Consumir sempre foi uma atividade própria do ser humano. Desde os primórdios da humanidade o homem sempre foi cativado a consumir bens materiais, e o que é pior, consumir geralmente muito mais do que o necessário para a sua sobrevivência.
Antigamente as relações de consumo eram simplificadas e as pessoas negociavam entrei si, entretanto, com o surgimento do capitalismo moderno após a Revolução Industrial e o início da chamada sociedade de consumo do século XX nos Estados Unidos, o panorama se alterou e as relações de consumo se tornaram bem mais complexas.
As operações passaram a ser impessoais e indiretas e os bens de consumo começaram a ser produzidos em série e direcionados a um número cada vez maior de consumidores (produção/consumo em massa).
Esta nova forma de agir aumentou o poderio econômico das empresas fornecedoras de produtos e fez com que elas passassem a impor seus produtos de forma indiscriminada aos consumidores, que cegos pelo consumo exacerbado, passaram a ser reféns das táticas comerciais.
Feita esta constatação, percebeu-se que o consumidor deveria ser considerado como uma figura peculiar dentro do ordenamento jurídico, merecedor de tratamento diferenciado, devido a sua fragilidade frente aos fornecedores de produtos e serviços. Foi então que diversos países começaram a outorgar legislações específicas para os consumidores, com o fito de equilibrar as relações consumeristas.
O Brasil possui atualmente uma das legislações mais avançadas de todo o mundo em matéria de direitos do consumidor. A lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, é quem regula toda a matéria em âmbito nacional.
Uma das principais características deste microsistema legislativo é o amparo ao consumidor e a afirmação, logo de início, de que o consumidor é a parte mais frágil da relação que se estabelece entre fornecedores e consumidores. Segundo o artigo 4, I do Código de Defesa do Consumidor – CDC, é reconhecida a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
Todavia, mesmo havendo todo este amparo legal, é comum encontrar consumidores que se sentem lesados e impotentes diante de algumas práticas comerciais dos fornecedores.
Isto ocorre porque, embora existam diversos direitos incorporados aos consumidores, eles são pouco difundidos e o consumidor não sabe quando e como exercê-los no momento em que eles são afrontados.
Diante disso, é necessário que os consumidores conheçam seus direitos para que no momento da ocorrência de qualquer lesão, possam tomar as atitudes corretas e buscar a reparação do mal gerado.
Fundamental para se ter a exata noção dos direitos do consumidor é saber delimitar o que é consumidor e o que é fornecedor. Aparentemente a tarefa é fácil, entretanto, juridicamente o conceito é complexo e demanda atenção.
Segundo expõe o artigo 2o do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Desta normativa se extrai a informação de que se a pessoa utiliza o produto ou o serviço como meio para realizar outra atividade profissional ou negocial, ele não o estará utilizando como destinatário final, e sim como sustentáculo para a consecução de novos benefícios econômicos.
Quem adquire, por exemplo, um aparelho celular numa loja qualquer para utilizá-lo como meio de comunicação da empresa como seus clientes e realizar pedidos de venda, automaticamente não poderá desfrutar dos benefícios do Código de Defesa do Consumir, pois a aquisição se deu com finalidade diversa da instituída pelo CDC. Ocorre no caso a utilização do produto para o exercício de uma atividade profissional com fins lucrativos, o que desvirtua o conceito de consumidor.
De outra banda, o conceito de fornecedor também merece destaque: fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 3o, CDC).
É importante pontuar que a definição de fornecedor é jurídica e não apenas gramatical. Fornecedor para a legislação consumerista tem sentido amplo e envolve desde aquele que produz, monta, cria, constrói, transforma, importa, exporta, distribui até aquele que comercializa o produto ou serviço.
Outro ponto que merece saliência no CDC são os direitos considerados como básicos pelo legislador. São básicos porque são direitos mínimos que o consumidor deve ter para equilibrar sua relação com o fornecedor.
Conforme o artigo 6o, o consumidor tem direito: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Deste rol exemplificativo de direitos, decorrem outros dispositivos específicos do Código de Defesa do Consumidor, que protegem os consumidores em situações especiais:
a) Proteção à saúde e a segurança do consumidor – art. 8o do CDC – Os produtos ou serviços colocados no mercado não poderão acarretar riscos à saúde e segurança do consumidor, sendo obrigatória a adoção de medidas informativas a respeito da sua nocividade ou periculosidade.
b) Responsabilidade pelo fato ou vício no produto/serviço – art. 12 e 18 do CDC – Os consumidores tem direito, independentemente da existência de culpa dos fornecedores, à reparação pelos danos que lhes forem causados pelos produtos nos casos de defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação, acondicionamento, informações insuficientes ou inadequadas sobre utilização e riscos, bem como por danos causados por defeitos na prestação dos serviços, inclusive quando as informações prestadas ao consumidor forem insuficientes ou inadequadas acerca dos riscos e da utilização do serviço.
Os fornecedores tem responsabilidade solidária no caso de vícios de qualidade ou quantidade que tornem os produtos impróprios ou inadequados para o consumo a que se destinam ou que lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes de disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou da mensagem publicitária.
Neste caso o consumidor pode exigir a substituição das partes viciadas e, se o vício não for sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, poderá exigir, alternativamente e à sua escolha, a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou ainda o abatimento proporcional do preço.
No caso de serviços viciados ou em disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, o consumidor poderá reclamar a reexecução dos serviços, quando cabível, e sem custo adicional para o consumidor, a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo das perdas e danos, ou ainda o abatimento proporcional do preço.
O direito de reclamar pelos defeitos aparentes ou de fácil constatação decai em 30 (trinta dias), tratando-se de fornecimento de serviços ou produtos não duráveis e em 90 (noventa dias) quando eles forem duráveis. Se os vícios forem ocultos o prazo somente se inicia após o consumidor tomar conhecimento do vício.
c) Ofertas – art. 30 do CDC – Toda informação ou publicidade que for veiculada, por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a veicular ou se utilizar dela, a cumpri-la perante o consumidor.
As ofertas deverão ser corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Se o fornecedor do produto ou serviço recusar-se a cumprir a oferta, o consumidor poderá exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos do que foi ofertado, apresentado ou publicado, aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente e até rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e perdas e danos.
d) Publicidade enganosa/abusiva – art. 37 do CDC – O Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade enganosa ou abusiva. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (art. 37, §1º, CDC)
Considera-se abusiva a publicidade quando discriminatória de qualquer natureza, quando incentive à violência, explore o medo ou a superstição das pessoas, quando se aproveita da deficiência de julgamento ou da inexperiência das crianças, quando desrespeita valores ambientais ou ainda, aquela capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (art. 37, §2º, CDC)
e) Práticas abusivas – art 39 do CDC – Práticas abusivas são as atitudes que os fornecedores de produtos e serviços adotam no comércio e que ferem a lei consumerista por exigir vantagens excessivas do consumidor. Dentre outras práticas, é vedado I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; II -recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço sob pena de ser considerada como amostra gratuita; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos; VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro); IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços; XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério; XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.
f) Cobrança de dívidas – art. 42 do CDC - O consumidor quando inadimplir obrigação comercial não poderá ser exposto ao ridículo nem ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça pelo fornecedor na tentativa de haver seu crédito. Ocorrendo este fato, o consumidor tem direito de exigir a reparação civil pelos danos morais ocasionados.
Ainda, o consumidor que for cobrado por quantia indevida pelo fornecedor, tem direito de reaver a quantia exigida equivocadamente, em dobro, e acrescida de juros e correção monetária.
g) Bancos de dados e cadastro de consumidores – art. 43 do CDC – Tem direito o consumidor ao acesso às informações em seu nome existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados, inclusive sobre as respectivas fontes.
Qualquer cadastro, ficha, registro ou dado que for aberto em nome do consumidor, deverá ser a ele comunicado por escrito, sendo que todas as informações negativas existentes não poderão ser mantidas por prazo superior a 05 (cinco) anos.
h) Contratos – art. 46 do CDC – Quando consumidor e fornecedor acordam sobre o produto ou serviço a ser consumido e expressam suas declarações de vontade, automaticamente estarão celebrando um contrato, mesmo que seja realizado de forma verbal.
Para ter validade, os contratos que regulam as relações consumeristas possuem algumas peculiaridades: a) não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance; b) as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor; c) os fornecedores são obrigados a cumprir suas declarações de vontade, mesmo que sejam em escritos particulares, recibos e pré-contratos, sob pena de cumprimento forçado pelo Poder Judiciário; d) tem direito de desistir do contrato no prazo de 07 (sete) dias quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio; e) tem direito a garantia legal de 30 (trinta) dias para produtos/serviços não duráveis e 90 (noventa) dias para produtos/serviços duráveis, sempre iniciando este prazo após o prazo de garantia contratual ofertado livremente pelo fornecedor.
São nulas as cláusulas abusivas, especialmente aquelas que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
Os contratos de adesão, cujas cláusulas contratuais não são discutidas pelo consumidor, devem ser redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, com tamanho de fonte não inferior a 12 (doze) e com cláusulas limitativas de direitos redigidas com destaque, tudo isso para facilitar a compreensão pelo consumidor.
Tendo em mente os principais direitos que o Código de Defesa do Consumidor elenca, o consumidor não será lesado pelas atitudes dos fornecedores e a relação consumerista será efetivamente equilibrada no plano fático.
Advogado, membro do escritório Brandt, Cremonese e Soder e especialista em Direito Aplicado, Direito Civil e Processual Civil e especializando em Administração Pública e Gerência de Cidades. Sítio: www.bcsadvogados.com.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Cleverton Cremonese de. Algumas considerações sobre o Código de Defesa do Consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2010, 08:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19683/algumas-consideracoes-sobre-o-codigo-de-defesa-do-consumidor. Acesso em: 23 dez 2024.
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