Co-autor: LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON - Advogado. Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil junto a Faculdade Damásio de Jesus.
"Este é um pequeno passo para o homem, mas um gigantesco salto para a humanidade" (Neil Armstrong, 20 de julho de 1969).
De proêmio, cumpre salientar que a existência do Direito se justifica, em um de seus aspectos, na medida em que busca regulamentar a vida em sociedade, regulando incessantemente todos os conflitos de interesses que eclodem no seio social, visando sempre o bem comum, o equilíbrio de forças e a paz pública.
É bem verdade que a sociedade, dinâmica e constantemente mutável por natureza, lança diariamente desafios à ciência jurídica, provocando-a a se reestruturar e adaptar-se aos novos anseios sociais que surgem a cada momento, exigindo soluções rápidas e eficazes para os problemas de ordem interna ou internacional que afligem a população e muitas vezes ao próprio Estado.
Nessa vertente, pode-se afirmar que um dos maiores desafios lançados ao Direito nas últimas décadas foi a regulamentação das atividades espaciais dos Estados que, incansavelmente, lançaram-se rumo à exploração daquilo que acredita-se ser o infinito e, ao mesmo tempo, a origem de tudo: o Universo.
Como breve histórico, afirma-se que já se podia falar em Direito Espacial Internacional antes mesmo da Era Espacial, citando-se, preliminarmente, o pioneiro trabalho do jurista belga Emile Laude – “un droit nouveau régira les relations juridiques nouvelles. Cela ne sera plus du droit aérein, mais, a coup sûr, il s’agit du droit de l’space”, datado de 1910.
À época, debatiam-se questões jurídicas que giravam em torno dos limites da soberania dos Estados sobre seus próprios territórios e acerca do regime legal a ser adotado nas relações concernentes às atividades espaciais. Mas foi com o Comitê da ONU para o Uso Pacífico do Espaço (Copuos), criado em 1959, que impulsionou amplo desenvolvimento do Direito Espacial Internacional.
Todavia, pode-se dizer que tudo começou em 04 de outubro de 1957, com o lançamento ao espaço do Sputnik I, primeiro objeto de exploração espacial feito pelo homem, afigurando-se como mentor do projeto a então grande potência econômica e política da época, a União Soviética.
A humanidade se maravilhou com a conquista alcançada, mesmo porque, há muito o homem sonhava em conquistar o espaço, explorar o infinito, buscar respostas para milhares de questões que atiçavam a imaginação humana e provocavam os limites epistemológicos até então conhecidos.
Contudo, se por um lado a sociedade global estava maravilhada com o novo campo de exploração que o homem inaugurava; por outro, surgiram inúmeras preocupações de ordem técnica e jurídica no cenário internacional.
Pode-se citar como exemplo, a possível violação, por parte da União Soviética, da Convenção de Chicago de 1944 que regulamentava o espaço aéreo? Ou se tratava de espaço ainda inexplorado, esperando que a primeira nação à alcança-lo clamasse pelo seu domínio? Isso tudo, sem mencionar as questões políticas e bélicas que envolviam toda e qualquer discussão no plano jurídico internacional, cenário que representava o apogeu da Guerra Fria.
É nesse contexto que surge o Direito Espacial Internacional, representando em um primeiro momento como um esforço imediato das nações soberanas ao redor do globo, para regularem as inúmeras questões que eclodiam a uma velocidade espantosa diante dos olhos da humanidade, sendo sua força motriz a tecnologia, o conhecimento e a incessante e inerente característica à natureza humana, a sede de entender o desconhecido.
Outrossim, pode-se conceituar Direito Espacial Internacional, segundo a brilhante lição do eminente Professor José Monserrat Filho[1], como sendo “o ramo do Direito Internacional Público que regula as atividades dos Estados, de suas empresas públicas e privadas, bem como das organizações internacionais intergovernamentais, na exploração e uso do espaço exterior, e estabelece o regime jurídico do espaço exterior e dos corpos celestes.”
Acerca da legislação pertinente ao tema especifico, esclarece o renomado professor, que o principal diploma é o denominado “Tratado do Espaço”, ou, como seu nome técnico “Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes”, que entrou em vigor em 1967. Como era de se esperar, seus principais signatários foram os EUA e a URSS, seguidos de outros países que acompanhavam atentamente o surgimento desse novo ramo da ciência jurídica e, principalmente, o cenário aterrorizador da Guerra Fria, onde o mundo temia por uma nova guerra mundial, agora em proporções infinitamente maiores e com poder de destruição incalculável.
Diante desse cenário, mostra-se como essencial a regulamentação das atividades espaciais que, diante das novas fronteiras que o conhecimento e a tecnologia levaram a humanidade, mostram-se essenciais ao desenvolvimento das nações e ao sentimento global de segurança política no cenário internacional.
Como sujeitos do Direito Espacial Internacional, aponta o suso mencionado jurista[2], afiguram-se os Estados, independentemente do grau de seu desenvolvimento econômico, político, tecnológico ou científico; as organizações intergovernamentais, criadas e/ou mantidas pelos Estados soberanos, a exemplo da União Internacional de Telecomunicações (UIT); algumas empresas privadas que se encontram ligadas à área de exploração espacial e mantém estritas relações políticas e econômicas com os respectivos Estados envolvidos nesse mercado.
Interessante abordar que a humanidade, como um todo considerada, não é sujeito de direito com capacidade jurídica. Poder-se-ia falar em organizações internacionais que representassem coletivamente a humanidade, e o melhor exemplo seria a Organização das Nações Unidas (ONU); contudo, não se trata, tecnicamente falando, de um organismo que representaria democraticamente todas as nações do mundo, mesmo porque há, dentro de sua própria estrutura, diferenciação entre os países membros (Direito a veto de propostas, Conselho de Segurança, etc.). Finalmente, no que concerne aos astronautas, não seriam esses sujeitos do Direito Espacial Internacional, pois estariam sempre submetidos à jurisdição do país a que estejam ligados.
No que tange ao objeto do Direito Espacial Internacional, preleciona o eminente jurista José Monserrat Filho[3], situa-se a regulamentação das atividades espaciais do Estados envolvidos no programa espacial, as comunicações por satélite (regulamentadas pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) – organismo da ONU; bem como, a fixação de um regime jurídico do espaço exterior e dos corpos celestes; norteando-se tal atividade legislativa sempre pelos princípios da cooperação e da assistência mútua.
Nessa vertente, interessante ressaltar o conteúdo dos artigos 1º e 2º do Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes (27 de janeiro de 1967):
ARTIGO 1º - A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, só deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade. O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade e em conformidade com o direito internacional, devendo haver liberdade de acesso a todas as regiões dos corpos celestes. O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, estará aberto às pesquisas científicas, devendo os Estados facilitar e encorajar a cooperação internacional naquelas pesquisas.
ARTIGO 2º
O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio.
No ordenamento jurídico pátrio, a questão foi regulamentada pela Lei 8.854 de 10 de fevereiro de 1994, criando-se a Agência Espacial Brasileira (AEB).
Como fontes do Direito Espacial Internacional, pode-se citar: os princípios gerais do Direito Internacional, a começar pelos princípios da Carta da ONU, os costumes, os princípios fixados no Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes, de 1967 e as normas especiais Direito Espacial Internacional, adotadas em convenções e acordos universais, regionais ou bilaterais.
Particular atenção merece ser dada quando aos costumes. Conceituados como o conjunto de regras e normas de comportamento, observados pela sociedade de maneira uniforme e constante, dada a convicção de sua obrigatoriedade e necessidade jurídica, são fontes de grande relevância no Direito Espacial Internacional, sobretudo quando do flagrante estágio inicial desse fantástico ramo do Direito, carecendo muitas vezes de regulamentação jurídica expressa.
Pedra angular dessa questão seria o já rotineiro e real sensoriamento remoto da Terra por satélite, sem autorização prévia dos países sensoriados; ou ainda, o direito de passagem de uma nave espacial pelo espaço aérea de outro país.
Em conclusão, espera-se que o esforço imediato das nações diretamente envolvidas na exploração das atividades especiais, programas de desenvolvimento tecnológico de exploração e mapeamento do Universo, sejam sempre norteadas pelos princípios da cooperação e assistência mútua, localizando os reais anseios da sociedade a as verdadeiras questões que afligem os povos. Realmente, tal oportunidade dada a humanidade pelo próprio homem não deve se perder em meio a disputas mesquinhas e de cunho estritamente político, mas sim, visar a alcançar o antes inimaginável, procurando sempre o bem comum para toda a coletividade.
LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON
[1] FILHO, José Monserrat. Introdução ao Direito Espacial: Noções fundamentais do Direito Espacial, sob a forma de perguntas e respostas. Site: http://www.sbda.org.br/textos/textos.htm, p. 02.
[2] FILHO, José Monserrat. Introdução ao Direito Espacial: Noções fundamentais do Direito Espacial, sob a forma de perguntas e respostas. Site: http://www.sbda.org.br/textos/textos.htm, p.03.
[3] FILHO, José Monserrat. Introdução ao Direito Espacial: Noções fundamentais do Direito Espacial, sob a forma de perguntas e respostas. Site: http://www.sbda.org.br/textos/textos.htm, p.04.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAEIRO, Marina Vanessa Gomes. CECCON, Luis Fernando Ribas. Direito espacial internacional: prolegômenos históricos e institutos fundamentais. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 maio 2010. Disponivel em: . Acesso em: 17 maio 2010. (atualizar data)
ADVOGADA, DEVIDAMENTE INSCRITA NA OAB/SP SOB Nº 221.435 E ESCRITORA DE ARTIGOS E LIVROS JURÍDICOS. PÓS GRADUADA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA PUC/SP E PÓS GRADUADA EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DAMÁSIO DE JESUS. AUTORA DA OBRA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NOS TEMPLOS E CULTOS RELIGIOSOS (ISBN 978-85-7786-023-4) PELA EDITORA RUSSELL. CONTATOS ATRAVÉS DO EMAIL: [email protected].
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