Segundo a corrente doutrinária majoritária, os contratos firmados pela Administração Pública dividem-se em contratos administrativos e contratos privados da Administração. Os primeiros sofrem incidência de normas específicas de direito público, aplicando-se-lhes apenas supletivamente os comandos de direito privado, ao passo que, nos contratos privados da Administração, a incidência normativa é invertida, cabendo a aplicação das normas públicas às contratações particulares, apenas no que couberem.
Apesar de a Lei nº 8.666/93, em seu art. 1º, fazer expressa menção à sua aplicação à locação, esta figura entre os contratos privados da Administração, sendo, portanto, predominantemente regida por normas de direito privado. Nesse sentido, assim se expressou José dos Santos Carvalho Filho[1]:
O Estatuto, ao estabelecer seu círculo de incidência, dispôs logo no art. 1º:
‘Esta lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.’
Numa ótica meramente literal, não se pode deixar de reconhecer que o dispositivo, depois de aludir à categoria dos contratos administrativos, parece ter desejado relacionar as atividades que poderiam constituir seu objeto. E realmente tal ocorreu, sem dúvida, no que diz respeito a obras, serviços e compras, como já visto. Mas causa perplexidade a menção a alienações e locações.
(...) Referentemente à locação, chegam alguns pensadores a considerá-la indevida quando fosse locadora a Administração, asseverando que o contrato seria de concessão de uso de bem público, notoriamente assemelhado àquela, mas com ela inconfundível pelo fato de ser contrato administrativo e sofrer a incidência de normas de direito público.
(...)
As locações também são contratos de direito privado, figure a Administração como locadora ou como locatária. Neste último caso, não há norma na disciplina locatícia que retire ao locador seus poderes legais. Naquele outro também não se pode descaracterizar o contrato de natureza privada, se foi este o tipo de pacto eleito pela Administração, até porque, se ela o desejasse, firmaria contrato administrativo de concessão de uso. Trata-se, pois, de opção administrativa.
Assim, a despeito de estarem mencionadas no Estatuto, as alienações e locações consubstanciam contratos de direito privado, em que as partes estão no mesmo nível jurídico, sem qualquer preponderância da Administração sobre o particular. Do elenco traçado no art. 1º do Estatuto, são realmente contratos administrativos os de obras, serviços e fornecimento, tal como arrolados acima. Nesse sentido a doutrina dominante. (g.n.)
Corroborando com esse entendimento, Jessé Torres Pereira Junior[2]:
Posicionando-se o ente público ou a entidade vinculada como locatário, predominará no respectivo contrato regime de direito privado, porém, ainda assim, certas regras administrativas terão de constar do ajuste, como, por exemplo, cláusula indicativa dos recursos orçamentários que atenderão às despesas do contrato (v. art. 62, §3º, c/c art. 55, V), uma vez que a Administração não pode contratar sem amparo no orçamento (v. CF/88, art. 167, III) – norma de ordem pública por excelência, inafastável pela vontade dos contraentes. (g.n.)
Diante do exposto, é de se concluir que os contratos de locação firmados pela Administração Pública são regidos, preponderantemente, pelo Código Civil e pela Lei nº 8.245/91, aplicando-se subsidiariamente a Lei 8.666/93.
No que diz respeito aos prazos contratuais, o art. 62, § 3°, I, da Lei de Licitações, determina que as locações não se submetem aos prazos prescritos em seu art. 57, pois aos contratos de locação aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61. Desse modo, fica excluído o referido art. 57, que delimita a duração dos contratos administrativos à vigência dos respectivos créditos orçamentários e limita as prorrogações de serviços contínuos em sessenta meses.
Nessa linha de intelecção é a posição do doutrinador Leon Fredja Szklarowsky, esposada em artigo denominado “Duração do Contrato Administrativo”, publicado na revista trimestral Âmbito Jurídico, set/98:
Os contratos de locação em que o poder público é locatário, de seguro, de financiamento, de “leasing” e aqueles, cujo conteúdo seja regido, preponderantemente por disposição de direito privado, submetem-se às normas desta lei, não se lhes aplicando, porém, o artigo 57, que trata do prazo contratual9. Leia-se que a aplicação das normas privadas se dá na mesma proporção que as normas de direito público e não como pretende o dispositivo equivocadamente.
Incidem, no que couber, os artigos 55 (cláusulas essenciais), 58 (cláusulas extravagantes), 59, 60 e 61 (formalidades), além das normas gerais.
Consequentemente, não há restrição quanto ao prazo, submissos que ficam à lei própria - lei de locação predial urbana, legislação de seguros, financiamento etc.
Esses contratos poderão ser feitos para um prazo superior à duração do exercício orçamentário, porque expressamente afastados das amarras do artigo 57, adequando-se à lei própria, no que não colidir com as regras especiais10. (g.n.)
Outro não é o ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3] quando enumera os contratos não atingidos pelas restrições do art. 57:
E não se aplica ainda aos contratos de direito privado celebrados pela Administração, porque o artigo 62, §3º, ao determinar a aplicação, aos mesmos, das normas da Lei nº 8.666/93, fala expressamente nos artigos 55 e 58 a 61, pulando, portanto, o artigo 57, pertinente ao prazo.
Ressalte-se, entretanto, que parte da doutrina considera que, por força do § 3° do art. 57, considerado regra geral para todos os contratos em que a Administração é parte, a locação será um negócio jurídico cujo prazo não poderá ser indeterminado.
Na mesma esteira, esclarece o supracitado Leon Fredja Szklarowsky[4]:
Não há contrato por prazo indeterminado (art. 57, § 3°). Apesar de estar inscrito como parágrafo deste artigo, constitui-se em princípio geral aplicável a todos os contratos, inclusive aos previstos no § 3° do art. 62, não submetidos ao art. 57.
Além disso, cumpre observar, ainda, que, sem embargo de posições contrárias, entendo ser necessária a menção ao crédito orçamentário que suportará a despesa tida com o contrato, ex vi do comando contido no art. 55, V, da Lei nº 8.666/93, que diz ser cláusula necessária aos contratos a que estabeleça o crédito pelo qual correrá a despesa. Ademais, o art. 167, II, da Constituição Federal, diz ser vedada “a realização de despesa ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;”. Não é necessário, contudo, que haja disposição imediata de tais valores.
Tal posicionamento é corroborado pela Consultoria NDJ, que cita o mestre Marçal Justen Filho.
Tal assertiva, contudo, não significa que a Administração Consulente não tenha de observar o disposto no art. 167, inc. II, da Constituição Federal, e, consequentemente, prever e indicar os recursos orçamentários que custearão as despesas de contratações desta natureza, nos termos do art. 7º, §2º, inc. III, c/c caput do art. 14, e art. 55, inc. V, da Lei de Licitações (dispositivo este último, inclusive, expressamente salientado pelo art. 63, inc. III, da Lei em estudo).
O que não será necessário será a existência de disponibilidade de caixa ou de recursos financeiros para desencadear o procedimento das contratações administrativas. Bastará, reitere-se, tão-somente a previsão de recursos orçamentários e a indicação desses recursos.
Corroborando essa assertiva, assevera o jurista Marçal Justen Filho que a previsão de recursos orçamentários ‘se aplica não apenas a obras e serviços. Qualquer contratação que importe dispêndio de recursos públicos depende de previsão de recursos orçamentários. Assim se impõe em decorrência do princípio constitucional de que todas as despesas deverão estar previstas no orçamento (art. 167, incs. I e II), somente podendo ser assumidos compromissos e deveres com fundamento na existência de receita prevista.
(...) A Lei de Licitações já determinava que nenhuma licitação será iniciada sem previsão de recursos orçamentários. A LC nº 101 reafirmou o princípio, determinando, como visto, equiparar-se a uma operação de crédito e estar vedada a assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriore de bens e serviços (art. 37, inc. IV).
Mas previsão ou autorização são conceitos diversos de efetiva disponibilidade, especialmente que a elaboração dos orçamentos não se sujeitava a regras mais rígidas (introduzidas somente através da LC nº 101).
(...) A lei não impõe a necessidade da prévia liberação dos recursos financeiros para dar-se início à licitação ou, mesmo, para efetivar a contratação. Basta existir a previsão de recursos orçamentários. Isso não impede a possibilidade de que a autoridade estatal condicione o próprio desencadeamento da licitação à efetiva disponibilidade de recursos. Trata-se, aí, de escolha do administrador.’ (cf. in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 9ª ed., São Paulo, Dialética, 2002, pp. 119-120 e 147). (NDJ)
Da mesma forma manifesta-se o autor Leon Fredja Szklarowsky, a ver:
Contudo, em vista do comando do inciso V do artigo 55, no início de cada exercício financeiro, deverá a Administração, por aditamento, apontar o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica.
Esta lei é bastante abrangente. Nada escapa à sua incidência. Todos os contratos submetem-se a sua disciplina, tais como as obras, serviços, inclusive a publicidade, alienações, compras, locações e quaisquer acordos, ajustes, convênios e outros instrumentos semelhantes, não importando o nome que se lhes dê. (Leon Fredja Szklarowsky)
Dessa feita, conclui-se pela possibilidade de prorrogação do contrato de locação, mesmo este já tendo atingido sessenta meses de vigência, devendo, contudo, ser avençado prazo determinado e mencionado o crédito orçamentário. No entanto, deverá a Administração tomar essa decisão fulcrada em critérios de razoabilidade, observando a manutenção das razões e requisitos que autorizam a contratação direta, ficando atenta às práticas de mercado, a fim de que não firme avenças onerosas e consequentemente prejudiciais ao erário.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 9ª edição, Revista, ampliada e atualizada. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2002..
[2] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 5ª edição. Editora Renovar. Rio de Janeiro. 2002.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo . 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004.
[4] SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Duração dos contratos administrativos. In: MUKAI, Toshio (Coord.), Curso Avançado de Licitaçoes e Contratos Públicos. Editora Juarez de Oliveira, São Paulo: 2000. p. 172
Analista em direito no Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduada em direito público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROLAND, Ana Rachel Brandão Ladeira. Possibilidade de prorrogação de contrato de locação pela Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2009, 08:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18554/possibilidade-de-prorrogacao-de-contrato-de-locacao-pela-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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