RESUMO*: O presente artigo tem por escopo demonstrar a importância do poder familiar no seio da família moderna. Trata inicialmente da evolução do conceito no Código Civil de 2002, que renomeou o antigo “pátrio poder”, apoiado no princípio constitucional da igualdade entre o homem e a mulher. Na seqüência aborda de forma sucinta a abrangência e finalidade do poder familiar, destacando em suma, as normas concementes aos direitos e deveres dos pais sobre a pessoa e os bens dos filhos menores. Por fim, analisa as formas de suspensão, destituição e extinção do poder familiar, através do estudo da doutrina e de casos concretos apontados pela jurisprudência.
PALAVRAS-CHAVE: pátrio poder; poder familiar; suspensão; destituição e extinção do poder familiar.
ABSTRACT: The present article has for target to demonstrate the importance of the familiar power into the modern family. It initially deals with the evolution of the concept in the Civil Code of 2002 that renamed the old “power native”, supported in the constitutional principle of the equality between the man and the woman. In the sequence it approaches of short form the totality and purpose of the familiar power, de taching in short, the norms to the rights and duties of the parents on the person and the goods of the lesser children. Finally, it analyzes the forms of suspension, destitution and extinguishing of the familiar power, through the study of the doctrine and of concrete cases pointed by the jurisprudence.
KEY-WORDS: parental rights, family power, suspension, dismissal and termination of family power.
SUMÁRIO: Introdução; 1. Origem e Conceito do Poder Familiar; 2. Características do poder familiar; 3. Abrangência do poder familiar; 4. Conteúdo do poder familiar; 5. Suspensão do poder familiar; 6. Destituição do poder familiar; 7. Extinção do poder familiar; Considerações finais; Referências
INTRODUÇÃO
O instituto do poder familiar sempre esteve presente na história da humanidade e vem sofrendo importantes modificações principalmente no seu conteúdo.
O presente estudo propõe-se inicialmente, a investigar a origem do “pátrio poder”, termo antes utilizado pelo Código Civil de 1916, que ermana da expressão latina “pater familias”, que significa pai de família, referindo-se no Direito Romano, a posição do homem no seio familiar, que era de autoridade para com a sua família e seus escravos.
Em seguida, far-se-á breve exposição sobre as características do poder familiar, dentre as quais a irrenunciabilidade, que os pais não podem abrir mão dos filhos.
A quem compete o poder familiar? Esta e outras respostas foram trabalhadas no capítulo sobre a abrangência do poder familiar, que explica de forma simples e objetiva a condição dos pais como detentores deste poder-dever, de forma igualitária e baseada no princípio da igualdade, entre o homem e a mulher, instituído pela Constituição Federal de 1988, que também deu origem ao termo poder familiar e adotado pelo legislador no novo Código Civil. Apresenta ainda, as situações excepcionais em que o poder familiar será exercido de forma diversa da observação anterior.
Tratando-se do conteúdo, diz-se que, aos pais caberá o exercício do poder familiar sobre a pessoa e os bens dos filhos menores, identificando desde já a pluralidade de ações que os genitores devem assegurar à prole.
Na seqüência, o estudo focalizar-se-á na suspensão e na destituição do poder familiar, situações que privam os pais temporariamente ou definitivamente do exercício do poder familiar, em virtude de terem faltado com seus deveres em relação aos filhos, cabendo ao juiz julgar sobre a gravidade do caso.
Por fim, passar-se-á a mencionar conhecimento sobre a extinção do poder familiar, tema visto como forma pela qual cessam os direitos e deveres dos pais sobre a pessoa e os bens dos filhos absoluta ou relativamente incapazes, de forma natural ou por decisão judicial.
1 ORIGEM E CONCEITO DO PODER FAMILIAR
O novo conceito de família inspirado na Constituição Federal de 1988, agora consagrado pelo Código Civil de 2002, trouxe significativas mudanças que procuraram refletir sobre a evolução da família até seu estágio atual.
O poder familiar foi um dos institutos que mereceu especial atenção do legislador (CC, art. 1.630) renomeando o histórico “pátrio poder” que já havia sido tratado na antiga codificação de 1916, no artigo 380. Este, por sua vez, ainda sob a inspiração da expressão “pater familias”, que na Antigüidade, especialmente no Direito Romano, se aplicava a todos os deuses ou a qualquer homem investido de autoridade, quer fosse sobre a família ou mesmo como forma de dominação dos servos. Por outro lado, se traduzia no poder soberano do pai sobre a família, a ponto de lhe ser conferido poderes para excluir a prole rejeitada, negociar a venda de um filho, ou mesmo, condená-lo à morte.[1]
Gaia Armínia Flava ressalta ainda: “A família era à base da sociedade romana, cujo chefe era o pater familias que não era necessariamente o pai e sim o chefe. A família era tudo que estava sobre o poder do chefe da família”.[2]
Nota-se que em Roma o “pater familias” é o condutor da religião doméstica, o que explica seu aparente excesso de rigor. O pai romano conduzia além da religião todo um grupo familiar, muitas vezes numeroso, com muitos agregados e escravos.
Já o atual conceito atribuído pelo Código Civil de 2002, está em sintonia com os princípios jurídicos modernos que regem o atual Direito de Família: O princípio da dignidade da pessoa humana, existindo a garantia de pleno desenvolvimento dos membros da comunidade familiar e o princípio da igualdade entre homem e mulher em que o poder-dever de dirigir a família é exercido conjuntamente por ambos os genitores, desaparecendo o poder marital e paterno.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz, conceitua o poder familiar:
É o conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido pelos pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.[3]
De maneira mais complexa, Roberto Senise Lisboa, leciona:
Da celebração do casamento civil válido advém uma série de direitos e deveres para os cônjuges. Dentre eles encontram-se o de promoção da guarda, do sustento e da educação dos filhos, conferindo-se-lhes os meios possíveis para o desenvolvimento biopsíquico.[4]
Para que haja a correta compreensão do tema proposto faz-se mister o conhecimento da norma legal de outros países, que se refere ao poder exercido pelos pais em relação aos filhos menores. Verifica-se, por exemplo, que em algumas nações européias o conceito de poder familiar é igual ao brasileiro, com algumas exceções. Em certas nações o detentor de tal poder pode abrir mão dele, sendo assim um direito e não um complexo de direitos e obrigações, pois tal direito pode ser transferido a outrem. Outra diferença está em quem exerce o poder familiar; a exemplo da Escócia e na Irlanda do Norte, onde é presumidamente exercido pela mãe, e só será exercido pelo pai se, ele for casado com a mãe na data do nascimento da criança ou por acordo com a mãe em que ela queira deixar o pai exercer o direito, ou por sentença que assim o determinar.
Em outros casos, como na Espanha, é pressuposto para o exercício do poder familiar que os pais estejam casados, em caso de divórcio o poder familiar será exercido por quem tiver a guarda do menor salvo se por decisão judicial.[5]
Sendo um conjunto de direitos e deveres, estatui a vigente Constituição Federal Brasileira, em seu art. 229, que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, na carência ou enfermidade”, estabelecendo, assim, de forma recíproca, o dever de sustento dos pais em relação aos filhos, e destes em relação aos pais. Sob a inspiração desse princípio, o novo Código Civil, em seu artigo 1.634, delegou aos pais a responsabilidade pela administração do núcleo familiar.
A respeito dos deveres da família, da sociedade e do Estado, estatui a vigente Constituição Federal, em seu art. 227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
E deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do filho menor pode dar ensejo à configuração do crime de abandono material, previsto no artigo 244 do Código Penal.
Dessa forma verifica-se que o poder familiar consiste num conjunto de direitos e deveres dos pais em relação aos filhos menores e a seus bens, com a finalidade de protegê-los enquanto durar a menoridade.
2 CARACTERÍSTICAS DO PODER FAMILIAR
Resulta, pois, diretamente do poder familiar e se constitui em responsabilidade comum dos genitores, o dever de prestar aos filhos, enquanto civilmente menores, o necessário ao seu sustento, proporcionando-Ihes, alimentação, vestuário, educação, moradia, lazer, assistência à saúde, medicamentos, etc.
Ante o exposto percebe-se que poder familiar é:
a) Irrenunciável: Os pais não podem abrir mão dos filhos;
b) Imprescritível: Dele não decaem os genitores pelo simples fato de deixarem de exercê-lo. Somente poderão perdê-lo nos casos previstos em lei;
c) Incompatível com a tutela: Não se pode, portanto, nomear tutor a um menor, cujo pai ou mãe não foi suspenso ou destituído do poder familiar;
d) Relação de Autoridade: Existe um vínculo de subordinação entre pais e filhos, pois os genitores têm o poder de lhes exigir prestação de obediência (CC, art. 1.634, VII);
e) Cargo Privado: O poder familiar é um “direito-função” e um “poder-dever” que estaria em uma posição intermediária entre o poder e o direito subjetivo.
O poder familiar é, portanto um dever legal, inalienável e, em princípio, intransmissível e indisponível, porém torna-se possível a suspensão ou a destituição, nos casos a serem examinados nos itens 5 e 6 deste artigo.
3 ABRANGÊNCIA DO PODER FAMILIAR
A situação normal da família no direito brasileiro seja por enlace matrimonial ou pela união estável, sendo ambos plenamente capazes, admite que o poder familiar seja amplamente exercido por ambos os pais, havendo qualquer divergência entre estes, poderá qualquer deles recorrer à jurisdição para requerer a solução da lide, evitando que a decisão seja implacável. Verifica-se, pois que, o Código Civil em seu art. 1.631, disciplina:
Art. 1.631 - Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.
Porém, existem situações anormais ou extraordinárias, em que o poder familiar poderá ser exercido de forma diversa a tratada no artigo citado.
Maria Helena Diniz[6] utiliza o termo “situações anormais” e em resumo, seguem as três hipóteses por ela adotadas:
1) Na família matrimonial quando (a) os cônjuges estiverem vivos e bem casados, o poder familiar será exercido só pela mãe se o pai estiver impedido de exercê-lo por ter sido suspenso, destituído ou por não poder, devido à força maior ou manifestar sua vontade; (b) os consortes estiverem separados judicialmente ou divorciados, ou os conviventes tiverem rompido a união estável, pois embora a dissolução da sociedade conjugal não altere as relações entre pais e filhos, o exercício do poder familiar pode ser alterado pela atribuição do direito de guarda a um deles, ficando o outro com direito de visitar a prole (CC, art. 1.632); (c) o vínculo conjugal se dissolve pela morte de um dos cônjuges, caso em que o poder familiar será exercido unicamente pelo consorte sobrevivente, ainda que venha contrair novas núpcias ou formar união estável (CC art. 1.636).
2) Na família não-matrimonial quando: (a) o filho for reconhecido pelos dois genitores, simultânea ou sucessivamente, estabelecendo, assim, o parentesco. O filho ficará sujeito ao exercício do poder familiar de um deles, se não viverem em união estável, terá o outro o direito de visita, a não ser que haja decisão contrária por parte do juiz a fim de preservar qualquer direito do menor; (b) o filho ser reconhecido apenas por um dos pais, sujeitar-se-á ao poder familiar de quem o reconheceu.
3) Na família civil quando: (a) o filho adotivo for adotado pelo casal, ambos serão responsáveis pelo exercício do poder familiar; (b) o menor ser adotado apenas por um dos cônjuges, caberá exclusivamente ao consorte que o adotou legitimamente, a competência do poder familiar.
Existe ainda a hipótese da “guarda compartilhada”, considerada uma espécie de custódia em que os filhos têm uma residência principal, mas os pais têm responsabilidade conjunta na tomada de decisões e igual responsabilidade sobre eles. Neste sistema de guarda, o poder deve ser exercido por ambos, que tomam conjuntamente as decisões do dia-a-dia.[7]
Com base nisso, pode-se examinar que a titularidade do poder familiar no direito brasileiro, em hipótese padrão, cabe a família na qual ambos os consortes estão vivos, unidos pelo enlace matrimonial ou pela união estável, e plenamente capazes; podendo haver também situações patológicas que tratam de famílias matrimonias distintas, não matrimoniais e civis.
4 CONTEÚDO DO PODER FAMILIAR
O poder familiar engloba um complexo de normas concernentes aos direitos e deveres dos pais relativamente à pessoa e aos bens da prole.
A competência dos pais “quanto à pessoa dos filhos menores”, foi bem tratada pelo Código Civil, no já mencionado art. 1.634 e incisos:
Art. 1.634 [...]
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até os 16 anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
No Código Civil de 1916, considerava-se ainda o direito do detentor do então pátrio poder, castigar moderadamente o filho, quando necessário.
Ainda sobre “os principais deveres do detentor do poder familiar sobre a pessoa do filho”, Roberto Senise Lisboa complementa:
a) assegurar a convivência familiar e comunitária do filho;
b) criar, educar e acompanhá-lo nas atividades relacionadas com a fase na qual o filho está vivendo;
c) proporcionar condições ao desenvolvimento físico, espiritual, psíquico e social do filho;
d) representar ou assistir o filho, conforme a incapacidade seja absoluta ou relativa, respectivamente, na prática dos atos e negócios jurídicos em geral;
e) administrar os bens do filho na forma disposta a seguir.
Pois bem, esses são os direitos e deveres dos pais relativamente à pessoa dos filhos incapazes absoluta ou relativamente.[8]
Já na esfera patrimonial, no que tange ao exercício do poder familiar, cabe salientar que compete aos pais: (a) administrar os bens dos filhos menores ou não emancipados (CC, art. 1.689, II), devendo zelar por sua conservação, efetuando melhorias necessárias, como também, pagar os tributos a eles concernentes; (b) Os pais têm usufruto legal dos bens dos filhos que se encontram em seu poder (CC, art. 1.689, I), como compensação pelos encargos com a sua criação.
No entanto os pais não podem alienar hipotecar ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos menores, nem contrair obrigações em nome deles que ultrapassem os valores da simples administração, exceto por necessidade ou evidente interesse da prole, havendo a necessidade de prévia autorização judicial (CC, art. 1.691).
Contudo percebe-se que criar um filho é muito mais que tê-lo em sua companhia. Significa não só dar-lhe o sustento, como também assistência médica, escolaridade, carinho e proteção e ainda, administrar seus bens, não tendo poder de disposição, salvo autorização judicial, devendo prestar contas de sua gerência quando o filho for emancipado ou atingir a maioridade.
5 SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR
A suspensão do poder familiar é a retirada temporária dos poderes dos pais sobre a pessoa e os bens dos filhos com base na lei e após o devido processo legal. A suspensão é decretada judicialmente, em procedimento contraditório nos casos assinalados pelo Código Civil, art. 1637:
Art. 1.637 - Se o pai, ou mãe, abusar da sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
A suspensão trata-se de uma sanção menos grave, porque cessados os motivos e extinta a causa que a gerou, pode ser restabelecido o poder paternal, em atenção ao interesse dos filhos e da convivência familiar. Caberá ao juiz suspender o poder familiar pelo tempo que achar conveniente adotando também as medidas necessárias, como determinar a busca e apreensão e a guarda provisória dos menores a terceiros ou a estabelecimentos idôneos, enquanto transcorre o processo. O parágrafo único do citado art. 1.637 dispõe também que, será suspenso o poder do pai ou da mãe que forem condenados em crime cuja pena exceda dois anos de prisão.[9]
Os Tribunais de Justiça são imparciais quanto à possibilidade de suspender o poder familiar dos genitores que hajam praticado qualquer espécie de delito, cuja pena exceda o prazo temporal de dois anos, como descreve a ementa citada:
Menor. Suspensão do poder familiar. Réu condenado por sentença criminal irrecorrível em crime cuja pena excede a dois anos de prisão. Presença dos pressupostos objetivos descritos na norma do art. 394, parágrafo único do Código Civil (de 1916, correspondente ao art. 1.637, parágrafo único do diploma de 2002). Adequação do julgamento antecipado da lide. Sentença de procedência confirmada.[10]
O Estatuto da Criança e do Adolescente faz referência à suspensão do poder familiar em seu art. 24, reportando-se ao descumprimento injustificado dos deveres e obrigações descritos no art. 22. Esta norma, por sua vez, retoma a questão do sustento, guarda e educação dos filhos, bem como o dever de agir no interesse deles. Os arts. 155 e seguintes, do Estatuto da Criança e do Adolescente disciplinam os procedimentos adotados para a suspensão ou destituição do poder familiar.
Entende-se, por tanto, que a suspensão do poder familiar é uma medida menos grave, e seu objetivo é mais preservar os interesses dos menores do que punir os seus pais, tanto que, se a autoridade judiciária estiver convencida do desaparecimento da causa que a motivou, poderá rever sua decisão, possibilitando aos pais o retomo do poder familiar.
6 DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR
A destituição ou perda do poder familiar é a mais grave sanção imposta pelo juiz aos pais que faltarem com os deveres em relação aos filhos. O art. 1.638 do Código Civil elenca como motivos para a destituição: a) castigar imoderadamente o filho; b) deixar o filho em abandono; c) praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; d) incidir, reiteradamente, nas faltas impostas no art. 1.637.
A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 437 e parágrafo único prescreve a perda do poder familiar para o pai ou mãe que concorrer, por ação ou omissão, para que o menor trabalhe em locais ou serviços perigosos, insalubres ou prejudiciais à sua moralidade (Lei 8.069/90, arts. 67, II, 98, II, 101, VIII, e 129 X). A destituição poderá ocorrer com qualquer um dos progenitores ou ambos.
O abandono a que se refere o inciso II, do art. 1.638 do Código Civil, não precisa ser necessariamente material, pode se apresentar também de forma psicológica e intelectual, como é observado na decisão do tribunal in verbis:
Destituição do poder familiar. Filhos menores em ambiente promíscuo e inadequado. Comportamento imoral e vida desregrada dos genitores. Provas suficientes para a procedência do pedido.[11]
Maria Alice Z. Lotufo enumera algumas situações em que o menor se encontra em perigo moral ou em ambiente contrário aos bons costumes:
A prática de atos que contrariem a moral e os bons costumes como relações sexuais frente aos filhos ou abuso sexual dos mesmos, prostituição e consumo de drogas, são comportamentos abomináveis e que conduzem à perda do pátrio poder.[12]
A respeito da questão, em 14 de setembro de 2006, o Jornal Correio do Povo, noticiou sob o título “Pais serão julgados por omissão”, o seguinte:
Os pais de um adolescente de Cachoeira do Sul serão julgados por descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres do pátrio poder - não impedirem que o filho passe os dias na rua e use drogas. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por unanimidade, acatou o relatório do ministro Carlos Alberto Direito e atendeu apelação do Ministério Público Estadual (MPE), que pedia o retomo do processo à origem, pois havia sido extinto sob o argumento de impossibilidade jurídica do pedido original.[13]
O Estatuto da Criança e do Adolescente trata de forma similar à suspensão e a destituição no que diz respeito à questão processual. Sílvio de Salvo Venosa assim interpreta a disposição do art. 23 da mesma legislação:
O art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente observa que a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder. Nesses casos, cabe ao Estado suprir as condições mínimas de sobrevivência.[14]
Os Tribunais de Justiça demonstram a mesma compreensão, conforme se observa no acórdão proferido, ainda utilizando-se da expressão pátrio poder, cuja ementa segue:
Pátrio poder. Somente a pobreza e a conseqüente marginalização social, não motivam a retirada do pátrio poder dos pais, uma vez que a mãe mal orientada, somente sabe procriar, aliando-se a homens alcoólatras e de mau caráter, depois que foi dispensada pelo esposo. Trabalha varrendo as ruas e se encontra morando na companhia da mãe, avó materna dos menores, lutando para sobreviver, já tendo mandado embora o seu último companheiro, mas este violento, reluta em sair de casa. Os filhos se encontram institucionalizados e a mãe deve ser assistida para ter os filhos em sua companhia, omitindo-se o Estado na sua missão de proteger a família, a criança e o adolescente. Os pais dos menores citados por edital não tiveram uma defesa eficiente no processo, e não podem ser penalizados com a perda do pátrio poder.[15]
A adoção também pode estar vinculada à perda do poder familiar. A destituição deve anteceder a adoção, ainda que decretada na mesma sentença. Em se tratando de menor abandonado, todos os esforços devem ser enviados para a localização dos pais. Nesse caso a perda do poder familiar se justificará pelas mesmas causas citadas anteriormente, ou seja: dever de sustento, guarda e educação dos filhos. A jurisprudência entende que, a adoção sucedida da destituição do poder familiar, é uma forma de melhor atender os interesses da criança, como no julgado que segue:
Adoção. Cumulação com pedido de destituição do poder familiar. Desinteresse do genitor em relação à vida da filha de molde a configurar descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que se refere o art. 22 do ECA. Adoção que apresenta reais vantagens para a adotada. Deferimento.[16]
Os procedimentos de perda ou suspensão do poder familiar serão de iniciativa do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de acordo com o art. 24 e 155 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesta modalidade processual deve ser assegurado ao réu o princípio do contraditório e da ampla defesa. A competência para esse tipo de ação será do Juizado da Infância e da Juventude (art. 148, parág. único, b, da mesma lei). A sentença que decretar a destituição ou suspensão do poder familiar deverá ser averbada ao registro do nascimento do menor (art. 164 do ECA e art. 102,6°, da Lei dos Registros Públicos).
Em regra, a destituição do poder familiar é permanente, podendo em casos extraordinários seu exercício ser restabelecido, se provada a regeneração do genitor ou se desaparecida a causa que a determinou, mediante processo judicial de caráter contencioso.
Entende-se desta forma que, a destituição do poder familiar, é a sanção mais grave imposta a aos pais que faltarem com seus deveres em relação aos filhos menores. Castigar imoderadamente, deixar ao abandono (materialmente ou moralmente), praticar atos contrários à moral ou aos bons costumes constitui causas para a destituição do poder familiar.
7 EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR
A extinção do poder familiar opera-se de acordo com o disposto no art. 1.635 do Código Civil, nas situações em que houver:
a) Morte dos pais ou do filho: A morte de um dos genitores não faz cessar o poder familiar, remanescendo na pessoa do cônjuge sobrevivente. Por outro lado, o Código Civil de 1916, extinguia o pátrio poder da mãe que contraísse novas núpcias, o que foi modificado através da Lei n.o 4.121/62. Em caso de falecimento dos dois genitores, colocam-se os filhos menores e não emancipados sob tutela. Se houver a morte do filho, elimina-se a relação jurídica, por não haver mais a razão de ser da família;
b) Adoção: A adoção extingue o poder familiar da família biológica, passando seu exercício para o adotante. Em caso da morte de um dos pais adotivos ou dos dois, não se restaura o poder familiar dos progenitores naturais, mas sim, nomeia-se um tutor para o menor;
c) Decisão judicial, na forma do art. 1.638: É aquela que conclui por um dos fatos graves ali descritos, que se mostram completamente incompatíveis com o poder familiar.
d) Emancipação: Importa nesta condição atribuir ao filho plena capacidade para exercer direitos e deveres, nos casos previstos no art. 5°, parágrafo único do novo Código Civil;
e) Maioridade[17]: A maioridade é a forma normal de extinção do poder familiar, uma vez que há a presunção legal de que o indivíduo maior de 18 anos não necessite mais de proteção;
A extinção do poder familiar é a forma pela qual cessa em definitivo o “poder-dever” dos pais sobre os filhos menores, de forma natural ou por decisão judicial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É indiscutível que é na família que a criança deve encontrar o ambiente adequado para desenvolver-se, para estabelecer sua identidade e uma personalidade equilibrada. Por estas razões institui-se o poder familiar, como mecanismo de proteção aos filhos menores e incapazes da sua própria administração.
Na Antigüidade, o poder familiar não tinha a mesma finalidade da atual, pois o pai conduzia de forma autoritária e soberana (sem a participação da esposa), podendo inclusive rejeitar um filho, negociar a sua venda e até mesmo condená-lo a morte.
Hoje, o poder familiar deve dar atenção aos interesses dos filhos menores. Os pais conjuntamente devem agir de forma ética e responsável para com a sua prole, possibilitando o devido sustento, assistência médica, escolaridade carinho, atenção e proteção, administrando paralelamente de forma correta também os seus bens.
Não restando outra saída, caberá ao juiz, suspender ou destituir o poder dos pais que agirem de má-fé com os filhos ou faltarem com seus deveres para com a prole, seja de forma material ou moral. Em certos casos, poderá o magistrado, por exemplo, atender ao pedido de destituição do poder familiar cumulado com o de adoção, a fim de permitir à criança a possibilidade de ser bem cuidada e mais bem atendida por novos guardiões.
O presente artigo teve como escopo, auxiliar na propagação da verdadeira finalidade do poder familiar, como forma de incentivar os pais, para que exerçam esse complexo de direitos e obrigações da melhor forma possível.
O direito ao tratar desse instituto, não deve ser visto apenas como um instrumento ditador de normas e regras, mas sim como mecanismo de sensibilização, de garantia e de segurança as crianças, possibilitando o seu crescimento sadio, com o desenvolvimento pleno e integral de suas capacidades, para que no futuro, tornem-se cidadãos conscientes e responsáveis pela sociedade, propagando o legado positivo herdado dos pais.
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Rede Judiciária Européia em Matéria Civil e Comercial. Disponível em: http://ec.europa.eu/civiljustice. Acesso em 19 de setembro de 2006.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 5.
* Artigo vencedor do 2º Programa de Produção Acadêmica da Universidade de Caxias do Sul – UCS, Caxias do Sul, 2007. Publicado in Revista Faculdade de Direito, n.º 17, Caxias do Sul: EDUCS, 2007. pp. 223-238.
[1] BRASIL, Maurício Sales. Poder Familiar: O exercício heróico de João e Conceição. Disponível em: http://www.juspodivm.com.br/novodireitocivil/ARTIGOS/convidados/poderfamiliar.pdf. Acesso em: 11 de setembro de 2006.
[2] FLAVA, Gaia Armina. Roma e o Direito Romano. Disponível em: http://www.marcius.felix.nom.br/VerTexto.php?ldText=72. Acesso em: 10 de setembro de 2006.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, 18. ed. aum. e atual. De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p. 463.
[4] LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Direito de Família e das Sucessões, 3° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v.5, p. 265.
[5] Rede Judiciária Européia em Matéria Civil e Comercial. Disponível em: http://ec.europa.eu/civiljustice. Acesso em: 19 de setembro de 2006.
[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, 18. ed. aum. e atual. De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p. 450-451.
[7] PERES, Luiz Felipe Lyrio. Guarda compartilhada. Disponível em: http://jus2.uo1.com.br/doutrinaltcxto.asp’?id=3533. Acesso em: 6 de outubro. 2006.
[8] LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Direito de Família e das Sucessões, 3° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v.5, p. 270.
[9] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3°. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 6, p. 367.
[10] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n. 236.366-1, 5a. Câmara Cível, São Paulo, SP, 05 de outubro de 1995. Disponível em: http://portal.tj.sp.gov.br/wps/portal/home. Acesso em: 28 de setembro de 2006.
[11] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível n. 000.151.088-2/00, 2a. Câmara Cível, Belo Horizonte, MG, 15 de outubro de 2000. Disponível em: http://vww.tjmg.gov.br/ Acesso em: 29 de setembro de 2006.
[12] LOTUFO, Maria Alice Zaratin - Curso avançado de Direito Civil: Direito de Família - São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 5, p. 261.
[13] Jornal Correio do Povo. Porto Alegre, RS, 14 de setembro de 2006, p. 3.
[14] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3°. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 6, p. 369.
[15] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 598053403, 8a Câmara Cível, Porto Alegre, RS, 09 de setembro de 1999. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 29 de setembro de 2006.
[16] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n. 56.153-0, São Paulo, SP, 30 de março de 2000. Disponível em: http://portal.tj.sp.gov.br/wps/portal/home. Acesso em: 29 de setembro de 2006.
[17] BRASIL, Lei n. 10.406, de janeiro de 2002, dispõe sobre o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 de janeiro de 2002: Art. 5° - A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
Advogado, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DREBES, Josué Scheer. Poder familiar: função exercida pelos pais, em benefício e no interesse dos filhos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 abr 2010, 01:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19699/poder-familiar-funcao-exercida-pelos-pais-em-beneficio-e-no-interesse-dos-filhos. Acesso em: 02 nov 2024.
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