O exame em apreço objetiva expor, em termos sucintos, a aplicação do direito de arrependimento, consagrado no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, nas compras realizadas no âmbito da internet, focalizando à ideia de que a rede mundial não é desprovida de proteção legal, como acredita parte da doutrina.
Assim dispõe o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990:
“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.”
Sendo realizado o negócio fora do estabelecimento comercial, o Código de Defesa do Consumidor concede ao consumidor o direito de arrependimento, de retroceder a declaração de vontade manifestada na celebração da relação jurídica de consumo (contrato), sem a imposição de justificativas para tal posicionamento.
O proposito do direito de arrependimento é resguardar a vulnerabilidade do consumidor, quando sujeito a praticas comerciais agressivas capazes de limitar o discernimento para contratar ou deixar de contratar, pois fora do estabelecimento comercial a noção de qualidade e defeito do produto é menor, proporcionando um maior desconhecimento em relação ao objeto contratado (produtos ou serviços).
Nesse contexto, afirma Nelson Nery que quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento.
Esquadrinhando o supracitado artigo, abstrai-se o caráter exemplificativo, uma vez que, ao lançar a expressão “especialmente” quando menciona hipóteses de negócios firmados em local diverso do estabelecimento comercial, possibilita ao aplicador do direito uma interpretação extensiva, à exemplo dos enquadramentos das vendas pelo sistema de marketing direto, contrato de seguro, cartão de crédito e outras possibilidades não previstas expressamente.
É indiscutível que o artigo 49 incide sobre as relações do comércio eletrônico, as chamadas “e-commerce”, uma vez que, o consumidor pode ser vítima do impulso e da falta de discernimento em relação ao produto ou serviço ofertados, devido à agressividade do mercado.
Neste sentido, destaca-se o voto do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira, proferido no julgamento o RESP/SP nº 63.981, que demonstra ótica de proteção ao consumidor que utiliza a rede mundial para realização de negócios, no mercado nacional ou internacional, de forma a garantir a aplicação do CDC nas relações de consumo provenientes, in verbis:
"Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no fator mercado consumidor que representa o nosso país.
(…)
O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje “bombardeado” diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.
(...)
Se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pela deficiência dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos..."
De acordo com o citado entendimento, a aplicação do direito de arrependimento nas compras realizadas no âmbito da internet seria possível em razão do consumidor não ter acesso ao produto fisicamente, não podendo conhecer profundamente as qualidades e defeitos, o que só pode ocorrer no domicílio real do fornecedor com o contato direto e prévio com a mercadoria antes da sua aquisição pelo comprador.
Apesar dos questionamentos contrários de parte da doutrina, a prevalência é a interpretação analógica utilizada para fins de se aplicar o artigo 49 do CDC nos contratos eletrônicos, em especial sobre as vendas realizadas na internet.
Além do mais, a validade do contrato eletrônico resulta dos princípios do consensualismo ou/ da liberdade das formas, uma vez que, sua formalização está condiciona a convergência de duas declarações de vontade, independentemente da forma como elas se pronunciam. Sendo assim, a celebração e conclusão de tais contratos regem-se pelas mesmas regras de direito material, utilizadas nos contratos civis e, nos casos de relação jurídica de consumo, pelas regras dispostas no CDC.
Referência
JÚNIOR, Nelson Nery. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2001.
BLUM, Rita Peixoto Ferreira. Direito do Consumidor na Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2002.
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