1. MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRIAS
1.1 Conceito
O acordo sobre a aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias (também chamado de acordo SPS), no seu anexo A, conceitua tais medidas como sendo aquelas aplicadas:
“para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde animal ou vegetal dos riscos resultantes da entrada, do estabelecimento ou da disseminação de pragas, doenças ou organismos patogênicos ou portadores de doenças;”
“para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal de riscos resultantes de pragas transmitidas por animais, vegetais ou por produtos deles derivados, ou da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas.”
Assim, diante das definições extraídas do supracitado acordo, dizem-se da medida sanitária ou fitossanitária daquelas aplicadas por um Estado á certos produtos vegetais ou animais do outro Estado, com intuito de proteger a vida ou a saúde humana, animal e vegetal contra os riscos das doenças e pragas.
Portanto, essas medidas traduzem-se em barreiras sanitárias, em restrições ou embargos as exportações de produtos animais, vegetais e seus derivados, considerando o risco a saúde humana, animal e vegetal, podendo também ser feita por meio de inspeção e teste nas áreas de produção consideradas afetadas pela doença ou pela praga, dentre outras medidas.
Sendo a República Federativa do Brasil membro da Organização Mundial do Comércio e parte signatária do GAAT/1994, a ata final que incorpora os resultados da rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais do GATT foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 1.335 de 30 de dezembro de 1994 e passou a vigorar no plano externo a partir 1º de janeiro de 1995.
Pra maior informação, o GAAT, sigla em inglês – General Agreement on Tariff and Trade, significa o acordo geral sobre tarifas e comércio, que vem a ser um acordo multilateral assinado em 1947, prevendo conjunto de medidas e ações com vista a fomentar o livre comércio. Posteriormente, através de diversas rodadas de negociações multilaterais, o acordo foi ampliando seu campo de disciplina com a inserção de novos acordos e cláusulas anteriormente não prevista.
A rodada de Uruguai do GAAT/1994 é sem sombra de dúvida uma das mais importantes, pois, para além de inserir novas regulamentações sobre o comércio (comércio de serviços, agricultura, propriedade intelectual, etc.), é a partir da ronda de negociação do GAAT 1986 - 1994 que surgi à idéia da criação da organização mundial do comércio – OMC.
O acordo SPS objeto da discussão no presente trabalho, veio regulamentar as disposições do GATT/1994 sobre as medidas sanitárias e fitossanitárias, estabelecendo as estratégias para a proteção da saúde humana, animal e vegetal e a qualidade sanitária dos países signatários e membros da OMC, igual sorte, o citado acordo visa também regular e evitar o uso arbitrário e excessivo das medidas de proteção que cause impacto negativo ao comércio Internacional. Nessa sistemática, todos os casos que ensejam a aplicação de medidas de defesa sanitária, necessariamente há que seguir um padrão próprio no que tange ás regras e os procedimentos a serem utilizados para aplicação das referidas medidas.
2 Uso arbitrário de medidas sanitárias e fitossanitárias
O uso de medidas sanitárias e fitossanitárias como instrumento de defesa sanitária encontra respaldo na questão de segurança à vida, á saúde humana, animal e vegetal, bem como ao próprio comércio Internacional, entretanto, as medidas em causa não podem ser utilizadas de forma arbitraria.
Portanto, diz-se que uma medida sanitária ou fitossanitária é arbitraria quando ela é aplicada sem motivos justificados, ou mesmo havendo tais motivos, ao ser utilizado por um Estado membro da OMC, este não leva em conta o procedimento padrão para a elaboração, adoção e sua aplicação. O próprio acordo SPS anuncia no seu preâmbulo que as medidas devem obedecer ás “normas, guias e recomendações internacionais elaboradas pelas organizações internacionais competentes”. Essas organizações, segundo o acordo, são:
- Comissão do Codex alimentarius;
- Escritório Internacional de Epizootias;
- organizações internacionais e regionais que atua no ramo de proteção vegetal.
Assim sendo, acreditamos, sempre que na aplicação de uma medida sanitária ou fitossanitária não forem obedecidas às normas, guias e recomendações internacionais a referida medida pode ser encarada como arbitraria e abusiva, ressalvados os casos de exceção de segurança da disciplina do GATT previsto artigo XXI. Não é demais acrescentar que o acordo SPS no seu artigo 2º, item 2, estabelece o seguinte:
Artigo 2 – item 2: Os Membros assegurarão que qualquer medida sanitária e fitossanitária seja aplicada apenas na medida do necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal; seja baseada em princípios científicos e não seja mantida sem evidência científica suficiente, à exceção do determinado pelo parágrafo 7 do Artigo 5.
Parágrafo 7 do art. 5º: Nos casos em que a evidência científica for insuficiente, um Membro pode provisoriamente adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias com base em informação pertinente que esteja disponível, incluindo informação oriunda de organizações internacionais relevantes, assim como de medidas sanitárias ou fitossanitárias aplicadas por outros Membros. Em tais circunstâncias, os Membros buscarão obter a informação adicional necessária para uma avaliação mais objetiva de risco e revisarão, em conseqüência, a medida sanitária ou fitossanitária em um prazo razoável.
Numa análise cirúrgica do presente dispositivo e do próprio preâmbulo do acordo, é forçoso entender que, as medidas de defesa sanitárias e fitossanitárias, além de obedecerem normas internacionais, para não serem consideradas arbitrárias, elas devem ser aplicadas apenas o necessário, não se tolerando o excesso. No mesmo sentido, deve pautar-se nos estudos e evidências cientificas. Tendo em conta que as medidas sanitárias e fitossanitárias têm o escopo de “proteger a vida, a saúde humana, animal e vegetal,” para se fazer uso de tais medidas, deve-se comprovar efetivamente a existência de doenças ou risco a vida, a saúde humana, animal ou vegetal.
Outro fator extremamente preponderante a ser lembrado é que na aplicação das medidas sanitárias e fitossanitárias, através de embargos ás exportações ou criação de outras espécies de barreiras, deve-se sempre levar em conta as áreas não afetadas, de livre doença ou praga, ou de baixa incidência, isto é, as medidas devem incidir apenas nas áreas afetadas e aquelas consideradas de alto risco.
Um dos objetivos que motivou a elaboração do acordo SPS prendeu-se, por um lado, com a crescente preocupação com questões relacionadas à segurança sanitária, à saúde pública e por outro, com a liberação do comércio Internacional de bens previsto no GAAT/1994 e ao mesmo tempo eliminar qualquer forma de discriminação no comércio. É neste pressuposto que as medidas estabelecidas no acordo sobre aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias vêm promover ainda mais o comércio seguro e livre entre as nações, sendo que, a aplicação abusiva e discriminatória de medidas sanitárias e fitossanitárias viola as disposições do acordo SPS e afeta seriamente o comércio como um todo, causando impacto negativo.
Importa frisar que as medidas de defesa sanitárias são indispensáveis para segurança a saúde e a vida, assim como para o comércio multilateral, uma vez que garante que os produtos sejam comercializados com um padrão mínimo ou médio de exigência relativo à sua qualidade de forma a proporcionar o bem estar. Entretanto, quando elas são empregadas de forma excessiva ou arbitrária, causa efeito negativo, restringi o comércio, diminui a concorrência, aumentando mais os preços e a corrida a busca dos produtos.
2.1 Requisitos para adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias
Tendo em vista as condições para aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias acima discorridas, podemos enumerar alguns requisitos que necessariamente devem ser contemplados a quando da doção de uma dessas medidas, segundo os procedimentos do fixados pelo acordo SPS:
a) Existência de uma doença ou pragas e o risco a vida humana, saúde animal e vegetal;
b) Prova que as medidas são necessárias para efetivar a proteção da saúde humana, animal ou vegetal;
c) A existência de estudo/prova científica recomendando tal medida ou fortes evidências dos riscos à doença;
d) Avaliação adequada dos riscos de acordo com os métodos de avaliação utilizados pelas organizações Internacionais;
e) As medidas sanitárias não podem ser utilizadas como forma de privilegiar e conceder benefícios aos produtores domésticos cercados pela concorrência de empresas estrangeiras.
3. Recomendações
Muito embora cada membro tenha sua própria política sanitária e, em tese, não é obrigado a adotar as medidas sanitárias e fitossanitárias utilizadas por outro Estado membro, entretanto, deve aceitar as medidas de outro membro como equivalente, mesmo se tais medidas deferirem das suas. Ressalva-se que, quaisquer medidas sanitárias e fitos devem sempre ser aplicadas com base nas recomendações e guias Internacionais.
Tendo em conta que a globalização impõe suas principais conseqüências quer no mundo tecnológico, quer na produção, no comércio e na importação/exportação e com a expansão da economia global coloca vários países e blocos regionais mais próximos e interdependentes um dos outros devido as questões de troca e transferência de recursos que podem ser escasso numa região e abundante na outra e vice versa. Nesta perspectiva, torna necessário a utilização de ações coordenadas e padronizadas que vai de encontro aos interesses não só de um país, mas de grande número de países, de uma comunidade regional ou global, com o intuito de garantir maior segurança jurídica e segurança nas relações comerciais, maior clareza, evitando o desencadeamento de crise, ou aplicação de medidas desnecessárias, ou excessiva, medidas essas que afetam seriamente o comércio internacional e o comércio interno de cada país.
Sempre que um Estado membro da Organização Mundial do Comércio – OMC entender que foi injusto a aplicação de medidas sanitárias ou fitossanitárias às suas exportações por parte do outro Estado, seja porque tais medidas não refletiram na situação real e foram mais do que necessárias, seja porque não levaram em conta as áreas consideradas de livre doença e pragas, ou, se as medidas aplicadas não foram baseadas em normas, recomendações e guias internacionais como dispõe o artigo 3º, item 1 do acordo SPS, poderá o referido membro recorrer ao mecanismo de solução de controvérsia previsto nos artigos XXII e XXIII do GAAT 1994, ou de outras organizações regionais (Mercosul, União européia ).
Entretanto, se se tratar de questões de cunho técnico ou cientifico, poderá ser adotada a consulta e solução de controvérsia prevista no art.11 do acordo SPS. Neste último, o caso será submetido ao comitê sobre medidas sanitárias e fitossanitárias que funciona como órgão permanente de consulta, cabendo-o adotar medidas para esclarecimento, auxilio das partes na negociação e acompanhar o processo de harmonização Internacional das regras referente ás medidas sanitárias e fitossanitárias.
Bibliografia:
AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues (Coord). Direito Comércio Internacional: Aspetos Fundamentais, São Paulo: Aduaneiras, 2004.
CRETELA NETO, José. Direito processual na Organização Mundial do Comércio – OMC: Casuística de interesse para Brasil, Rio de janeiro: Forense, 2003;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (2003). Solução de controvérsias: GAAT 1994. Disponível em: www.unctad.org/pt/docs/edmmisc232add33_pt.pdf. Acesso em 28 fev. 2010;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (2003). Solução de controvérsias: Medidas Sanitárias e Fitossanitárias. Disponível em: www.unctad.org/pt/docs/edmmisc232add13_pt.pdf. Acesso em 28 fev. 2010;
Ministério das Relações Exteriores: www.mre.gov.br;
Legislação consultada: Decreto nº 1.355, de 30 de Dezembro de 1994.
Bacharel em Direito pela PUC/SP. Atualmente MBA em Negócios Internacionais e Comércio exterior pela UNIP. Ex aluno da Sociedade Brasileira de Direito Público -SBDP - Direito constitucional e econômico.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Joel Vilhéte d`Alva. Uso arbitrário de medidas sanitárias e fitossanitárias e seu efeito no comércio internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2010, 07:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19325/uso-arbitrario-de-medidas-sanitarias-e-fitossanitarias-e-seu-efeito-no-comercio-internacional. Acesso em: 23 dez 2024.
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