Co-autor: EMERSON MARTINS SANTOS: Graduando em Direito pela Faculdade de Direito Fapan em SBCampo. Estagiário da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
O Art. 225 da Carta Magna traz os primeiros contornos ao sistema jurídico de trato ambiental e ecológico. Vejamos:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Neste diapasão, variaremos a cerca do consumo demasiado de carne, bem como suas conseqüências para o meio ambiente, acentuando os impactos ambientais e sobre os recursos hídricos.
Os alicerces que protegem o meio ambiente têm marco na Constituição Federal de 1988, que trouxe a principiologia que mais tarde nortearia toda a logística do direito ambiental, que é um ramo autônomo do direito como ciência. Vejamos:
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Assim, quando a Constituição dispõe que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, não está dizendo que é um bem público, mas que o Estado e o povo têm o direito de exigir sua proteção, o dever de protegê-lo e de usá-lo direta ou indiretamente, na medida em que dependemos dele para nossa sobrevivência.
O estudo do direito ambiental tem como foco o desenvolvimento, a tutela e a garantia de preservação do ecossistema através de ações governamentais.
O meio ambiente é direto comum, inalienável e indisponível e está para as classes dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, que é matéria de direitos transindividuais, pois estão além dos interessas particulares.
Nesse contexto, cabe trazer a luz o disposto no Art. 225 da Carta Magna, cuja redação é a seguinte: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações de agora e as futuras.
Verifica-se que a intenção do legislador colocar na Constituição Federal os princípios basilares do direito ambiental é a garantia de preservação da própria espécie humana. E é assim, porque os princípios que protegem o meio ambiente estão intimamente ligados ao direito a vida, pois sem meio ambiente não há como sustentar a vida do modo como a conhecemos. Tal intenção restou clara na redação do Art. 225 “caput” da Carta Magna, sobretudo, no entrecho que dispõe: o meio ambiente é essencial à sadia qualidade de vida. Alguns correlacionam com o antropocentrismo do direito ambiental, seara em que tudo deve ser feito em beneficio do homem.
Cabe destacar que, nos últimos sete anos o consumo de carne bovina dobrou, resultado não apenas do aumento populacional, mas também da necessidade desenfreada de consumir que é particular da natureza humana.
Além disso, em cinqüenta anos, o rebanho bovino, no mundo, se multiplicou por cinco, o que representa uma incessante necessidade de consumo cada vez maior, aqui falamos em seis bilhões de cabeças de gado e dezesseis bilhões de aves consumíveis em gastronomias contemporâneas.
Nesse passo, podemos ainda oferecer algumas outras informações de suma relevância para o estudo do direito ambiental, tais como: que o consumo de carne é atualmente um dos maiores problemas sociais, resultado diretamente ligado ao mundo globalizado e a facilidade na circulação das riquezas.
Em países como a Dinamarca e a Alemanha do Norte, por exemplo, estão proibidos os criadouros de suínos, visto que não se consegue lidar com as conseqüências da poluição.
Como conseqüência da globalização e do consumo desmedido de carne, temos o desmatamento das florestas e o consumo irresponsável dos recursos hídricos que é patrimônio comum.
No Brasil a própria lei criou mecanismos de proteção ao meio ambiente e de espaços especialmente protegidos. Estes podem ser específicos ou genéricos. São específicos quando se trata de uma unidade de conservação e genéricos quando são espaços protegidos em todas as propriedades com dadas características. Essa determinação é prevista e regulamentada pela Lei Federal nº. 9.985/2000.
Aqui, cabe também destacar que não obstante aos mecanismos de proteção tratados no parágrafo antecedente, existem outros que também merecem atenção, por exemplo, as áreas de preservação permanente que estão regulamentadas pela Lei Federal nº. 4.771/1965 (código florestal), a Lei Federal nº. 6.766/79 que dentre outras disposições trata do parcelamento do solo urbano e ainda a Lei de Proteção Especial na Mata Atlântica. Todos esses institutos, nada mais fazendo do que consubstanciar o comando constitucional do Art. 225 da CF, para preservar o meio ambiente e garantir a vida às presentes e futuras gerações.
Outro dado relevante, mas ao mesmo tempo preocupante, que podemos trazer a lume é que na Amazônia, no setor pecuário, tem-se trinta e cinco milhões de cabeças, enquanto que no Estado há vinte e dois milhões de habitantes, portanto, o numero de animais atinge estatisticamente a margem de 63% a mais em relação aos habitantes.
Não podemos fechar os olhos para o evidente problema político e econômico que envolve o consumo de carne de animais, sobretudo, partindo do ponto de vista de custo de produção.
No Brasil, os custos de produção não estão, em tese, agregados ao preço final do produto disponibilizado para consumo interno, ou ainda para exportação à outros países, pois como veremos a seguir, alguns países do mundo apenas importam carne, pois não dispõem de recursos naturais próprios para assegurar o próprio desenvolvimento de seus animais – países carentes de recursos naturais, ou simplesmente, porque é mais barato comprar carne de países como Brasil onde os danos ao meio ambiente não estão embutidos no preço final do produto.
Aqui se verifica um desnivelamento impressionante, evidenciando a maciça e irresponsável necessidade de consumo humano, o que coloca em risco não apenas o ecossistema, mas também a própria sustentabilidade da vida humana, pois os recursos naturais são limitados, passo em que a necessidade de consumir ainda não encontrou limite. A título de exemplo, no Brasil, em especial o Estado de Santa Catarina, que conta com uma população de cinco milhões de habitantes, possui uma população de suínos muito superior em equivalência, ocupando o espaço do extraordinário número de quarenta e cinco milhões de habitantes.
Todavia, não vale o preço de existência e manutenção do ecossistema, da biodiversidade e do meio ambiente pelo consumo sem limite e irresponsável. Assim correta a impressão que o documentário pretende produzir. Politicamente não há como explicar a destruição do ecossistema em nome do consumismo, ainda que esse consumismo seja para gerar riquezas para o país.
Há danos ainda mais severos decorrentes da liberação dos dejetos dos animais, que é cerca de oito vezes superior a produção diária humana, sendo que, esses dejetos são despejados na natureza, comprometendo açudes de água, rios e represas, refletindo diretamente no consumo humano, com a proliferação de bactérias que provocam doenças. Há, inclusive, relatos que milhares de pessoas no mundo inteiro morrem anualmente vitimadas por doenças transmitidas pela água.
Os rios, por exemplo, em Santa Catarina, estão poluídos em mais de noventa por cento e os que não estão poluídos estão sendo disputados pelas empresas, que querem se instalar as suas margens mantendo o monopólio da área e passando a poluí-los. Portanto, é certo que as agressões ao meio ambiente e a degradação do ecossistema provém, em grande parte, da atividade pecuária.
Além disso, importante registrar que os arrotos e flatulências expelidos pelo gado produzem gazes que são altamente prejudiciais à camada de ozônio, por exemplo: o gás metano que, embora, tenha vida curta é altamente nocivo a estrutura da blindagem natural que protege o planeta, cuja existência é vital para manutenção da vida.
Outra conseqüência ainda da manutenção da grande quantidade desses animais, tem sido apontada como a contaminação do subsolo, lençóis freáticos e dos aqüíferos subterrâneos, decorrentes da aplicação de hormônios e remédios utilizados na criação destes animais, o que compromete inclusive a renovação natural que é característica da natureza, pois o ambiente em razão das mutações nefastas ocasionadas pela contaminação dos produtos utilizados no trato dos animais, alterou biologicamente o estado original daquele ambiente nativo, tornando-lhes inservíveis para abrigar e reproduzir a vida.
Além de tudo, os dejetos animais chegam ao mar, o que vem causando desequilíbrio também na manutenção da vida marinha, com o expressivo numero de cem milhões de toneladas de nutrientes estranhos ao ambiente, provocando uma superpopulação de algas, colocando em risco a biodiversidade.
A questão da degradação do meio ambiente gerou e vem gerando intensas discussões a cerca avanço da pecuária na Amazônia, inclusive, incluindo o desmatamento da floresta amazônica, mata atlântica, caatinga e do serrado como pauta do governo, ainda que pouco explorada. Isto porque, o desmatamento e as queimadas têm lançado na atmosfera incalculável quantidade de dióxido de carbono, equivalente a dois terços de todo gás produzido no Brasil, consumindo gradativamente a camada de ozônio, que tem relação direta com o efeito estufa e com o cataclisma global.
O Brasil, a partir da Constituição Federal, passou a produzir legislações ordinárias de trato específico objetivando não apenas a preservação do meio ambiente, mas também a fomentação daqueles princípios por intermédio de políticas públicas.
É o que se verifica, por exemplo, ao se examinar a Lei Federal nº. 9.795/99, sobretudo, o Art. 1º, cuja redação é a seguinte: “Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”.
Oportuno destacar que, o mesmo diploma ainda definiu a competência à difusão do pensamento protetivo do meio ambiente definindo que educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Aqui se verifica que, meio ambiente é matéria do currículo escolar e, portanto, a fomentação da necessidade de sua preservação não apenas as presentes, mas também futuras gerações.
Ademais, cabe a aplicação da ciência hermenêutica ao dispositivo normativo em comento, sendo possível concluir que a intenção do legislador não é outra, se não o desenvolvimento da consciência de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é tanto um direito como um dever de todos, inclusive, do próprio Estado, pois as futuras gerações também têm o direito de coexistir e ter sadia qualidade de vida. Ora, o que se pode subsumir é óbvio. Ou seja, a intenção da lei em preservar a vida.
A Unesco elaborou relatório para o fórum mundial da água: é preciso quinze mil litros de água para produção de um quilo de carne bovina. Por outro lado, a produção de um quilo de cereal demanda mil e trezentos litros de água. Assim, podemos observar que a maior demanda hídrica é animal se comparada com vegetal. Nesse passo, vale também frisar outro dado importante, qual seja, alguns países de mundo já não tem mais condições de manter e sustentar a vida com recursos naturais internos simplesmente porque consumiram todos seus reservatórios hídricos naturais em decorrência do consumo exagerado e irresponsável.
Conclui-se, portanto, que estamos a indagar sobre a sustentabilidade da vida, enquanto inviabilizamos e praticamos a insustentabilidade para as gerações vindouras.
CONCLUSÃO
A Constituição dispõe que, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, não está dizendo que é um bem público, mas que o Estado e o povo têm o direito de exigir sua proteção, o dever de protegê-lo e de usá-lo direta ou indiretamente, na medida em que dependemos dele para nossa sobrevivência.
Concluímos que o consumismo desenfreado objeto do presente estudo está em confronto com o sistema normativo interno. Encontra conflito de ordem não apenas principiológica, mas também social e política, sobretudo, porque as atividades humanas estão reguladas e limitadas pelo direito que, por sua vez, tem como fonte norteadora os princípios e, portanto, não pode a Lei afrontar princípio, assim como não pode a ação humana afrontar a Lei. O que se verifica, em tese, é não apenas a atividade humana agredindo o meio ambiente e afrontando a Lei, mas a conivência Estatal com aquelas ações e, portanto, a inegável ilegalidade dos atos praticados, o que prejudica a manutenção da vida, hoje e no futuro.
Graduanda em direito. Atualmente atuando na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, após aprovação em concurso de provas e títulos. Logrou aprovação antecipada no exame de suficiência profissional nº. 141 da Ordem dos Advogados do Brasil. Aprovado em diversos concursos públicos das carreiras jurídicas, tais como: Advogada da SABESP, Agente e Oficial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e Técnico Judiciário da União. Colaboradora de diversos periódicos eletrônicos dedicados ao estudo de direito. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Sandra Regina Tabossi. O consumismo à luz do direito ambiental: matéria de ordem pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 mar 2010, 07:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19512/o-consumismo-a-luz-do-direito-ambiental-materia-de-ordem-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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