Na organização da Administração Pública Brasileira, o servidor público, num conceito simplista, é aquela pessoa física que presta serviço ao Estado, mediante remuneração. Essa atividade laborativa pode ocorrer tanto nos órgãos da administração direta como nas entidades que compõe a administração indireta. O vínculo destes obreiros pode ser de natureza estatutária ou estar submetido às diretrizes da Consolidação das Leis do Trabalho.
Os servidores estatutários são aqueles submetidos a um estatuto fixado em lei, ou seja, as regras que vão reger o seu vínculo com a administração pública já estão previamente estabelecidas e não são passíveis de modificação nem mesmo com anuência das partes, pois o estatuto é norma cogente, inderrogável pelas partes.
Já os empregados públicos são contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Contudo, a legislação base do trabalho no setor privado não será absoluta. Este trabalho demonstra como as regras do contrato de emprego com a Administração Pública será influenciado de por normas do direito administrativo e quais serão os reflexos dessa dinâmica para o empregado.
É fato que a Doutrina relativa ao Direito do Trabalho tem como prática equiparar a Administração Pública ao empregador privado quando esta contrata pelo regime disciplinado na Consolidação das Leis do Trabalho. Sem uma análise detida esse entendimento pode induzir a erro o operador do direito, que ao confiar nesta concepção como regra absoluta e inflexível, deixa de aprofundar seu entendimento desprezando importante influência de normas constitucionais e do direito administrativo na dinâmica prática da relação laborativa e da disciplina a ela instituída.
O emprego público é uma figura jurídica que se concretizou em decorrência medidas implementadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso visando a reforma administrativa do Estado. A flexibilização da relação laboral com a Administração Pública exigiu profundas mudanças no texto constitucional de 1988.
O objetivo do Estado ao romper com a concepção do regime jurídico único obrigatório era tornar a máquina administrativa mais eficiente, minimizando gastos e maximizando resultados, o que seria possível com o retorno da disciplina celetista como um regime de trabalho alternativo para o serviço público.
A Constituição de 1988, quando prescreveu que os servidores públicos de todos os entes federados seriam regidos por um regime jurídico único, afastou o regime celetista, que era uma prática comum nos anos 70 e 80.
O Governo Federal, no início da década de 90, realizou a conversão dos funcionários celetistas que integravam seus quadros em servidores estatutários, adequando-se a exigência constitucional. Contudo, muitos Estados e Municípios deixaram de promover medida semelhante, persistindo na prática um número considerável de profissionais contratados pelo regime celetista.
Com as mudanças implementadas no texto constitucional, especialmente aquelas implementadas pela Emenda Constitucional 19, que alterou a reação do artigo 37 da Constituição Federal, a adoção do regime jurídico único deixou de ser obrigatória. A contratação de pessoal para o serviço público voltou a ser possível pelo regime instituído na Consolidação das Leis do Trabalho.
Contudo, a possibilidade de adoção pela Administração Pública do regime celetista na contratação de pessoal não pode ser utilizada como justificativa para equipará-la ao empregador privado. Existem normas constitucionais, regras de direito administrativo e princípios específicos que não podem deixar de ser observados.
O presente estudo reúne material doutrinário e administrativo sobre a dinâmica do regime celetista para o emprego público. A pesquisa demonstra a influência dos preceitos constitucionais e do direito administrativo na interpretação e prática das regras celetistas a serem aplicadas ao contrato de emprego no serviço público, com o objetivo de contribuir com o exercício hermenêutico do operador do direito necessário a análise do caso concreto, além de procurar incentivar a discussão do tema em um contexto mais comprometido com a satisfação dos objetivos da formação acadêmica e cidadã.
A abordagem da temática proposta por este trabalho exige a compreensão da dinâmica organizacional da Administração Pública no Brasil. Somente desta forma conseguiremos distinguir com clareza as peculiaridades existentes entre a aplicação da CLT no setor privado e sua utilização como instrumento base nas relações de emprego público.
Define BRAZ (2001, p.127), com a propriedade dos grandes mestres, que:
“Administração Pública é a atividade do Estado exercida pelos seus órgãos encarregados do desempenho das funções públicas, dentro de uma relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente."
A Administração Pública brasileira, portanto, é constituída de órgãos que estão a serviço do Estado. Será a conveniência do serviço e suas características próprias, que vão definir se o mesmo será prestado pelo próprio ente, chamado nesse caso de Administração Direta, ou por seus delegados, que compõem a Administração Indireta.
A Administração Pública, assim, não é constituída propriamente de serviços, mas de órgãos a serviço do Estado. A conveniência será o elemento para definir se o serviço será prestado pela Administração Direta ou pela Administração Indireta.
Administração Pública Direta é aquela composta por órgãos administrativos subordinados diretamente ao Poder Executivo de cada uma das esferas governamentais autônomas. Na concepção de CUNHA JÚNIOR(2006, p.131) “...aqui, é a própria pessoa estatal (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) que executa diretamente a atividade administrativa.”
Já a Administração Indireta, tem como característica a existência de entes que contam com personalidade jurídica própria e que realizarão a prestação de serviços em caráter especializado e descentralizado, por outorga legal da entidade estatal, contando com autonomia administrativa e financeira.
A figura jurídica do emprego público, regido pelas normas celetistas, predomina na Administração Indireta, especialmente nas empresas públicas e sociedades de economia mista, por suas características particulares, mas também ocorre nas autarquias e fundações, além é claro, de também ser adotado na Administração Direta, o que motiva inúmeros debates sobre o direito ou não destes a estabilidade.
Para compreendermos a concepção da Administração Pública no ordenamento pátrio e na melhor doutrina, precisamos proceder a sua análise a partir de nosso conceito de Estado.
O Estado pode ser conceituado para a abordagem proposta neste trabalho como a organização política que vai regulamentar as relações entre seu povo e seu território.
Ensina BRAZ (2001.p.34) que:
“O Estado constitui-se de um complexo de instituições através das quais uma ou mais Nações se organizam, dentro de um ou vários territórios, em uma unidade de governo tendente a promoção de um ou de vários territórios, em uma unidade de governo tendente a promoção do desenvolvimento social de forma soberana."
Temos, então, que o Estado brasileiro é composto por três elementos indissociáveis: o povo, que é o elemento humano; o território, que é o elemento físico; e o governo soberano, que é o elemento jurídico, que será o condutor do Estado.
O Brasil é um Estado de Direito, ou seja, é juridicamente organizado e deve obediência às suas próprias leis.
O Estado é uma pessoa jurídica de direito público, apto, portanto, a assumir direitos e obrigações representando para tanto a vontade comum da coletividade.
A organização do Estado brasileiro é fundado na divisão de poderes. Esse mecanismo limita a prepotência do Estado ao estruturar-se em poderes harmônicos entre si, contudo, independentes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Cada qual com suas competências, atribuições e limitações legais.
Para alcançar seu objetivo, Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, têm necessidade de praticar atos administrativos, restritos a sua organização ou necessários a atividade do Estado para satisfazer o interesse da coletividade.
Neste contexto temos que a Administração Pública será constituída por órgãos que se integram na estrutura administrativa do Estado e exercem as funções que lhe são atribuídas por lei para alcançar o efetivo interesse público.
Na Administração Direta temos as pessoas jurídicas de direito público que integram a estrutura constitucional do Estado, possuindo poderes políticos e administrativos. São Oe entes constitucionais: União, Distrito Federal, Estados e Municípios.
A Administração indireta ou descentralizada agrega os entes personalizados que prestam serviços públicos ou de interesse público. São as autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas.
As autarquias são pessoas jurídicas de direito público instituídas por lei e que goza de autonomia e privilégios administrativos, vantagens tributárias e prerrogativas processuais de Fazenda Pública. Exerce de forma descentralizadas atividades típicas da administração pública.
As fundações públicas, por sua vez, são criadas para a prestação de um serviço social e não possuem fins lucrativos. Também possuem personalidade jurídica de direito público e gozam dos mesmos privilégios que as autarquias.
As empresas públicas possuem personalidade jurídica de direito privado e são criadas para a exploração de uma atividade econômica visando ao lucro. Seu capital é integralmente público e se submetem ao regime jurídico administrativo, contudo, em geral, obedecem ao regime das empresas privadas em geral.
Por fim, as sociedades de economia mista, que também possuem personalidade jurídica de direito privado que igualmente exploram atividade e econômica e buscam o lucro possuem capital misto, com a Poder Público possuindo no mínimo 50% (cinqüenta por cento) mais uma ação ordinária. É constituída sob a forma de Sociedade anônima.
A presença do empregado público, com a modificação do texto constitucional que pôs fim ao regime jurídico único obrigatório, tornou-se uma constante na Administração Indireta, especialmente naquelas entidades que possuem personalidade jurídica de direito privado, uma vez que o regime celetista melhor atende às exigências do mercado.
1.2 O regime jurídico-administrativo
Os sujeitos da Administração Pública, bem como as funções e atividades que lhe são próprias, estão submetidos a um regime que é citado usualmente na doutrina como “regime jurídico-administrativo”. É nesse acervo normativo que verificaremos a existência de princípios que são aplicáveis, exigíveis e indispensáveis no desempenho de suas atribuições e competências.
Segundo CUNHA JÚNIOR (2006.p.2):
“O Direito Administrativo é um ramo do Direito Público que consiste num conjunto articulado e harmônico de normas jurídicas (normas-princípios e normas-regras) que atuam na disciplina da Administração Pública, regulando uma das funções desenvolvidas pelo Estado. Tem por objeto específico, portanto, a Administração Pública."
Desta forma, a Administração Pública, que no exercício de suas funções exercerá controle sobre seus próprios atos, estará sujeita ao controle por parte dos poderes que compõem o Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário, de forma a assegurar que os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico pátrio sejam efetivamente observados e cumpridos no desenvolvimento de suas atividades.
Serão as normas de Direito Administrativo o elemento que disciplinará a atuação da Administração Pública explicitando os mecanismos de controle na sua atuação.
Esse regime jurídico-administrativo tem como um de seus princípios basilares a supremacia do interesse público sobre o privado, o que é claro, vai representar uma desigualdade jurídica entre a Administração e seus administrados, o que se justifica pela finalidade pública dos atos administrativos.
Na constituição do regime jurídico-administrativo também se verifica como estruturante o princípio da indisponibilidade do interesse público, não os deixando a livre disposição uma vez que são inapropriáveis.
É fato que o emprego público tem sua disciplina predominante norteada pela Consolidação das Leis do Trabalho, o mesmo instrumento que rege o setor privado, contudo, não existe aqui uma plena equiparação circunstancial que equipare a relação de emprego no setor público com o privado. Várias premissas do direito administrativo precisam ser aplicadas a sua concepção sob pena de equivocada a compreensão desta realidade.
Enquanto no setor privado a CLT elege princípios de proteção vigorosos em favor do trabalhador, no emprego público há que se trazer princípios de direito administrativo, imprescindíveis a sua dinâmica de funcionamento.
1.3 Princípios da Administração Pública aplicáveis ao serviço público
Conforme previsão do texto constitucional em seu artigo 175, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, a prestação de serviços públicos. Como a doutrina não é uniforme, necessário se faz de início apontar o conceito a ser utilizado para a continuidade deste trabalho.
Segundo CUNHA JÚNIOR (2006.p.180):
“...serviço público é uma atividade prestada pelos órgãos da Administração Direta ou pelas entidades da Administração Indireta, ou, ainda por empresas privadas concessionárias, permissionárias ou autorizatárias, consistente em utilidades ou comodidades materiais, criadas por lei, fruíveis direta ou indiretamente pelos administrados, , sujeita a regime total ou parcialmente público."
Adotaremos então essa visão de que o Serviço Público é aquele que será prestado pela Administração Pública ou por seus delegados, submissos, contudo, a normas e controle do Estado. O objetivo de sua prestação é satisfazer o interesse público em suas necessidades e também atender a conveniência do Estado, observada a disciplina do regime jurídico-administrativo.
Uma vez que o objeto deste trabalho é a disciplina celetista na dinâmica do emprego público, iremos nos ater ao serviço público prestados pela Administração Pública Direta e pela Administração Pública Indireta.
Alguns princípios a serem observados são próprios do Serviço Público, entre eles o Princípio da Continuidade do Serviço Público, que expande a noção de que o serviço público é um dever do Estado ao determinar que ele não pode sofrer solução de continuidade. Um sério problema na dinâmica do emprego público ao tentarmos definir limitações como o Direito de Greve, que será objeto de discurso adiante.
Temos que inserir neste contexto o Princípio da Mutabilidade do Regime Jurídico que incide diretamente sobre a prestação dos serviços públicos permitindo mudanças desde que amparadas no interesse público e afastando a possibilidade de argüição do direito adquirido por contratados, usuários e servidores públicos.
Já o princípio da Igualdade exige que todos os usuários em situação igual sejam tratados de forma igual. Se o administrado reúne as condições em lei exigidas fará jus a prestação do serviço.
Quanto ao objeto, podemos classificar os serviços públicos em administrativos, aqueles executados pela Administração para atender necessidades internas ou preparar serviços que serão prestados ao administrado; em industriais ou comerciais, desenvolvidos para atender necessidades econômicas da coletividade; e em sociais, que vai atender necessidades coletivas em que o Estado é essencial.
Se o empregado público vai estar diretamente envolvido na prestação de serviços públicos, temos que o seu contrato laboral, embora regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, será influenciado pelos princípios supramencionados, uma vez que indissociáveis da prática laborativa.
Importante dizer que o empregado público não é sujeito somente de deveres e nem se encontra a deriva na relação de emprego que mantém com a administração pública. Na realidade, o que ocorre é a ampliação das regras e/ou sua complementação por princípios de Direito Administrativo.
E esses princípios não se limitam aqueles previstos especificamente para o serviço público, será necessário ampliarmos esse leque conforme avançarmos na exposição do resultado desta pesquisa.
CAPÍTULO II
AGENTES PÚBLICOS
Agente público é toda pessoa física que esteja incumbida, seja de forma definitiva ou transitória, do exercício da alguma função estatal, ou seja, será todo aquele que presta serviço público. Como ensina BRAZ (2001.p.461): “Agente público é toda pessoa que desempenha uma delegação pública, integrando o corpo da Administração Pública.”
Não é preciso um grande exercício hermenêutico para identificarmos o empregado público como agente público, o mesmo ocorrendo com o servidor público. Importante aqui, a lição de BRAZ (2001.p.461):
“Dentro do entendimento da idéia de agente público vêm englobados os conceitos de servidor público e de empregado público, que, entretanto, não são sinônimos, nem identificam os mesmos indivíduos. Alguns doutrinadores de renome não discernem servidor público de empregado público, pela condição de serem ambos agentes públicos, com o que não concordamos...."
Acertada a posição do administrativista conforme restará demonstrado adiante. Será preciso antes descontruirmos o conjunto composto pelos agentes públicos.
Primeiro verificamos a existência dos agentes políticos, que são aqueles a ocupar os postos do primeiro escalão de governo, seja por cargo, função, mandato, comissão, nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições definidas pelo texto constitucional vigente.
De acordo com CUNHA JÚNIOR (2006.p.198):
“Os agentes políticos são todos aqueles que exercem funções políticas e titularizam cargos ou mandatos de altíssimo escalão, somente se subordinando à Constituição Federal. São os agentes que ocupam o escalão máximo da estrutura orgânica do Estado."
Já os agentes administrativos ou servidores estatais como usualmente são chamados pela doutrina, são aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas entidades, sejam elas autárquicas ou fundacionais, constituindo uma relação profissional e portanto sujeitos às regras da hierarquia funcional.
Estabelecida essa distinção inicial, podemos compreender melhor o contexto e a dinâmica do emprego público na Administração Pública brasileira.
2.1 Dos Servidores Estatais
Dentre os servidores estatais estão compreendidos grupos distintos de agentes públicos: os servidores públicos, os servidores temporários, os militares e os empregados públicos, sendo este último o objeto de nosso estudos.
Na Lição de CUNHA JÚNIOR (2006.p.199):
“Os servidores estatais são todos aqueles agentes públicos que mantêm com o Estado e suas entidades da Administração Indireta relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual, sob vínculo de dependência.”
Como visto a Administração Pública brasileira é constituída de órgãos que estão a serviço do Estado. Administração Pública Direta, é aquela composta por órgãos administrativos subordinados diretamente ao Poder Executivo de cada uma das esferas governamentais autônomas. Na Administração Indireta, por sua vez, verifica-se a existência de entes que contam com personalidade jurídica própria e que realizarão a prestação de serviços em caráter especializado e descentralizado, por outorga legal da entidade estatal, contando com autonomia administrativa e financeira.
Os servidores Estatais estão presentes tanto na Administração Direta como nas entidades da Administração Indireta, ou seja, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
Os militares submetem-se a regime jurídico especial e não se inserem no contexto do emprego público, objeto de nossa pesquisa. Outrossim, far-se-á necessário distinguir entre Servidores Públicos, Servidores Temporários e Empregados Públicos.
O Servidor Público é aquele que ingressa no serviço público mediante concurso público para exercer cargo de provimento efetivo. Também integra esse conceito aqueles que são nomeados para cargo de provimento em comissão ou função de confiança, conforme prevê a Constituição Federal de 1988.
Os servidores públicos são estatutários, ou seja estão submetidos a um estatuto fixado em lei. Isso equivale a dizer que as regras que vão reger o seu vínculo com a administração pública já estão previamente estabelecidas e não são passíveis de modificação nem mesmo com anuência das partes, pois o estatuto é norma cogente, inderrogável pelas partes.
Já no emprego público temos o vínculo contratual que liga o agente público ao Estado numa relação laborativa que será regida pela Consolidação das Leis do Trabalho. Os ocupantes de emprego público também se submetem a concurso público (art. 37, II, da CF).
2.2 Cargos e empregos públicos: distinção e formas de acesso
Conforme a previsão do artigo 3º. da Lei 8.112/90, cargo público “é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.”
O regime utilizado para disciplinar o trabalho daqueles investido em cargo público é o estatutário, como bem ensina CUNHA JÚNIOR (2006.p.200): “ é o regime aplicável aos servidores públicos, que mantêm com as entidades de direito público uma relação de trabalho de natureza institucional.”
O regime estatutário de cada entidade estatal deve ser instituído por lei. Dele constaram não somente as atribuições e responsabilidades do servidor público, mas também os direitos e deveres inerentes ao cargo. Este instrumento é passível de revisão unilateral por parte do Estado, havendo que se observar tão somente os direitos adquiridos por servidores e relativos a algum benefício ou vantagem que já tenham sido incorporados.
O empregado público, por sua vez, não se confunde com o servidor temporário, que são aqueles contratados para atender uma necessidade temporária de excepcional interesse público. A contratação temporária de excepcional interesse público está prevista no inciso IX do art.37 caput da CF que diz in verbis: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.” Importante lembrar ainda que o texto constitucional não exige a ocorrência de concurso público, basta que se configure a existência de três requisitos essenciais: o excepcional interesse público, a temporariedade da contratação, além da previsão legal de hipóteses em que possa ocorrer.
No emprego público, temos a presença do requisito da não habitualidade e a adoção da regra do contrato por prazo indeterminado. As atribuições e responsabilidades do empregado constaram do contrato de trabalho sendo a sua relação laboral com a Administração Pública regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho.
A figura jurídica do emprego público foi criada com o propósito de ajustar a economia em geral e a administração pública em particular a requisitos de eficiência e controle de gastos. A adoção do regime celetista facilita substancialmente as relações de trabalho na Administração Pública Indireta.
A Constituição Federal de 1988 não faz qualquer distinção quanto à forma de acessibilidade aos cargos e empregos públicos no Brasil. Seja sob a égide de um Estatuto ou calcado na Consolidação das Leis do Trabalho, o interessado em trabalhar na Administração Pública somente o fará se for aprovado em concurso público. Diz o texto constitucional, no inciso II do artigo 37, de forma muito clara:
“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
Outrossim, a distinção conceitual entre um substantivo e outro se mantém. Embora inexista diferença nas formas de acessibilidade, cargo público não se confunde com emprego público, enquanto o primeiro está definido na lei 8.112/90 como “o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor”, o segundo é o vínculo contratual que liga o servidor ao Estado, sob a regência da CLT.
Nosso ordenamento pátrio vislumbra os servidores públicos estatutários, ocupantes de cargos públicos providos por concurso público, nos moldes do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, e que são regidos por um estatuto; empregados públicos, ocupantes de emprego público também provido por concurso público (artigo 37, inciso II, da Carta Magna), contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho; e servidores temporários, que exercem função pública, despida de vinculação a cargo ou emprego público, contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal), prescindindo de concurso público.
Como vimos até agora, a matéria relativa às diretrizes da relação de trabalho entre pessoa física e administração pública encontra seu nascedouro na Constituição Federal. Aliás, esta também é a base de toda a organização da Administração Pública brasileira.
Outros requisitos são definidos em lei para definir critérios de acessibilidade aos cargos e empregos públicos por cada ente federativo. Temos contudo, a regra federal como regra geral, sendo necessário ao interessado além da aprovação em concurso público ter mais de 18 anos, ter um bom procedimento, gozar de boa saúde, possuir aptidão para o exercício da função e atender outras condições previstas em lei ou regulamento para determinados cargos ou carreiras.
O brasileiros natos ou naturalizados precisam ainda estar em pleno gozo dos direitos políticos e estar quite com as obrigações militares, se for do sexo masculino.
Assim, é correto afirmar que na relação de emprego público, como dito, encontraremos a predominância de regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho. Essas regras básicas de direito individual do trabalho traz princípios, regras e institutos jurídicos que vão regular a relação empregatícia de trabalho. Contudo, se estivermos diante da figura jurídica do emprego público, vários princípios do Direito Administrativo serão utilizados como preceitos informadores, interpretativos e normatizadores dessa especial relação de trabalho.
Na esfera federal a Lei 9.962, de 22 de fevereiro de 2000 instituiu o regime de emprego público na administração direta, autárquica e fundacional apontando a Consolidação das Leis do Trabalho e legislação trabalhista correlata, vetando submissão a esse regime para os cargos públicos de provimento em comissão e afastando sua possibilidade de alcance aos servidores estatutários regidos pela Lei 8.112/90 quando de sua publicação.
Destarte, será possível adotar o regime do emprego público na administração pública direta e nos entes personalizados que compõem a administração indireta, contudo o Poder Público deverá observas as limitações advindas da legislação especial, sobretudo o norte estabelecido pela Lei 9.962/2000.
O EMPREGO PÚBLICO E O DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO
Como já vimos, se os servidores estatutários são aqueles submetidos a um estatuto fixado em lei, e que vão reger o vínculo do funcionário público com a administração pública, os empregados públicos são contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Contudo, a legislação base do trabalho no setor privado não será absoluta, ela será influenciada de forma direta por normas do direito administrativo, que passaremos a melhor observar.
3.1 Desconstruindo a Relação de Emprego
O direito individual do trabalho será, como já dito, o conjunto basilar de regras aplicáveis a relação de emprego público, seguindo assim um modelo muito semelhante ao adotado na iniciativa privada.
Segundo a definição de Maurício Godinho apud Saraiva (2008.p.23):
“O direito individual do trabalho define-se como o complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam, no tocante às pessoas e matérias envolvidas, a relação empregatícia de trabalho, além de outras relações laborais normativamente especificada.”
O contrato de trabalho no emprego público é uma relação que se estabelece entre o empregado e o empregador. Quanto ao primeiro sujeito inexiste dificuldade em encontrá-lo de forma inequívoca na legislação e na doutrina.
Os requisitos legais para a definição do conceito de empregado constam do artigo 3º. da Consolidação das Leis do Trabalho: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário.”
Desta forma, nem todo prestador de serviço é empregado. Para que isso ocorra é preciso identificar os quatro requisitos apresentados no texto do artigo 3º. da Consolidação das Leis do Trabalho, quais sejam: trabalho prestado por pessoa física, de forma habitual, com subordinação jurídica e mediante pagamento de salário. Outros dois requisitos são extraídos do artigo 2º. da CLT, a exigência do serviço ser prestado pessoalmente pelo empregado e o fato do risco do empreendimento pertencer ao empregador.
Importante a lição de MANUS (2009.P.47) ao dizer que:
“...nem todo prestador de serviços é empregado, pois assim é considerado, apenas, aquele que o faz em caráter subordinado e sob a égide da legislação trabalhista, o que não ocorre com o servidor público (funcionário público). Este trabalha em caráter subordinado, mas tem sua situação funcional regida pelo estatuto dos funcionários públicos...”
Já a definição do Estado como empregador exige um exercício mais amplo. Temos aqui uma situação que não pode ser definida com a simples observação do disposto no artigo 2º. E seu §1º. da Consolidação das Leis do Trabalho in verbis:
Art.2º. – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º – Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
Para conseguir vislumbrar o Estado como empregador é necessário ter em mente o Estado como um prestador de serviços, como já descrito anteriormente e que o serviço público obedece a princípios específicos que exigem do contrato laborativo firmado com a Administração Pública uma posição de supremacia do empregador decorrente do interesse público e da superioridade hierárquica deste em relação ao interesse privado.
Temos na relação de emprego público, constituído entre pessoa física e Administração Pública (Estado), a predominância de regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho e legislação extravagante. Serão essas regras básicas de direito individual bem como seus princípios, normas e institutos jurídicos que vão regular a relação empregatícia de trabalho com o Poder Público.
A Administração Pública então pode ser considerada o empregador previsto no conceito de SARAIVA (2008.p.110): “preferimos conceituar empregador como a pessoa física ou jurídica que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.”
Os princípios do Direito do Trabalho tratam o empregado como hipossuficiente, a parte mais fraca da relação empregatícia, lhe destinando especial proteção. Contudo, na relação de emprego público, vários princípios do Direito Administrativo, como já dito, serão utilizados como preceitos informadores, interpretativos e normatizadores dessa especial relação de trabalho.
3.2 Repercussão de princípios de direito administrativo na relação de emprego
Vários serão os princípios de direito administrativo a influenciarem a dinâmica celetista para o emprego público. Para começar temos que essa contratação é livre pelo empregador da iniciativa privada. É o empreendedor que vai decidir pela conveniência ou não da contratação e decidir quem será o empregado contratado. O mesmo não pode ocorrer com o Estado na posição de empregador.
A Constituição Federal de 1988, como visto, não faz qualquer distinção quanto à forma de acessibilidade aos cargos e empregos públicos no Brasil. Seja sob a égide de um Estatuto ou calcado na Consolidação das Leis do Trabalho, o interessado em trabalhar na Administração Pública somente o fará se for aprovado em concurso público. Eis a disciplina do texto constitucional, no inciso II do artigo 37:
“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
A matéria relativa às diretrizes da relação de trabalho entre pessoa física e administração pública encontra seu nascedouro na Constituição Federal, que também é a base de toda a organização da Administração Pública brasileira.
O emprego público será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, o mesmo instrumento que rege o setor privado, contudo, não existe aqui uma plena equiparação circunstancial que equipare a relação de emprego no setor público com o privado. Várias premissas do direito administrativo precisam ser aplicadas a sua concepção sob pena de equivocada a compreensão desta realidade.
Inicialmente, os princípios básicos a serem introduzidos nessa relação de emprego constam do artigo 37 caput da Constituição Federal de 1988:
“Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”
Em uma visão pragmática isso equivale a dizer que além de todos os deveres do empregado público insculpidos na CLT, ele deverá nortear a prática de todos os seus atos às diretrizes emanadas do texto constitucional, ou seja, de pronto, deve sempre desenvolver as atividades inerentes ao seu cargo em perfeita consonância com a disciplina legislativa, deve ser impessoal jamais praticando atos discriminatórios, precisa agir sempre em conformidade com as exigências da moralidade; sem se esquecer da necessidade de ser eficiente em seu desempenho com o mínimo de recursos empenhados e maximizando resultados. Isso sem dizer que os atos praticados no exercício da atividade laborativa são públicos, salvo exceções previstas em lei.
A consonância da disciplina celetista com o Princípio da Supremacia do Interesse Público é indispensável no regime do emprego público. Esse princípio de Direito Administrativo é também chamado de Princípio da Finalidade Pública. Segundo sua disciplina as normas de interesse individual não podem preponderar sob as normas de interesse público, e assim, a relação de emprego público não pode se desvincular dessa diretriz na construção de sua dinâmica operacional.
O interesse público é indisponível, e desta forma, o órgão administrativo que o representa não tem disponibilidade sobre eles, pois estes são irrenunciáveis. A esse respeito, vale lembrar a lição de CUNHA (2006, p.14):
“Na Administração Pública, os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Ao contrário, cumpre ao administrador o dever de protegê-los, nos termos da finalidade legal a que estão adstritos.”
É claro, que o empregado público tem direitos objetivos e subjetivos. Ele não é sujeito somente de deveres e nem se encontra a deriva na relação de emprego que mantém com a administração pública. Na realidade, o que ocorre é a ampliação das regras e/ou sua complementação por princípios de Direito Administrativo.
O emprego público se sujeita a uma disciplina jurídica que, embora sofra algumas inevitáveis influências advindas da natureza governamental da entidade contratante, basicamente, esta submetida ao que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, vários direitos lhe são assegurados como acontece no setor privado, como férias, FGTS, 13º salário, aviso prévio, intervalos intrajornada e interjornada, horas-extraordinárias, etc.
A disciplina da CLT será, entretanto, complementada por regras de direito administrativo, o que impõe algumas limitações a sua dinâmica de aplicabilidade no emprego público, devidamente observada a indisponibilidade do interesse público e outros preceitos norteadores da administração pública.
3.3 O emprego público e a supremacia do interesse público
Na relação de emprego público, temos a predominância de regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho. Essas regras básicas de direito individual do trabalho traz princípios, regras e institutos jurídicos que vão regular a relação empregatícia de trabalho.
Por outro lado é importante lembrar que os princípios do Direito do Trabalho tratam o empregado como hipossuficiente, a parte mais fraca da relação empregatícia, lhe destinando especial proteção. Contudo, se estivermos diante de um contexto onde se configure o emprego público, vários princípios do Direito Administrativo serão utilizados como preceitos informadores, interpretativos e normatizadores dessa especial relação de trabalho.
Imprescindível, portanto, analisarmos a consonância da disciplina celetista com o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Esse princípio de Direito Administrativo é também chamado de Princípio da Finalidade Pública. Segundo sua disciplina as normas de interesse individual não podem preponderar sob as normas de interesse público, e assim, a relação de emprego público não pode se desvincular dessa diretriz na construção de sua dinâmica operacional.
Se o interesse público é indisponível o órgão administrativo que o representa não tem disponibilidade sobre eles, pois estes são irrenunciáveis. A esse respeito, vale lembrar a lição de CUNHA (2006, p.14):
“Na Administração Pública, os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Ao contrário, cumpre ao administrador o dever de protegê-los, nos termos da finalidade legal a que estão adstritos.”
O emprego público se sujeita a uma disciplina jurídica que sofrerá algumas inevitáveis influências advindas da natureza governamental da entidade contratante. Basicamente, estará submetido ao que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, o previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, vários direitos lhe são assegurados como acontece no setor privado, como férias, FGTS, 13º salário, aviso prévio, intervalos intrajornada e interjornada, horas-extraordinárias, etc.
A disciplina da CLT será, entretanto, complementada por regras de direito administrativo, o que impõe algumas limitações a sua dinâmica de aplicabilidade no emprego público, devidamente observada a indisponibilidade do interesse público e outros preceitos norteadores da administração pública.
3.4 Da estabilidade do empregado público
A Constituição Federal de 1988, na antiga redação de seu artigo 41, dizia que “são estáveis após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público”. Aqui, inexiste distinção objetiva entre servidores estatutários e celetistas, o que fomentou acalorados debates doutrinários.
A jurisprudência então repetia a mesma controvérsia verificada no direito positivo, não se conseguindo uniformidade de entendimento. Os julgados tanto eram favoráveis a corrente que acreditava ser a estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição Federal de 1988 um direito também aplicável aos empregados públicos, como apresentava posicionamentos favoráveis a concepção de que a estabilidade somente se aplicava aos servidores estatutários.
O entendimento somente foi consolidado em 1995, quando o Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre o tema. O Ministro Sidney Sanches foi o relator do julgamento do Mandado de Segurança MS 21.236/DF. A composição plenária do STF entendeu que:
“A garantia constitucional da disponibilidade remunerada decorre da estabilidade no serviço público, que é assegurada não somente aos ocupantes de cargos, mas também aos de empregos públicos, já que o artigo 41 da CF se refere genericamente a servidores.”
Assim sendo, prevaleceu a partir do posicionamento do Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a estabilidade deveria ser assegurada a servidores estatutários e empregados públicos.
Outrossim, em 1998, através da Emenda Constitucional 19/98, ocorreu significativa mudança na redação do artigo 41, que passou a dizer, in verbis:
“Art. 41 - São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.”
Houve então o fortalecimento da corrente que acredita não ser devida a estabilidade ao empregado público, utilizando para tal o argumento de que a Administração Pública quando contrata pelo regime celetista equipara-se ao empregador privado, de modo que o empregado público não é beneficiado pelo artigo 41 do Texto Constitucional, o qual é dirigido apenas ao regime estatutário.
A esse respeito se manifesta SARAIVA (2006, p.420):
“Portanto, entendemos que o regime de estabilidade, previsto atualmente no art.41 da CF/1988, aplica-se tão somente aos servidores estatutários, ocupantes de cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público, após três anos de efetivo exercício, não se aplicando aos empregados públicos contratados pela administração direta, autárquica e fundacional.”
A prevalecer tal entendimento, teríamos que assumir que nem mesmo a exigência de aprovação em concurso público, seria elemento capaz de estender ao empregado público autárquico e fundacional a estabilidade constitucional, por ser o concurso apenas um aspecto moralizador da contratação na Administração pública.
Há que se pensar por outro lado, como defende a corrente a favor da estabilidade, que o princípio constitucional da isonomia estaria ferido, por conceder estabilidade aos funcionários estatutários, aos empregados celetistas com mais de cinco anos de serviços quando da promulgação do texto constitucional (art. 19, ADCT) e agora recuasse a estabilidade do empregado público aprovado em concurso público.
O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 390, firmou entendimento que o empregado público sob regime da CLT, desde que integre a administração pública direta, ou indireta, quando autárquica ou fundacional, também é beneficiário da estabilidade prevista no texto constitucional. Eis sua disciplina:
Súmula nº 390 - TST - Res. 129/2005 - DJ 20, 22 e 25.04.2005 - Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SDI-2
Estabilidade - Celetista - Administração Direta, Autárquica ou Fundacional - Empregado de Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 265 da SDI-1 - Inserida em 27.09.2002 e ex-OJ nº 22 da SDI-2 - Inserida em 20.09.00)
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 - Inserida em 20.06.2001)
Destarte, o entendimento predominante atualmente pode se resumir na concepção de que o servidor que titulariza, na administração direta, ou na administração indireta, desde que seja em uma autarquia ou fundação, transcorrido o prazo de três anos e sendo este aprovado em estágio probatório, terá direito a estabilidade mesmo que contratado pelo regime celetista, o que não se aplica aos empregados públicos de empresas públicas e sociedades de economia mista.
Contudo, a dispensa do empregado público ainda é um tema de grande enfrentamento doutrinário e jurisprudencial. O ponto mais polêmico da questão diz respeito à necessidade ou não de motivar o ato de dispensa destes obreiros.
A primeira corrente, que defende a necessidade de motivação, o faz amparado nos princípios do art. 37 da CF/1988 principalmente da impessoalidade e legalidade, que fazem a motivação da dispensa do empregado público ato indispensável a sua validade.
Já a segunda corrente equipara a administração pública ao empregador privado, com liberdade irrestrita de dispensa do empregado público, uma vez que pela própria natureza dessa relação de trabalho, constitui a medida um ato discricionário.
Partilhamos do entendimento manifestado pela primeira corrente. Se os princípios constitucionais exigem que sua contratação seja feita mediante concurso público, a dispensa imotivada é inadmissível. Existe a necessidade de um motivo justificável e amparado principalmente no interesse público.
3.5 Da impossibilidade de equiparação salarial
O conceito de equiparação salarial extraído da Consolidação da Leis do Trabalho, mais precisamente disciplinado em seu artigo 461, diz que, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 anos.
Ainda segundo a previsão celetista, na falta de estipulação do salário ou não havendo prova sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante. É o que prevê o art. 460 da CLT.
Ensina NASCIMENTO (2009, p.1075) que:
As regras de equiparação salarial, resultantes dos arts. 7º. da CF e 461 da CLT, são as seguintes: a) a equiparação é feita entre empregados da mesma empresa e não entre empregados de empresas diferentes; b) limita-se à mesma localidade, portanto não são equiparáveis empregados de localidades diferentes, ainda que na mesma empresa; c) pressupõe empregados que exerçam a mesma função e que o façam com uma diferença de tempo de função não superior a dois anos; d)cabe entre empregados que tenham a mesma perfeição técnica, assim entendida a qualidade de serviço, e a mesma produtividade, isto é, quantidade de serviço.”
Ocorre que mesmo diante da presença de todos esses requisitos, que ressalte-se, são concomitantes, o empregado público, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, não tem direito ao benefício previsto pelo instituto da equiparação salarial.
Essa questão é simples de ser compreendida. Prevê o artigo 37, II da CF de 1988 que o ingresso em emprego público exige a submissão do interessado a concurso de provas e títulos. Assim, não pode o judiciário investir os servidores públicos em cargos ou empregos públicos pautado na previsão celetista da equiparação. Não é admissível que se pretenda sobrepor a disciplina celetista sobre o ordenamento constitucional.
Importante a lição de GEHLEN (2001, p.267), in: Jackson Chaves de Azevedo (coord.):
“A Constituição Federal não concede qualquer liberdade à Administração Pública, para, segundo critérios próprios, admitir servidores públicos. Não há indeterminação ou lacuna na vontade constitucional, que, ao contrário, clara e incisivamente, aponta o único comportamento possível em tal hipótese: ocorrendo vaga, realiza-se concurso possibilitando-se o acesso a todos os brasileiros, em face do princípio da isonomia.”
Inadmissível desobediência ao comando Constitucional emanado pelo inciso II do art.37 da Constituição Federal com relação à possibilidade de equiparação salarial nas sociedades de economia mista e empresas públicas. Estas são a bem da verdade instituídas e mantidas pelo Estado, elas dependem do capital governamental para existir e assim sendo, não há como excluí-las da regra.
Portanto, atribuir ao empregado público funções diversas das quais foi contratado constitui verdadeira afronta ao princípio da isonomia, já que todos os obreiros da Administração Pública, sejam estatutários ou celetistas, devem ser regidos por uma mesma disciplina, obedecendo também ao princípio da impessoalidade, que veda qualquer favorecimento de ordem pessoal.
Como visto, os servidores públicos estão submetidos a dois regimes básicos: o estatutário e o celetista. A análise deste trabalho se ateve a dinâmica para o servidor público contratado pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Analisada a questão de forma objetiva, como proposto inicialmente, vimos que o empregado público não pode ser confundido com o servidor temporário, que são aqueles contratados para atender uma necessidade temporária de excepcional interesse público.
O empregado público, que também consegue seu acesso por concurso público (artigo 37, inciso II, da Carta Magna), é aquele contratado sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Embora submisso ao regime celetista, a dinâmica da relação de emprego com a administração pública submeterá o contrato e a atividade obreira a diversos princípios de direito administrativo, que terão caráter complementar. Afinal, o interesse público é indisponível e por ordem constitucional está em posição de supremacia.
A Administração Pública ao instituir, com autorização da lei, opção pelo regime celetista, especialmente nos órgãos da administração indireta, está se socorrendo de meios de atuação próprios do Direito Privado na relação de trabalho. Contudo, não se equipara ao empregador privado.
Vemos claramente a imposição de normas constitucionais complementando a dinâmica do regime celetista, como, por exemplo, com a exigência de acesso por concurso de provas e títulos e o respeito pelo empregado público aos preceitos insculpidos nos art. 37 do texto constitucional, especialmente a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Restou transparente que o exercício hermenêutico necessário a adoção do regime celetista pela Administração Pública, embora tenha algumas restrições como a impossibilidade de equiparação salarial, traz benefícios como a necessidade da dispensa ser motivada.
Destarte temos que a reforma introduzida pela Emenda Constitucional 19/98, que possibilitou o fim a imposição do Regime Jurídico único para os servidores Públicos, veio ao encontro das exigências do mercado globalizado e das necessidades da Administração Pública sem, contudo, trazer prejuízo para o obreiro. O emprego público é uma realidade válida e que possibilita maior economia e eficiência para a estrutura administrativa moderna.
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Advogado militante. Professor de Direito do Trabalho, Direito Constitucional, Ética Jurídica e Ciência Política da Faculdade de Talentos Humanos - UBERABA/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, François Silva. A dinâmica do regime celetista para o emprego público no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2010, 00:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19803/a-dinamica-do-regime-celetista-para-o-emprego-publico-no-brasil. Acesso em: 02 nov 2024.
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