Co-autor: LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON - Advogado. Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil junto a Faculdade Damásio de Jesus.
De proêmio é de suma relevância considerarmos um breve relato acerca do que consiste a própria fundamentação jurídica das Súmulas Vinculantes ora em vigor em nosso ordenamento jurídico pátrio.
Bem se sabe que fora a Emenda Constitucional nº 45 do ano de 2004 que alterou a nossa Constituição Federal acrescentando assim, ao texto constitucional, o artigo 103-A, que reza sobre a possibilidade do Supremo Tribunal Federal editar as Súmulas Vinculantes, que terão sempre a sua aprovação de ofício ou por provocação.
A Lei Federal 11.417 do ano de 2006 veio para regulamentar o artigo 103-A da Carta Magna, visando assim, disciplinar a edição, revisão e cancelamento de enunciados de Súmulas Vinculantes.
É de suma importância constar, nesse breve relato, que fora a Resolução 381 do ano de 2008, do Supremo Tribunal Federal que estabeleceu os procedimentos para edição, revisão bem como para o devido cancelamento das mencionadas normas vinculativas perante o Poder Judiciário como um todo, inclusive, instituindo a nova classe processual no âmbito do Supremo Tribunal Federal: a proposta de Súmula Vinculante.
Após houvera a edição da Resolução 388 do ano de 2008 que possui como escolpo disciplinar o processamento do suso mencionado procedimento das Súmulas Vinculantes.
Destarte, é através do ajuizamento de proposta de Súmula Vinculante que tanto o Supremo Tribunal Federal, de ofício, quanto os legitimados do artigo 3º da Lei Federal 11.417 do ano de 2006, por provocação, que poderão editar, revisar e cancelar Súmulas Vinculantes.
Passemos então a estudar o conteúdo da Súmula Vinculante nº 25 que nos dispõe acerca da prisão do depositário infiel iniciando com a transcrição da sua redação ora vigente: “ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Embora nossa Constituição Federal expressamente em seu art. 5º, inciso LXVII apresente duas hipóteses de prisão civil: “a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Resta-nos clarividente que a Súmula Vinculante revogou de plano a figura da prisão civil para os depositários infiéis.
Para que essa Súmula Vinculante fosse aceita perante os onze ministros do Supremo Tribunal Federal, o ministro relator Cezar Peluzo, citou como precedentes fundamentadores da Súmula Vinculante nº 25, oito habeas corpus e três recursos extraordinários e, ainda, como legislação aplicável, o artigo 5º, LXVII, parágrafo 2º, da Constituição Federal; o artigo 7º, parágrafo 7º, do Pacto de São José da Costa Rica; e artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
O mencionado dispositivo inserto na Constituição Federal reza que:
“Art. 5º:.....
LXVII — não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
O parágrafo 2º do mesmo ainda reza que:
“§ 2º — os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
De fato, é inegável que além da Constituição Federal, temos ainda dois Tratados Internacionais de Direitos Humanos, ratificados e extremamente respeitados no sistema jurídico pátrio, no que se refere à prisão civil.
O primeiro deles, Pacto de São José da Costa Rica, no artigo 7º, parágrafo 7º, dispõe que:
“Art. 7:...
§ 7º. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
Em segundo lugar, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos assevera no artigo 11:
“Art. 11. Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”.
Há que se ressaltar ainda, no que concerne a prisão do depositário infiel também mereceu especial atenção Código Civil de 2002.
Com efeito, o artigo 652 do Código Civil é claro, coeso e preciso ao dispor acerca da matéria da prisão civil da seguinte forma:
“Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”.
A Proposta de Súmula Vinculante 25 foi ajuizada em 14 de abril de 2009.
Na Sessão Plenária de 16 de dezembro de 2009, unânimente todos os ministros da ilustre Suprema Corte decidiram por editar a Súmula Vinculante de número 25 com o texto proposto já transcrito acima e devidamente confirmado, ou seja, “ser ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Essa Súmula Vinculante nº 25 é o resultado prático de uma das mais importantes decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria de Direitos Fundamentais. Estamos tratando diretamente do reconhecimento do status supralegal dos Tratados Internacionais que versem sobre Direitos Humanos.
Visto que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, caso tenham sido submetidos ao rito especial do art. 5º, § 3º, da CF, esses tratados integrarão o denominado bloco de constitucionalidade, sendo equiparados às normas constitucionais.
Entretanto, caso tenham sido aprovados à luz do procedimento padrão de incorporação dos tratados em geral, as convenções sobre Direitos Humanos têm natureza hierárquica supralegal (estando acima das leis, porém abaixo da Constituição); por esse motivo que as regras do Pacto de São José da Costa Rica (Decreto 678, de 06 de novembro de 1992) derrogaram as normas estritamente legais definidoras da prisão civil do depositário infiel. Assim, em que pese o inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal autorizar a custódia do depositário infiel, cuida-se de norma de eficácia restringível, a qual teve seus efeitos limitados pelo aludido Tratado Internacional.
É válido ressaltar que os efeitos da edição da Súmula Vinculante nº 25 atingem toda a Administração Pública, sendo ela Direta e Indireta. Desse modo, o texto da Súmula Vinculante nº 25 possui força de lei ordinária federal. Ora, se a Súmula Vinculante produz efeito ‘erga omnes’ na Administração Pública Direta e Indireta, alcança desse modo, todas as autoridades judiciárias, administrativas e policiais.
Diante do exposto, deve-se concluir que a Súmula Vinculante sob análise declarou inconstitucional o dispositivo inserto no Código Civil. Ocorreu, sim, controle concentrado de constitucionalidade, vez que revogado de plano e automaticamente a norma infraconstitucional, a partir de iniciada a vigência da referida Súmula Vinculante.
Anteriormente à edição de Súmula Vinculante nº 25 os Tribunais já estavam se posicionando no sentido de declarar ilícita a prisão civil do depositário infiel, uma vez que os pactos internacionais já emanavam seus efeitos para os casos concretos, presentes nas cortes brasileiras, vez em que ambos foram devidamente ratificados em 1992 pelo Congresso Nacional.
Desse modo, há de se indagar se a regra inserida no artigo 652, do Código Civil, em 2002, esteve prejudicada desde o início de seu vigor?
Verifica-se que pelos próprios precedentes apresentados pelo ministro Cezar Peluso, proponente da Proposta de Súmula Vinculante nº 25, sobretudo em sede de Habeas Corpus, foram deferidas ordens de prisão para depositário infiel.
Os Pactos de São José da Costa Rica e Internacional sobre Direitos Civis e Políticos possuem força de Emenda Constitucional, na forma do parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal. Tomando-se por base o inciso LXVII do mesmo artigo, que prevê a prisão civil do depositário infiel, pode-se concluir que desde 1992 o inciso LXVII foi regulamentado automaticamente, pela ratificação, pelo Brasil, de ambos os pactos internacionais já mencionados.
Destarte, apesar de considerada a regulamentação do inciso LXVII e, portanto, a prevalência da regra dos Pactos Internacionais, qual seja, de ser inconstitucional a prisão civil do depositário infiel; autoridades judiciárias vêm descumprindo o dispositivo constitucional, ao deferir ordens de prisão, com base, exclusivamente no artigo 652 do Código Civil, que ainda permanece em vigor.
Data vênia, o texto da Súmula Vinculante ‘sub judice’ deve ser alterado no que tange ao termo de ilicitude, visto que se trata de inconstitucionalidade.
A Súmula Vinculante em analise deveria estar redigida da seguinte forma: “é inconstitucional a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, ou seja, alterando o termo “ilícita” por “inconstitucional”, vez que, como foram tomadas por base, para a aprovação da Proposta de Súmula Vinculante nº 25, as regras dos Pactos de São José da Costa Rica e Internacional de Direitos Civis e Políticos, essa modalidade de prisão civil viola concretamente a nossa Constituição Federal, ora em vigor.
A nova postura jurisprudencial de nossa Suprema Corte, o Supremo Tribunal Federal, acaba fincando cada vez mais suas raízes em ‘tempos modernos’, com uma visão ampla vislumbrando novos horizontes, ou seja, uma era totalmente preconizada pela internacionalização dos Direitos Humanos.
Outrossim, pelas razões já expostas, no nosso Estado Democrático de Direito há que se entender como inadmissível a prisão civil contra o depositário infiel, qualquer que seja esse depositário.
Concluindo assim, que, atualmente, a única forma de prisão civil admitida pelo nosso ordenamento jurídico pátrio em consonância com o Direito Internacional, e ainda, com os referidos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, é a relacionada à questão alimentícia, ou melhor, o inadimplemento da prestação alimentícia; sendo inadmitida a prisão civil do depositário infiel, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
AUTORES COLABORADORES: MARINA VANESSA GOMES CAEIRO
LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON
ADVOGADA, DEVIDAMENTE INSCRITA NA OAB/SP SOB Nº 221.435 E ESCRITORA DE ARTIGOS E LIVROS JURÍDICOS. PÓS GRADUADA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA PUC/SP E PÓS GRADUADA EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DAMÁSIO DE JESUS. AUTORA DA OBRA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NOS TEMPLOS E CULTOS RELIGIOSOS (ISBN 978-85-7786-023-4) PELA EDITORA RUSSELL. CONTATOS ATRAVÉS DO EMAIL: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAEIRO, Marina Vanessa Gomes. Súmula Vinculante nº25: O fim da prisão do depositário infiel Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 maio 2010, 07:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19916/sumula-vinculante-no25-o-fim-da-prisao-do-depositario-infiel. Acesso em: 02 nov 2024.
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