A Lei 8.072/90, dispõe sobre os crimes hediondos. Em 2007 surgiu a Lei 11.464/2007, que deu nova redação ao art. 2o da Lei no 8.072/90. Essa Lei dispõe que os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo possuem progressão de regime quando o apenado tiver cumprido 2/5 (dois quintos) da pena, se primário, e 3/5 (três quintos), se reincidente.
Antes da entrada em vigor da 11.464/2007, a Lei prescrevia a impossibilidade da progressão de regime para crimes hediondos, no entanto essa regra foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, passando a aplicar a progressão de regime nos moldes do artigo 112 da Lei de Execução Penal (LEP), que assim prescreve:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
Com a chegada da Lei 11.464/2007, nos crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo a progressão de regime dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.
Percebe-se que houve uma previsão legal, expressa na Lei de crimes hediondos, no sentido da possibilidade da progressão de regime, no entanto de forma bem mais gravosa da que estava sendo aplicado anteriormente.
Diante disso, questiona-se se em virtude de prestar esse tratamento diferenciado para os crimes hediondos, se a lei viola o princípio da igualdade previsto no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, ou se apresenta como instrumento jurídico para penalizar com mais rigor aqueles que praticaram crimes mais graves?
Primeiramente, antes de introduzir o tema principal, imprescindível se faz a conceituação dos termos constitucionalidade e inconstitucionalidade de uma norma jurídica.
Quanto ao termo Constitucionalidade Marcelo Neves[1] afirma ter a Constituição “supremacia hierárquica sobre os demais subsistemas que compõem o ordenamento, funcionando como fundamento de pertinência e validade dos subsistemas infraconstitucionais”.
José Afonso da Silva[2] também se manifesta, dizendo que uma norma constitucional é aquela que está em "conformidade com os ditames constitucionais".
A respeito da inconstitucionalidade, Lúcio Bittencourt[3] diz que "a inconstitucionalidade é um estado – estado de conflito entre uma lei e a Constituição".
Darcy Azambuja[4] diz que "toda a lei ordinária que, no todo ou em parte, contrarie ou transgrida um preceito da Constituição, diz-se inconstitucional".
Canotilho[5] afirma que "inconstitucional é toda lei que viola os preceitos constitucionais".
Diante dos conceitos apregoados, percebe-se que, toda norma que está em discordância com a Constituição Federal, não deve ser acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro, por ser incompatível com os preceitos basilares dessa lei maior.
Corroborando com essa colocação, aduz Alexandre de Moraes[6] que “toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como uma norma suprema, proclama”.
Percebe-se que a progressão de regime na Lei dos crimes hediondos é bem mais gravosa que a progressão estabelecida no artigo 112 da LEP. Diante disso, pergunta-se se essa norma atacar o principio da isonomia previsto no artigo 5º, I da Constituição Federal, que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
As normas, antes de ingressarem no ordenamento jurídico passam por um controle preventivo, que nas palavras de Alexandre de Moraes[7] “pretende impedir que alguma norma maculada pela eiva da inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico”. Porém, se a norma já esta inserida no ordenamento jurídico, essa passa pelo controle repressivo, que nas mesmas palavras do mesmo autor[8] “busca dele expurgar a norma editada em desrespeito à Constituição”.
Antes de julgar se o dispositivo citado é inconstitucional, mostra-se necessário discutir como deve ser interpretado o artigo 5º da Constituição Federal, para buscar o real significado da palavra “igualdade” trazida no contexto constitucional. Assim, deve-se recorrer para a interpretação hermenêutica, a fim de saber a forma adequada de aplicar esse principio tão importante, para só então poder dizer se essa lei violou o principio da igualdade e sua real essência, ou seja, o que ele busca realmente proteger.
Para tanto, imprescindível se faz o uso da Hermenêutica jurídica, que nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior[9] busca o “[...]correto entendimento do significado dos seus textos e intenções[...]”.
O artigo 5º da Constituição Federal, não pode ser visto, apenas em seu texto escrito, mas deve ser analisado em sua essência, se é a igualdade que ela busca, deve-se trazer os meio para que isso aconteça, através da eliminação das desigualdades. António Castanheira Neves diz:
“a norma-texto será apenas um − um elemento necessário, mas insuficiente − para a concreta realização jurídica, já que essa realização exigirá, para além daquela norma e em função agora do caso concreto (do problema jurídico do caso concreto), que se elabore já a normativa “concretização, já a específica “norma de decisão”[10].
Nas palavras de ARISTÓTELES, repetida por RUI BARBOSA[11] diz que a igualdade consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam”. 4
Neste sentido o que se deve atentar não é à igualdade perante a lei, mas o direito à igualdade mediante a eliminação das desigualdades, o que impõe que se estabeleçam diferenciações específicas como única forma de dar efetividade ao preceito isonômico consagrado na Constituição[12].
Pode-se também dizer que, a Lei 11.464/2007, já nasceu inconstitucional, por afrontar o principio isonômico. Em defesa a majoração da progressão de regime nos crimes hediondo, argumenta-se que essa norma veio fazer valer o que a norma maior defere, tratar todos de forma isonômica. No entanto, conforme mencionado, as leis devem prescrever formas de tratar diferente aqueles que encontra-se um patamar diferente, ou seja, aqueles que praticaram crimes hediondos, devem ser tratados com mais rigor na aplicação da pena por serem bem mais reprovados pela sociedade. Assim, nessa visão, alguém que cometeu um crime de Roubo, deve ter uma progressão menos gravosa daquela aplicada a alguém que cometeu um homicídio.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado.44ª Ed.2006. Porto Alegre: Globo.
BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. 1968. Rio de Janeiro: Forense.
BARBOSA, Rui . Oração aos moços.
DIAS, Maria Berenice. Ações afirmativas: uma solução para a desigualdade. Disponível em: <http://lpp-uerj.net/olped/acoesafirmativas/exibir_opiniao.asp?codnoticias=9009>. Acesso em: 19.09.2009.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3º. ed. 1998. Coimbra: Livraria Almedina.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 3ª ed. 2001. São Paulo: Atlas.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6ª ed. 2006. São Paulo: Atlas.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Alexandre de Moraes. – 22. ed. – São Paulo: Atlas, 2007.
NEVES, Antônio Castanheira. Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais. 1993. Coimbra: Coimbra.
NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. 1988. São Paulo: Saraiva.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. 1998. São Paulo: Malheiros Editores.
[1] NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. 1988. São Paulo: Saraiva.
[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. 1998. São Paulo: Malheiros Editores. p. 48.
[3] BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. 1968. Rio de Janeiro: Forense. p. 132.
[4] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado.44ª Ed.2006. Porto Alegre: Globo. p. 172.
[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3º. ed. 1998. Coimbra: Livraria Almedina. p. 878.
[6] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6ª ed. 2006. São Paulo: Atlas.
[7] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Alexandre de Moraes. – 22. ed. – São Paulo: Atlas, 2007. p. 693.
[8] Ob. Cit., p. 693.
[9] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 3ª ed. 2001. São Paulo: Atlas. p. 252.
[10] NEVES, Antônio Castanheira. Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais. 1993. Coimbra: Coimbra. p. 145.
[11] BARBOSA, Rui . Oração aos moços.
[12] DIAS, Maria Berenice. Ações afirmativas: uma solução para a desigualdade. Disponível em: <http://lpp-uerj.net/olped/acoesafirmativas/exibir_opiniao.asp?codnoticias=9009>. Acesso em: 19.09.2009.
Acadêmica de Direito (UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI). Estagiária da 2ª Vara do Trabalho de Itajaí.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HILLER, Neiva Marcelle. A progressão de regime nos crimes hediondos é (in)constitucional? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2010, 07:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19420/a-progressao-de-regime-nos-crimes-hediondos-e-in-constitucional. Acesso em: 23 dez 2024.
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