1. Introdução
Pesquisas realizadas recentemente apontam que a maioria esmagadora dos juristas brasileiros não conhece a estrutura e competência da Justiça Militar. Poucos sabem dizer o que seria um crime militar ou qual o foro competente para julgar um civil que cometesse crime contra uma instituição militar.
Diante desse panorama, o presente estudo tem por escopo analisar as possibilidades de um cidadão civil cometer um crime militar, bem como identificar o órgão jurisdicional competente para o processo e julgamento desse delito.
De antemão, é importante se observar que a Justiça Militar não é uma criação do Brasil, mas um órgão especializado do Poder Judiciário, que se faz presente em outros países, como os Estados Unidos da América, Portugal, Israel, entre outros.
Alguns afirmam que a Justiça Militar Estadual é criação do movimento de 1964, o que revela total desconhecimento da história jurídica do país, tendo em vista que na Constituição Federal de 1946 a Justiça Castrense Estadual ali já estava prevista, existindo em períodos anteriores em muitos estados da Federação, como no caso de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Além disso, outro erro que tem sido cometido ao tratar da competência da Justiça Militar é afirmar que esta Justiça no período de 1964 a 1985 julgou crimes contra a segurança nacional. Somente a Justiça Militar da União por força da Constituição de 1967, alterado pela Emenda Constitucional n º 01 de 1969 possuía competência para processar e julgar os civis acusados em tese da prática de crimes contra a segurança Nacional, competência esta confirmada na Lei de Segurança Nacional, e atualmente alterada pela Constituição Federal de 1988 que determina a Justiça Federal como competente para processar e julgar os crimes previstos na atual Lei de Segurança Nacional.
O conhecimento da competência da Justiça Especializada Militar permite o seu estudo, afastando afirmações que tem como fundamento apenas o empirismo, segundo as quais a Justiça Castrense seria um Tribunal de Exceção que tem por objetivo favorecer os acusados que são processados e julgados perante os seus órgãos de 1ª e 2ª instância. Nas democracias modernas, a Justiça Militar se faz presente e presta um serviço de qualidade ao Estado, permitindo um controle efetivo das atividades de segurança pública que são exercidas pelos integrantes das Forças Armadas e Forças Auxiliares.
Passa-se ao estudo da estrutura do crime militar e da possibilidade do seu cometimento por um civil.
2. Conceito analítico de crime e crime militar
O conceito formal de crime com referência aos elementos que o compõem, de caráter analítico, tem evoluído. A doutrina clássica conceitua crime como a ação (ou omissão) humana, típica, antijurídica e culpável (FRAGOSO, 1985, p. 144; NORONHA, 1985, p. 94).
Segundo Julio Fabbrini Mirabete, essa definição vem consignada tanto pelos autores que seguem a teoria causalista, como pelos adeptos da teoria finalista da ação (MIRABETE, 1999, p. 97).
Contudo, a palavra culpabilidade, para os seguidores da teoria causalista da ação, consiste num vínculo subjetivo que liga a conduta ao resultado, ou seja, no dolo (querer o resultado ou assumir o risco de produzi-lo) ou na culpa em sentido estrito (dar causa ao resultado por negligência, imprudência ou imperícia). Verificando-se a existência de um fato típico (composto de ação, resultado, nexo causal e tipicidade) e antijurídico, examinar-se-á o elemento subjetivo (dolo ou culpa em sentido estrito) e, assim, a culpabilidade. Todavia, como ensina Julio Fabbrini Mirabete:
Com a enunciação da teoria da ação finalista proposta por Hans Welzel, porém, passou-se a entender que a ação (ou conduta) é uma atividade que sempre tem uma finalidade. Admitindo-se sempre que o delito é uma conduta humana voluntária, é evidente que tem ela, necessariamente, uma finalidade. Por isso, no conceito analítico de crime, a conduta abrange o dolo (querer ou assumir o risco de produzir o resultado) e a culpa em sentido estrito. Se a conduta é um dos componentes do fato típico, deve-se definir o crime como fato típico e antijurídico”.(MIRABETE, 1999, p. 97. No mesmo sentido: JESUS, 1983, p. 410; CAPEZ, 2000, p. 95-96).
O crime existe em si mesmo, por ser um fato típico e antijurídico, e a culpabilidade não contém o dolo ou a culpa em sentido estrito, mas significa apenas a reprovabilidade ou censurabilidade da conduta.
Lembre-se, ainda, que o delito, conduta típica e ilícita, pode ensejar, como resposta final, tanto a pena como a medida de segurança. Assim, pode-se dizer que a culpabilidade é o pressuposto da pena e a periculosidade o pressuposto da medida de segurança (COELHO, 1991, p. 36).
Feitas essas considerações, passa-se a análise do crime militar. Para ser considerado um delito militar, além desses elementos, o fato deve se amoldar ao artigo 9o do Código Penal Militar (tipicidade indireta).
O artigo 124 da Constituição da República estabelece que compete à Justiça Militar processar e julgar crimes militares definidos em lei, ou seja, cabe ao legislador ordinário fixar os critérios para definir o crime militar. Essa lei é o Código Penal Militar, especificamente o seu já mencionado artigo 9o, que estabelece o que vem a ser crime militar em tempo de paz.
Entretanto, apesar da previsão legal, o dispositivo citado não define o conceito de crime militar. Para Jorge César de Assis, “crime militar é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares” (ASSIS, 2001, p. 38).
O jurista Célio Lobão conceitua o crime militar como “a infração prevista na lei penal militar que lesiona bens ou interesses vinculados à destinação constitucional das instituições militares, às suas atribuições legais, ao seu funcionamento, à sua própria existência, e no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, da proteção à autoridade militar e ao serviço militar” (LOBÃO, 1999, p. 44-45).
3. Crime propriamente militar e impropriamente militar
A doutrina diverge, quanto a conceituação de crime militar próprio e impróprio, expressões essas, de relevante importância para o presente estudo.
A corrente clássica defende que é crime propriamente militar aquele que só por militar pode ser praticado, pois consiste na violação de deveres restritos, que lhe são próprios (ROMEIRO, 1994, p. 68). Seria o crime funcional da profissão militar, como, por exemplo, a deserção (art. 187), a cobardia (art. 363) e o crime de dormir em serviço (art. 203).
De outro lado, a doutrina moderna, combinando os critérios, diz que é crime propriamente militar aquele que só está previsto no Código Penal Militar e que só pode ser praticado por militar.
Já os crimes impropriamente militares são os que estão definidos tanto no Código Penal Militar quanto no Código Penal comum e que, por um artifício legal tornam-se militares por se enquadrarem em uma das várias hipóteses do inc. II do art. 9º do diploma militar repressivo (ASSIS, 2001, p. 40). Comuns em sua natureza, podem ser praticados por qualquer cidadão, civil ou militar, mas que, quando praticados por militar em certas condições, a lei considera militares. São exemplos os crimes de homicídio e lesão corporal, os crimes contra a honra, os crimes contra o patrimônio (furto, roubo, apropriação indébita, estelionato, receptação, dano [...]), os crimes de tráfico ou posse de entorpecentes, o peculato, a corrupção, os crimes de falsidade, dentre outros. Note-se que tais crimes também estão previstos no Código Penal Brasileiro. A diferença está justamente na subsunção ao artigo 9o do CPM (GADELHA, 2006, p. 4).
4. Crime militar praticado por civil
A atual Carta Política não mais se refere aos sujeitos do delito militar, delegando ao legislador ordinário, no caso, o Código Penal Militar, a competência para incluir ou não o civil como agente do crime militar. Ante a permissão, o Código Penal Militar enumera, no inciso III, os casos em que o civil ingressa como sujeito ativo do crime impropriamente militar.
Ressalte-se, de antemão, que como no presente momento nos interessa somente a análise do crime militar praticado por civil, não abordar-se-á os incisos I e II do art. 9º, do CPM, mas exclusivamente as hipóteses previstas no inciso III.
Prevê o mencionado dispositivo:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
[...]
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.
A alínea “a” trata do crime praticado contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar. Com relação ao patrimônio militar, é necessário que o crime atente sobre o bem que esteja efetivamente sob a tutela da administração militar. Contudo, se a coisa, originariamente militar, por qualquer meio deixa de estar sob a administração militar, ou passa a pertencer a militares, como patrimônio individual, o crime cometido, desde que fora da área sob a administração militar, será processado e julgado pela justiça comum (LOUREIRO NETO, 1992, p. 38). Como exemplos temos as armas compradas pelas Forças Armadas e vendidas aos militares para uso pessoal, os materiais ou aparelhamentos de guerra ou de utilidade militar, ainda que em construção ou fabricação, ou recolhidos a depósitos não pertencentes às Forças Armadas, pois não integram a força militar, nem estão sujeitos a essa administração.
O fato de tratar-se de bem de uso privativo das Forças Armadas não atende ao requisito legal, visto que a lei exige que se trate de bem legalmente sob administração militar (LOBÃO, 1999, p. 116). Assim, um traficante civil flagrado portando fuzil de uso exclusivo das Forças Armadas, não responderá por crime militar, mas sim pelo delito de porte ilegal de arma de uso restrito, previsto no artigo 16 da Lei 10.826/2003.
Em sua parte final, a alínea “a” prevê o crime contra a ordem administrativa militar, assim entendida a que atinge a organização, a existência, a finalidade das Forças Armadas e seu prestígio moral. Célio Lobão recorda decisão do antigo Tribunal Federal de Recursos no sentido de que “configura crime militar contra a ordem administrativa militar pretender valer-se da organização militar, invocando condição falsa de militar, para obter vantagem pessoal ou em favor de sua família” (LOBÃO, 1999, p. 116).
Como exemplos de crimes contra a ordem administrativa militar praticados pelo civil, dentre outros, pode-se citar: ato obsceno (art. 238), distribuir objeto obsceno (art. 239), corrupção ativa (art. 309).
Por sua vez, a alínea “b” cuida dos crimes praticados pelos mesmos agentes “em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo.”
A situação abrange os delitos praticados pelo civil contra o militar da ativa ou ainda contra funcionário do Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente a seu cargo, desde que em lugar sujeito à administração militar. Como exemplo, teríamos o civil que desempenhando suas funções numa unidade militar, venha a causar lesões corporais num oficial de justiça da Justiça Militar que compareça naquela unidade para citá-lo (LOUREIRO NETO, 1992, p. 39).
Em seguida, a alínea “c” prevê outra hipótese: a do crime praticado por civil contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras.
Todas essas situações dizem respeito à preparação da tropa, para cumprimento da sua destinação constitucional, e às atribuições legais, incluindo-se a prontidão que é uma situação de alerta, durante o estado de defesa, de sítio ou em situações especiais de calamidade, sinistro de grandes proporções, comoção interna, visita de chefe de governo estrangeiro, líderes religiosos, entre outros casos.
José da Silva Loureiro Neto, afirma que “entendeu o legislador acertadamente que a jurisdição militar deve estender-se também nos casos em que o militar deva, por dever, afastar-se de sua unidade.” (LOUREIRO NETO, 1992, p. 39). E prossegue o doutrinador, conceituando as diversas situações:
Formatura – lexicamente, significa ato ou efeito de formar; alinhamento e ordenação de tropa.
Período de prontidão – lapso temporal em que a tropa permanece em sua unidade em estado de alerta para eventual deslocamento.
Vigilância e observação – ato ou efeito de vigilar, espreitar.
Exploração – procurar descobrir; percorrer, estudando; em regra, explora-se terreno para cumprimento de alguma missão.
Exercício – refere-se a adestramento de tropa.
Acampamento – estacionamento de tropa em barracas.
Acantonamento – deriva de acantonar, que significa dispor ou distribuir tropas por cantões; é o lugar onde se acantonam tropas, aproveitando das instalações existentes.
Manobras – também visa o adestramento da tropa com seu deslocamento da unidade (LOUREIRO NETO, 1992, p. 39).
No exercício dessas atividades o militar encontra-se em função de natureza militar, contemplada na alínea “d”, tornando-se, assim, prescindível a enumeração daquela alínea. Todavia, como o CPM faz previsão, cabe tecer alguns comentários sobre a derradeira alínea do art. 9º.
Prevê a alínea “d”, ainda, o crime praticado por civil, contra as instituições militares, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.
De acordo com a primeira parte da alínea, classifica-se como militar o crime com igual definição na lei penal comum e na lei penal militar, quando praticado por civil contra militar no exercício de função de natureza militar. A norma penal exige que o militar exerça função de natureza militar, excluindo outro serviço que não se ajuste ao conceito da referida função.
Na sua segunda parte compreende as situações que não sejam de natureza militar e sim de natureza policial militar. Isso ocorre, porque em situações anormais, as Forças Armadas podem ser convocadas ou requisitadas para a preservação da ordem pública, como, por exemplo, no estado de sítio, calamidade pública, etc. Saliente-se que só é militar o crime praticado por civil contra militar no exercício dessas funções. No entanto, indispensável que, no momento do crime, o militar encontre-se, efetivamente, no desempenho de uma dessas missões, pois se estiver de folga ou dispensado do serviço, o crime é comum.
Prevê o dispositivo uma terceira hipótese: obediência a determinação legal superior. Nesse caso, o militar agredido estaria exercendo uma função que não seria nem de natureza militar nem policial militar. Apenas requer-se que a ordem superior seja legal.
Por fim, necessário frisar que o Código Castrense prevê um delito que, apesar de estar previsto exclusivamente na Lei Penal Militar, só pode ser praticado por civil: Insubmissão (art. 183, do CPM).
5. Competência para julgamento do crime militar praticado por civil
A competência da Justiça Militar está prevista na Carta Magna em seus arts. 122 a 124, e 125, §§ 4º e 5º. A Justiça Castrense divide-se em: Justiça Militar Federal e Justiça Militar Estadual.
A Justiça Militar Estadual tem competência para processar e julgar tão-somente os policiais e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei. Deve-se observar, que essa exclusividade de competência para o julgamento dos militares estaduais está prevista no § 4º, do art. 125, da Lei Maior, in verbis:
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Assim, caso um civil pratique um crime de furto em um quartel da Polícia Militar, este será processado e julgado perante a Justiça Comum do Estado, com aplicação das normas do Código Penal e Código de Processo Penal.
Nesse sentido, a Súmula nº. 53 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais.”
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já decidiu:
Crime cometido por civil contra o patrimônio da Polícia Militar do Estado. Incompetência absoluta da Justiça Militar Estadual (CF, art. 125, § 4º). Princípio do juiz natural. Nulidade dos atos decisórios proferidos pela Justiça Militar do Estado. Pedido deferido. A Justiça Militar estadual não dispõe de competência penal para processar e julgar civil que tenha sido denunciado pela prática de crime contra a Polícia Militar do Estado. (STF, HC 70604/SP, rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, decisão: 10-5-1994, Em. de Jurisp., v. 1751-02, p. 341; DJ 1, de 1º-7-1994, p. 17497).
Qualquer tentativa de submeter os réus civis a procedimentos penais persecutórios perante órgãos da Justiça Militar Estadual representa, no contexto de nosso sistema jurídico, clara violação ao princípio constitucional do juiz natural (CF, art. 5º, LIII). (STF, HC 70604/SP, rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, decisão: 10-5-1994, Em. de Jurisp., v. 1751-02, p. 341; DJ 1, de 1º-7-1994, p. 17497). (Decisões citadas por BULOS, 2003. p.1080).
A Justiça Militar Federal, por sua vez, tem competência para processar e julgar os militares integrantes da Marinha, Exército, Força Aérea Brasileira, civis e assemelhados.
Assim, praticando um crime militar contra uma instituição militar federal, o civil será processado e julgado perante a Justiça Militar Federal, com aplicação das normas do Código Penal Militar e seu respectivo Codex Instrumentalis.
Questão interessante é a conduta do civil que faz uso de uniformes militares sem ter direito. Em tese, estaria praticando o delito previsto no Art. 172, do CPM: Usar, indevidamente, uniforme, distintivo ou insígnia militar a que não tenha direito: Pena - detenção, até seis meses.
Nesse caso, deve-se observar que se tratando de civil que usa indevidamente uniforme, distintivo ou insígnia da Polícia ou Corpo de Bombeiros Militares, o fato deixa de ser crime para ser contravenção penal (art. 46) em face da competência taxativa da Justiça Militar estadual. Responderá, então, perante a Justiça Comum.
Por outro lado, se o mesmo civil usar uniforme, distintivo ou insígnia das Forças Armadas cometerá o crime do art. 172 e responderá perante a Justiça Militar Federal.
Na verdade, essa diferenciação se revela numa verdadeira incoerência da legislação, pois sendo a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar forças auxiliares e reservas do Exército, deveriam ter a mesma proteção legal, ou seja, deveria ser considerada crime militar a conduta do uso indevido de uniformes, distintivos ou insígnias militares dessas corporações. Não bastasse, inúmeras outras condutas praticadas por civil contra as instituições militares estaduais deixam de ser consideradas crimes militares para ser consideradas contravenções ou até mesmo resultando em condutas atípicas, o que acaba por desproteger as instituições militares estaduais
Outro exemplo que pode ser citado é o da “oposição às ordens da sentinela” (art. 164). Se o civil opor-se às ordens de uma sentinela do Exército, Marinha ou Força Aérea, estará incidindo no art. 164, do CPM. Mas se opuser-ser às ordens de sentinela de um quartel da Polícia Militar, incidirá, em tese no crime de desobediência (art. 330, do CP).
Ora, resta flagrante a incoerência nesses casos. Como poderia um fato ser considerado crime militar na justiça federal e crime comum na justiça estadual se os sujeitos passivos são todos instituições militares de grande importância para a defesa nacional?
A solução estaria na promulgação de uma Emenda Constitucional que expandisse a competência da Justiça Militar Estadual, para abranger os crimes praticados por civil contra as instituições militares estaduais. Referida emenda, seria totalmente viável, não ofendendo as limitações explícitas e implícitas ao poder de reforma da Constituição da República.
6. Considerações finais
O crime militar, analiticamente, é um fato típico e antijurídico que se amolda ao art. 9º, do Código Penal Militar. Para que um civil cometa crime militar, necessário se faz que, além da conduta estar prevista na Legislação Castrense, haja a subsunção ao inciso III do art. 9º.
Praticando crime contra instituições militares estaduais, responderá o civil perante a Justiça Comum dos Estados, com aplicação das regras dos Códigos Penal e Processo Penal comuns.
Por outro lado, caso cometa delito contra instituições militares federais, será processado e julgado perante a Justiça Militar Federal, aplicando-se as normas dos Códigos Penal e Processo Penal Militar.
A distinção resulta em flagrante incoerência, posto que torna a mesma conduta infração diferente dependendo do sujeito passivo do crime, sendo que tanto as instituições militares estaduais e federais são importantes para a Segurança Nacional, sendo as primeiras consideradas forças auxiliares e reservas do Exército Brasileiro, merecendo ter a mesma proteção legal.
Assim, necessária se mostra uma reforma constitucional no art. 125, § 4º, da Constituição da República, para fazer cessar a incoerência legislativa atual.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: Parte Geral. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2001.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2000.
COELHO, Walter. Teoria geral do crime. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.
GADELHA, Patricia Silva. Você sabe o que é um crime militar?. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 977, 5 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8063>. Acesso em: 24 set. 2009.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v.1.
LOBÃO, Célio. Direito penal militar. Brasília: Brasília jurídica, 1999.
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. São Paulo: Atlas, 1992.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 15.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 1985.
ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de direito penal militar: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1994.
Oficial da Polícia Militar de Santa Catarina, Pós-Graduado, Lato Sensu, em Direito pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC em convênio com a Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Aprovado no Exame da OAB/SC. Aprovado no Concurso para Técnico Judiciário do Tribunal Reginal Eleitoral de Santa Catarina. Aprovado no Concurso para o Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHWARTZ, Diego. O Civil e a Prática de Crime Militar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2010, 08:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19979/o-civil-e-a-pratica-de-crime-militar. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Sócrates da Silva Pires
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