Sabe-se que Sócrates aceitou a sua sentença de morte, apesar de considerá-la injusta e despropositada.
Conclui-se que Sócrates desejava morrer, pois, recepcionou a morte de braços abertos. Morrer para Sócrates era libertar-se. O filósofo grego, melhor do que ninguém, poderia, caso quisesse, convencer o grande júri de sua inocência e, por conseqüência disso, obter sua absolvição; mas ele não o fez. Ser absolvido representava a vitória de Atenas sobre ele. Significava o fim de tudo que ele pregou durante toda vida. Morrer para Sócrates, significava fechar, com chave de ouro, as portas de sua existência, toda voltada para o ensinamento filosófico, demonstrando que a vida sem liberdade de expressão não vale a pena. Enfim, significava dizer que o homem deveria ser livre até para escolher sua morte.
A cena final resultou na sua morte ingerindo cicuta (veneno).
Sócrates não exerceu seu direito de defesa em momento oportuno, comprovando então, que o filósofo aceitara sua morte antes mesmo de sua condenação. Ainda que depois o fizesse, talvez por saber que de nada mais lhe adiantaria. Aceitou o veredicto, recusando-se a fugir, como lhe propunham seus amigos mais próximos e discípulos.
A MOTIVAÇÃO DO DECISUM QUE CONDENOU SÓCRATES À MORTE
Sabe-se que a oratória é fator decisivo pela tradição do júri. Assim também era em Atenas, na época de Sócrates.
Sócrates, como o maior entre os maiores sábios da Grécia, que manejava a palavra como ninguém, formatava o argumento, planejava o raciocínio, por que não o fizera em relação à sua própria defesa, afastando as acusações que pesavam contra si? Pior que isso, preferiu agredir seus juízes causando-lhes mal-estar.
Sabe-se que foram três os responsáveis pela condução da acusação de Sócrates: Anito, Meleto e Licon, dos quais apenas Anito tinha certa projeção em Atenas.
De que o acusavam? Não se pode responder esta pergunta sem situá-la num contexto maior. Os gregos antigos valorizavam a Pólis; que era não apenas cidade, mas o habitat do ateniense, o local sacrossanto, em que eles viviam e podiam repartir sua vida com os demais concidadãos, exercitando a democracia; todos os cidadãos tinham o direito de votar, de falar na assembléia em que as leis eram votadas e de participar dos tribunais que aplicavam e interpretavam essas leis. Os cargos públicos eram ocupados mediante sorteio, a fim de que, todos pudessem deles participar. As formas de governos eram temas sagrados para os atenienses.
Sócrates, com sua dialética, propunha-se a discutí-los, e mais, desmenti-los. Acusam-no, assim, de exercer má influência sobre a juventude de Atenas e de trair os ideais democráticos da polis. Eis o motivo pelo qual ele mereceria ser julgado.
AS ALTERNATIVAS PENAIS DO JULGAMENTO
Atualmente, seguindo o princípio de individualização das penas, dentre as circunstâncias judiciais encontraríamos muitas que o favorecesse a pena mínima. Na realidade, ele não deveria ser condenado acaso tivesse adotado outra linha defensiva. Mas, como visto, aceitando a condenação, qual seria a pena que ele mereceria? Sócrates poderia ter recebido uma pena mínima, uma pena pecuniária, ou, na pior das hipóteses, uma pena de banimento. Em vez disso, Sócrates obteve a pena de morte devido à forma pela qual se relacionou com o grande júri, hostilizando, agredindo, atacando; enfim, tratando-os com apurado desdém. Quando lhe permitiram propor uma pena, chegou a dizer que isso representaria uma confissão de culpa, o que não admitia, proibindo seus amigos e discípulos de formularem qualquer tipo de transação penal.
A MORTE COERENTE
Sócrates preferiu a coerência, em lugar da complacência, da anuência. Não lhe teria sido mais fácil renunciar às suas idéias, que encarnavam a rebeldia e a desobediência civil e com isso livrar-se da morte? Ele preferiu morrer, suicidando seu corpo, mas, permanecendo com suas idéias.
Dentre as muitas acusações que pesavam sobre ele estava a que Meleto mais se esforçava em provar: a de ateísmo; ou seja, Sócrates não acreditaria nos “deuses da polis”. Sócrates, na verdade, era obediente às leis, mas tinha uma maior dentro de si: a consciência de que todo homem tem direito à liberdade de expressão, pois, a vida sem liberdade não vale a pena, mesmo que para isso, tenha-se que morrer.
CONCLUSÃO
Com base na leitura proposta e considerando tudo que por ela foi abordado podemos concluir que existem coisas na vida que são mais importantes, até mesmo, do que a própria existência.
Atualmente, vivemos em uma sociedade de valores efêmeros, valores esses que facilmente se corrompem quando o contexto envolve dinheiro, status ou poder.
Interessante ressaltar o julgamento de Sócrates, pois o grande filósofo possuía, dentro de si, atributos muito mais importantes e sólidos do que bens materiais - que são: a moral, a ética e a justiça. Predicados que valem mais até do que a própria vida. Como pensar em uma existência sem essas qualidades?
Infelizmente, nos dias atuais, esses valores não significam muita coisa. Uma sociedade capitalista, invejosa, extremamente desigual e altamente influenciável por uma mídia reguladora e impositora de padrões, que na maior parte dos casos fogem ao alcance - transforma as pessoas em verdadeiras máquinas, obcecadas por consumo e status. “Compre mais, compre mais, supere seu adversário. O seu status depende da tragédia de alguém
É isso, capitalismo selvagem” (Racionais Mc’s). Não importa os meios, o que interessa é sobrepujar é “derrubar” seu concorrente. Todavia, o homem moderno paga um preço altíssimo por essa competição. Angústia, pressão, stress e suas consequências: sintomas da vida moderna - é o homem arcando com o real valor do dinheiro, do status. Valor que coloca em risco sua própria vida.
Portanto, não devemos ser tão facilmente influenciáveis. Não sejamos fantoches - controlados por padrões que nos são impostos e que, na realidade, estão muito aquém do que realmente necessitamos para termos uma vida digna. O amigo do saber não aceita, com facilidade, aquilo que lhe é imposto. Ética, verdade, moral, altruísmo e personalidade – essas são virtudes realmente importantes na vida de um homem. Quem sabe, um dia, poderemos nos libertar das algemas da alienação e caminharmos com nossas próprias pernas.
“Estás enganado, amigo, se imaginas que, por menos que valha uma pessoa, deve pensar em morrer ou viver, em vez de considerar apenas se procedeu com justiça ou injustamente em todos os seus atos e se se comportou como homem de bem ou como celerado”. (Platão, in Apologia de Sócrates).
Referências
HABIB, Sérgio. Quando uma idéia leva à morte. Revista Prática Jurídica – Ano II – n. 19 – 31 de outubro de 2003 – págs: 20 a 22.
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