Denominam-se poderes jurídicos as situações jurídicas ativas ou direitos subjetivos em sentido amplo, gênero que engloba os direitos a prestação, os direitos potestativos e os poderes-deveres (PINTO, 1999, p. 173-174).
Nesta esteira, os direitos potestativos são concebidos como a faculdade de criar, alterar ou extinguir situações jurídicas que abrangem um sujeito em estado de sujeição. O exercício de um direito potestativo prescinde de qualquer prestação do outro sujeito, efetivando-se normativamente (DIDIER JR, 2009, p. 25). Por esta razão, por não se relacionarem ao dever de outrem, os direitos potestativos não prescrevem, sendo objeto da decadência quando verificada a inércia do titular.
Quando fixada em lei, a decadência tem natureza de matéria de ordem pública, devendo ser reconhecida de ofício pelo judiciário nas questões que lhe são submetidas (art. 210 do Código Civil). Há um fundamento ínsito a esta concepção, o de estabilização das relações jurídicas e manutenção da segurança jurídica. Confira-se a síntese proposta por Eduardo Sabbag:
O desenvolvimento das relações jurídicas não se põe imune aos efeitos inexoráveis do tempo. O pensamento jurídico concebe, assim, institutos que, vinculados a um certo intervalo temporal, criam, modificam ou extinguem direitos para os sujeitos do negócio jurídico, em nome de um elemento axiológico de maior relevo, qual seja, a segurança jurídica. Neste contexto, desponta o instituto da decadência (SABBAG, 2010, p.763).
No âmbito do exercício do poder de tributar pelo Estado, não poderia agir a decadência de forma diferente. Se, por um lado, a obrigação de os sujeitos passivos recolherem tributos aos cofres estatais decorre de disposição legal, por outro o Fisco dispõe de prazo decadencial para torná-la exigível, assegurando a lei que ela não se eternize em detrimento dos contribuintes e responsáveis.
Na linha do tempo da exação tributária, a decadência está no intervalo entre a ocorrência do fato gerador – fato imponível - e o lançamento, marcos entre os quais deve-se observar o prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 173, caput, do CTN.
Como bem pontua Hugo de Brito Machado (MACHADO, 2006, p. 144-146) o fato gerador de um direito, ainda que seja um ato jurídico, em direito tributário deve ser sempre visto como um fato, toda e qualquer ocorrência decorrente ou não da vontade, cuja consequência está submetida à reserva legal, com traço de imprescindibilidade para o nascimento da obrigação.
Por outro lado, o lançamento tributário, para alguns procedimento administrativo, em consonância com o art. 142, caput, do CTN, e para outros ato administrativo vinculado e obrigatório à autoridade administrativa, é atividade de natureza mista ou dúplice na melhor doutrina. De fato, é ao mesmo tempo declaratório da ocorrência no mundo dos fatos da hipótese de incidência legalmente prevista (efeito ex tunc) e constitutivo do crédito tributário, transformando a obrigação exigível e líquida, precisando sua extensão e seus limites (efeito ex nunc).
Sob pena de decadência, dispõe a Fazenda Pública do prazo de 5 (cinco) anos para realizar o lançamento tributário, independentemente da sua modalidade.
Nos tributos constituídos por homologação, contudo, a discussão sobre a existência e o modo de aferição da decadência é tema de acirrado debate na doutrina e na jurisprudência.
Esta espécie de lançamento está descrita no art. 150, caput, do CTN como aquela em que o sujeito passivo tem atuação ativa, antecipando o pagamento do tributo, sem que para isto concorra qualquer atividade da Administração Tributária, que poderá atuar a posteriori pela homologação do pagamento, seja expresso ou tácito (decurso do prazo de 5 anos). São exemplos mais comuns de tributos lançados por homologação o ICMS, IPI, IR, ITCMD, o PIS e a COFINS.
No lançamento por homologação, pode-se dizer que a manifestação da decadência, na verdade, é do direito de o Fisco lançar de ofício eventuais diferenças no pagamento realizado, na hipótese de não homologar o lançamento (ALEXANDRE, 2008, p. 451). Se não houve recolhimento aos cofres públicos do tributo que deveria ser antecipado, sem que seja prestada nenhuma declaração (hipótese de autolançamento), também haverá a decadência do direito de constituir o crédito.
Observa-se, contudo, que a decadência é aferível de formas distintas, de acordo com duas variáveis.
Caso tenha havido pagamento, desvinculado de dolo, fraude ou simulação, o prazo decadencial para Fisco proceder ao lançamento suplementar do valor residual insuficiente será de 5 anos contados a partir da ocorrência do fato gerador, consoante disposição do art. 150, § 4º do CTN.
Inexistindo pagamento, ou ainda, na ocorrência de dolo, fraude ou simulação (conforme expressa previsão do CTN), não se pode aplicar a regra acima, utilizando-se do prazo geral do art. 173, I, do CTN, pelo qual o prazo de 5 (cinco) anos conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Estas concepções hoje são pacíficas no STJ, que antes já sustentou a tese dos “5 mais 5”, pela qual o prazo de decadência começa quando termina o prazo para a homologação, ou seja, cinco anos depois de ocorrido o respectivo fato gerador. Como a homologação tácita é bem mais usual que a homologação expressa, na prática o prazo seria de 10 (dez), a serem contados da ocorrência do fato gerador. Confira-se o seguinte acórdão, proferido à época da vigência do entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. PRAZO PARA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. TERMO INICIAL (…) 10. Deveras, é assente na doutrina: “a aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173, o que conduz a adicionar o prazo do artigo 173 – cinco anos a contar do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido praticado – com o prazo do artigo 150, § 4º – que define o prazo em que o lançamento poderia ter sido praticado como de cinco anos contados da data da ocorrência do fato gerador. Desta edição resulta que o 'dies a quo' do prazo do artigo 173 é, nesta interpretação, o primeiro dia do exercício seguinte ao do ´dies ad quem' do prazo do artigo 150, § 4º. A solução é deplorável do ponto de vista dos direitos do cidadão porque mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos, arraigado na tradição jurídica brasileira como o limite tolerável da insegurança jurídica. Ela é também juridicamente insustentável, pois as normas dos artigos 150, § 4º e 173 não são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são reciprocamente excludentes, tendo em vista a diversidade dos pressupostos da respectiva aplicação: o art. 150, § 4º aplica-se exclusivamente aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa;o art. 173, ao revés, aplica-se aos tributos em que o lançamento, em princípio, antecede o pagamento. (…) (STJ, Resp 638.962/PR, RECURSO ESPECIAL 2004/ 0010290-8, Min. Luiz Fux, 1ª T, 02-06-2005)
Sobre a sistemática, assim se manifestou Hugo de Brito Machado:
Não existe nenhuma razão para ser assim. A partir do momento em que o contribuinte apura o montante do tributo e antecipa o seu pagamento, já a Fazenda, se discordar daquele montante, pode deixar de homologar a apuração feita pelo contribuinte e efetuar de ofício a sua revisão. O prazo para fazer a revisão, neste caso, é de cinco anos a partir do fato gerador do tributo. É o mesmo prazo de que a Fazenda dispõe para homologar a apuração feita pelo contribuinte. A revisão de ofício da atividade apuratória realizada pelo contribuinte, neste caso, não passa de uma alternativa à homologação (MACHADO, 2006, p.234).
A Jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que, no contexto dos tributos lançados por homologação, havendo declaração correta, sore a ocorrência do fato gerador e a relação jurídica tributária, não há necessidade de lançamento pelo Fisco.
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IRPJ. MATÉRIA DOS ART. 156, V, E 174 DO CTN. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. INCIDÊNCIA. TRIBUTO DECLARADO E NÃO PAGO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. DECA-DÊNCIA NÃO CONFIGURADA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. LEGALIDADE. PRECEDENTES. RE-CURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECI-DO E NÃO PROVIDO.
1. Demanda em que se discute a exigibilidade do IRPJ referente ao exercício de 1998. O acórdão atacado, na parte que interessa ao presente recurso, reconheceu que: a) o lançamento do tributo foi realizado dentro do prazo fixado pelo art. 173 do CTN; e b) é legal a incidência da taxa Selic.
2. A matéria dos artigos 156, V, e 174 do CTN padece do necessário prequestionamento. Nesse particular, é inarredável a aplicação da Súmula n. 282 do STF.
3. No caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, com a entrega da declaração por parte do contribuinte, desacompanhada do pagamento, considera-se elidida a necessidade de constituição formal do crédito tributário, pelo que, desde então, está a Fazenda autorizada a promover a sua cobrança. Precedentes: REsp 789.443/SC, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 11/12/2006 e REsp 898.459/AL, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 6/11/2008.
4. Na espécie, trata-se de crédito referente a IRPJ devido no exercício de 1998, cuja constituição se deu com a entrega da declaração em abril de 1999.
5. A jurisprudência firmada nesta Corte reconhece a legalidade da incidência da taxa Selic para fins tributários. Precedentes.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
(REsp 1101032/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/05/2009, DJe 18/05/2009)
Nesta hipótese, não há que se falar em decadência, pois o próprio sujeito passivo terá constituído o crédito tributário. A Administração poderá, desde logo, inscrever o crédito em dívida ativa e promover a execução fiscal.
Desta forma, fala-se apenas na incidência da prescrição sobre o direito do Fisco de cobrar o crédito pela execução fiscal, no prazo de 5 anos a contar da constituição definitiva do crédito tributário (dia útil seguinte ao vencimento do tributo).
A decadência, norma de ordem pública que tem em vista a segurança jurídica nas relações Estado-fisco e contribuintes, está presente nas inclusive naquelas envolvendo tributos lançados por homologação. Nestes casos, o instituto se relaciona ao prazo para a Administração fazer o lançamento suplementar porventura cabível. É de se observar, contudo, que a nova concepção do STJ acerca da constituição do crédito tributário pela própria declaração do sujeito passivo, quando possibilitar a devida identificação dos elementos da relação tributária, retira na hipótese a consideração acerca da decadência do direito de lançar.
Referências:
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2008.
DIDIER JR, Didier; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: Jus Podivm, 2009.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2006.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.173-174.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Ana Carolina Cardoso Lobo. Da decadência tributária no lançamento por homologação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 abr 2010, 09:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19687/da-decadencia-tributaria-no-lancamento-por-homologacao. Acesso em: 02 nov 2024.
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