INTRODUÇÃO AO TEMA
Nos termos do § 1º do art. 103 da Constituição Federal – e é sempre com base nela que se deve examinar a ordem jurídica no país, “o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade, e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal[1]”. (grifei)
É a própria Carta Magna que lhe confere legitimidades do mais alto nível, como a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade (art. 103, IV) e a suscitação do incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal na hipótese de grave violação dos direitos humanos (art. 109, § 5º). Também é o promotor exclusivo da ação penal daqueles submetidos à jurisdição originária do STF (art. 102, I, ‘b’).
O Supremo Tribunal Federal tem assentado, em inúmeras ocasiões, que o único órgão do Ministério Público legitimado a atuar perante a Corte é o Procurador-Geral da República. Nesse sentido: Suspensões de Segurança 2.764/DF e 2.788/RS, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 13.9.2005 e 23.02.2006; e 2.236/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 26.6.2003; Habeas Corpus 80.463/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, Plenário, DJ 1º.8.2003; Petição 4.234/DF e Reclamação 4.453-MC-AgR/SE, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 1º.02.2008 e 21.8.2008).
Este entendimento, no entanto, admite divergência de peso, v.g., no julgamento ocorrido em 23.09.2009, o Ministro Marco Aurélio votou vencido, julgando procedentes os Agravos Regimentais interpostos pelo Ministério Público do Trabalho (RCLs nº 5543, 4931), e nos embargos de declaração na RCL nº 5304, todas de iniciativa do município de Goiás e no Agravo da RCL 5079, proposta pelo Governo de Roraima.
Todos esses recursos do MPT se voltaram contra decisões liminares concedidas pelo relator das RCLs, ministro Celso de Mello, que suspenderam o curso de ações civis públicas em que se discute a relação trabalhista entre órgãos públicos (caso dos municípios goianos e do estado de Roraima) e seus servidores.
O ministro Marco Aurélio, divergindo do entendimento dos demais ministros, votou pelo conhecimento (julgamento) dos recursos, por entender que, como o MPT atuou nos processos desde sua origem, ele tem o direito de acompanhá-los até a última instância.
O eminente Ministro vem mantendo seu entendimento quanto à matéria, infelizmente acabou vencido, como já havia ocorrido no Agravo Regimental em Agravo Regimental em Medida Cautelar na Reclamação nº 4453, quando lecionou com maestria:
(...)
Uma confusão muito grande é feita, considerada a figura do Ministério Público Federal, espécie – presente o Procurador-Geral da República –, e o Ministério Público no que, em processo existente na origem, já vem atuando.
O processo não é uma corrida de revezamento. Evidentemente, a situação deve ser enfocada perquirindo-se se o Ministério Público do Trabalho, ramo do Ministério Público Federal, já vinha acompanhando o processo desde a origem. O mesmo ocorre em se tratando da Defensoria Pública do Estado, que não tem que passar o bastão, em termos de assistência jurídica e judiciária, à Defensoria da União.
Entendo que, no caso, não há usurpação das atribuições do Ministério Público Federal, espécie, das atribuições do Procurador-Geral da República, e tenho o Ministério Público do Trabalho como parte legítima para a reclamação...[2]
ESPECIFICIDADE DA OFENSA PRATICADA CONTRA MEMBRO DO MPU A LEGITIMAR O ACESSO À CORTE
Todavia, a questão torna-se realmente controvertida – a ensejar uma solução adequada do Pretório Excelso, naqueles casos em que o Procurador-Geral da República seja apontado como autoridade coatora, e a ofensa a direito líquido e certo, seja praticada contra outro órgão do Ministério Público da União, estando este no legítimo exercício de suas atribuições funcionais. Ora, a perdurar o entendimento de que o órgão ministerial de primeiro grau não pode interpor pedido de mandado de segurança quando se sentir ofendido funcionalmente por ato da Chefia da Instituição, não há como deixar de verificar, nessa negativa de acesso, uma indevida restrição do alcance de outra norma constitucional, aquela que diz competir ao STF processar e julgar mandados de segurança contra atos do PGR (art. 103, I, ‘d’), sob pena de se concluir serem os atos do Procurador-Geral insuscetíveis de apreciação judicial.
Ninguém duvida que no âmbito do Ministério Público da União quem representa, originariamente, o Ministério Público junto ao STF é o Procurador-Geral da República. Da mesma forma, não há dúvidas que a atuação dos Promotores da Justiça Militar se dá na área de atribuição da Procuradoria da Justiça Militar onde estiver lotado.
Promotores da Justiça Militar não querem, nem pretendem, nem poderiam atuar junto ao Supremo Tribunal Federal. O Ministério Público Militar de primeiro grau nunca pretendeu exercer funções de atuação privativa do Procurador-Geral da República junto à Corte Suprema!
Os dispositivos constitucionais e legais referidos são suficiente para demonstrar que a atuação ministerial ali fixada lhe é exclusiva. É de convir, entretanto, que cabe ao PGR a prévia oitiva em todos os processos, menos naqueles em que seja apontado como autoridade coatora, onde então deverá prestar informações[3], e a função de custos legis deverá ser exercida pelo Vice-Procurador-Geral da República, que é quem o substitui em seus impedimentos, a teor do art. 27 da LC 75/1993.
POSTULAR AO TRIBUNAL NÃO SE CONFUNDE COM ATUAR NO TRIBUNAL
Dois casos concretos ajudarão a elucidar a questão. Inicialmente, tratou-se do Mandado de Segurança nº 27723 (relator Min. Ricardo Lewandowski), com pedido de medida liminar, impetrado pelo Ministério Público Militar, contra ato do Procurador-Geral da República que restituiu requisição dos representantes ministeriais impetrantes, destinada ao Presidente da Câmara dos Deputados, sob o sob o singelo argumento de que ‘não se insere nas atribuições do Ministério Público Militar atuar em questões sobre a legalidade do ato praticado por autoridade pública federal, ainda que militar, que no caso é específica do Ministério Público Federal’.
Alegou o impetrante que fora instalado o Inquérito Civil Público 1/2008, na Procuradoria da Justiça Militar de Santa Maria, com o objetivo de apurar a existência e a regularidade da utilização de militares em atividades de cunho eminentemente doméstico desenvolvidas nas residências de seus superiores hierárquicos[4]. Buscava-se apurar se, de fato, as atividades desenvolvidas por esses militares são ou não condizentes com a função que ocupam dentro da hierarquia das Forças Armadas.
No segundo caso, o Mandado de Segurança nº 27779 (relatora Min. Ellen Gracie) visou corrigir ato do Procurador-Geral da República que, ao encaminhar requisição-conjunta, oriunda de inquérito civil legalmente instaurado pelo Ministério Público Federal e Ministério Público Militar, fez constar do ofício dirigido ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Defesa, a ressalva que dita requisição conjunta deveria ser acatada tão-somente no que se referia à expedição pelo Procurador da República no inquérito civil nº 01/2007, vez que, em que pese também ser signatário, falece competência ao Promotor da Justiça Militar para tanto. Entendeu-se que tal medida afrontou diversos dispositivos constitucionais, especialmente o princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público e o poder de requisitar informações e documentos para instruir procedimentos, violando o direito líqüido e certo dos impetrantes de produzirem as provas que entendam necessárias à formação de seu convencimento.
Sempre é bom lembrar ser função institucional do Ministério Público brasileiro (incluído o Ministério Público Militar) promover inquérito civil e ação civil pública, podendo requisitar informações e documentos para instruí-los (CF, art. 129, III e VI), sendo estes instrumentos de atuação do Ministério Público da União (do qual o MPM faz parte), previstos para todos os ramos, indistintamente, no art. 6º, VII e, art. 7º, I e II, da LC 75/1993. Ademais, as requisições do Ministério Público, quando tiverem por destinatário Membro do Congresso Nacional ou Ministro de Estado, serão encaminhadas pelo Procurador-Geral da República (LC 75, art. 8º, § 4º), dispositivo confirmado pela Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público, que manda observar o disposto contido na lei complementar, declarando textualmente, não caber valoração do PGR quanto ao contido no expediente, que somente poderá deixar de encaminhar aqueles que não contenham os requisitos legais ou que não empreguem o tratamento protocolar devido ao destinatário (Res. 23/CNMP, art. 6º, § 8º - alterado pela Res.35/2009 e, § 10 – acrescentado pela Res. 35/2009).
De igual forma, a atuação litisconsorciada entre os ramos do Ministério Público da União é autorizada pelo art. 5º, § 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7347/1985), sendo que a Resolução nº 87/2006, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, prevê no parágrafo único de seu art. 8º, a possibilidade de atuação conjunta entre os órgãos do Ministério Público da União e dos Estados Membros[5].
Ora, no MS 27723, o Ministro Ricardo Lewandowski extinguiu o processo sem julgamento do mérito por acatar os argumentos do Procurador-Geral da República quanto à ilegitimidade do órgão do MPM em ter acesso ao STF. Dessa decisão foi interposto tempestivo Agravo Regimental, visando levar a decisão ao Plenário da Corte, todavia, por considerar contundentes os argumentos da autoridade apontada como coatora, S.Exa, de forma monocrática, negou seguimento ao presente agravo regimental, com base no art. 21, § 1º, do RISTF. A questão, portanto, não pode ser apreciada pelo Plenário.
Melhor sorte não socorreu ao MPM no mandado de segurança nº 27779, que, da mesma forma e pelos mesmos fundamentos, foi extinto sem julgamento do mérito. Tendo sido, igualmente, interposto Agravo Regimental, a ilustre Relatora Ministra Ellen Gracie, deu nova vista à Procuradoria-Geral da República, onde estão os autos desde o dia 17.03.2009, e, ao final do ano judiciário, de lá ainda não haviam retornado.
A utilização, na impetração do MS, do designativo “Ministério Público Militar” não afasta a sua ratio essendi, que é a de garantir, aos Promotores da Justiça Militar o pleno exercício de suas atribuições.
Ou seja, o Ministério Público Militar não pretendeu atuar junto ao Supremo Tribunal Federal, mas sim interpôs medida constitucional e legalmente prevista para esta Corte Superior visando à proteção dos direitos e prerrogativas que lhe são inerentes.
Ou, para se usar a feliz construção do ilustre doutrinador Emerson Garcia:
“Em que pese a obviedade, é importante que não seja confundida a atuação do Promotor de Justiça, na condição de representante do Ministério Público e com o fim de realizar a atividade finalística deste, com a atuação do agente que ocupa o cargo de Promotor de Justiça visando à proteção dos direitos e prerrogativas que lhe são inerentes. Neste caso, poderá o agente postular ao tribunal[6] - qualquer que seja, a depender da autoridade coatora – e apresentar a irresignação recursal que entenda pertinente[7], isto porque os Procuradores de Justiça [dizemos nós os Subprocuradores-Gerais da República] são representantes do Ministério Público, não do agente que ocupa o cargo de Promotor de Justiça. Como afirmou o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, ‘a legitimidade ad causam no mandado de segurança pressupõe que o impetrante se afirme titular de um direito subjetivo próprio, violado ou ameaçado por ato de autoridade; no entanto, segundo assentado pela doutrina mais autorizada (CF. Jellinek, Malberg, Duguit, Dabin, Santi Romano), entre os direitos públicos subjetivos se incluem os chamados direitos-função, que tem por objetivo a posse e o exercício da função pública pelo titular que a desempenha, em toda a extensão das competências e prerrogativas que a substantivem: incensurável, pois a jurisprudência brasileira, quando reconhece a legitimidade do titular de uma função pública para requerer segurança contra ato do detentor de outra, tendente a obstar ou usurpar o exercício da integralidade de seus poderes ou competências: a solução negativa importaria em subtrair da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito[8]”[9]
CONCLUSÃO
Apenas a guisa de argumentação convém ponderar como já foi feito quando da interposição dos agravos regimentais: A quem competiria defender junto ao STF a independência funcional e o exercício das funções institucionais do Promotor da Justiça Militar signatário em casos como este, onde se questiona ato equivocado do ilustre Procurador-Geral da República que teria violado, dentre outros preceitos constitucionais, a independência funcional de um membro do Ministério Público da União? Ao que nos parece não há precedente na Corte Suprema.
Com toda certeza não seria o ilustre Procurador-Geral da República já que a violação dos direitos acima referidos a ele foi imputada, não sendo crível imaginar-se que o próprio PGR impetrasse mandado de segurança contra ato que ele mesmo praticou.
Também não se pode concluir que, dotados de autonomia funcional e incumbidos da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, tivessem os Promotores da Justiça Militar (e os procuradores da república, os procuradores do trabalho e os promotores de justiça do DF) que recorrer à Advocacia-Geral da União para fazer valer suas prerrogativas, as quais são inerentes ao exercício de suas funções e irrenunciáveis (art. 21 da LC 75/93), constituindo dever imposto a todos os Membros do Ministério Público da União velar por elas (art. 236, III, da LC 75/93).
E também seria de todo inaceitável que os Promotores da Justiça Militar tivessem de contratar Advogado, arcando com honorários, para poder fazer valer as prerrogativas que a Constituição e as Leis lhe outorgaram no lídimo exercício de sua nobre função.
Ou não?
[1] LC 75/1993: Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.”
[2] STF, Pleno. Reclamação nº 4453 – Agravo Regimental em Agravo Regimental em Medida Cautelar. Rel. Min. Ellen Gracie. Brasília/DF. Pub. Em 27/03/09.
[3] Lei 10.016, de 07.08.2009, art. 7º, inciso I – LMS.
[4] O emprego de militares (taifeiros) em atividades domésticas na residência de superiores hierárquicos, em tese constitui improbidade administrativa (art. 9º, inciso IV, da Lei 8429/92). Nesse sentido, o MPM interpôs ACP perante a 3ª Vara Federal de Santa Maria-RS, visando obrigar à União, por meio das Forças Armadas, a não fazer uso, em todo território nacional, de militares subalternos das Forças Armadas em tarefas de cunho eminentemente doméstico nas residências de seus superiores. Indeferida a inicial pela magistrada federal, foi dado provimento unânime à apelação pela 3ª Turma do TRF/4 – Apelação 2008.71.02.004712-8/RS.
[5] Outro precedente importante em favor do MPM é a decisão liminar, proferida pela Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, da 4ª Turma do TRF/4, proferida em AI nº 2008.04.00.006852-3-RS, reconduzindo o MPM ao pólo ativo de ACP interposta em conjunto com o MPF perante a 2ª Vara Federal de Santa Maria, visando a implementação da prestação alternativa aos objetores de consciência do serviço militar obrigatório.
[6] Vide STF, Pleno, MS nº 22.495/DF, rel. Ministro Ilmar Galvão, julgado em 14.05.1997, DJU de 18.05.2001, p.434.
[7] Vide STJ, 6ª T, rel. Ministro, 6ª T, ROMS nº 12.485/SE, rel. Ministro Vicente Leal, julgado em 06.02.2001, DJU de 05.03.2001, p.240.
[8] Vide STF, Pleno, MS nº 21.239/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 05.06.1991, DJU de 23.04.1993, p.6.920.
[9] GARCIA, Emerson. Ministério Público. Organização, Atribuições e Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 355.
Membro do Ministério Público da União. Promotor da Justiça Militar, exercendo suas atividades na Procuradoria da Justiça Militar em Santa Maria/RS. Oficial da reserva não remunerada da Polícia Militar do Estado do Paraná, lecionou na Academia Policial Militar do Guatupê e no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças. Foi também Promotor de Justiça do Paraná, entre os anos de 1995 a 1999. Sócio fundador da Associação Internacional das Justiças Militares e membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar. Articulista assíduo em várias revistas jurídicas e Palestrante do Direito Militar, em inúmeros eventos, destacando-se o 1º Encontro Internacional de Direitos Humanos, Direito Penal e Direito Militar, realizado em Brasília/DF, em novembro de 2000, e o II Encontro Internacional de Direito Humanitário e Direito Militar, realizado em Florianópolis/SC, em dezembro de 2003. Semana de Reflexão sobre a Justiça Militar, realizado na cidade de Praia, República de Cabo Verde, em março de 2008, aonde palestrou a convite do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas daquele país, e o 3º Encontro de Direito Humanitário e Direito Militar, realizado pela Associação Internacional das Justiças Militares-AIJM, na cidade de Santiago, Chile, em maio de 2008, onde atuou na condição de Secretário Geral - Ad Hoc, da AIJM. Autor de livros relacionados a área militar. Site: www.jusmilitaris.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, Jorge Cesar de. Acesso ao STF nos casos de mandado de segurança contra ato do Procurador-Geral da República Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 fev 2010, 07:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19298/acesso-ao-stf-nos-casos-de-mandado-de-seguranca-contra-ato-do-procurador-geral-da-republica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
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Por: Sócrates da Silva Pires
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