Resumo
O presente artigo tem o intuito de desenvolver reflexões críticas sobre a incidência dos princípios da isonomia e proporcionalidade nos crimes de furto qualificado e roubo agravado por concurso de agentes, tendo em vista ambos os crimes tutelarem o mesmo bem jurídico (patrimônio) e serem tratados de formas desiguais e desproporcionais pelo legislador na cominação de suas penas. Mormente quando no crime de furto qualificado por concurso de agentes (onde não se vislumbra a prática de violência ou grave ameaça a pessoa) a pena do autor do delito é dobrada, passando de 01 a 04 anos para 02 a 08 anos, sendo que no roubo agravado por concurso de agentes (onde ocorre necessariamente violência ou grave ameaça a pessoa) o aumento da reprimenda varia entre 1/3 até a metade.
Sumário
1. Breves aspectos sobre o Princípio da Proporcionalidade; 2 .Breves aspectos sobre o Princípio da Isonomia; 3. Violação aos princípios da isonomia e proporcionalidade nos crimes de furto qualificado e roubo agravado por concurso de agentes; 4. Posicionamento jurisprudencial do TJRS; 5. Conclusão; 6. Bibliografia
1. BREVES ASPECTOS SOBRE O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Princípio norteador do ordenamento jurídico, o princípio da proporcionalidade emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, proibição de excesso e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico e utilizado no âmbito do controle de constitucionalidade das leis.
A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente afixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade é constituído de 03 sub-princípios, quais sejam:
a. Adequação: exige que as medidas adotadas se mostrem aptas a atingir os fins colimados.
b. Necessidade: o meio não será necessário se o objetivo pretendido puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa.
c. Proporcionalidade em sentido estrito: a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador.
Vale ressaltar, que a doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se revela mediante contraditoriedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins.
2. BREVES ASPECTOS SOBRE O PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Consagrado expressamente na Magna Carta, o princípio da isonomia representa um dos postulados fundamentais do princípio republicano e da democracia, pois há de ser respeitado tanto pelo legislador ordinário na edição de atos normativos (igualdade na lei), como também pelo intérprete/aplicador do direito (igualdade perante a lei) e pelo particular, configurando a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade.
O princípio da igualdade consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, porém, deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal, mas principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, como observava Aristóteles.
Essa premissa, porque no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei.
3. .VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E PROPORCIONALIDADE NOS CRIMES DE FURTO QUALIFICADO E ROUBO AGRAVADO POR CONCURSO DE AGENTES
Extrai-se dos princípios da proporcionalidade e isonomia que a norma penal contida no preceito secundário do artigo 155, § 4o, inciso IV, do Código Penal, viola os referidos princípios, pois ao duplicar a pena no crime de furto qualificado em virtude do concurso de agentes, ela trata de forma desigual situações iguais (violação ao bem jurídico patrimônio) aplicando sanção mais grave a um crime que necessariamente para sua consumação não ocorre a prática de violência ou grave ameaça a pessoa.
Noutro giro, o nosso Código Penal trata de forma mais branda o roubo agravado por concurso de agentes, sendo que para ocorrer a consumação do mesmo é pressuposto que haja violência ou grave ameaça a pessoa, incorrendo em sanção desproporcional o quantum da pena formulado pelo legislador ordinário no furto qualificado por concurso de agentes.
Outro não é o escólio do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, ao falar sobre o princípio da isonomia:
“para que uma diferenciação não viole o princípio da isonomia ou da igualdade é indispensável que exista uma justificativa objetiva e racional, uma conexão lógica, entre o fator escolhido e o tratamento jurídico discriminatório. Ainda, a diferenciação deve ser compatível com os padrões ético-sociais acolhidos pelo sistema constitucional”.
O Juiz como guardião dos direitos e garantias fundamentais, ao aplicar a pena no delito de furto qualificado por concurso de pessoas deve no controle difuso de constitucionalidade afastar seu preceito secundário e utilizar-se dos postulados da isonomia e proporcionalidade para fazer incidir no caso concreto o quantum da pena previsto no artigo 157, § 2o, inciso II, do Código Penal, aumentando a pena do réu em 1/3 até a metade, sob pena de ofensa aos referidos princípios.
Noutro giro, não deve prosperar a argüição de alguns Tribunais de que o magistrado não poderia no caso concreto afastar o preceito secundário no crime de furto qualificado por concurso de agentes, por não haver lacuna a ser preenchida, pois se o juiz o fizesse, estaria ferindo o princípio da legalidade. Data Vênia, não se trata de integração de norma, e sim efetivação dos direitos e garantias fundamentais do acusado, bem como observância aos princípios da isonomia e proporcionalidade, pois se não for adotado esse entendimento, estaremos sancionando de forma mais severa indivíduos que violaram o mesmo bem jurídico (patrimônio) sem a prática de violência ou grave ameaça a pessoa, do que aqueles que praticaram conduta mais gravosa e reprovável sob a ótica do direito penal (roubo agravado por concurso de agentes).
4. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL DO TJRS
Antes de verificarmos o posicionamento do referido Tribunal, mister antes analisar o impecável parecer do Procurador de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck, ao se manifestar sobre a interpretação Constitucional sobre os crimes de furto qualificado e roubo agravado por concurso de agentes.
Neste sentido:
“Tanto no furto como no roubo, o concurso de agentes qualifica: no primeiro, a pena dobra; no segundo, a pena fica acrescida de um terço. Ora, no furto a presença de mais de uma pessoa não coloca em risco a integridade física da vítima, e, sim, facilita o agir subtraente; já no roubo, a presença de mais pessoas coloca em risco sobremodo a integridade física da vítima. Não obstante isso, o Código Penal valoriza mais a coisa (propriedade privada) que a vida/integridade física. Por isso, é necessário fazer uma (re)leitura constitucional do tipo penal do furto qualificado (por concurso de pessoas) à luz do princípio da proporcionalidade, que é ínsito e imanente à Constituição Federal. “Não se está a propor aqui – e até seria despiciendo alertar para este fato – que o Judiciário venha a legislar, modificando o teor do dispositivo do Código Penal, que estabelece a duplicação da pena nos casos de furto qualificado por concurso de pessoas. Na verdade, trata-se, nada mais nada menos, do que elaborar uma releitura das leis sob o parâmetro da devida proporcionalidade prevista na Constituição Federal. O mecanismo apto para tal é o da interpretação conforme à Constituição, que se originou da Alemanha, que vem sendo utilizado pelo Supremo Tribunal Federal já há mais de dez anos. “Ou seja, o texto da lei (CP) permanece com sua literalidade; entretanto, a norma, fruto da interpretação, é que exsurgirá redefinida em conformidade com a Constituição. Desse modo, analogicamente, o aumento de pena decorrente do concurso de pessoas (circunstância especial de aumento de pena) do roubo (art. 157, § 2º, inciso II), que é de 1/3 até a metade, torna-se aplicável ao furto qualificado por concurso de agentes.”
Entendimento esse sufragado na jurisprudência Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
EMENTA: FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO. AGRIDE AOS PRINCIPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA ISONOMIA O AUMENTO MAIOR DA PENA AO FURTO EM CONCURSO DO QUE AO ROUBO EM GERAL CONDICAO. APLICA-SE O PERCENTUAL DE AUMENTO DESTE A AQUELE. ATENUANTE PODE DEIXAR A PENA AQUEM DO MINIMO ABSTRATO. DERAM PARCIAL PRIVIMENTO AOS APELOS. (20 FLS) (Apelação Crime Nº 70000284455, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 09/02/2000)
EMENTA: APELAÇÃO CRIME. FURTO. Materialidade e autoria demonstradas. CONCURSO DE AGENTES. Artigo 155, parágrafo 4º, inciso IV, do Código Penal. É entendimento dessa 5ª Câmara Criminal que, no furto qualificado pelo concurso de agentes, por isonomia ao crime de roubo, aplica-se a pena-base do furto simples com o aumento previsto para o roubo, de 1/3 a metade. Pena redimensionada. Artigo 580 do Código de Processo Penal. Ao réu não-apelante Célio Ribeiro Gomes cabe o redimensionamento da pena. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70014597256, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 13/09/2006)
EMENTA: FURTO QUALIFICADO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. QUALIFICADORA DO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO AFASTADA. RECONHECIMENTO DA TENTATIVA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E ISONOMIA, APLICANDO AO FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES A PENA DO FURTO SIMPLES, ACRESCIDA DO AUMENTO PREVISTO PARA O ROUBO MAJORADO PELA MESMA CIRCUNSTÂNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA, COM PENA REDUZIDA. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70014485494, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Gonzaga da Silva Moura, Julgado em 06/09/2006)
EMENTA: FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE COMPROVADAS. ISONOMIA E PROPORCIONALIDADE DETERMINANDO A APLICAÇÃO, AO FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES, DA PENA DO FURTO SIMPLES, ACRESCIDA DO AUMENTO PREVISTO PARA O ROUBO MAJORADO PELA MESMA CIRCUNSTÂNCIA. ATENUANTES PODEM CONDUZIR A PENA-BASE AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA DESCONSIDERADA, POR INCONSTITUCIONAL. APELOS DEFENSIVOS PARCIALMENTE PROVIDOS E MINISTERIAL IMPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70014546634, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Gonzaga da Silva Moura, Julgado em 26/07/2006)
Como bem ressalta o Procurador de Justiça Lenio Luiz Streck, há de se refazer uma (re)leitura constitucional dos respectivos delitos, valendo-se dos princípios da proporcionalidade e isonomia, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, deve o magistrado utilizar-se da interpretação conforme a constituição para afastar o dispositivo contido no código penal, referente a duplicação da pena no delito de furto qualificado por concurso de agentes, para fazer incidir o quantum de 1/3 até a metade sobre a pena em abstrato do referido crime, assim como está disposto na infração penal de roubo agravado por concurso de pessoas.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4a edição. Editora Saraiva.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3a edição. Editora Malheiros.
HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 4a edição. Editora PODIVM.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12a edição. Editora Saraiva.
Apelação Crime Nº 70000284455, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS
Apelação Crime Nº 70014597256, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS
Apelação Crime Nº 70014485494, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Apelação Crime Nº 70014546634, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS
Acadêmico do curso de direito da Universidade Católica de Brasília - UCB
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRAFT, Pablo Figueiredo Leite. Aplicação dos princípios da isonomia e proporcionalidade nos crimes de furto qualificado e roubo agravado por concurso de agentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 mar 2010, 14:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19494/aplicacao-dos-principios-da-isonomia-e-proporcionalidade-nos-crimes-de-furto-qualificado-e-roubo-agravado-por-concurso-de-agentes. Acesso em: 23 dez 2024.
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