“Alguma coisa (objeto)
tem valor para outra
ou é de valor para ela (sujeito),
se de qualquer modo a primeira
influi na existência da segunda”.
PONTES DE MIRANDA[1]
RESUMO: O presente trabalho apresenta o conceito de inovação e de inovação social, e estabelece que a inovação social cooperativa implica na atuação global dos cooperacionistas, de forma que o exercício cooperativo ultrapasse as fronteiras limítrofes da sociedade cooperativa e se dissemine no núcleo de existência das classes carentes. Para tanto, utiliza-se a prerrogativa de que a ação cooperativa foi a base essencial da transformação e desenvolvimento do Homem, e, consubstanciada pelos valores cooperativos, reflete a essência primeira do Cooperativismo, servindo de válvula para o fortalecimento e ? ou resgate dos entornos debilitados.
Palavras-chave: Inovação; Inovação social cooperativa; Valores cooperativos.
RESÚMEN: Este trabajo presenta el concepto de innovación y de innovación social, y establece que la innovación social cooperativa refleja en la actuación global de los cooperacionistas, de forma que el ejercicio cooperativo ultrapase las fronteras de la sociedad cooperativa y sea diseminado en el núcleo de existencia de las clases carentes. Para ello, se utiliza de la prerrogativa de que la acción cooperativa fue la base esencial de la transformación del desarrollo del Hombre, y, consubstanciada por los valores cooperativos, refleja la esencia primera del Cooperativismo, sirviendo de válvula para el fortalecimiento y ? o rescate de los entornos debilitados.
Palabras-clave: Innovación; Innovación social cooperativa; Valores cooperativos.
SUMÃRIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS; I. COMPREENDENDO A INOVAÇÃO; II. SOBRE A INOVAÇÃO SOCIAL; III. A INOVAÇÃO SOCIAL-COOPERATIVA: A PROEMINÊNCIA DO ESPÍRITO COOPERATIVO; IV. A PROPRIEDADE DOS VALORES COOPERATIVOS COMO INSTRUMENTO DE INOVAÇÃO SOCIAL: O RESGATE E/OU FORTALECIMENTO DOS ENTORNOS DEBILITADOS; V. A TÍTULO DE CONCLUSÃO; VI. BIBLIOGRAFIA
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sopesada a hodierna realidade das relações negociais, resulta evidente que a concorrência impõe às organizações empresariais a necessidade de renovação dos meios utilizados para a produção de bens e serviços próprios à sua inserção e preservação em um mercado que sofre mutações constantes e apresenta exigências variáveis.
Na vertente das empresas tradicionais, de perfil capitalista, a concorrência se opera com o emprego de estratégias múltiplas, de produção e administração, que acentuam um objetivo econômico calcado a majoração do lucro.
No contexto das sociedades cooperativas a realidade é outra.
Mesmo que sua adequação às diferentes reclamações do mercado confira-lhe força e mecanismos próprios para atuar em igualdade de condições com os demais tipos empresariais que percorrem a passarela dos interesses pela produção e oferta de bens e serviços, necessário sublinhar-se que a cooperativa não concorre apenas em proveito do lucro.
Surgida para permitir o alcance de uma justa distribuição de riqueza social, viabilizar a igualdade de oportunidades para todos, evitar que os homens se explorassem entre si, e, principalmente, para frear o predomínio do capital sobre a atividade humana[2], a sociedade cooperativa pressupõe o levante de uma ação co-operativa que se fundamenta na solidariedade de homens que almejam não apenas a supressão de necessidades materiais (de caráter econômico), mas anseiam, também, promover o progresso, o bem-estar e a transformação moral do Homem.
Desta forma, ao implementar o ferramental que lhe dá suporte de atuação no mercado, a sociedade cooperativa deve priorizar o fator Humano e utilizar das novas estratégias de gestão como arrimo da sua própria finalidade: a transformação moral do indivíduo, fator indissociável da busca de novas alternativas aos problemas sociais.
I. COMPREENDENDO A INOVAÇÃO
À luz do entendimento literário, a inovação pode ser explicada como “o processo que utiliza uma idéia, invenção, ou reconhecimento de uma necessidade, para o desenvolvimento de um produto, técnica ou serviço útil, que seja comercialmente aceito”[3].
Por assim dizer, e com supedâneo do conceito de ESCORSA CASTELLS, não basta que uma idéia seja inédita para ser considerada inovadora. Distante de depender apenas da originalidade, a inovação está condicionada aos seguintes elementos: novidade, conhecimento sobre carências específicas (de pessoas, grupos ou organizações) e escopo econômico.
A partir da conjugação dos elementos que lhes são próprios, tem-se que inovar sugere a aptidão para criar algo, a partir do estudo minucioso de uma demanda, com propósito de atendimento de uma meta econômica.
Inovar, portanto, é desenvolver idéias que sejam potencialmente negociáveis!
II. SOBRE A INOVAÇÃO SOCIAL
Malgrado os subsídios que integram a compreensão do termo inovação, a abrangência do algoritmo inovação social é mais restrita, pois designa toda nova ação que aporte ou gere valor à sociedade.
Neste sentido, deve-se enaltecer que a inovação social recomenda a articulação de medidas e ações incomuns, tendentes a solucionar problemas e satisfazer necessidades que afetam um entorno comunitário, obstruindo seu desenvolvimento.
Sob este aspecto, curial enfatizar que agir no âmbito da inovação social não significa entrar em choque ou combater o alvo de políticas públicas vigentes e destinadas à supressão de demandas sociais específicas, a exemplo das que tratam de questões ambientais, de desemprego, da infância e da adolescência, do idoso, e até do consumidor.
A inovação social alude a um processo de aperfeiçoamento das políticas sociais já existentes, de forma tal que se consiga aprimorar a operacionalidade e o resultado das medidas já implantadas ou previstas para implantação.
III. A INOVAÇÃO SOCIAL COOPERATIVA: A PROEMINÊNCIA DO ESPÍRITO COOPERATIVO
Para preponderar qualquer discurso sobre inovação social cooperativa, imperioso enaltecer que o predomínio da espécie humana representou uma das maiores transformações identificadas no desenvolvimento das diferentes espécies de seres vivos que co-habitam o meio natural.
Conforme se pode observar pelos traços literários, esta transformação se consuma quando o Homem descobriu sua importância diante do meio, a importância do meio onde habita, e, por suposto, a importância daqueles que compartilham do meio com ele.
Como resultado desta descoberta, o Homem abandonou a individualidade e passou a viver de maneira gregária. A agrupação original e espontânea foi superada pela formação de hordas constituídas por grupos de algumas dezenas de pessoas unidas por vínculos sanguíneos. O conjunto de várias hordas configurou o clã, a união dos clãs, a tribo, que significou uma forma superior de organização da sociedade primitiva.
Dentro do sistema organizacional das primeiras comunidades humanas, a ação cooperativa, de ajuda mútua coletiva, permitiu que o homem rudimentar encontrasse um grau de liberdade que lhe possibilitou estar e viver em lugares dos quais, sozinho, jamais conseguiria. Foi mediante o empenho cooperativo que o antepassado da espécie humana descobriu fontes de alimentos, constituiu grupos familiares e protegeu seus comuns dos perigos da época.
Posteriormente, o Homem aperfeiçoou sua tendência gregária, passou a fortalecer o egocentrismo existencial e saiu em busca de relações sociais: já não trabalhava apenas para suas necessidades, mas, ademais de compartilhar os anseios de um grupo, dividia também as necessidades que tinham em comum e oferecia sua participação para satisfazê-las.
Deste modo, e desde esta época, a ação cooperativa, fortalecida por um sentido de solidariedade, se transformou em fenômeno social-solidário intrínseco à vida em comunidade.
Tanto foi assim que, não faz muito, a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale demonstrou formalmente que a concentração de forças dos membros de um grupo facilita a busca de objetivos sócio-econômicos e viabiliza a satisfação de necessidades comuns e variáveis.
Hoje, consolidada a estrutura econômica da cooperação, e resgatada (mesmo que materialmente) a identidade cooperativa, os atores cooperativos incorporam a inovação social no seio do ambiente cooperativo.
Tendo em vista o significado de inovação social, e com respaldo da matiz cooperativa, a inovação social cooperativa compreende o mapeamento da raiz cooperacionista que, em tempos remotos, aproximou as pessoas vítimas de dificuldades múltiplas que inibiam seu desenvolvimento pessoal e até material.
Assim sendo, resulta manifesto que, na esfera cooperativa, inovar socialmente imprime a necessidade de atuação global dos cooperados, de forma que ultrapassem as barreiras da estrutura cooperativa e disseminem no seio das classes carentes que o trabalho conjunto, incitado pelo espírito da ajuda mútua e da solidariedade, elimina o protagonismo do lucro no processo associativo.
Esta idéia parece fundamental para entender-se que a inovação social cooperativa totaliza a própria cooperação, enquanto base do Cooperativismo, e reflete uma ação consciente que procede de uma preocupação social, de aspecto moral, inerente ao desenvolvimento e transformação do indivíduo, na ordem sócio-econômico-moral.
IV. A PROPRIEDADE DOS VALORES COOPERATIVOS COMO INSTRUMENTO DE INOVAÇÃO SOCIAL COOPERATIVA: O RESGATE E/OU FORTALECIMENTO DOS ENTORNOS DEBILITADOS
Os dados históricos permitem observar-se que no âmbito do pensamento cooperacionista, a busca pelos meios de produção, gestão e gozo dos bens produzidos, as idéias de liberdade e as diferentes formas de cooperação sempre foram associadas e articuladas em conjunto com certos princípios fundamentais, baseados na oportunidade do pleno desenvolvimento do Homem, do alcance de uma sociedade igualitária e fraterna, e do encontro da ética como forma de sustentar a socialização.
De uma maneira específica, o alcance de todas as propostas cooperacionistas que surgiram ao longo do desenvolvimento da própria civilização humana demonstra que todos os ambientes se estruturaram sobre uma idéia comum de formação de valores consubstanciados sobre o sentido ético dos valores universais.
Sabe-se, com certeza inconteste, que esta preocupação foi soerguida por Tomás Moro, Tomás Campanela, Francis Bacon y Ettienne Cabet, e se mostrou própria do conceito de cooperação dos precursores que lhes antecederam.
Mesmo que a idéia geral de cooperação se mostre como um princípio constante na história do Homem, as ações cooperativas devem ser examinadas como um caminho paradoxal que obriga uma vigilância permanente sobre o processo, para evitarem-se tanto os individualismos com seus efeitos de distanciamento do histórico e do social, como a indiferença frente ao coletivo, e, assim mesmo, “evitarem-se os desvios holistas tendentes ao irracionalismo fatalista e a submersão cega de preconceitos e autoridades”[4].
Esta precaução, por certo, deve alcançar a apropriação e o uso da ação cooperativa como exclusiva alternativa de concorrência e produtividade, ademais das políticas governamentais que, de uma ou de outra maneira, justificam e legitimam desigualdades sociais.
Neste sentido, capital assinar que não se pretende ressuscitar os socialistas utópicos e tão pouco instaurar uma reforma imediata dentro da ordem sócio-econômica, de modo que a transição para a igualdade surja de forma automática, contrariando as leis da concorrência leal e eliminando-se o acúmulo de capital e o trabalho.
Sobre isto, se pode constatar que a falta de equilíbrio e de divisão entre os agentes que participam dos processos produtivos garante a imunidade dos detentores do poder, uma vez que é o mercado quem disciplina e regula a economia; uma vez que os agentes econômicos se tornam dependentes do mercado, e até mesmo os trabalhadores que detém os meios de produção, “individual ou coletivamente, são obrigados a responder aos imperativos do mercado: concorrer e acumular capital, abandonar as empresas não competitivas e seus trabalhadores, e, inclusive, explorar a si próprio”[5].
É por isto que se faz necessário o resgate do horizonte histórico que estampou possibilidades concretas de construção de uma sociedade justa e igualitária, baseada em princípios de transformação do próprio Homem. Para tanto, necessário a construção de um espaço moral comum, hábil ao consenso do tipo de sociedade que os Homens esperam...
Os indivíduos devem compreender a importância de colocar-se em prática “virtudes políticas como a tolerância, o respeito mútuo, a reciprocidade, a idéia de equidade e civilidade. O ensino razoável deve fortalecer as formas de pensar e sentir que amparam a cooperação social equitativa entre os homens que devem se considerar livres e iguais”[6].
A reflexão sobre estas virtudes políticas é indispensável à educação e formação das futuras gerações dentro do verdadeiro espírito da cooperação, um espírito de fraternidade, de igualdade, de solidariedade e de justiça.
É justo nesta direção que se encaminha a conduta imprescindível para o aprendizado que tenha como meta fundamental do Homem a construção de uma sociedade baseada em princípios éticos sustentados por uma visão universalista de valores humanos e jamais por uma responsabilidade moral individualista e neo-pragmática.
Por isto, e considerando que as cooperativas estão consagradas como fórmula que confere aos menos agraciados uma alternativa para a conjugação de todas as vantagens da vida privada, se pode dizer, que as cooperativas, e por suposto, o Cooperativismo, deve ser o porta-estandarte de valores inerentes a uma atitude ética e humanitária.
Desta forma, salta evidente que os valores cooperativos se deduzem de uma cooperação do Homem e da sociedade, ou seja, de uma concepção antropológica do homem e de suas relações sociais.
De todas as concepções que se observam como predominantes da inovação social cooperativa (próprias da ação cooperativa desenvolvida desde sempre), a que converge com o verdadeiro motivo do Cooperativismo, e se opera dentro da vertente que se dedica a reconstrução social, como modo intencionado de transformação da sociedade, a partir do interior da própria sociedade, a partir do interior do Homem e de suas relações imediatas.
É assim que, ao colocar em prática os valores cooperativos, os cooperacionistas dão primazia aos valores e princípios da Cooperação, de maneira que o Cooperativismo alcance o seu objetivo, e, como forma de inovação social, dissemine no seio comunitário toda a perspectiva de instituição de um sistema de existência coletiva que ofereça as mesmas oportunidades para todos.
V. A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Ao reputar a inovação social como o conjunto de medidas e ações novas, canalizadas à busca de soluções para os diferentes problemas e à satisfação das necessidades que afetam um entorno comunitário, obstruindo seu desenvolvimento, o Universo Cooperativo deve ter em evidência que inovar socialmente, compreende, na essência, fazer valer o verdadeiro espírito do Cooperativismo nos espaços comunitários cujo desenvolvimento se apresenta obstruído por fatores múltiplos.
Assim sendo, urge reforçar que os valores cooperativos representam a essência maior do nascimento do próprio Cooperativismo moderno, pois serviram de alicerce para a constituição das primeiras entidades cooperativas.
Desta forma, a eficácia aproximativa da cooperação e o indiscutível respeito ao Homem, enquanto pessoa humana, demonstram que estes mesmos valores são imprescindíveis e servem de elementos para a inovação social cooperativa, o que, na trilha da cooperação, importa no resgate e/ou fortalecimento de entornos debilitados social, econômica e moralmente.
V. BIBLIOGRAFIA
ARANZADI TELLERÍA, D. Cooperativas de enseñanza in Cuartas jornadas de cooperativas de Euskadi. Vitoria: Servicio Central de Publicaciones del Gobierno Vasco, 1986.
ESCORSA CASTELLS, P. Tecnología y innovación en la empresa. Dirección y gestión. UPC, 1997.
LOVISOLO, H. Educação popular: maioridade e conciliação. Salvador: UFBA – Empresa Gráfica da Bahia, 1990.
MIRANDA, José Eduardo. Tesis Doctoral. De la Cooperación al Cooperativismo: Análisis de los Valores y Principios Cooperativos como Instrumento de Regeneración de Entornos Debilitados. Universidad de Deusto, Bilbao, 2008.
MIRANDA, Pontes de. Sistema de ciência positiva de direito. Campinas: Bookseller, 2005.
WOOD, E. M. As origens agrárias do capitalismo. Crítica Marxista. São Paulo: Bomtempo Editorial, 2000.
[1]MIRANDA, Pontes de. Sistema de ciência positiva de direito. Campinas: Bookseller, 2005. p. 233.
[2] MIRANDA, José Eduardo. Tesis Doctoral. De la Cooperación al Cooperativismo: Análisis de los Valores y Principios Cooperativos como Instrumento de Regeneración de Entornos Debilitados. Universidad de Deusto, Bilbao, 2008. p. 195.
[3]ESCORSA CASTELLS, P. Tecnología y innovación en la empresa. Dirección y gestión. UPC, 1997.
[4]LOVISOLO, H. Educação popular: maioridade e conciliação. Salvador: UFBA – Empresa Gráfica da Bahia, 1990. p. 259.
[5] WOOD, E. M. As origens agrárias do capitalismo. Crítica Marxista. São Paulo: Bomtempo Editorial, 2000. p. 29.
[6]SILVA, S. R. Formação moral em Rawls. Campinas: Editora Alínea, 2003. p. 125.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MIRANDA, José Eduardo de. Da inovação social à inovação social cooperativa: a proeminência dos valores cooperativos como elementos aptos à transformação sócio-econômico-humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 abr 2010, 01:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19669/da-inovacao-social-a-inovacao-social-cooperativa-a-proeminencia-dos-valores-cooperativos-como-elementos-aptos-a-transformacao-socio-economico-humana. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Robério Lopes de Aguiar Filho
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