aposentadoria, não apenas para fins da abdicação de seus efeitos patrimoniais, mas também nas hipóteses em que se deseja obter a contagem de tempo de serviço para obtenção de uma aposentadoria mais benéfica.
Importa salientar que a possibilidade de desaposentação encontra-se vinculada a melhoria econômica do servidor aposentado, sendo que seu objetivo deve nortear-se pela primazia do bem-estar do indivíduo e também de toda à sociedade (IBRAHIM, 2005, p. 39).
3. Da ausência de previsão legal para desaposentação
A ausência de previsão legal acerca da possibilidade da desaposentação tem sido um dos principais óbices para a concessão do benefício pela Administração Pública. Invocando aplicação do princípio da legalidade, comumente entende a Administração pela impossibilidade do desfazimento do ato de aposentadoria, haja vista a máxima de que “à Administração somente é licito fazer a aquilo que a lei prevê” (KRAVCHYCHYN, 2007).
Discorrendo acerca da necessidade de previsão legal para a desaposentação, pondera Sarruf:
Não se pode negar que o que se busca com a desaposentação é, em princípio, de iniciativa louvável, vez que os direitos sociais existem em favor de seus destinatários e, no caso específico do sistema da Seguridade Social, visa a proteção ao segurado. Por outro lado, também é incontestável que o mecanismo utilizado para tal consecução não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro, e admitir o instituto da desaposentação sem que haja tratamento legal adequado é violar a teoria do desfazimento dos atos administrativos (SARRUF, 2007).
De acordo como mencionado autor, na atual legislação previdenciária inexiste qualquer dispositivo que permita a desconstituição do ato concessivo da aposentadoria, o que, num primeiro momento, impede que a Administração Pública reconheça o ato de desaposentação. Nesse prisma, a aposentadoria somente poderia ser desfeita se estivesse eivada de algum vício. Deve-se considerar, ainda, que se a Administração não possui liberalidade para apreciar o ato no momento de sua edição, tampouco poderá fazê-lo posteriormente, salvo se houvesse autorização legal expressa.
A doutrina predominante, entretanto, defende que o princípio da legalidade estrita não pode ser invocado pela administração para restringir direitos dos administrados, uma vez que a existência do Estado não constitui um fim em si mesmo, e sim um meio para a satisfação das necessidades dos cidadãos cujo bem-estar constitui o verdadeiro fundamento de sua existência (IBRAHIM, 2005, p. 65).
Admitindo-se a existência útil do Estado, o mesmo deve perseguir o bem comum sob o risco do desmoronamento de suas bases instituidoras. Sua finalidade não deve ser dimensionada apenas do ponto de vista do indivíduo, mas de toda a coletividade. Visto isto, não é suficiente ao Estado proporcionar igualdade de condições para todos, mas também meios de sobrevivência que assegurem a dignidade humana.
Nesse sentido Coelho (2000) ressalta que o não reconhecimento de um direito público individual é relegar a um segundo plano os interesses do administrado, elevando o princípio da legalidade a um patamar tal, que implicaria em sobrepor os direitos e garantias fundamentais outorgados ao cidadão pelo Poder Constituinte, como, por exemplo, o erigido no inciso II do art. 5º da Lei maior de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”. Da mesma forma que à administração é vedado fazer tudo que não for permitido em lei, ao Administrado somente poderão ser impostas as restrições legalmente previstas.
Lima (s.d.) afirma que inexistindo no ordenamento norma impeditiva do direito à desaposentação não é permitido a Administração Pública, sob o enfoque de uma interpretação meramente restritiva do princípio da legalidade, negar ao servidor o direito a desaposentação, aduzindo:
O Poder Público distorce a correta aplicação do Princípio da Legalidade, uma vez que o administrado pode fazer tudo, desde que não proibido por lei; entretanto, a Administração Pública só fará aquilo que estiver previsto em lei, não podendo a Administração Pública impor ditames legais aos administrados, podendo somente impor suas restrições através de lei.
[...]
A ausência de previsão legal para o exercício das prerrogativas inerentes à liberdade da pessoa humana, não pode ser alegada pela Administração Pública como entrave à desaposentação, visto que cabe à pessoa, desde que perfeitamente capaz, julgar a condição mais adequada para sua vida, aposentado ou não (LIMA, s.d.)
Destacando a necessidade de o operador do direito, ante a ausência de norma legal, valer-se da legislação correlata e dos princípios que regem o ordenamento jurídico, preleciona Cunha Filho:
Não se pode falar em afronta ao princípio da legalidade que norteia a administração pública nos termos do citado artigo 37 da Lei Maior, ante à inexistência de norma específica pertinente à desaposentação, mesmo porque a complexidade das relações sociais impede a existência de uma norma para cada questão, razão pela qual deve o operador do Direito valer-se de legislação correlata, reitere-se, existente no que se refere ao tema em estudo e à todas as demais fontes do Direito, conforme preceitua inclusive a Lei de Introdução ao Código Civil e a legislação processual (CUNHA FILHO, 2003)
Ibrahim (2005, p.67) alerta que, em verdade, a pretensa falta de permissivo legal é ainda muito utilizada em razão da falta de interesse da Administração e até mesmo devido à perplexidade da Administrador perante o fato do aposentado desejar desaposentar-se. Não obstante seja a interpretação baseada na legalidade estrita, ressalta o autor, que infelizmente, numa interpretação “claramente equivocada” muitas vezes o Estado prefere negar direitos a adequar-se às novas demandas sociais.
Não admitindo a renúncia à aposentadoria, o Estado estará cerceando um direito constitucional fundamental do cidadão, que é o de buscar no trabalho e na melhoria de remuneração sua ascensão social (COSTA JÚNIOR, 1998).
Desta forma, a ausência de permissivo legal não deve constituir óbice para a desconstituição do ato de aposentadoria, não sendo lícito à Administração restringir o exercício de direitos, mormente quando o seu fim é beneficiar o segurado, constituindo o interesse público nada mais do que os interesses da coletividade.
4. Do reconhecimento dos tribunais do direito à desaposentação.
Não obstante o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha se pronunciado a cerca da possibilidade de o servidor renunciar sua aposentadoria com intuito de não incidir na acumulação indevida de cargo, a matéria já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, que, por diversas vezes[2], manifestou-se no sentido da possibilidade de renuncia da aposentadoria visando à nomeação em outro cargo público.
De acordo com o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, nos acórdãos referenciados, a renúncia à aposentadoria é perfeitamente possível, por ser ela um direito patrimonial e disponível do servidor. Isto posto, não há que se falar no indeferimento do direito à renúncia, haja vista que ela constitui uma liberalidade própria do aposentado.
Assim sendo, a Corte Superior tem perfilhado o entendimento pelo cabimento da contagem do respectivo tempo visando à obtenção de nova aposentadoria, ainda que em outro regime de previdência, ressaltando-se que a negativa da contagem do tempo vertido pelo servidor constitui uma flagrante injustiça aos direitos do trabalhador.
A título elucidativo, tem-se por oportuno trazer à colação as ementas dos seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE RENÚNCIA. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO. NÃO-OBRIGATORIEDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. EFEITOS EX TUNC DA RENÚNCIA À APOSENTADORIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
A renúncia à aposentadoria é perfeitamente possível, por ser ela um direito patrimonial disponível. Sendo assim, se o segurado pode renunciar à aposentadoria, no caso de ser indevida a acumulação, inexiste fundamento jurídico para o indeferimento da renúncia quando ela constituir uma própria liberalidade do aposentado. Nesta hipótese, revela-se cabível a contagem do respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. Caso contrário, o tempo trabalhado não seria computado em nenhum dos regimes, o que constituiria uma flagrante injustiça aos direitos do trabalhador.
(STJ - AGRESP 328101 - SC - Órgão Julgador: Sexta Turma – Relatora: Maria Thereza de Assis Moura - Data da decisão: 02/10/2008).
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA. RENÚNCIA. POSSIBILIDADE.CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente se firmado no sentido de que é plenamente possível a renúncia de benefício previdenciário, no caso, a aposentadoria, por ser este um direito patrimonial disponível.
2. O tempo de serviço que foi utilizado para a concessão da aposentadoria pode ser novamente contado e aproveitado para fins de concessão de uma posterior aposentadoria, num outro cargo ou regime previdenciário.
3. Recurso provido
(STJ - ROMS 14.624 - RS - Órgão Julgador: Sexta Turma – Relator: Hélio Quaglia Barbosa - Data da decisão: 30/06/2005).
Seguindo a orientação esposada pelo Superior Tribunal de Justiça, o Tribunais Regionais Federais da Primeira[3] e Quarta Região[4] já se manifestaram pela viabilidade do servidor renunciar sua aposentadoria, com a finalidade da contagem de tempo para fins da aquisição de uma aposentadoria mais vantajosa, no mesmo ou em outro regime.
Merecem relevo os acórdãos do Tribunal Regional da Segunda Região[5] que expressamente vêm admitindo o direito à desaposentação, ressaltando que a ausência de previsão para o instituto não constitui óbice para sua concessão, uma vez que inexiste no ordenamento qualquer vedação legal que impeça o servidor de renunciar o seu direito à aposentadoria.
Em sentido contrário, o Tribunal Regional da Quarta Região[6] já se pronunciou pela impossibilidade da renúncia à aposentadoria, sob o fundamento da existência de prejuízo financeiro para o INSS, tendo em vista a necessidade de compensação financeira entre os sistemas de previdência, no caso de contagem recíproca de tempo de serviço.
A teor da jurisprudência predominante sobre o tema, no entanto, tal entendimento mostra-se ultrapassado, não havendo como a Administração ignorar essa prerrogativa do servidor, que, através da contagem recíproca, pode muito bem desfazer-se de seu benefício atual visando a transferência para outro (IBRAHIM, 2005, p. 55).
O instituto da desaposentação encontra, ainda, o beneplácito do Tribunal de Contas da União, que ao analisar a possibilidade de cancelamento do registro do ato de aposentadoria de servidor público, visando sua renúncia para fins da contagem de tempo e obtenção de novo benefício, assim tem se pronunciado:
APOSENTADORIA. RENÚNCIA PARA CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO JÁ PRESTADO PARA FIM DE NOVA APOSENTADORIA. CANCELAMENTO DO REGISTRO DO ATO.
[...] Concordando com a Unidade Técnica e o Ministério Público, e à vista de diversas deliberações que tornam pacífico o procedimento em análise (Acórdão 2056/2003 – Segunda Câmara, Acórdão 317/03 – Segunda Câmara, Decisão nº 226/00 – Segunda Câmara, Decisão nº 03/99 – primeira câmara, Decisão 178/97 – Segunda Câmara), acolho o pedido de cancelamento do registro da aposentadoria do interessado (TCU, Acórdão 1447/2004 – Segunda Câmara).
PESSOAL. IMPOSSIBILIDADE DE RENÚNCIA COM EFEITOS RETROATIVOS. APLICAÇÃO DAS NORMAS VIGENTES NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. Somente com a renúncia da aposentadoria, o tempo de serviço que lhe dava suporte pode ser aproveitado para a produção de efeitos jurídicos no que concerne à obtenção da nova inatividade (TCU, Acórdão 1468/2005 - Plenário).
Adotando o entendimento de que a aposentadoria constitui direito personalíssimo, renunciável por seu titular, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Julgamento da apelação Cível nº. 1.0024.06.989541-5/001(1), na relatoria do Desembargador Schalcher Ventura, publicada em 14/11/2007, considerou possível a renúncia do servidor público para fins de ingresso em outro cargo e a contagem de tempo para fins de novo benefício.
Visto isso, é de se observar que os Tribunais já deram importante passo para o reconhecimento da desaposentação como um direito do servidor, que visando condições melhores e mais dignas de aposentadoria, opta por dar continuidade à sua atividade laborativa, através do ingresso em novo cargo público.
5. Conclusão
O direito do servidor de buscar a melhoria de suas condições de vida, através do retorno à atividade laborativa e aquisição de novo benefício mais vantajoso vai de encontro ao preceito constitucional da dignidade da pessoa humana e ao desejo coletivo de bem-estar do indivíduo e de toda a sociedade.
Na qualidade de gestor da vida em sociedade, cabe ao Estado, não apenas o papel de limitar o exercício de direitos individuais, mas também de assegurar o exercício desses direitos frente ao próprio Estado. Nesse sentido, as ações estatais devem refletir um meio de se alcançar o bem estar social e não um fim em si mesmo.
Partindo dessa premissa, o direito a aposentadoria afigura-se como direito fundamental e personalíssimo do cidadão, a ser reconhecido pelo Estado mediante o preenchimento das condições legais. A fundamentalidade do direito à aposentadoria não retira, contudo, seu caráter patrimonial e disponível, que o torna passível de renúncia, visando o implemento de condição mais benéfica para seu titular.
Nesse contexto, a desaposentação nada mais é do que o direito de o servidor renunciar sua aposentadoria visando à liberação da contagem de tempo para obtenção de novo benefício mais vantajoso.
O não reconhecimento pelo Estado do direito do servidor público aposentado de renunciar à sua aposentadoria viola um direito constitucional fundamental do cidadão, que é o de buscar no trabalho a melhoria de sua condição econômica e social.
Assim, a ausência de previsão legal não deve constituir óbice para a desconstituição do ato de aposentadoria, não sendo lícito a Administração restringir o exercício de direitos, mormente quando o seu fim é beneficiar o segurado, constituindo o interesse público nada mais do que os interesses da coletividade.
Por fim, o reconhecimento do direito à desaposentação pela doutrina e pelos tribunais constitui importante avanço para que o instituto possa ser reconhecido e regulamentado no âmbito administrativo.
6. Referências
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[1] Em nota Sarruf faz menção ao julgamento da Apelação Civil n.º 2005.001.50840, na relatoria do desembargador Sidney Hartung do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
[2] Nesse sentido destacam-se os seguintes acórdãos: AGRESP 328101/ SC; AGRESP 926120/ RS; RESP 663336/ MG; AgRg no REsp 958937/ SC; ROMS 14624/RS; : ROMS 17874/MG.
[3] AC 200138000045770/MG; AMS 200433000181348/BA
[4] AC 200772050037780/SC
[5] AMS 48664/RJ
[6] AMS 199971090004887/ RS
Analista em direito do Ministério Público de Minas Gerais, especialista em direito público e organização administrativa brasileira.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CLARISSA DUARTE MARTINS., . A desaposentação e o direito do servidor a uma nova aposentadoria mais vantajosa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2009, 08:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18523/a-desaposentacao-e-o-direito-do-servidor-a-uma-nova-aposentadoria-mais-vantajosa. Acesso em: 23 dez 2024.
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