Origins, concept and characteristics of the social rights: an analysis of the consequences of the deficit in the implementation of the fundamental rights of second
SUMÁRIO: Introdução; 1. Origens dos direitos sociais: primeiras positivações; 2. Conceito e características dos direitos sociais; 3. Conseqüências do déficit na implementação dos direitos sociais: exclusão, violência e criminalidade; Considerações finais.
RESUMO: O presente artigo tem como ponto de partida o estudo das condições socioeconômicas que, no período compreendido entre o final do século XIX e início do século XX, deram ensejo às primeiras positivações dos direitos fundamentais de segunda dimensão. Após a análise da forma pela qual os direitos sociais foram tratados na Constituição mexicana de 1917, na Declaração do Povo Trabalhador e Explorado redigida durante a Revolução russa e promulgada em 1918, bem como na Constituição de Weimar (1919), apresenta-se o conceito dos direitos sociais, bem como são abordadas as características de tal modalidade de direitos. Com base em tais informações preliminares, o artigo avança e passa a analisar as conseqüências provocadas pelo déficit na implementação dos direitos sociais, avaliando de que maneira o fenômeno da globalização, aliado à economia de mercado, vem modificando o perfil do Estado, consolidando um modelo neoliberal, acarretando, assim, a diminuição dos investimentos no campo das políticas públicas voltadas para a concretização dos direitos sociais, daí resultando índices cada vez mais elevados de exclusão, violência e criminalidade.
ABSTRACT: The present article has as the beginning point the study of the socioeconomic conditions that, in the period comprised between the end of the 19th century and the early 20th century, gave opportunity to the first positivation of the fundamental rights of second dimension. After the analysis of the way in which the social rights were dealt with in the Mexican Constitution of 1917, in the Declaration of Rights of the Working and Exploited People written during the Russian Revolution and promulgated in 1918, as well as in the Weimar Constitution (1919), it reports the concept of the social rights, as well as they are dealt with the characteristics of such form of rights. On the basis of such preliminary information, the article advances and begins analysing the consequences caused by the deficit in the implementation of the social rights, analysing how the phenomenon of globalization and the supremacy of the market economy changed the State’s profile, consolidating a neoliberal pattern, causing, therefore, a fall in the investiments in the field of the public policies directed towards the fulfillment of the social rights, hence resulting more and more elevated rates of exclusion, violence and criminality.
PALAVRAS-CHAVE: direitos sociais; origens e características; déficit na implementação; conseqüências.
KEYWORDS: social rights; origins and characteristics; deficit in the implementation; consequences.
Introdução
Sob o signo da igualdade, os direitos sociais surgiram em decorrência das inconcebíveis e massacrantes condições de vida e trabalho impostas, no decorrer do século XIX e início do século XX, à imensa massa operária.
As primeiras positivações no âmbito internacional, cuja relevância mostra-se indiscutível do ponto de vista histórico e formal, bem como a maneira pela qual os direitos sociais foram tratados nas Constituições brasileiras, desde 1824 até 1969, revelam a distância entre os correspondentes textos e a realidade.
A Constituição Federal de 1988 trouxe nova esperança de que, enfim, as promessas da modernidade, marcadamente aquela voltada para a implementação do necessário para que a dignidade humana se transformasse em algo real e extensível a todos, seriam alcançadas.
Mais de vinte anos depois da promulgação da “Carta Cidadã”, referida esperança mostra-se arranhada em decorrência da incapacidade dos Poderes Públicos em tornar realidade o que, com amplitude ímpar, os legisladores constituintes asseguraram a cada um e a todos os membros de nossa sociedade.
A garantia de acesso aos serviços públicos essenciais, com a qualidade que a estrita observância do princípio da eficiência exige, revela-se como postulado inócuo do ponto de vista prático, não conseguindo alcançar a realidade, sobretudo daqueles que estão distantes dos grandes centros urbanos, vivendo no “Brasil profundo”, e que somente são alvo da devida atenção às vésperas dos pleitos eleitorais, por motivos óbvios. Neste sentido, de se ressaltar as alarmantes condições de nossos sistemas de saúde e educação, incapazes de garantir o mínimo ao indivíduo que procura, com o seu esforço e não por meios escusos, assegurar dignidade aos seus.
Este trabalho, após apresentar um panorama relativo às origens dos direitos sociais, trazendo, também, o conceito e as características dos denominados “direitos fundamentais de segunda dimensão”, procura analisar as conseqüências, nos planos internacional e nacional, do déficit concernente à implementação desta modalidade de direitos, com enfoque no que diz respeito ao vertiginoso aumento da violência e da criminalidade.
Com tal objetivo, analisamos a influência que a “globalização” e a consolidação da economia de mercado vêm exercendo sobre o modelo de Estado, que agora caminha a passos largos para o “neoliberalismo”, resultando daí a diminuição dos investimentos públicos na área dos direitos sociais, submetendo as camadas da população menos favorecidas do ponto de vista econômico a condições de vida cada vez mais precárias e excludentes.
1. Origens dos direitos sociais: primeiras positivações
Heranças da tradição francesa, a liberdade, a igualdade e a fraternidade podem ser consideradas como os pilares de sustentação da doutrina dos direitos fundamentais. A cada um destes pilares corresponde uma dimensão de tal gênero de direitos.
Os de primeira dimensão são os direitos civis e políticos. Os de segunda dimensão caracterizam-se como direitos econômicos, sociais e culturais. Entre os de terceira dimensão compreendem-se aqueles voltados para a proteção de toda a humanidade e não exclusivamente de determinado indivíduo ou grupo, podendo ser citados como exemplos o direito ao desenvolvimento, o direito à paz e o direito ao meio ambiente equilibrado.
Mesmo reconhecendo a importância histórica de documentos como a Magna Carta (1215), a Petition of Rights (1628) e o Bill of Rights (1688), temos que a origem dos direitos fundamentais de primeira dimensão encontra-se nas declarações de direitos norte-americanas e na Declaração francesa de 1789 que significaram a emancipação do indivíduo, do ponto de vista histórico, dos grupos sociais aos quais sempre esteve vinculado: a família, o clã, o estamento e as organizações religiosas. (COMPARATO, 2007, p. 53)
A contrapartida dessa emancipação correspondeu à perda da proteção familiar, estamental ou religiosa, tornando o indivíduo vulnerável às vicissitudes da vida. Diante de tal perda, o Estado liberal ofereceu ao indivíduo a proteção decorrente do respeito à legalidade, cujo símbolo maior está na concepção de que todos são iguais perante a lei. Entretanto, essa isonomia rapidamente mostrou-se como uma “pomposa inutilidade” para a massa operária. (COMPARATO, 2007, p. 53)
O advento dos direitos de cunho liberal não se mostrou suficiente para que a dignidade humana fosse assegurada. A industrialização, marcada pelo signo do laissez faire, laissez passer, acentuou a exploração do homem pelo homem, problema que o Estado liberal, de característica absenteísta, não tinha como resolver. (SARMENTO, 2006, p. 15)
A igualdade de todos, assegurada pelo império da lei, já não era suficiente posto que a equiparação de indivíduos com características profundamente diferentes (patrões e operários, ricos e pobres, jovens e anciãos, homens e mulheres, etc.), que partia do pressuposto de que todos poderiam, pelos seus próprios meios, prover sua subsistência e enfrentar as adversidades impostas pela vida, resultou em um avassalador empobrecimento das massas proletárias, isto já na primeira metade do século XIX. (COMPARATO, 2007, p. 53-54)
O grande impacto causado pela industrialização, aliado aos graves problemas sociais e econômicos dela decorrentes, bem como ao surgimento das doutrinas socialistas e à constatação de que a consagração formal da liberdade e da igualdade não gerava a garantia de que seriam efetivamente gozadas, resultaram, ainda no decorrer do século XIX, no surgimento de amplos movimentos reivindicatórios e no conseqüente reconhecimento de direitos que impunham ao Estado um comportamento ativo na busca da realização de justiça social. (SARLET, 2007, p. 56)
Compreendeu-se, então, a necessidade de se buscar outra espécie de direitos capaz de assegurar o essencial ao indivíduo, garantindo-lhe a possibilidade de uma vida digna. Surgiu, assim, o embrião ideológico que conduziu, sobretudo por intermédio dos movimentos socialistas, ao reconhecimento dos direitos econômicos e sociais.[1]
As conquistas decorrentes do reconhecimento e positivação dos direitos econômicos e sociais caracterizam-se como a principal contribuição do pensamento socialista em favor da humanidade. Entre os socialistas acreditava-se na superioridade dos direitos dos proletários em relação aos direitos naturais, estes considerados como direitos eminentemente burgueses. (TORRES, 2003, p. 102)
O titular dos direitos sociais e econômicos não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre teve maravilhosa convivência, mas sim o conjunto dos grupos sociais oprimidos pela miséria e pela doença. Dentro deste contexto, os direitos fundamentais de segunda dimensão revelam-se como anticapitalistas e, por este motivo, só prosperaram a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a buscar uma forma de composição com os trabalhadores. (COMPARATO, 2007, p. 54-55) Corroborando tal assertiva:
Se o capitalismo mercantil e a luta pela emancipação da “sociedade burguesa” são inseparáveis da consciencialização dos direitos do homem, de feição individualista, a luta das classes trabalhadoras e as teorias socialistas (sobretudo Marx, em “A Questão Judaica”) põem em relevo a unidimensionalização dos direitos do homem “egoísta” e a necessidade de completar (ou substituir) os tradicionais direitos do cidadão burguês pelos direitos do “homem total”, o que só seria possível numa nova sociedade. Independentemente da adesão aos postulados marxistas, a radicação da idéia da necessidade de garantir o homem no plano econômico, social e cultural, de forma a alcançar um fundamento existencial-material, humanamente digno, passou a fazer parte do patrimônio da humanidade. (CANOTILHO, 2003, p. 385)
Diante de tal quadro, o massacre a que estava sendo submetida a classe trabalhadora obrigou-a à organização e à luta pelo reconhecimento dos direitos econômicos e sociais, sendo que estes tiveram como origem as reivindicações em torno de um direito de participação do bem-estar social, compreendido como os bens que os homens, por meio de um processo coletivo, acumulam ao longo do tempo. (LAFER, 2006, p. 127)
O ainda incipiente processo de industrialização no continente europeu, que demandava a reformulação das relações entre capital e trabalho, revelou a insuficiência do modelo adotado pelo Estado liberal no que diz respeito aos direitos fundamentais, impondo a adoção de um novo modelo de Estado que, já no século XX, passa a assumir a missão de superar os problemas gerados pelo capitalismo. O Estado social nasce ancorado na necessidade de uma reformulação do capitalismo, a partir do esgotamento do modelo liberal. Os direitos de liberdade, considerados como direitos naturais e correlatos à própria condição humana, revelaram-se incapazes de conter conflitos crescentes no âmbito social, sendo necessário que o Estado passasse a positivar direitos de índole “artificial”, os direitos econômicos e sociais. (APPIO, 2005, p. 55-56)
A Constituição francesa de 1848 reconheceu algumas exigências do operariado. Entretanto, a plena afirmação dessa nova dimensão dos direitos fundamentais só veio a ocorrer no século XX, por intermédio da Constituição mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919, nas quais os direitos econômicos e sociais foram inicialmente positivados.[2] (COMPARATO, 2007, p. 54)
A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, ao lado das liberdades individuais e dos direitos políticos (arts. 5º e 123). Tal precedente histórico mostra-se relevante se considerarmos que na Europa a consciência de que os direitos fundamentais também possuem uma dimensão social só se afirmou após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), sendo que nos Estados Unidos, ainda, hoje, a idéia de extensão dos direitos fundamentais ao campo socioeconômico é largamente contestada. (COMPARATO, 2007, p. 178)
A Constituição mexicana de 1917, reagindo ao sistema capitalista, foi a primeira a prever a desmercantilização da força de trabalho, reconhecendo a igualdade substancial entre as posições jurídicas dos trabalhadores e dos empresários no âmbito da relação contratual que os permeia. (COMPARATO, 2007, p. 181)
O texto constitucional mexicano de 1917 destacou-se não só pela primazia em estabelecer uma declaração ideológica dos direitos fundamentais de segunda dimensão, como também por buscar a instituição de uma sociedade baseada no direito ao trabalho, sendo forjado dentro de um acirrado embate entre a visão socializante do Estado e a liberal clássica, disputa esta que já prenunciava o cisma que se estabeleceria, em termos internacionais, apartando os direitos civis e políticos dos econômicos e sociais. (LIMA JÚNIOR, 2001, p. 23)
Entretanto, a relevância ora atribuída à Constituição Mexicana de 1917 não se caracteriza como posicionamento pacífico na doutrina. Neste sentido:
A Constituição mexicana de 1917 é considerada por alguns como o marco consagrador da nova concepção dos direitos fundamentais.
Não há razão para isso, mesmo sem registrar que sua repercussão imediata, mesmo na América Latina, foi mínima. Na verdade, o que essa Carta apresenta como novidade é o nacionalismo, a reforma agrária e a hostilidade em relação ao poder econômico, e não propriamente o direito ao trabalho, mas um elenco dos direitos do trabalhador (Título VI).
Trata-se, pois, de um documento que inegavelmente antecipa alguns desdobramentos típicos do direito social. Nem de longe, todavia, espelha a nova versão dos direitos fundamentais. (FERREIRA FILHO, 2006, p. 46-47)
Continuando no campo das primeiras positivações relativas aos direitos econômicos e sociais, mostra-se necessário destacar a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, redigida no âmbito da Revolução russa de 1917 e promulgada no dia 03 de janeiro de 1918. Tal documento introduziu três novidades que, em sua substância, não aderiram tanto ao constitucionalismo ocidental de então quanto àquele que se seguiu, marcado pelo que se convencionou denominar “economia de mercado”: a) declarou abolida a propriedade privada e a possibilidade de exploração do trabalho assalariado (Capítulo II), rompendo com as anteriores constituições e declarações de direitos que garantiam a propriedade privada como elemento central; b) estabeleceu um tratamento diferenciado para os titulares de direitos de acordo com a classe social, promovendo uma restrição às prerrogativas dos integrantes da burguesia; c) estabeleceu o trabalho como dever obrigatório para todos. Essas inovações foram ratificadas pela Constituição soviética de 10 de julho de 1918, que introduziu uma série de direitos sociais (arts. 14 usque 17). (DIMOULIS et al, 2006, p. 32-33)
Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a derrota do Império alemão, foi promulgada, em 11 de agosto de 1919, a Constituição da Primeira República alemã, conhecida como Constituição de Weimar.
Como resultado do processo de industrialização, formou-se na Alemanha uma numerosa classe operária que passou a se organizar em sindicatos e partidos políticos. Em decorrência dos graves problemas de ordem econômica e geopolítica que se originaram da imposição do Tratado de Versalhes, a Alemanha passou a viver, logo após o término da Primeira Guerra Mundial, um período de profunda instabilidade política e social. Dentro deste contexto, a burguesia procurou neutralizar os movimentos revolucionários, negativamente, por meio da repressão, e, positivamente, mediante um projeto de república democrática e social que foi denominada República de Weimar. (DIMOULIS et al, 2006, p. 33)
A Constituição de Weimar apresenta uma estrutura dualista, sendo que, em sua primeira parte, regulamenta a organização do Estado, ao passo que, na segunda parte, apresenta uma declaração de direitos e deveres fundamentais, acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social. (COMPARATO, 2007, p. 193)
Seu extenso rol de direitos fundamentais era dividido em cinco títulos que tratavam do indivíduo, da ordem social, da religião e sociedades religiosas, da educação e formação escolar e da ordem econômica. Os dois primeiros títulos estabeleciam as garantias liberais clássicas, ao passo que os dois últimos introduziam a dimensão social e econômica dos direitos fundamentais, objetivando-se, desta forma, garantir a liberdade individual por meio de ações (prestações) estatais. (DIMOULIS et al, 2006, p. 34)
As disposições da Constituição de Weimar relativas à educação pública e aos direitos trabalhistas serviram de base à democracia social que se implantaria em muitos dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.
A seção pertinente às questões econômicas iniciava-se com uma disposição de cunho principiológico, estabelecendo como limite à liberdade de mercado a preservação de um nível de existência adequado à dignidade humana (art. 151). A função social da propriedade foi marcada por uma fórmula que se tornou célebre: “a propriedade obriga” (art. 153, segunda alínea). Assim como na Constituição mexicana de 1917, os direitos trabalhistas e previdenciários foram elevados ao nível constitucional de direitos fundamentais (art. 157 e s.). (COMPARATO, 2007, p. 195)
Importante observar, dentro deste contexto, que a Constituição de Weimar exerceu decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o Ocidente. Confirmando este entendimento:
O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazi-fascista e a Segunda Guerra Mundial. A democracia social representou efetivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e políticos – que o sistema comunista negava – com os direitos econômicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos internacionais de direitos humanos, votados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966, foram o desfecho do processo de institucionalização da democracia social, iniciado por aquelas duas Constituições do início do século. (COMPARATO, 2007, p. 192-193)
Assim, temos que a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar (1919) caracterizam-se como os marcos iniciais da positivação dos direitos fundamentais de segunda dimensão, que somente muitos anos depois seriam alvo de documentos adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, quais sejam, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).
2. Conceito e características dos direitos sociais
Antes de buscarmos um conceito para os direitos sociais, mostra-se necessário que estes sejam diferenciados dos direitos econômicos.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que os direitos econômicos têm uma dimensão institucional, enquanto os direitos sociais constituem formas de tutela pessoal. Os direitos econômicos voltam-se para a realização de determinada política econômica, ao passo que os direitos sociais disciplinam situações subjetivas, pessoais ou grupais, de caráter concreto. Pode-se admitir que os direitos econômicos caracterizam-se como pressupostos da própria existência dos direitos sociais tendo em vista que, sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia, dificilmente serão construídas as premissas necessárias para o surgimento de um sistema democrático capaz de tutelar as parcelas mais fragilizadas da população. (SILVA, 2008, p. 286)
Feita esta primeira distinção, observamos que a tentativa de conceituar algo não se mostra, na maioria das vezes, simples. Assim, na busca de um conceito para os direitos sociais, temos que a seguinte afirmação nos assegura o norte para que não percamos o rumo ao caminharmos pelos desdobramentos que a partir dela mostram-se necessários: “como as liberdades públicas, os direitos sociais são direitos subjetivos. Entretanto, não são meros poderes de agir – como é típico das liberdades públicas de modo geral – mas sim poderes de exigir. São direitos de crédito”. (FERREIRA FILHO, 2006, p. 49-50)
Pode-se dizer que os direitos sociais são, em sentido material:
[...] direitos a ações positivas fáticas, que, se o indivíduo tivesse condições financeiras e encontrasse no mercado oferta suficiente, poderia obtê-las de particulares; porém, na ausência destas condições e, considerando a importância destas prestações, cuja outorga ou não-outorga não pode permanecer nas mãos da simples maioria parlamentar, podem ser dirigidas contra o Estado por força de disposição constitucional. (LEIVAS, 2006, p. 89)
A dimensão dos direitos fundamentais sob análise outorga ao indivíduo a possibilidade de exigir prestações sociais estatais (assistência social, saúde, educação, etc.), explicitando a necessidade de uma transição entre as liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas. (SARLET, 2007, p. 57)
A nota distintiva dos direitos sociais é sua dimensão positiva, uma vez que não mais estamos diante de situações nas quais o que se busca é evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual; pelo contrário, o que se pretende, com o reconhecimento dos direitos sociais, é a garantia de participação do indivíduo no bem-estar social. “Não se cuida mais, portanto, de liberdade ‘do’ e ‘perante’ o Estado, e sim de liberdade ‘por intermédio’ do Estado”.[3] (SARLET, 2007, p. 56-57)
O titular dos direitos sociais continua sendo, como nos direitos civis e políticos, o homem na sua individualidade. (LAFER, 2006, p. 127)
A exemplo dos direitos de primeira dimensão, também os direitos sociais se reportam à pessoa individual, sendo que, por este motivo, não podem ser confundidos com os direitos coletivos e/ou difusos da terceira dimensão. (SARLET, 2007, p. 57)
De se observar, porém, que os direitos sociais diferem em natureza dos clássicos direitos subjetivos. Tal diferença decorre da circunstância de que os direitos sociais não são fruíveis ou exeqüíveis de forma individual.[4] Isso não quer dizer que não possam, em determinadas circunstâncias, ser exigidos judicialmente de forma semelhante a outros direitos subjetivos. Entretanto, via de regra, os direitos sociais, por terem como característica a generalidade e a publicidade, dependem, para sua eficácia, da atuação dos Poderes Executivo e Legislativo. Assim é o caso, por exemplo, dos serviços públicos de educação, saúde e segurança. (LOPES, 2005, p. 129)
Nesse sentido, os sociais, embora tendo como titular o indivíduo, podem ser concebidos como direitos de índole coletiva, o que justifica, inclusive, a utilização da expressão “social”. Os direitos de segunda dimensão caracterizam-se por serem uma “densificação do princípio da justiça social”, sendo que correspondem, invariavelmente, a reivindicações das classes menos favorecidas, sobretudo a operária, a título de compensação em decorrência da extrema desigualdade que caracteriza as relações com a classe empregadora, detentora de maior poderio econômico. (SARLET, 2007, p. 57)
Por sua vez, o sujeito passivo dos direitos sociais é o Estado, sendo este o responsável pelo atendimento do objeto de tal modalidade de direitos, qual seja, a prestação de um serviço: o serviço escolar, quanto ao direito à educação; o serviço médico-sanitário-hospitalar, quanto ao direito à saúde; os serviços desportivos, para o lazer, etc. (FERREIRA FILHO, 2006, p. 50)
Em sentido amplo, todo direito a uma ação positiva do Estado pode ser caracterizado como um direito prestacional. Os direitos sociais, portanto, encontram-se entre as espécies de direitos prestacionais em sentido amplo e podem ser considerados como direitos prestacionais em sentido estrito. Ao lado deles, outras duas espécies de direitos prestacionais podem ser elencadas: os direitos de proteção e os direitos à organização e ao procedimento. (ALEXY, 2007, p. 391-393)
Os direitos de proteção podem ser entendidos como aqueles que dão ao indivíduo o direito fundamental à proteção estatal frente à intervenção de terceiros. Eles podem ter como objeto coisas muito diferentes, sendo que estas se estendem desde a proteção, de tipo clássico, frente ao homicídio, até a proteção frente aos perigos do uso pacífico da energia atômica. Não só a vida e a saúde são bens passíveis de proteção, como também todos aqueles que, do ponto de vista dos direitos fundamentais, são dignos de receberem tutela estatal, como, por exemplo, a dignidade, a liberdade, a família e a propriedade. (ALEXY, 2007, p. 398)
Já os direitos à organização e ao procedimento vêm sendo compreendidos a partir da fórmula que lhes atribui o objetivo de realizar e assegurar os direitos fundamentais por meio, justamente, de uma organização e de um procedimento voltados para referida finalidade. Tal fórmula, porém, não faz a distinção entre o direito à organização e o direito ao procedimento. (ALEXY, 2007, p. 418-419)
Mostra-se fácil reconhecer a razão pela qual referida fórmula vem sendo utilizada de maneira pouco técnica. O espectro do que é designado por ela é muito amplo e se estende desde o direito a uma tutela jurídica efetiva, que poderia ser chamado de “direito aos procedimentos”, até aquele direito a “medidas estatais de tipo organizativo”, que se refere aos critérios de composição dos órgãos colegiados. (ALEXY, 2007, p. 419)
A reunião de coisas tão diferentes sob um mesmo conceito somente se justifica em razão da existência de uma afinidade entre elas. Esta afinidade é, justamente, a idéia de procedimento. (ALEXY, 2007, p. 419)
Os procedimentos são sistemas de regras e/ou princípios voltados para a obtenção de um resultado. Se este resultado é obtido por meio do respeito a tais regras e/ou princípios, então, do ponto de vista procedimental, isto representa algo positivo; se não se obtém desta maneira, então, do ponto de vista procedimental, tem lugar algo defeituoso ou negativo. Este conceito amplo compreende tudo o que pode ser enfeixado na seguinte fórmula: “realização e garantia dos direitos fundamentais por meio da organização e do procedimento”. (ALEXY, 2007, p. 419)
Dentro da idéia que anima o presente trabalho, voltamos nossa atenção para os referidos direitos prestacionais em sentido estrito ou direitos fundamentais sociais.
Os fundamentais sociais são direitos a ações positivas, sendo que estas representam uma “mudança causal de situações ou processos na realidade, enquanto a omissão significa uma não-mudança de situações ou processos na realidade, embora fosse possível a mudança”. (LEIVAS, 2006, p. 87)
Para que possam ser materialmente eficazes, os direitos sociais demandam a intervenção ativa e continuada dos Poderes Públicos, sendo que, ao contrário da maioria dos direitos individuais tradicionais, cuja proteção exige do Estado que jamais permita sua violação, os direitos sociais requerem uma enorme diversidade de políticas públicas que devem ter por objetivo a sua concretização. (FARIA, 1994, p. 54)
Sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, constatou-se que para o adequado exercício dos direitos civis e políticos mostrava-se necessário que aos indivíduos fossem asseguradas condições mínimas de vida e bem-estar. Chegou-se à conclusão de que os direitos fundamentais de primeira e segunda gerações formam um conjunto uno e indissociável, constatando-se que a liberdade individual afigura-se como mera ilusão caso não seja acompanhada de um mínimo de igualdade social, sendo que esta, caso seja estabelecida com sacrifício dos direitos civis e políticos, acaba acarretando privilégios econômicos e sociais. (COMPARATO, 2007, p. 337)
A doutrina reconhece a característica da complementaridade entre os direitos fundamentais de primeira e segunda dimensões, sendo que estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas. Por tal motivo, os direitos sociais, enquanto direitos de crédito, podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais, procurando “garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo, impedindo, desta maneira, a invasão do todo em relação ao indivíduo, que também resulta da escassez dos meios de vida e de trabalho”. (LAFFER, 2006, p. 127-128)
Os direitos sociais caracterizam-se, portanto, como direitos marcados pela busca da igualdade entre os indivíduos.
Nesse sentido, ao mesmo passo em que o princípio da igualdade é aquele que alavanca o entendimento de que os direitos sociais mostram-se necessários a fim de que a liberdade do indivíduo, reconhecida no ordenamento jurídico no âmbito formal, possa se concretizar do ponto de vista fático, o princípio da solidariedade revela-se como aquele capaz de harmonizar as várias dimensões dos direitos fundamentais, fazendo com que possam ser reconhecidos e garantidos concomitantemente.[5]
O princípio da igualdade, ou da eqüidade numa acepção que se pretende mais moderna e acertada, mesmo sendo reconhecido formalmente nos textos constitucionais que corporificam os contratos sociais dos países que integram o dito “mundo moderno civilizado”, não traz aos indivíduos, na prática, a garantia de que a igualdade entre todos será efetivamente assegurada.
Como se sabe, os seres humanos são profundamente diversos. Além das diferenças relativas às nossas características externas (nas riquezas que herdamos ou no ambiente social e natural em que vivemos), somos diferentes também no que diz respeito a nossas características pessoais (idade, sexo, propensão à doença, aptidões físicas e mentais). Desta forma, a avaliação das demandas de igualdade tem que se ajustar à existência de uma diversidade humana generalizada, sendo que a poderosa retórica da igualdade entre os homens tende a desviar a atenção dessas diferenças. Ainda que tal retórica seja considerada como parte essencial do igualitarismo, o efeito decorrente da desconsideração das variações interpessoais pode ser, na realidade, profundamente não igualitário, escondendo o fato de que a igual consideração de todos pode demandar um tratamento bastante desigual em favor dos que estão em desvantagem. Neste sentido, temos que as exigências voltadas para a consecução de uma igualdade substantiva mostram-se especialmente rigorosas e complexas quando existe uma boa dose anterior de desigualdade a ser enfrentada. (SEN, 2001, p. 29-30)
A questão central da teoria política, em um Estado que se supõe governado pela concepção liberal de igualdade, é aquela que busca descobrir quais desigualdades em termos de bens, oportunidades e liberdades são permitidas e por quais motivos. (DWORKIN, 2002, p. 420)
Fica evidente, desta forma, que a concretização da igualdade entre os integrantes de um grupo social exige que os diversos indivíduos sejam tratados de forma desigual na medida em que possuem diferentes necessidades. Entretanto, a tentativa de convencimento de que esta abordagem do princípio da igualdade é a mais adequada não se revela tarefa simples.
O que se percebe, na realidade, é que “o homem sonha com um mundo unificado, com sociedades pacíficas onde reinem a concórdia e a felicidade. Entretanto, sua natureza parece se opor a isso, seu individualismo cego põe em risco não apenas a convivência humana, mas a própria vida no planeta Terra”. (ROSSO, 2007, on line)
Somente o reconhecimento e o efetivo respeito ao princípio da solidariedade será capaz de assegurar que a igualdade entre os indivíduos afigure-se como objetivo capaz de ser concretizado, valendo destacar que, “perdida a noção de responsabilidade com o próximo, o próprio Direito torna-se ineficaz, parecendo inútil o trabalho de aperfeiçoamento do sistema jurídico quando se é olvidada sua base valorativa”. (ROSSO, 2008, on line)
A idéia central que levou à incorporação dos sociais ao rol dos direitos fundamentais tem seu alicerce na necessidade de que a todos sejam garantidas condições mínimas de bem-estar, assegurando-se a igualdade de oportunidades, o que está intrinsecamente ligado ao princípio da solidariedade. (PORT, 2005, p. 09)
Assegurar a igualdade de oportunidades a todos: eis o objetivo a ser perseguido pelo Estado que pretenda cumprir de forma adequada o que dele se espera.
3. Conseqüências do déficit na implementação dos direitos sociais: exclusão, violência e criminalidade
Evidenciada a profunda necessidade de serem adotados mecanismos de concretização dos direitos fundamentais de segunda dimensão, mostra-se oportuna a abordagem de um dos temas que mais motivam o debate em todas as esferas do organismo social mundo afora, qual seja, o recrudescimento da violência e da criminalidade e a sua relação com a ausência ou baixa efetividade das políticas sociais.
Em princípio, mostra-se necessário destacar que, durante o século XX, o projeto modernista buscou a incorporação crescente da população à plena cidadania, sendo certo que todo e qualquer contrato social marcado por tal intenção deve se basear na noção de uma cidadania não apenas formal, mas substancial. (YOUNG, 2002, p. 19)
“Estado de Direito” e “cidadania” caracterizam-se como expressões correntes no âmbito do vocabulário político atual, sendo que se mostram “ligadas geralmente às idéias de democracia, de Governo limitado pelo Direito e de participação do povo nas decisões políticas”. (DALLARI, 2003, p. 194)
A cidadania é uma condição complexa e, assim, deve ser considerada como um antecedente lógico da democracia, caracterizando-se como a aptidão-direito do homem a ter direitos, derivada de sua própria condição humana. O fato de não se poder separar cidadania de condição humana não lhe imprime um caráter de naturalidade, sendo, portanto, inafastável o entendimento de que a cidadania caracteriza-se como uma construção histórica. Não obstante tal entendimento, chega-se, hoje, a uma aporia, qual seja, a de que negar a condição de cidadania a alguém equivale a negar-lhe a própria humanidade. Assim, percebe-se, em certo sentido, uma retomada da concepção aristotélica de homem, este compreendido como animal político e, portanto, incapaz de viver sem conexões com a cidade, devendo ser salientada a circunstância de que o homem só adquire a referida condição humana quando lhe é reconhecido um direito fundamental de existência, que é justamente o direito a ter direitos. (ALVES, 2008, p. 279-280)
Nesses termos, a cidadania, em um de seus aspectos, traz em si a idéia do direito fundamental à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, entre outras garantias que o Estado deve assegurar.
O reconhecimento da cidadania sempre foi considerado uma das principais conquistas que se verificaram ao longo da história da humanidade, especialmente em razão da influência do iluminismo francês, de caráter eminentemente racionalista, segundo o qual a cidadania baseia-se nos princípios da igualdade e da fraternidade. Em nossos dias, a idéia de cidadania pode ser compreendida, entre outras acepções, como o poder jurídico do indivíduo voltado para a fruição de serviços públicos ligados aos direitos fundamentais sociais (saúde, educação, moradia, segurança, etc.). (APPIO, 2005, p. 69)
Assim, não há como se deixar de reconhecer que a falta de concretização dos direitos sociais acarreta o que podemos denominar de “déficit de cidadania”, lançando o indivíduo nas esferas da pobreza e da miséria, sendo que, “século após outro, décadas e mais décadas e o problema da exclusão social no Brasil continua presente, a despeito de sua gravidade e das conseqüências para grande parcela da população”. (POCHMANN et al, 2004, p. 09)
Por certo, a pobreza e a miséria não são as únicas causas dos alarmantes índices de violência e criminalidade constatados não só no Brasil como também ao redor do Planeta; porém, enquanto geradoras de desigualdade social, contribuem de forma decisiva para o crescimento de tais índices. (PAULA, 2007, p. 3.164)
Os cientistas sociais indicam, entre outras causas, que a atividade criminosa está relacionada a fatores como urbanização, migração, pobreza, industrialização e analfabetismo, sendo que a profunda desigualdade que permeia a sociedade brasileira certamente serve de pano de fundo à violência cotidiana e ao crime. “A associação de pobreza e crime é sempre a primeira que vem à mente das pessoas quando se fala de violência. Além disso, todos os dados indicam que o crime violento está distribuído desigualmente e afeta especialmente os pobres”. (CALDEIRA, 2000, p. 126 e 134)
No plano dos conceitos, a pobreza pode ser definida como a falta do necessário à vida, ao passo que a miséria é a pobreza extrema, a indigência ou penúria.
Tanto a pobreza quanto o seu estado mais agudo, a miséria, são reconhecidas como fatores sociais de violência e criminalidade, sendo certo que os delitos derivam principalmente da desigualdade econômica, valendo destacar que, para uma vertente do pensamento socialista, o crime representa uma reação contra a injustiça social. (GAROFALO, 1997, p. 103)
Essa constatação nos encaminha para o entendimento de que o sistema penal, sobretudo no âmbito do cárcere, agrega, em sua maioria, pessoas que não possuem o mínimo necessário para uma vida digna, uma vez que não lhes são assegurados os direitos fundamentais sociais. Neste sentido, temos que:
[...] os assaltantes, em sua quase totalidade, são indivíduos rudes, semi-analfabetos e pobres, quando não miseráveis. Sem formação moral adequada, eles são parias da sociedade, nutrindo indisfarçável raiva e aversão, quando não ódio, por todos aqueles que possuem bens de certo modo ostensivos, especialmente automóveis de luxo e mansões, símbolos inquestionáveis de um “status” econômico superior.
Esse sentimento de revolta por viver na pobreza não deixa de ser um dos fatores que induz o indivíduo ao crime (contra o patrimônio, especialmente), adquirindo, não raro, um sentido de violência delinqüencial muito grande. De fato, assaltantes adultos ou jovens, agindo isoladamente ou em quadrilhas, não se apiedam das vítimas, matando-as, às vezes, pelo simples esboço de um gesto qualquer de pavor ou de instintiva e desarmada defesa.
Esse ódio ou aversão contra os possuidores de bens age como verdadeiro fermento, fazendo crescer o bolo da insatisfação, do inconformismo e da revolta das classes mais pobres da sociedade, que se tiverem a temperar o bolo algum hipertensor da violência e agressividade humanas, infalivelmente as levarão ao cometimento de alentado número de atos anti-sociais, desde a destruição de uma simples cabine telefônica até à perpetração dos crimes mais bárbaros, dando números maiores às altas taxas de criminalidade, que parecem incluir-se na categoria das deseconomias de aglomeração, como um particular custo pago pelo habitante das grandes cidades pelas vantagens da urbanização.
Nesses casos, a repressão policial tem valor limitado, pois combatendo uma parte maior ou menor dos efeitos, não tem o condão de eliminar as causas.
E as causas todas emanam, principalmente, da má distribuição de riquezas e do conluio do Poder Público com o poder econômico, permitindo que este caminhe paralelamente com ele, como seu sub-gerente na condução dos destinos de um país. (FERNANDES et al, 2002, p. 389)
Resta claro, dessa forma, que a pobreza e a miséria são causas de um dos problemas mais sérios que atingem toda a humanidade nos dias atuais, qual seja, o aumento vertiginoso dos índices de criminalidade, sendo que nem mesmo o mais sofisticado e contundente aparato de repressão estatal vem conseguindo alcançar resultados relevantes no combate à violência que brota das desigualdades sociais.
Feita essa constatação, é preciso dizer que sob o império da economia de mercado e do fenômeno da globalização, a sociedade vem passando por transformações profundas a respeito das formas pelas quais o Estado promove intervenções em seu âmbito.[6] No atual contexto, as relações, os processos e as estruturas econômicas, políticas, demográficas, geográficas, históricas, culturais e sociais, desenvolvidas internacionalmente, impõem-se sobre as relações, processos e estruturas que se desenvolvem em escala nacional. (IANNI, 2006, p. 237)
Nos países desenvolvidos, o “Estado providência” vem cedendo espaço para uma forma de atuação neoliberal. As conseqüências desta mudança são sentidas de maneira marcante no aumento do número de delitos, fato que vem implicando em uma nova forma de atuação do Estado no campo da justiça criminal, acarretando um aumento considerável do tamanho, bem como da virulência, do aparato inerente ao sistema penal. Percebe-se, ainda, que em tais países o recrudescimento das formas de punição dos criminosos caracteriza-se como o método adotado para a busca da pacificação social, ao mesmo passo em que mecanismos inerentes ao welfare State são abandonados, tornando as camadas sociais menos privilegiadas do ponto de vista econômico a “clientela preferencial” dos sistemas judiciais.
Já nos países em desenvolvimento ou países de modernidade tardia, antes da consolidação do “Estado do bem-estar social” está se verificando uma mudança na forma de atuação dos Poderes constituídos, sendo que estes, mesmo que de forma míope, vêm adotando uma estratégia de cunho neoliberal, circunstância que acarreta a consolidação das profundas desigualdades sociais entre os cidadãos e acentua a seletividade no campo de incidência dos mecanismos do sistema penal, atingindo principalmente os pobres e miseráveis.[7]
É preciso reconhecer que a produção de “refugo humano”, ou, em outras palavras, de “seres humanos refugados”, dos “excessivos” e “redundantes”, enfim, dos que não puderam ou não quiseram ser reconhecidos ou obter permissão para ficar e fazer parte de determinada sociedade, caracteriza-se como um produto inevitável da modernização, e um acompanhante inseparável da modernidade. (BAUMAN, 2005, p. 12)
A desigualdade econômica e as conseqüências dela decorrentes, mormente a pobreza e a miséria, são consideradas como características das sociedades modernas, “apesar de estas terem vindo proclamar que todos os homens (mesmo os trabalhadores) são livres e iguais perante a lei”. (NUNES, 2003, p. 30)
De se observar, também, que durante grande parte da história moderna, muitas partes do Planeta, sobretudo as “atrasadas” e “subdesenvolvidas”, permaneceram total ou parcialmente inatingidas pelas pressões modernizadoras, escapando, assim, de seu efeito “superpopulacional”. Essas partes “pré-modernas” ou “subdesenvolvidas” eram vistas e tratadas como terras capazes de absorverem os excessos populacionais dos “países desenvolvidos” e, assim, eram encaradas como destinos naturais para a exportação de “pessoas redundantes”, caracterizando-se como aterros sanitários óbvios e prontos a serem utilizados para o despejo do refugo humano produzido pelo processo de modernização. A remoção desse refugo caracterizou-se como a mais específica característica da colonização e das conquistas imperialistas, ambas possíveis, e mesmo inevitáveis, em decorrência do poder diferencial continuamente reproduzido pela abissal desigualdade de “desenvolvimento” (chamada, eufemisticamente, de “atraso cultural”), resultante, por sua vez, do confinamento do modo de vida moderno a uma parte “privilegiada” do Planeta. Essa desigualdade permitiu aos países modernos buscar – e encontrar – soluções globais para problemas de superpopulação produzidos localmente. (BAUMAN, 2005, p. 12-13)
Tal situação pôde permanecer enquanto a modernidade, isto é, a modernização perpétua, compulsiva, obsessiva e viciosa, permanecia um privilégio. A partir do momento em que a modernidade tornou-se a condição universal da humanidade, vieram à tona os efeitos de seu domínio planetário. Observou-se, a partir daí, que a modernização progrediu de modo avassalador, atingindo as partes mais remotas do Planeta, sendo que quase toda produção e consumo humanos tornaram-se mediados pelo dinheiro e pelo mercado, motivo pelo qual a mercantilização, a comercialização e a monetarização dos modos de subsistência dos indivíduos alcançaram os recantos mais longínquos. Em virtude de tais circunstâncias, não mais se dispõe de soluções globais para excessos locais, observando-se, na realidade, exatamente o contrário, isto é, todas as localidades (incluindo, de modo mais notável, aquelas com elevado grau de modernização) têm de suportar as conseqüências do triunfo mundial da modernidade, vendo-se na obrigação de procurar, ao que parece sem sucesso, soluções locais para problemas produzidos globalmente. Em síntese, poderia se dizer que a nova plenitude do Planeta significa, essencialmente, uma crise aguda da indústria de remoção do refugo humano pois, enquanto sua produção prossegue inquebrantável, atingindo novos ápices, o Planeta, de forma cada vez mais rápida, necessita de novos locais de despejo e de ferramentas para reciclagem do lixo. (BAUMAN, 2005, p. 13)
Após a implosão do socialismo como modelo puro de governo, a prevalência do sistema capitalista e, mais recentemente, a adoção do modelo estatal neoliberal,[8] intensificaram as desigualdades entre os diversos estratos da pirâmide social, quer nos países desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, acarretando uma cada vez mais acentuada concentração de riquezas, fazendo com que uma legião de pobres e miseráveis sejam privados dos direitos fundamentais à educação, saúde, trabalho e segurança e, por este motivo, recebam continuamente estímulos para a prática criminosa. Nestes termos, é possível afirmar que o processo de transição da modernidade para a modernidade recente pode ser encarado como um movimento que se dá a partir de uma sociedade inclusiva no sentido da consolidação de uma sociedade excludente, ou seja, desde uma sociedade cuja tônica é a assimilação e a incorporação até uma outra que, com características opostas, separa e exclui. (YOUNG, 2002, p. 23)
De forma lenta e contínua, esse novo modelo social, marcado pela exclusão, vai esculpindo novos valores e substituindo antigas crenças, concepções de mundo e moral, acarretando mudanças que se verificam em diversos campos, como o econômico, social, familiar, político e, inclusive, no relacionamento humano. É certo que ainda se mostra prematuro apontar, de forma conclusiva, quais são os novos valores sociais emergentes, mas é possível observar como algumas alterações, já visíveis, alteram e abalam a modernidade, provocando um panorama assustador. (SALIBA, 2008, p. 172)
A análise da mudança do modelo estatal em cotejo com o fenômeno do aumento da criminalidade explica, em muitos de seus aspectos, a constatação de que há alguns anos a Europa vem sofrendo a escalada de um desses pânicos morais capazes, por sua amplitude e virulência, de mudar profundamente os rumos das políticas estatais, redesenhando a fisionomia das sociedades por ele atingidas, tendo por objeto a delinqüência dos jovens, a violência urbana, os múltiplos distúrbios e as incivilidades, cujo centro de irradiação seriam os “bairros sensíveis”. (WACQUANT, 2001, p. 17)
Especificamente sobre a França, constata-se que o Estado iniciou um processo marcado pelo abandono de muitas políticas no campo social, resultando daí uma soma extraordinária de sofrimentos de todos os tipos, afetando não apenas as pessoas que vivem na pobreza e na miséria. Com o novo perfil do Estado francês, temos que, na origem dos problemas surgidos nos subúrbios das grandes cidades, há uma política neoliberal de habitação que, posta em prática na década de 1970, acarretou uma autêntica segregação social, colocando, de um lado, o subproletariado, composto, em grande parte, por imigrantes, que permaneceu nos grandes conjuntos coletivos, e, de outro lado, os trabalhadores permanentes dotados de um salário estável e a pequena burguesia, que passaram a residir em pequenas casas individuais compradas a crédito, fato que lhes trouxeram enormes dificuldades. Inegável, portanto, que o corte social sob foco foi determinado por uma medida política. (BORDIEU, 1998, p. 45)
É importante destacar que, atualmente, a Europa vem recebendo a influência decisiva dos Estados Unidos no que tange à forma de organização do Estado, deixando o modelo social (“Estado providência”) e fortalecendo uma tendência neoliberal, postura que acarreta forte redução dos investimentos voltados para a implementação dos direitos fundamentais sociais, bem como a erradicação de sindicatos com a conseqüente modificação das relações trabalhistas e a extinção de benefícios.[9]
Vale observar, neste ponto, que nos Estados Unidos o que atualmente se verifica é um desdobramento do Estado, ou seja: de um lado, observa-se um Estado que mantém as garantias sociais, mas apenas para os privilegiados, isto é, para os que tenham cacife econômico capaz de dar garantias à atuação estatal; de outro, o que se percebe é um Estado repressor, policialesco, voltado para o povo. Neste sentido, dois exemplos mostram-se emblemáticos: no Estado da Califórnia, um dos mais ricos e conservadores dos Estados Unidos, o orçamento das prisões é superior, desde 1994, ao orçamento de todas as universidades reunidas; já os negros do gueto de Chicago só conhecem, do Estado, o policial, o juiz, o carcereiro e o parole officer, que é o oficial encarregado de aplicar as penas, diante de quem eles devem se apresentar regularmente, sob risco de voltarem à prisão. Como se percebe, a atuação do Estado está se reduzindo, cada vez mais, à sua função policial e punitiva.[10] (BORDIEU, 1998, p. 45-46)
Entretanto, ao contrário do que se esperava, tal postura estatal vem ensejando um sensível aumento da criminalidade tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, deixando claro, então, que a penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social, sendo tal estratégia a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, sejam desenvolvidos ou não. (WACQUANT, 2001, p. 07-08)
Ainda sobre a política de segurança neoliberal, temos que:
[...] ela reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito da manutenção da ordem pública – simbolizada pela luta contra a delinqüência de rua – no momento em que este afirma-se e verifica-se incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira. E isso não é uma simples coincidência: é justamente porque as elites do Estado, tendo se convertido à ideologia do mercado-total vinda dos Estados Unidos, diminuem suas prerrogativas na frente econômica e social que é preciso aumentar e reforçar suas missões em matéria de “segurança”, subitamente relegada à mera dimensão criminal. No entanto, e sobretudo, a penalidade neoliberal ainda é mais sedutora e mais funesta quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século. Isso é dizer que a alternativa entre o tratamento social da miséria e de seus correlatos – ancorado numa visão de longo prazo guiada pelos valores de justiça social e de solidariedade – e seu tratamento penal – que visa as parcelas mais refratárias do subproletariado e se concentra no curto prazo dos ciclos eleitorais e dos pânicos orquestrados por uma máquina midiática fora de controle, diante da qual a Europa se vê atualmente na esteira dos Estados Unidos, coloca-se em termos particularmente cruciais nos países recentemente industrializados da América do Sul [...].(WACQUANT, 2001, p. 07-08)
Especificamente sobre o Brasil, constatamos um ambiente de desesperança e pânico coletivo, sendo que a histeria em torno da necessidade de segurança e as reações irracionais e reacionárias em face da questão da violência urbana comprometem até mesmo um projeto democrático que se pretenda duradouro, uma vez que preconizam desde a adoção da pena de morte para delinqüentes de todo tipo, passando por operações militares violentas e indiscriminadas em favelas e núcleos de pobreza da população civil, até a utilização banal de providências extraordinárias de estabilização da ordem pública, como o estado de sítio e o estado de defesa (arts. 136 e 137 da Constituição Federal), sabidamente acompanhadas da conseqüente supressão de direitos e garantias fundamentais. Este fenômeno, que em maior ou menor escala tem hoje feição mundial, demonstra a expansão do movimento law & order, assentando-se: a) na deterioração generalizada do tecido social; b) na violência urbana e na ineficiência do Estado no sentido de enfrentá-la; c) na expansão mundial do terrorismo, do crime organizado, do narcotráfico e das operações de lavagem de dinheiro obtido por meios ilícitos (money laundery). Diante de tal quadro, mostra-se impossível ignorar que a escalada da violência nos centros urbanos brasileiros, especialmente a violência gerada pelas facções de narcotraficantes, que explode nas favelas e se irradia para todos os pontos das cidades, tem atingido proporções extremas e insuportáveis. (CASTRO, 2005, p. 263-265)
Assim, mostra-se necessário que aos indivíduos seja garantida a possibilidade de superarem a pobreza e a miséria[11] sendo que, para tanto, devem ser promovidos mecanismos de concretização dos direitos fundamentais, caracterizando-se esta como uma das principais estratégias no combate à violência e à criminalidade, uma vez que, afastado do estado de penúria, o indivíduo deixará de encontrar tantos estímulos que o levam à prática delitiva.
Não há como se negar que o papel do Estado é intervir de modo a realizar, passo a passo, a justiça social. “Os pilares gêmeos da modernidade são o Estado de Direito e o ‘Estado do bem-estar social’ tal como representado na teoria legal neoclássica e nas noções positivistas de planejamento. O Estado protege e o Estado liberta”. (YOUNG, 2002, p. 19-20)
É preciso, de uma vez por todas, compreender que “os direitos humanos não são mais simplesmente solenes declarações de intenção, mas, muito antes, uma parte obrigatória da ordem dos direitos e do Estado. Eles perderam o caráter de simples princípios de legitimidade e se tornaram princípios de legalidade”. (HÖFFE, 2006, p. 416)
Mesmo dentro de uma concepção liberal de Estado, mostra-se necessário compreender que o liberalismo realmente democrático já não pode ser aquele da Revolução Francesa, devendo ser permeado pelos elementos humanistas que vieram ao encontro do ideal da liberdade. (BONAVIDES, 1993, p. 49)
Em um País como o nosso, repleto de injustiças, os direitos sociais apresentam-se como uma contribuição essencial do Estado, sobretudo em favor daquela parcela da população que se mostra carente dos recursos básicos para o acesso a uma condição existencial minimamente aceitável, possibilitando-lhe alcançar o livre desenvolvimento físico e espiritual. (ZIMMERMANN, 2006, p. 333-334)
Não podemos ver perdurar um Estado que mantém relações ambíguas com a sociedade: autoritário e violento com a grande maioria da população e, ao mesmo passo, dócil e transigente com os interesses da elite. Sem que a sociedade brasileira seja capaz de provocar uma autêntica ruptura que tenha os direitos fundamentais como paradigma ético e a Constituição como único caminho, “a exceção continuará sendo a regra para largos setores da população e a democracia continuará sofrendo grandes dificuldades em se consolidar”. (VIEIRA, 1995, p. 195)
Devemos ressaltar que os conceitos de cidadania, democracia e direitos fundamentais estão intimamente ligados, sendo que um remete ao outro e seus conteúdos interpenetram-se. A análise da realidade brasileira, sobretudo pelo viés daqueles que se encontram na pobreza ou, pior do que isso, na mais completa indigência, deixa claro que as inovações trazidas pela Constituição, cujo signo maior é a verdadeira democracia, aquela que implica total respeito aos direitos fundamentais, estão ainda muito longe de serem alcançadas. O cidadão brasileiro, na realidade, usufrui de uma cidadania aparente, uma cidadania de papel, sendo que a temática da cidadania encontra seu limite quando nos deparamos com o problema da efetividade das normas constitucionais e com a inépcia dos Poderes Públicos. A concepção da nova cidadania está articulada a partir dos direitos fundamentais, sendo que cada um deles tem sua especificidade, mas constituem um todo integrado, em que cada um está implicado com os demais e a sua totalidade é que dá suporte para a “democratização da democracia”. (COSTA, 2007, p. 187)
Os Poderes constituídos e a sociedade civil organizada devem enfrentar o tema da concretização dos direitos sociais pois, somente assim, a pobreza e a miséria, enquanto causas da violência e da criminalidade, serão adequadamente equacionadas, em benefício de todos os indivíduos, independentemente do estrato social em que estejam inseridos.
Considerações Finais
A ideologia neoliberal e o avanço da tecnologia transformaram o Planeta numa “aldeia global”, sendo que dentro dela os padrões de comportamento e de atuação, seja dos indivíduos, das instituições e até mesmo dos Estados, passaram a ser estabelecidos quase que exclusivamente pelos detentores do capital.
Nesse novo contexto, a força do mercado econômico e financeiro, sobretudo diante dos padrões competitivos impostos pelos países asiáticos, vem exigindo dos Estados a implementação de uma política voltada para a revisão dos direitos sociais, resultando daí uma sistemática redução do nível de qualidade de vida daqueles que dependem basicamente da força do seu trabalho.
Esse novo perfil (neo)liberal do Estado vem acarretando o sucateamento dos serviços públicos voltados para a concretização dos direitos sociais, sendo que a amplitude do atendimento e a qualidade dos serviços de saúde, educação, assistência e previdência social, por exemplo, diminuem a cada ano.
O Estado está de joelhos, revelando-se impotente diante do poderio dos gigantescos conglomerados empresariais, aos quais vem se submetendo, resultando dessa pífia atuação do Poder Público um quadro lastimável de exclusão social, além de índices cada vez mais alarmantes de violência e criminalidade.
De se observar, ainda, que quanto menos efetivo no cumprimento de seu dever de garantir ao indivíduo o acesso aos direitos fundamentais, mais policialesco e penitenciário tem se mostrado o Estado, fazendo com que, em pleno século XXI, as prisões se assemelhem às masmorras da Idade Média, caracterizando-se como verdadeiros depósitos de seres humanos.
Diante desse quadro, não se revela surpreendente a crise de credibilidade que atinge de forma contundente a classe política brasileira, resultando daí a clara impressão de que as instituições que devem dar sustentação ao Estado Democrático de Direito, como os Poderes Executivo e Legislativo, são descartáveis.
Por certo, esse mesmo nível de descartabilidade ronda o Poder Judiciário e, para que seja afastado, demandará um esforço de todos os operadores do Direito, sobretudo dos magistrados, para que uma nova concepção a respeito das estratégias de distribuição de justiça seja alcançada, tornando realidade as previsões do texto constitucional pertinentes aos direitos fundamentais.
As novas formas de interpretação, que valorizam os princípios e trazem para o universo jurídico a compreensão de que o direito processual deve estar voltado para a concretização do direito material, deixando para trás concepções extremamente formalistas, devem ser valorizadas.
Os dispositivos constitucionais pertinentes aos direitos sociais não devem ser encarados como normas despidas de eficácia jurídica ou como meras promessas constitucionais inconseqüentes.
As normas constitucionais definidoras dos direitos fundamentais sociais devem ter aplicação imediata, tudo de acordo com o que deixa claro o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, dispositivo este que, até mesmo por sua posição dentro do ordenamento jurídico, não pode ter sua eficácia postergada ou simplesmente afastada.
No mundo globalizado, a atuação do mercado deve ser combinada com a intervenção do Estado, e é o texto constitucional quem assegura essa possibilidade por meio das normas que consagram os direitos sociais e regulamentam a ordem econômica.
O caminho a ser percorrido em busca da concretização dos direitos fundamentais é longo e repleto de dificuldades. Entretanto, o fim almejado é justo e recompensador, sendo que somente poderá ser alcançado por intermédio da mobilização da sociedade e do comprometimento dos Poderes do Estado, tendo no Ministério Público o ponto de apoio e de fomento, encontrando no Judiciário a certeza da justiça social, exatamente aquela proclamada por Jesus Cristo, cujo símbolo indelével é a partilha do pão – o “o pão nosso” que na Oração pedimos ao Pai que nos seja ofertado a cada dia, ao mesmo tempo em que suplicamos o perdão por nossas faltas, entre as quais está, sem dúvida entre as mais graves, a indiferença para com aqueles que têm fome e sede, sobretudo de justiça. o Poder Judiciiva o futuro da s
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[1] Aqui, a lição de Daniel Sarmento: “Neste cenário, surgem, dos mais variados flancos, críticas ao liberalismo econômico, sob cuja égide se criara e se nutria o capitalismo selvagem. O marxismo, o socialismo utópico e a doutrina social da Igreja, sob perspectivas diferentes, questionavam o individualismo exacerbado do constitucionalismo liberal. Para o marxismo, os direitos humanos do liberalismo compunham a superestrutura ligada à dominação econômica exercida pela burguesia sobre o proletariado. Eram uma fachada, que visava conferir um verniz de legitimidade a uma relação de exploração, que só teria fim com a implantação do comunismo e o fim das classes sociais. [...] O socialismo utópico, de pensadores como Charles Fourier, Robert Owen e Louis Blanc, também questionava o liberalismo, considerando-o incapaz de resolver a questão social, mas não propunha, como solução, que os proletários tomassem o poder pela força, parecendo acreditar na possibilidade de convencimento da burguesia da necessidade de promoção de reformas sociais. [...] Já a doutrina social da Igreja, embora discordando radicalmente da idéia marxista de luta de classes, abria-se para a questão operária, defendendo a instituição de direitos mínimos para o trabalhador, a partir da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, editada em 1891. Nessa Encíclica, a Igreja criticava o individualismo exacerbado do liberalismo, e defendia a assunção pelo Estado de uma posição mais ativa na sociedade, em defesa dos mais pobres. Posteriormente, o Papa Pio XII dá continuidade a esta pregação na Quadragesimo Anno, de 1931, e o tema será revisitado em vários outros documentos pontifícios, como as Encíclicas Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963), de João XXIII e Populorum Progressio (1967) e Humanae Vitae (1969), de Paulo VI”. (SARMENTO, 2006, p. 17)
[2] Importante observar, entretanto, que a previsão constitucional dos direitos econômicos e sociais não significou uma imediata implementação do ponto de vista fático. Neste sentido, o posicionamento de Robert Alexy: “Poder-se-ia achar que com a codificação dos direitos do homem por uma Constituição, portanto, com sua transformação em direitos fundamentais, o problema de sua institucionalização esteja resolvido. Isso não é, todavia, o caso. Muitos problemas dos direitos do homem agora somente tornam-se visíveis em toda sua dimensão e novos acrescem por seu caráter obrigatório, agora existente”. (ALEXY, 1999, p. 62)
[3] Com a ressalva de Ingo Wolfgang Sarlet: “Ainda na esfera dos direitos de segunda dimensão, há que se atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as denominadas ‘liberdades sociais’. [...] A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho ‘positivo’ possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase da evolução dos direitos fundamentais”. (SARLET, 2007, p. 57)
[4] Explicitando essa idéia, o comentário de José Eduardo Faria: “A característica básica dos direitos sociais está no fato de que, forjados numa linha oposta ao paradigma kantiano de uma justiça universal, foram formulados dirigindo-se menos aos indivíduos tomados isoladamente como cidadãos livres e anônimos e mais na perspectiva dos grupos, comunidades, corporações e classes a que pertencem.” (FARIA, 1994, p. 54)
[5] Na expressão de Fábio Konder Comparato, o arremate desse entendimento: “É o princípio da solidariedade que constitui o fecho de abóbada de todo o sistema de direitos humanos”. (COMPARATO, 2007, p. 337)
[6] Sobre as conseqüências da globalização, mostram-se oportunos os apontamentos de José Augusto Lindgren Alves: “Uma das contradições evidentes de nossa época consiste no vigor com que os direitos humanos entraram no discurso contemporâneo como contrapartida natural da globalização, enquanto a realidade se revela tão diferente. Não é necessário ser ‘de esquerda’ para observar o quanto as tendências econômicas e as inovações tecnológicas têm custado em matéria de instabilidade, desemprego e exclusão social. Inelutável ou não, nos termos em que está posta, e independentemente dos juízos de valor que se lhe possa atribuir, a globalização dos anos de 1990, centrada no mercado, na informação e na tecnologia, conquanto atingindo (quase) todos os países, abarca diretamente pouco mais de um terço da população mundial. Os dois-terços restantes, em todos os continentes, dela apenas sentem, quando tanto, os reflexos negativos. [...] Enquanto para a sociedade de classes, da ‘antiga’ modernidade, o proletariado precisava ser mantido com um mínimo de condições de subsistência (daí o welfare State), para a sociedade eficientista, da globalização pós-moderna, o pobre é responsabilizado e estigmatizado pela própria pobreza. Longe de produzir sentimentos de solidariedade, é associado ideologicamente ao que há de mais visivelmente negativo nas esferas nacionais, em escala planetária: superpopulação, epidemias, destruição ambiental, vícios, tráfico de drogas, exploração do trabalho infantil, fanatismo, terrorismo, violência urbana e criminalidade. As classes abastadas se isolam em sistemas de segurança privada. A classe média (que hoje abarca os operários empregados), num contexto de insegurança generalizada, cobra dos legisladores penas aumentadas para o criminoso comum. Ou, sentindo os empregos e as fontes de remuneração ameaçadas, recorre a ‘bodes expiatórios’ na intolerância contra o ‘diferente’ nacional – religioso, racional ou étnico – ou contra o imigrante estrangeiro (às vezes simplesmente de outra região do país). Anulam-se, assim, os direitos civis”. (ALVES, 2005, p. 26-27)
[7] A respeito das conseqüências da adoção do modelo neoliberal em países de modernidade tardia, como o Brasil, as observações de Lenio Luiz Streck: “Evidentemente, a minimização do Estado em países que passaram pela etapa do ‘Estado providência’ ou welfare State tem conseqüências absolutamente diversas da minimização do Estado em países como o Brasil, onde não houve o Estado social. O Estado interventor-desenvolvimentista-regulador, que deveria fazer esta função social, foi – especialmente no Brasil – pródigo (somente) para com as elites, enfim, para as camadas médio-superiores da sociedade, que se apropriaram/aproveitaram de tudo deste Estado, privatizando-o, dividindo/loteando com o capital internacional os monopólios e os oligopólios da economia [...]. No Brasil, a modernidade é tardia e arcaica. O que houve (há) é um ‘simulacro de modernidade’. Como muito bem assinala Eric Hobsbawn, o Brasil é um ‘monumento à negligência social’, ficando atrás do Sri Lanka em vários indicadores sociais, como mortalidade infantil e alfabetização, tudo porque o Estado, no Sri Lanka, empenhou-se na redução das desigualdades. Ou seja, em nosso País as promessas da modernidade ainda não se realizaram. E, já que tais promessas não se realizaram, a solução que o establishment apresenta, por paradoxal que possa parecer, é o retorno do Estado (neo)liberal. Daí que a pós-modernidade é vista como a visão neoliberal. Só que existe um imenso déficit social em nosso País, e, por isso, temos que defender as instituições da modernidade contra esse neoliberalismo pós-moderno. [...] É evidente, pois, que em países como o Brasil, em que o Estado social não existiu, o agente principal de toda política social deve ser o Estado. As políticas neoliberais, que visam a minimizar o Estado, não aportarão para a realização de tarefas antitéticas a sua natureza. Veja-se o exemplo ocorrido na França, onde, recentemente, após um avanço dos neoliberais, a pressão popular exigiu a volta das políticas típicas do ‘Estado providência’. Já em nosso País, ao contrário disto, seguimos na contramão, é dizer, quando países de ponta rediscutem e questionam a eficácia (social) do neoliberalismo, caminhamos, cada vez mais, rumo ao ‘Estado absenteísta’, ‘minimizado’, ‘enxuto’ e ‘desregulamentado’ (sic) [...]. É este, pois, o dilema: quanto mais necessitamos de políticas públicas, em face da miséria que se avoluma, mais o Estado, único agente que poderia erradicar as desigualdades sociais, se encolhe! Tudo isso acontece na contramão do que estabelece o ordenamento constitucional brasileiro, que aponta para um Estado forte, intervencionista e regulador, na esteira daquilo que, contemporaneamente, se entende como Estado Democrático de Direito. O Direito recupera, pois, sua especificidade. No Estado Democrático de Direito, ocorre a secularização do Direito. Desse modo, é razoável afirmar que o Direito, enquanto legado da modernidade – até porque temos uma Constituição democrática – deve ser visto, hoje, como um campo necessário de luta para a implantação das promessas modernas”. (STRECK, 2005, p. 24-27)
[8] A respeito de uma das principais características do neoliberalismo, a abordagem de Anthony Giddens: “O antagonismo ao welfare State é um dos traços neoliberais mais característicos. O welfare State é visto como a fonte de todos os males, de maneira muito parecida àquela como o capitalismo era visto outrora pela esquerda revolucionária. [...] O que provê o bem-estar social se o welfare State deve ser desmantelado? A resposta é um crescimento econômico conduzido pelo mercado. Welfare deveria ser entendido não como benefícios estatais, mas como maximização do progresso econômico, e, portanto, riqueza geral, permitindo-se aos mercados operar seus milagres”. (GIDDENS, 2005, p. 23)
[9] A respeito do tema, as palavras esclarecedoras de Rolf Kuntz: “As políticas públicas de pleno emprego estão falidas, admite-se por toda parte; fala-se em redução da semana de trabalho, mas a proposta mais freqüente é tornar as relações de emprego ‘mais flexíveis’. Na Espanha, os socialistas tomam a iniciativa de pôr em debate mudanças desse tipo, como estímulo à sustentação do emprego. Os padrões de competição impostos pelo Extremo Oriente acabam ganhando o status de ‘normalidade’. Enquanto o drama não se resolve, e não se resolverá tão cedo, fecham-se as fronteiras, tenta-se frear a imigração e, de vez em quando, torram-se algumas famílias de estrangeiros. A combustibilidade, como descobriu a nova geração alemã, é uma das propriedades químicas mais interessantes dos povos morenos. Os turcos, porém, nada têm a ver com as decisões de cúpula da Volkswagen, da Kodak, da Nestlé, da Peugeot ou Mitsubishi. Por isso, enquanto as famílias de imigrantes fornecem um alvo à estupidez organizada, os grupos transnacionais prosseguem na sua rearticulação, dando novo formato aos mercados e jogando pela borda milhões de trabalhadores. Se há algo fora de dúvida, quanto a essa reorganização do capital, é o seu caráter excludente e concentrador. Os novos padrões de tecnologia e de gerência criam multidões de excedentes, alargam a distância entre as maiores e as menores remunerações e deixam aos planejadores e políticos um novo problema: descobrir um meio de reincorporar milhões de trabalhadores à atividade produtiva”. (KUNTZ, 2005, p. 145) Em complementação, a oportuna abordagem de José Murilo de Carvalho: “A exigência de reduzir o déficit fiscal tem levado governos de todos os países a reformas no sistema de seguridade social. Essa redução tem resultado sistematicamente em cortes de benefícios e na descaracterização do ‘Estado do bem-estar’. A competição feroz que se estabeleceu entre as empresas também contribuiu para a exigência de redução dos gastos via poupança de mão-de-obra, gerando um desemprego estrutural difícil de eliminar. Isso por sua vez, no caso da Europa, leva a pressões contra a presença de imigrantes africanos e asiáticos e contra a extensão a eles de direitos civis, políticos e sociais. O pensamento liberal renovado volta a insistir na importância do mercado como mecanismo auto-regulador da vida econômica e social e, como conseqüência, na redução do papel do Estado. [...] Diante dessas mudanças, países como o Brasil se vêem frente a uma ironia. Tendo corrido atrás de uma noção e uma prática de cidadania geradas no Ocidente, e tendo conseguido alguns êxitos em sua busca, vêem-se diante de um cenário internacional que desafia essa noção e essa prática”. (CARVALHO, 2007, p. 225-226)
[10] Com a observação de Michel Foucault, deixando claro que esta não é a melhor estratégia no combate à violência e à criminalidade: “se há um desafio político global em torno da prisão, este não é saber se ela será não corretiva; se os juízes, os psiquiatras ou os sociólogos exercerão nela mais poder que os administradores e guardas; na verdade ele está na alternativa prisão ou algo diferente de prisão. O problema atualmente está mais no grande avanço desses dispositivos de normalização e em toda a extensão dos efeitos de poder que eles trazem, através da colocação de novas objetividades”. (FOUCAULT, 1991, p. 268)
[11] Pedro Demo aponta alguns horizontes voltados para o enfrentamento da pobreza: “Em primeiro lugar, torna-se claro que, para enfrentar a pobreza, é mister acertar seu fulcro político, e isto quer dizer, sem tirar nem pôr, que não é possível fugir do confronto. Esse termo parece excessivamente agressivo, mas quer apenas denotar sua dialética intrínseca política. Se o pobre não souber confrontar-se, entra no cenário como massa de manobra e disso não sai mais. Confrontar-se é a habilidade da cidadania democrática, feita dentro de regras de jogo do Estado de Direito, mas plantada na capacidade do pobre de fazer história própria. Não se combate a pobreza sem o pobre no comando desse processo. Em segundo lugar, não basta distribuir, é imprescindível redistribuir renda, tocando decisivamente no espectro das desigualdades vigentes. Os pobres não são pobres apenas porque produzem pouco, são desqualificados, heterogêneos, mas principalmente porque são ‘desiguais’, ou seja, espoliados, marginalizados, imbecilizados. É preciso tocar nessa chaga e virar o sentido histórico do acesso às oportunidades. Redistribuir renda implica necessariamente retirar de quem tem demais, equalizar oportunidades, privilegiar os desprivilegiados, o que coloca outro sentido ao debate sobre focalização das políticas sociais. Quando feita de cima, a focalização acaba em coisa pobre para pobre, inapelavelmente. Quando o pobre é figura central e comanda a focalização, pode ter como resultado iniciativas redistributivas de renda e poder. Sobre esse pano de fundo, o combate à pobreza poderia ser organizado em três dimensões hierárquicas e essenciais: a) primeiro, é mister haver assistência social, porque o direito à sobrevivência é um direito radical; sem ele, não há nada depois; todavia, o mais imediato nem sempre é mais importante; b) segundo, é mister haver inserção no mercado, para que o pobre se auto-sustente, ande com pernas próprias, tenha projeto de vida; c) terceiro, é mister haver cidadania, para que o pobre assuma seu destino com devida autonomia”. (DEMO, 2006, p. 35-36)
Promotor de Justiça - Estado de São Paulo. Graduado e Pós-Graduado (Mestrado em Ciência Jurídica) pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Jacarezinho-PR), instituição onde também atua como Professor Voluntário, participando da orientação e co-orientação de monografias produzidas pelos alunos da Graduação (Trabalhos de Conclusão de Curso). Promotor de Justiça no Estado de São Paulo desde 2000, sendo títular do cargo da Promotoria de Maracaí (entrância inicial) desde 2003. Tem experiência acadêmica e profissional na área da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, com ênfase nos direitos fundamentais sociais e no controle jurisdicional das políticas públicas. Dedica-se à pesquisa na linha da Função Política do Direito, abrangendo temas relacionados ao Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro e Sociologia do Direito. Autor de artigos apresentados em Congressos de âmbito nacional, com publicações nos respectivos anais, bem como de artigos publicados em revistas e periódicos. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEONARDO AUGUSTO GONçALVES, . Origens, conceito e características dos direitos sociais: uma análise das conseqüências do déficit na implementação dos direitos fundamentais de segunda dimensão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2009, 09:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18933/origens-conceito-e-caracteristicas-dos-direitos-sociais-uma-analise-das-consequencias-do-deficit-na-implementacao-dos-direitos-fundamentais-de-segunda-dimensao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: REBECCA DA SILVA PELLEGRINO PAZ
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