1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO
A Constituição Federal brasileira, tratando sobre as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), dispôs em seu art. 143 que o serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
O § 1º do referido artigo prevê a atribuição de serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência , que é um direito garantido pelo art. 5º, inciso VIII da Carta Magna, que não admite a privação de direitos do objetor, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta (serviço militar obrigatório) e recusar-se a cumprir prestação alternativa (serviço alternativo ao serviço militar).
A Lei que trata do Serviço Militar Obrigatório é a de nº 4.375/64, regulamentada pelo Decreto de nº 57.654/66.
“No início do século passado, Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, poeta, jornalista, fundador e membro da Academia Brasileira de Letras e grande propagandista do Serviço Militar Obrigatório e dos Tiros de Guerra , percorreu o País conclamando a mocidade a servir a Pátria que ele tanto amava”.
Nos últimos tempos vem crescendo, na área da 3ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar (3ª Aud / 3ª CJM), o número de Termos de Insubmissão lavrados contra médicos, colocados assim, na condição de insubmissos . Sabe-se também que procedimentos semelhantes estão sendo realizados pelo Brasil afora.
A questão merece análise mais apurada já que na hipótese, há incidência de uma Lei específica, de n° 5.292, de 08 de junho de 1967, que dispõe sobre a prestação do serviço militar pelos estudantes de medicina, farmácia, odontologia e veterinária e, pelos médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários (LMFDV).
Há que se efetuar o cotejo, entretanto, com a Lei n° 4.375, de 17 de agosto de 1964 – Lei do Serviço Militar, a qual, disciplinando o serviço militar obrigatório a que se refere o art. 143 da Constituição Federal, foi por esta devidamente recepcionada.
2. ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS LEGAIS QUE PREVÊEM A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MILITAR DO PESSOAL DA ÁREA DE SAÚDE.
A Lei n° 4.375, de 17 de agosto de 1964, a chamada Lei do Serviço Militar – LSM, disciplina o serviço militar obrigatório a que se refere o art. 143 da Constituição Federal, tendo sido por ela recepcionada.
A Lei n° 4.375/1964 ao tratar da incorporação -– que, de acordo com seu art. 20, é o ato de inclusão do convocado em uma Organização Militar (OM) da ativa – prevê, no art. 29, os casos em que ela pode ser adiada. Dentre esses casos de adiamento da incorporação, a alínea “e” do art. 29 trata especificamente dos candidatos à matrícula em instituição de ensino superior para formação em medicina, farmácia, odontologia e veterinária. O dispositivo referido tem a seguinte redação:
“Art. 29. Poderão ter a incorporação adiada: (...)
e) os que estiverem matriculados ou que se candidatem à matrícula em Institutos de Ensino destinados à formação de médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários, até o término ou interrupção do curso.”
A Lei n° 4.375/1964, prevê ainda no § 4º do referido art. 29, que as pessoas que tiverem a incorporação adiada por se candidatarem a curso superior de formação em medicina,farmácia, odontologia e veterinária, terão a sua situação regulada em lei especial, verbis:
“§ 4° Aqueles que tiverem a incorporação adiada, nos termos da letra e, deste artigo, e concluírem os respectivos cursos terão a situação militar regulada em lei especial. Os que não terminarem os cursos, e satisfeitas as demais condições, terão prioridade para matrícula nos órgãos de Formação de Reserva ou incorporação em unidade da ativa, conforme o caso. (...) (destaquei)
A lei especial de que trata esse dispositivo é a Lei n° 5.292, de 8 de junho de 1967, que dispõe sobre a prestação do serviço militar pelos estudantes de medicina, farmácia, odontologia e veterinária e pelos médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários (LMFDV).
Pelo artigo 3º da Lei nº 5.292/67, os brasileiros natos diplomados por Instituto de Ensino, oficial ou reconhecido, prestarão o serviço militar normalmente nos serviços de saúde ou veterinária das Forças Armadas.
A prestação do serviço militar de que trata o presente artigo será ralizada, em princípio, através de estágios:
a) de Adaptação de serviço (EAS) , que constitui o modo pelo qual os MFDV que terminam os cursos prestarão o serviço militar a que são obrigados pela lei específica.
b) de Instrução e Serviço (EIS)
O art. 4° da Lei n° 5.292/1967 estabelece o momento em que os médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários, que como estudantes obtiveram adiamento de incorporação prestarão serviço militar obrigatório:
“Art 4° Os MFDV que, como estudantes, tenham obtido adiamento de incorporação até a terminação do respectivo curso prestarão o serviço militar inicial obrigatório, no ano seguinte ao da referida terminação, na forma estabelecida pelo art. 3° e letra “a” de seu parágrafo único, obedecidas as demais condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação”.
Ressalte-se que o art. 4° da Lei n° 5.292/1967 se refere aos médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que receberam, quando estudantes, o adiamento de incorporação, porque, conforme a Lei n° 4.375/1964, iriam se candidatar a curso superior de formação em medicina, farmácia, odontologia e veterinária.
O disposto no § 2° do art. 4º da Lei n° 5.292/1967 não afasta esse entendimento, uma vez que o Certificado de Reservista ou de Dispensa de Incorporação deve se dar, de acordo com a Lei n° 5.292/1967 e Lei n° 4.375/1964, pelo adiamento de incorporação fundamentado na candidatura à curso superior de formação em medicina, farmácia, odontologia e veterinária.
Dai se conclui que a dispensa de incorporação, que tenha outro fundamento, não autoriza, portanto, a posterior convocação para o serviço militar.
O Decreto n° 63.704, de 29 de novembro de 1968, que regulamenta a Lei n° 5.292/1967, coloca-se no mesmo sentido, ao estabelecer no art. 8° que os estudantes candidatos à matrícula em instituição de ensino superior em medicina, farmácia, odontologia e veterinária podem ter concedido adiamento de incorporação:
“Art 8° Aos estudantes candidatos à matrícula nos IEMFDV que, na época da seleção das respectivas classes, pelo menos estejam aprovados no 2° ano do Ciclo Colegial do Ensino Médio, poderá ser concedido adiamento de incorporação, por um ou dois anos”.
Nos dispositivos subseqüentes, o Decreto n° 63.704/1968 prevê um procedimento administrativo a ser observado ao fim do adiamento de incorporação, que é concedido por um ou dois anos, a requerimento do interessado. Esse procedimento revela que o interessado deve fazer prova, junto à Organização Militar, de que obteve matrícula em instituição de ensino superior de medicina, farmácia, odontologia e veterinária, sem o que fica obrigado a apresentar-se para o serviço militar obrigatório imediatamente. Provando, todavia, que está fazendo um dos cursos acima referidos, a prestação do serviço militar obrigatório fica retardada até que conclua o curso, conforme dispõem os §§ 1º a 4º do referido art. 8º e, os §§ 1º e 2º do art. 9° do citado Regulamento, que se transcreve a seguir:
“§ 1° O adiamento de incorporação de que trata este artigo será concedido mediante requerimento do interessado, nas condições fixadas na LSM (Lei do Serviço Militar) e sua regulamentação.
§ 2° Os que tiverem obtido adiamento de incorporação por dois anos deverão apresentar-se, após decorrido um ano, ao órgão do Serviço Militar competente, para revalidação do CAM (Certificado de Alistamento Militar).
§ 3° Findo o prazo do adiamento concedido, caso não obtenham matrícula em nenhum IEMFDV (institutos de ensino, oficiais ou reconhecidos, destinados à formação de médicos, farmacêuticos, dentistas ou veterinários), concorrerão, com a primeira classe a ser convocada, com prioridade, em igualdade de condições de seleção, à matrícula em Órgão de Formação de Reserva ou à incorporação em Organização Militar da Ativa, conforme o caso.
§ 4° Os que, na conformidade do parágrafo anterior, tiverem de ser designados à incorporação, imediatamente antes de realizados ou terminados os exames para matrícula em IEMFDV, deverão ser destinados à última época de incorporação e esta só se efetivará, caso a matrícula no IE (instituição de ensino) não seja efetuada. (...)
Art 9° Os estudantes regularmente matriculados nos IEMFDV poderão ter a incorporação adiada por tempo igual ao da duração do respectivo curso, fixada na legislação específica, ou até a sua interrupção.
§ 1° Findo o tempo de duração normal de cada curso, quando também estarão terminados os correspondentes prazos dos adiamentos concedidos, os que necessitarem de novo adiamento, para conclusão do curso, deverão requerê-lo, anualmente.
§ 2° Os que tiverem a incorporação adiada, de acordo com o presente artigo, deverão apresentar-se, anualmente, ao órgão do Serviço Militar competente, com a situação de estudante perfeitamente comprovada, através de declaração prestada, obrigatoriamente, pelo respectivo IE, em uma “Ficha de Apresentação Anual” (FIAP – Modelo no Anexo A), de que o interessado continua a fazer jus ao adiamento de incorporação”. (destaquei)
Cabe salientar que o Decreto n° 57.654, de 20 de janeiro de 1966, que regulamenta a Lei n° 4.375/1964 - LSM, ao tratar da incorporação, estabelece uma diferença entre a dispensa de incorporação por excesso de contingente e o adiamento de incorporação por matrícula em curso superior de medicina, farmácia, odontologia, medicina e veterinária.
Os arts. 93 e 95 do Decreto n° 57.654/1966 definem o excesso de contingente e a respectiva emissão do Certificado de Dispensa de Incorporação, da seguinte forma:
“Art. 93. Os convocados à incorporação ou matrícula que, por qualquer motivo, não forem incorporados nas Organizações Militares da Ativa ou matriculados nos Órgãos de Formação de Reserva constituirão o excesso do contingente e serão relacionados nas CSM, ou órgão correspondente da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. (...)
§ 2° Constituirão o excesso do contingente os brasileiros residentes em municípios tributários e que:
1) tenham sido julgados aptos em seleção e não tenham podido receber destino de incorporação ou matrícula por excederem às necessidades; (...)
Art. 95. Os incluídos no excesso do contingente anual, que não forem chamados para incorporação ou matrícula até 31 de dezembro do ano designado para a prestação do Serviço Militar inicial da sua classe, serão dispensados de incorporação e de matricula e farão jus ao Certificado de Dispensa de Incorporação, a partir daquela data”.
Posteriormente, o art. 96 do Decreto n° 57.654/1966 define o adiamento de incorporação, determinando, no seu § 3°, o que deverá ser anotado no Certificado de Alistamento Militar, enquanto que o art.98 estipula o período do adiamento possível:
“Art. 96. O adiamento de incorporação e de matrícula constitui o ato de transferência de um conscrito de uma classe para prestar o Serviço Militar com outra classe posterior à sua. (...)
§ 3º A concessão dos adiamentos de incorporação será anotada no CAM do interessado, após o pagamento da Taxa Militar, na forma do Art. 224, deste Regulamento, seja pelas CS, quando fixas, seja pelo órgão alistador correspondente. As CSM registrarão as referidas concessões.
(...)
Art. 98. Poderão ter a incorporação adiada:
1) por 1 (um) ano ou 2 (dois) anos: (...)
c) os que se candidatarem à matrícula em Institutos de Ensino, oficiais ou reconhecidos, destinados à formação de médicos, dentistas, farmacêuticos ou veterinários, desde que aprovados no 2º ano do Ciclo Colegial de Ensino Médio, à época da seleção da sua classe.
2) por tempo igual ao da duração dos cursos ou até a sua interrupção, os que estiverem matriculados: (...)
c) em Institutos de Ensino, oficiais ou reconhecidos, destinados à formação de médicos, dentistas, farmacêuticos ou veterinários. (...)
3) pelo tempo de permanência no exterior: (destaquei)
...
b) os que obtiverem bolsas de estudo no exterior, de caráter técnico, científico ou artístico, até data anterior à que lhe foi marcada para incorporação ou matrícula, na forma dos parágrafos 4º e 5º do art. 96 do presente Regulamento.
§ 1º Os que tiverem a incorporação adiada nos têrmos do número 1, deste artigo: (...)
3) candidatos à matrícula nos Institutos de Ensino destinado à formação de médicos, dentistas, farmacêuticos ou veterinários, que não obtenham matrícula em nenhum dêsses Institutos, concorrerão, com prioridade, à incorporação, nas Organizações Militares da Ativa, com a primeira classe a ser convocada.
§ 2º Os que tiverem a incorporação adiada, de acôrdo com o número 2 dêste artigo, após concluírem os cursos: (...)
3) os da letra c terão a situação regulada em legislação especial.
§ 3º Os que tiverem a incorporação adiada de acôrdo com o número 2, dêste artigo, e que interromperem o respectivo curso: (...)
3) os da letra c, terão prioridade, em igualdade de condições de seleção, para matrícula em órgãos de Formação de Reserva ou terão prioridade para incorporação em Organização Militar da Ativa, com a primeira classe a ser convocada, conforme o caso.
§ 4º Os que tiverem a incorporação adiada, até a terminação ou interrupção dos cursos, por estarem matriculados em Institutos de Ensino destinados à formação de sacerdotes e ministros de qualquer religião ou de membros de ordens religiosas regulares, bem como em Institutos de Ensino destinados à formação de médicos, dentistas, farmacêuticos ou veterinários, deverão apresentar-se anualmente ao Órgão do Serviço Militar adequado, a fim de terem, sucessivamente, prorrogada a data de validade do CAM, registrada na ocasião da concessão do adiamento”.
Percebe-se, portanto, a partir de uma interpretação sistemática da Lei n° 4.375/1964 - LSM, e da Lei n° 5.292/1967 - LMFDV com o seu regulamento contido no Decreto n° 63.704/1968, que somente quando o Certificado de Reserva ou de Dispensa de Incorporação é concedido por adiamento de incorporação para realização de curso superior em medicina, farmácia, odontologia e veterinária o posterior serviço militar pode ser cobrado do médico, farmacêutico, dentista e veterinário.
Assim, aquele que recebeu dispensa de incorporação por qualquer outro motivo – por exemplo, excesso de contingente – fica desobrigado da prestação do serviço militar depois de formado.
Esse entendimento está firmado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR DA ÁREA DE SAÚDE. DISPENSA POR EXCESSO DE CONTINGENTE. CONVOCAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 4° DA LEI 5292/67. INAPLICABILIDADE.
O mencionado dispositivo não há de se aplicar ao recorrido, como bem constatado pelo decisum, considerando que fora dispensado, não em razão de sua condição de estudante, mas em função do excesso de contingente. Violação não caracterizada. Recurso desprovido.
(STJ – 5ª Turma, Resp 437.424-RS, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. em 06.03.2003, por unanimidade, DJ 31.03.2003, p. 250)
Não se nega portanto, que os médicos, assim como outros profissionais da área de saúde, recebam um tratamento diferenciado quando da prestação do serviço militar, o que se fundamenta, como aqui se expôs, na Lei n° 4.375/1964, estando disciplinado pela Lei n° 5.292/1967. No voto do Ministro José Arnaldo da Fonseca, relator do Recurso Especial n° 437.424-RS, da 5ª Turma do STJ, ficou assentado o seguinte:
“(...) Há que se fazer a distinção para os casos em que ocorreu adiamento e aqueles em que se trata de excesso de contingente. Tal questão foi enfrentada no julgamento dos Embargos Infringentes na AC 96.04.25172/RS, pelo MM Juiz Amir Finochiaro Sarti:
“Há duas situações que precisam ficar claramente diferenciadas: uma, a de quem é dispensado do serviço militar por excesso de contingente; outra, a dos que obtém o adiamento da incorporação do serviço militar para concluir curso de medicina, farmácia, odontologia ou veterinária.
A primeira, é disciplinada pela Lei n° 4.375-64 – a lei geral do serviço militar.
A segunda, pela Lei n° 5.292/67 – que dispõe sobre a prestação do serviço militar pelos estudantes de medicina, farmácia, odontologia e veterinária.
Nenhuma dessas leis, assinale-se desde logo, dá poderes ilimitados à Administração para convocar quem tenha sido dispensado do serviço militar ou tenha obtido adiamento da sua incorporação.
Nos termos da Lei n° 4.375/64, o brasileiro dispensado por excesso de contingente só pode ser convocado “até 31 de dezembro do ano designado para a prestação do serviço militar inicial da sua classe” (art. 30, § 5°, Decreto n° 57.654/66, art. 95). Já os que mereceram adiamento da incorporação para freqüentar a faculdade de medicina, farmácia, odontologia ou veterinária, “são considerados convocados para a prestação do serviço militar no ano seguinte ao da terminação do curso” (Lei n° 5.292, art. 9°).
Em nenhum caso, repito, o indivíduo fica indefinidamente exposto ao chamado das Forças Armadas.
Na espécie, verifica-se que o embargante foi dispensado por excesso de contingente, pois à época, ainda não era acadêmico de medicina. Nessa situação, como vista só poderia ter sido convocado até 31 de dezembro do ano designado para a prestação do serviço militar inicial da sua classe – e não o foi.
Sucede que, mais tarde, ingressou no curso de medicina, “retornando, assim, ao sistema” no dizer das autoridades militares -, pois “os MFDV que sejam portadores de certificados de Reservistas de 3ª Categoria ou de Dispensa de Incorporação, ao concluírem o curso, ficam sujeitos à prestação do serviço militar de que trata o presente artigo” (Lei n° 5292/67, art. 4°, § 4°). Todavia, como apontado, nessa condição só poderia ter sido convocado “para a prestação do serviço militar no ano seguinte ao da terminação do curso” (Lei 5292/67, art. 9°) – mas também não o foi.
(...)
Consta, todavia, do Certificado de Dispensa de Incorporação do Autor – (...) que foi dispensado do serviço militar em 1990, não por ser estudante de medicina, e sim por ter sido incluído no excesso de contingente.
Assim, não tendo sido convocado no próximo contingente a prestar serviço militar, vedada tal exigência mais tarde.(...)”
3. HIPÓTESES DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO PELO PESSOAL DA ÁREA DA SAÚDE
Com o que já foi visto até agora, é possível estabelecer algumas hipóteses relacionadas com a prestação de serviço militar obrigatório por médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários:
a -. CONSCRITO QUE EFETIVAMENTE PRESTOU O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO ANTES DE ENTRAR NA FACULDADE DE MEDICINA.
Nesta hipótese, em tempo de paz, não há como se cogitar da convocação de qualquer profissional, de qualquer área, inclusive da saúde.
Se o cidadão prestou regularmente o serviço militar obrigatório, sua situação está perfeita, quite com o seu dever para com a Pátria, recebeu seu Certificado de Reservista de 1ª Categoria, nos exatos termos dos arts. 75, letra b, da Lei do Serviço Militar e, 164, § 2º de seu Regulamento.
b – CONSCRITO QUE FOI DISPENSADO DO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO POR EXCESSO DE CONTINGENTE.
Aquele que foi dispensado por excesso de contingente, sem que tenha requerido qualquer adiamento como candidato à matrícula nos cursos da área da saúde (era vestibulando) só poderá ser convocado até 31 de dezembro do ano designado para a prestação do serviço militar de sua classe, nos exatos termos dos arts. 30, § 5º, da LSM e, art. 95 de seu Regulamento.
Posteriormente, ainda que como MFDV não poderá ser objeto de convocação tardia. É o exemplo referido no julgamento do STJ, retro referido.
Desta forma, incluído originariamente (na época da 1ª seleção de sua classe) na condição de EXCESSO DE CONTINGENTE, o civil tido como insubmisso terá sua situação militar regulada pela lei geral do serviço militar, a Lei nº 4.375/64, e não pela Lei nº 5.292/67 (MFDV), que é específica.
c – CONSCRITO QUE RECEBEU ADIAMENTO DE INCORPORAÇÃO PORQUE ESPERAVA ENTRAR NA FACULDADE DE MEDICINA, FARMÁCIA, ODONTOLOGIA OU VETERINÁRIA.
É o caso do art.8º do Decreto 63.704/1968, quando o alistado se encontrava no 2º ou 3º ano do ensino de 2º grau. Se o conscrito não passou no vestibular, irá concorrer normalmente, com a 1ª classe a ser convocada, com prioridade, em igualdade de condições de seleção à matrícula em órgão de Formação de Reserva ou à incorporação em Organização Militar da Ativa, conforme o caso, nos termos do § 3º do artigo referido.
Se passar no vestibular, terá adiada sua incorporação até a conclusão do curso, após o que, inevitavelmente, terá que prestar o serviço militar obrigatório, agora na forma de EAS.
Acontece, que tendo ingressado posteriormente no curso de Medicina, Farmácia, Odontologia ou Veterinária, entendem as autoridades militares que o mesmo retornou ao sistema, já que “os MFDV que sejam portadores de certificados de reservistas de 3ª categoria ou de dispensa de incorporação, ao concluírem o curso ficam sujeitos à prestação do serviço militar de que trata o presente artigo” (Lei nº 5.292/67, art. 4º, § 4º). Todavia, essa condição dependerá de ter tido o médico, farmacêutico, dentista ou veterinário, por ocasião do alistamento inicial, adiada sua incoporação porque iria cursar a faculdade. Mas desta forma somente poderá ser convocado “para a prestação do serviço militar no ano seguinte ao de terminação do curso” (Lei nº 5.292/67, art. 9º)
d – CONSCRITO QUE RECEBEU ADIAMENTO DE INCORPORAÇÃO PORQUE FOI APROVADO NO VESTIBULAR E ESTAVA MATRICULADO NA FACULDADE DE MEDICINA, FARMÁCIA, ODONTOLOGIA OU VETERINÁRIA:
É o caso do art. 9º da LMFDV. Irá prestar o serviço militar obrigatório imediatamente depois de formado.
e- MÉDICO, FARMACÊUTICO, DENTISTA E VETERINÁRIO QUE RECEBERAM ADIAMENTO DE INCOPORAÇÃO PORQUE OBTIVERAM BOLSAS DE ESTUDO, DE CARÁTER TÉCNICO-CIENTÍFICO PARA REALIZAÇÃO NO EXTERIOR.
Hipótese excepcional, prevista para aqueles profissionais da área da saúde já formados, desde que tenham recebido bolsas de estudo a serem realizadas no exterior, fora do Brasil.
Não está ai incluída a hipótese de adiamento de incorporação para a realização de Residência Médica no Brasil. Mesmo tal hipótese excepcional, refere-se somente àqueles médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que, como estudantes, obtiveram o adiamento de incorporação durante a realização do curso e ainda estão em débito com o serviço militar.
É a hipótese do art. 9º, § 4º, da LMFDV, c/c art. 98, nº 3, e letra b, do Decreto nº 57.654/1966.
4. AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES DE ADIAMENTO DE INCORPORAÇÃO PARA NELAS SE INCLUIR A RESIDÊNCIA MÉDICA
A análise de várias Instruções Provisórias de Insubmissão – IPI, permitiram constatar que a 3ª Região Militar , subordinada ao Comando Militar do Sul, do Exército Brasileiro, passou a oferecer uma hipótese extra-legal de adiamento de incorporação àqueles médicos (e somente aos médicos) que tiveram a incorporação adiada como estudantes de medicina, ou seja, a possibilidade de conseguir novo adiamento, dando como fundamento a realização de Residência Médica Hospitalar e sua Especialidade. Para tanto, o formulário padrão de requerimento ampara-se no § 4º do art. 9º, da Lei nº 5.292/67 (LMFDV).
Ora, o § 4º do art. 9º da Lei nº 5.292/67, secundado pelo § 4º do art.11 do Decreto nº 63.704/68 – que a regulamentou, ambos de merediana clareza, dirigindo-se agora aos médicos já formados, referiu que o adiamento de incorporação, daqueles selecionados e convocados, poderá ser obtido “ até o dia anterior marcado para a designação à incorporação”, para os “MFDV que obtiverem bolsas de estudo, de caráter técnico-científico, por prazo correspondente ao tempo de permanência no exterior (grifei e destaquei), sendo que ao regressar ao Brasil, estará sujeito à prestação do EAS, na forma prescrita na lei e sua regulamentação”.
Desta forma, ainda que de incontestável importância não há como incluir a Residência Médica – em qualquer especialidade, dentro do conceito de bolsas de estudo, de caráter técnico-científica, relacionados com o respectivo diploma e previsto no § 4º do art. 9º, da Lei nº 5.292/67, simplesmente porque tal hipótese somente ampara o MFDV que for realizá-la no EXTERIOR, fora do Brasil, sendo esta a única hipótese prevista pelo legislador para a dispensa de incorporação dos profissionais de saúde após formados.
Se a Residência Médica for realizada no exterior, possivel então o adiamento de incoporação.
Bem por isso, se a Administração Militar, sponte sua, e sem amparo legal, resolveu ampliar as hipótese de adiamento de incorporação para nelas incluir apenas o médico formado que apresentar declaração de que foi matriculado ou que está cursando Residência Médica, Curso de Pós Graduação ou similar, em instituições reconhecidas pelo Conselho Federal de Educação , não pode depois, pretender incorporá-los quando de sua conveniência, nem muito menos considerá-los insubmissos.
5. CONCLUSÃO
A primeira conclusão que se impõe, ante o que foi analisado anteriormente é a de que os Médicos, Farmacêuticos, Dentistas e Veterinários estão igualmente obrigados – como qualquer cidadão, a prestar o serviço militar obrigatório nos termos do art. 143 da Constituição Federal.
Este serviço militar se dará na forma de Estágio de Adaptação e Serviços – EAS. Constata-se também que tanto a lei geral do serviço militar (Lei nº 4.375/64) como a lei específica dos MFDV (Lei nº 5.292/67), e seus respectivos regulamentos, privilegiaram a formação da área de saúde, inclusive propiciando aos candidatos à matrícula em cursos da área da saúde (vestibulandos) condições para pedir adiamento de incorporação por um ou dois anos, caso estejam cursando no momento da seleção de sua classe o 2º ou 3º ano do ensino do 2º grau, prorrogando este adiamento até o ano seguinte da conclusão do curso se ingressarem na faculdade.
Também irão prestar o serviço militar obrigatório como Oficiais enquanto todos os demais o prestam como recrutas ou alunos dos núcleos de formação de oficiais da reserva, não restando assim, qualquer dúvida que o pessoal da área da saúde foi privilegiado em relação a obrigação imposta a todos os brasileiros pela Carta Magna.
O passo seguinte é igualmente concluir-se que os médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários, que como alunos obtiveram adiamento de incorporação por ocasião da seleção de sua classe, deverão obrigatoriamente prestar o serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do curso de medicina, farmácia, odontologia e veterinária.
A única hipótese de novo adiamento – agora ao MFDV já formado é a de que ele obtenha bolsa de estudo, de caráter técnico-científico, relacionada com o respectivo diploma, até o dia anterior ao marcado para a designação à incorporação, e assim poderá obter novo adiamento pelo prazo correspondente ao tempo de permanência no exterior. Ao regressar ao Brasil, estarão sujeitos à prestação do EAS, na forma prescrita em lei e na sua regulamentação.
A hipótese – frize-se, excepcional de adiamento concedido ao profissional já formado da área de saúde, está diretamente vinculada ao ensino no exterior, fora do Brasil.
Da mesma forma, razoável supor que essa excepcional hipótese de adiamento de incorporação somente poderá ser concedida uma única vez, sob pena de se frustar a eventual prestação do EAS àquele que tiver a incorporação adiada por quatro, seis, dez anos, ou mais como sói acontecer.
E, por fim concluir que a Administração Militar, por vontade própria mas contra a lei, ampliou as hipóteses legais de adiamento de incorporação de MFDV já formados, para nelas incluir a realização de Residência Médica no Brasil.
Além de não encontrar amparo legal que a justifique, a referida ampliação privilegia ainda mais aos médicos, em detrimento dos demais profissionais de saúde.
A hipótese parece contrariar os interesses das próprias Forças Armadas uma vez que médicos beneficiados indevidamente com repetidos adiamento de incorporação para realizarem Residência Médica, ao serem finalmente convocados, culminam por ingressar na Justiça Federal, buscando a declaração da isenção de prestar o serviço militar obrigatório, frequentemente vêm obtendo sucesso, visto que os alunos do curso de Medicina, que obtiveram adiamento de incorporação por terem ingressado na faculdade, serão considerados convocados para a prestação do serviço militar no ano seguinte ao da terminação do curso ( Lei nº 5.292/67, art.9º) e não quando, passado este marco inexorável, resolve a Administração Militar convocá-lo.
Notas
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1. A análise se limita à prestação do serviço militar obrigatório a ser cumprido pelo pessoal da área da Saúde, e do sexo masculino, visto que o mandamento constitucional do art. 143, § 2ª, isenta as mulheres do serviço militar em tempo de paz. Todavia, Os médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários, de ambos os sexos, sempre poderão acorrer ao serviço militar, de forma voluntária, na forma da lei.
2. Membro do Ministério Público da União. Promotor da Justiça Militar em Santa Maria/RS. Membro da Academia Mineira de Direito Militar. Autor de vários livros sobre direito militar publicados pela Editora Juruá. Articulista e Palestrante.
3. Lei nº 8.239/91 – Prestação de Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório.
4. CF, art. 15: é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I-...; II-...; III...; IV- recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos casos do art. 5º, VIII.
5.Sobre os Tiros de Guerra, ver art.59 e §§, da Lei do Serviço Militar.
6. Leia sobre o Dia do Reservista. Disponível em http://www.exercito.gov.br/06Oms/Diretori/dsm/diareserv1.htm
7. CPPM, art.463, § 1º: O termo, juntamente com os demais documentos relativos à insubmissão, tem o caráter de instrução provisória, destina-se a fornecer os elementos necessários à propsitura da ação penal e é o intrumento legal autorizador da captura do insubmisso, para efeito da incorporação.
8. CPM, art.183: Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação. Pena – impedimento, de três meses a um ano.
9. Colaborou com pesquisa inicial sobre este importante tema, o Dr. Ruy Telles de Borborema Neto, Advogado em Belém do Pará e Mestrando do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará.
10. CF, art.12, § 3º, VI: São privativos de brasileiros natos os cargos: I-...; II-...; III-...; IV-...; V-...; VI- de oficial das forças armadas; VII-...
11. LMFDV, art. 24.
12. LMFDV, arts. 29 e 30.
13. LMFDV, § 2º, art. 4º: Os MFDV que sejam portadores de Certificados de Reservistas de 3ª Categoria ou de dispensa de Incorporação, ao concluírem o curso, ficam sujeitos a prestação do serviço militar de que trata o presente artigo.
14. No mesmo sentido a decisão tomada pela 6ª Turma do STJ, no Resp nº 617.725/RS, Relator o Ministro Paulo Gallotti, julgado em 26.05.2004, unânime. Acórdão pendente de publicação em 1º de junho de 2005.
15. Conscritos são os brasileiros que compõem a classe chamada para a seleção, tendo em vista a prestação do serviço militar inicial ( Decreto nº 57.654/66, art. 3º, nº 5).
16. A Lei nº 6.932, de 07 de julho de 1981, ao dispor sobre as atividades do médico residente, declarou que a Residência Médica constitui Curso de Pós Graduação, destinado a médicos, sob a forma de cursos de especialização, mas não se referiu em seu texto ao serviço miltiar obrigatório.
17. Conforme Informações da Seção do Serviço Militar Regional / 3 (SSMR/3) de interesse dos Formados e Formandos da Área de Saúde. Comando Militar do Sul / 3ª Região Militar. Biênio 2004/2005.
18. Apesar do § 4º do art. 4º da Lei nº 5.292/67- LMFDV prever que que a prestação do serviço militar na forma de estágios (EAS ou EIS) ser devida até o dia 31 de dezembro do ano em que o brasileiro completar 38(trinta e oito) anos de idade, este dispositivo está em contrariedade ao disposto no art. 131 do CPM, que estabelece que a prescrição começa a correr, no crime de insubmissão, do dia em que o insubmisso atinge a idade de trinta anos.
Membro do Ministério Público da União. Promotor da Justiça Militar, exercendo suas atividades na Procuradoria da Justiça Militar em Santa Maria/RS. Oficial da reserva não remunerada da Polícia Militar do Estado do Paraná, lecionou na Academia Policial Militar do Guatupê e no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças. Foi também Promotor de Justiça do Paraná, entre os anos de 1995 a 1999. Sócio fundador da Associação Internacional das Justiças Militares e membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar. Articulista assíduo em várias revistas jurídicas e Palestrante do Direito Militar, em inúmeros eventos, destacando-se o 1º Encontro Internacional de Direitos Humanos, Direito Penal e Direito Militar, realizado em Brasília/DF, em novembro de 2000, e o II Encontro Internacional de Direito Humanitário e Direito Militar, realizado em Florianópolis/SC, em dezembro de 2003. Semana de Reflexão sobre a Justiça Militar, realizado na cidade de Praia, República de Cabo Verde, em março de 2008, aonde palestrou a convite do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas daquele país, e o 3º Encontro de Direito Humanitário e Direito Militar, realizado pela Associação Internacional das Justiças Militares-AIJM, na cidade de Santiago, Chile, em maio de 2008, onde atuou na condição de Secretário Geral - Ad Hoc, da AIJM. Autor de livros relacionados a área militar. Site: www.jusmilitaris.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, Jorge Cesar de. Prestação do serviço militar obrigatório por médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2010, 08:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19303/prestacao-do-servico-militar-obrigatorio-por-medicos-farmaceuticos-dentistas-e-veterinarios. Acesso em: 23 dez 2024.
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