Eu desejo a lucidez dos loucos,
A objetividade dos insanos,
A coerência dos inimputáveis.
Eu quero a dor dos desvalidos,
O amor dos abandonados,
A ferida dos combatentes,
O destino dos condenados.
Eu quero ver o sol nascer,
Olhar os pássaros voando,
Poder sentir o vento morno,
Fechar os olhos, ir andando.
Desejo enfim a alegria,
Poder largar o que me cansa,
Encontrar a liberdade,
E se puder – uma alma mansa.
Hospital Psiquiátrico 17/10/2007
No ano de 2007 estive internado em um hospital psiquiátrico na cidade de São José dos Campos, São Paulo. Meu caso era depressão maior, associada a estresse pós-traumático.
Nessa clínica havia pacientes sendo tratados por diversas doenças, entre elas a esquizofrenia, a depressão e a desintoxicação pelo uso de drogas proibidas. Cada doença tinha um histórico nebuloso de sintomas, tendo em vista a associação entre as mesmas e o eventual uso concomitante de entorpecentes proibidos.
Nem todo paciente psiquiátrico faz uso de drogas proibidas. Digo proibidas porque as permitidas são receitadas usualmente nos tratamentos psiquiátricos. Todo usuário de drogas ilícitas é portador de alguma carência psicológica ou está em busca de respostas para suas dúvidas e curiosidades.
Durante essa internação descobri que hoje não há droga mais mortal que o crack. Internado, conheci diversas pessoas com famílias e empresas estruturadas que jogaram tudo fora pelo vício mortal com essa nova droga, que aparentemente chegou para destruir pessoas, seja física, seja moralmente. Dado o seu poder medonho, a vítima desse tipo de droga precisa de apoio e tratamento cuidadoso, porque aos poucos ela não distingue mais o racional do irracional, e tende a agir como um animal amedrontado.
Vale a pena lembrar que o viciado em crack também cede rapidamente à depressão, e na sua queda vertiginosa até à própria esquizofrenia. O vício do crack é em geral um caminho sem volta, e sua vitima é um doente psiquiátrico que carece desesperadamente de apoio.
Tratá-lo como um criminoso é um erro tão grande quanto foi, na Idade Média, a tortura e a condenação à morte dos que duvidavam da existêcia de Deus.
No hospital conheci um ex-empresário e ex-chefe de família que havia perdido tudo: saúde, empresa e família. Era um viciado em crack. Já não tinha todos os dentes na boca e estava entregue a uma profunda decadência física e mental. Em torno de nossas dores pessoais, iniciamos uma boa amizade. Nele ainda havia muitos vestígios da pessoa que fora, mas só era possível descobrir com paciência toda a grandeza que ele havia perdido pouco a pouco. Era a personificação do desperdício.
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Quando o homem das cavernas deixou restos de frutas sobre “mesas” de pedra no interior de suas grutas, ele mesmo os encontrou depois possuídos de um estranho poder. A fermentação daqueles restos deixava uma lassidão no corpo, e às vezes trazia sonhos de beleza e de terror. Estavam nascendo ali os vinhos e licores que nunca mais abandonariam a mesa dos homens. Em dias de pouca comida, o homem primitivo descobriu que os restos fermentados das frutas apagavam a fome, ao menos por umas horas, e esse era outro dos seus milagres. Esse encantamento com o álcool foi talvez a tentação humana, e a primeira possibilidade de escapar de uma realidade dura e imutável.
Todas as comunidades primitivas descobriram substâncias entorpecentes, e as usaram de forma controlada e em rituais de fundo religioso, para obter cura e afastar a dor, ou nos ritos de passagem que toda sociedade primitiva conheceu. A droga sempre tentou o homem, ainda muito tempo antes dela se sofistacar ou se multliplicar, como no nosso tempo. É dificil crer que algum dia ela abandone totalmente os hábitos humanos.
Há muitos outros fatores que levaram os homens a procurar o convívio com as drogas modificadoras da percepção. Creio que o principal foi a busca da experiência religiosa, a demanda que nunca abandonou a humanidade de entender o sentido da própria vida, a existência do mundo em redor e a razão de ser da simples realidade.
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Hoje convivemos com uma infinidade de drogas lícitas e ilícitas em nosso meio. A divisão entre elas não é muito clara, tendo em vista que o cigarro, o álcool, o cipó Jagube e a folha Chacrona (Santo Daime), estão entre as permitidas e toleradas. A maconha, a psilocibina (cogumelo) e a cocaína são classificadas entre as ilícitas, as proibidas.
Quando meu filho me pergunta por quê o álcool e o cigarro são permitidos e a maconha é proibida, acho difícil responder. A criança é um ser lógico e ela espera dos adultos uma coerência que nem sempre temos. Passei a responder a meu filho que todas as drogas deveriam ser regulamentadas, inclusive o cigarro e o álcool.
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As leis, a justiça e a polícia jamais venceram o combate às drogas. Nem os países mais ricos do mundo conseguiram derrotar o tráfico e o uso dos entorpecentes. Essa é uma luta que jamais será vencida e a razão disso é algo que deve ser pensado e discutido amplamente. Sobre a questão das drogas em geral, paira no ar alguma hipocrisia em nossa sociedade.
A maior parte das pessoas que faz discursos exaltados contra as drogas, faz uso diário do álcool e do cigarro. Os que se entorpecem de diferentes formas, seja com o cigarro, seja com o álcool, ou ainda com remédios vendidos livremente nas farmácias, são todos vítimas de uma dependência. Alguns medicamenos receitados por médicos causam dependência física e psíquica quase imediata, atuando como as drogas ilícitas, no organismo de quem se utiliza delas. Enfim, o uso de drogas em nossa sociedade é algo enorme e diversificado. Isso vale para xaropes contra a tosse, remédios para dormir, calmantes, relaxantes musculares, álcool, cigarro, paracetamol, tintura de ópio, Santo Daime, maconha, cocaína, crack, anfetaminas, ácido lisérgico, êxtase, e assim por diante.
Excluindo os remédios, entender a diferenciação estipulada pelo governo e pelas leis, entre drogas lícitas e ilícitas, é difícil e obscuro. O que não é remédio oficial mas serve para curar, é de fato entorpecente e deveria ser tratado da mesma forma. Por que a procura de um cigarro? Por que o prazer de uma dose de uísque? Por que o deleite com um cigarro de maconha? Por que a presença da cocaína em toda parte, nem sempre mencionada mas presente? Não teriam essas perguntas uma única resposta? Não se prestam essas drogas ao mesmo fim?
Pouca coisa é tão prejudicial e, ao mesmo tempo, é tão comum e está ao alcance de todos quanto o álcool. Ele é a droga com maior capacidade lesiva que existe, seja porque é perfeitamente lícita, sendo então a mais difundida, seja porque cria de início a confiança e a ousadia que facilitam, acobertam e justificam todo abuso e todo exagero de comportamento. Quantas mortes o álcool causa numa hora, num dia, num ano? No trânsito, em casa, no trabalho?
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Quanto à proibição de algumas drogas, vale a pena ver o que ocorreu nos Estados Unidos da América ao tempo da Lei Seca. Formaram-se bandos criminosos que exploraram essa proibição em seu favor, levantando fortunas no mercado negro das bebidas alcoólicas. O combate a isso, nos EUA em 1926, sob o comando do agente do FBI Eliot Ness, foi paliativo e pouco resolveu. A proibição da bebida serviu para enriquecer grupos criminosos que a partir proibição pela 18ª Emenda à Constituição do país, ganharam força e poder. A decisão de proibir tanto foi equivocada que o governo dos EUA, após treze anos de vigência da Emenda, revogou-a em 5 de dezembro de 1933, com a 21ª Emenda à Constituição, regulamentando o comércio de bebidas alcoólicas.
O exemplo dos EUA deve ser examinado atentamente. Com o agravamento da crise econômica que culminou com o "crash" da Bolsa de 1929, a proibição de fabrico, distribuição e venda de bebidas alcoólicas foi verificada como o fator de aumento das fortunas ilegais que nunca puderam ser corrigidas nem redistribuídas na sociedade americana. Al Capone foi preso porque estava em débito com o Imposto de Renda, não porque tenha matado e roubado durante longos anos, impunemente.
A revogação da Lei Seca veio ajudar a débil e algo conturbada recuperação econômica dos Estados Unidos, mas quem ressarciu o mal, a inustiça e o arbítrio que devorou vidas e patrimônios naquele período? A mera proibição mostrou-se não somente inútil, mas estimuladora do mal.
Tendo em vista a incapacidade dos governos de erradicarem o uso e o tráfico de entorpecentes, proibir só agrava a situação, pois cria máfias poderosas que administram e corrompem ainda mais o sistema repressivo legal vigente no país. Não se trata de ser a favor ou contra a regulamentação do uso das drogas, mas sim de buscar a melhor forma de estrangular o crescente poder econômico dos grupos marginais.
Entre as pessoas de bom senso, ser contra as drogas é fundamental, mas elas entendem que esta é uma guerra que nós estamos perdendo. O pior é que através da mera proibição estamos municiando os criminosos com dinheiro sujo, que também é usado para a compra de armamentos, para a obtenção de poder e para a prática de crimes comuns. A polícia jamais venceu a guerra contra as drogas e muito dificilmente irá impedir que o consumo e o tráfico delas ilícitas continuem aumentando.
Apenas liberar o uso das drogas é um equívoco perigoso. Ninguém em sã consciência pode apoiar a liberalização das drogas. Porém, com um pouco de sensibilidade já entendemos que proibir também não resolve. Então seria preciso regulamentar o uso de todas as substâncias entorpecentes, inclusive o alcool e o cigarro. Quando me refiro a regulamentar estou falando em vigiar, tributar e comercializar legalmente de forma controlada sua distribuição e uso.
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O viciado dá dinheiro ao traficante, e este transforma esse dinheiro em corrupção, violência e crime. Regulamentar significa matar de fome o crime. O viciado poderia dar esse dinheiro ao governo, que através do lucro criaria uma secretaria especial de acompanhamento ao dependente e várias campanhas de educação e conscientização sobre o uso das drogas. Acabaríamos com a figura do traficante. Como o poder do tráfico iria sobreviver? Não existiria mais dinheiro do tráfico para ser lavado. Dessa forma se quebraria uma cadeia enorme de corrupção e crime, e ainda por cima o governo arrecadaria através de impostos, para poder apoiar os dependentes químicos, coisa que não acontece nos dias de hoje com a vigência da proibição. Enfim, a proibição só serve para auxiliar o tráfico de drogas, a violência e o crime. A saída, então, é regulamentar com inteligência. No universo da educação, e na vida em geral, não é proibindo que se educa, mas conscientizando e informando.
Hoje, quando um dependente químico sente necessidade de utilizar a droga ilícita ele sobe o morro ou se aventura em locais perigosos para consegui-la. Com a regulamentação não haverá porque se arriscar ou pagar caro pela droga. O dependente é um enfermo e precisa ser curado. Uma vez devidamente identificado e com receita médica, ela vai procurar uma farmácia e adquirir a droga para evitar a loucura, o desespero, o suicídio. E só então se tratar. O Estado terá controle sobre quem utiliza e quanto utiliza as perigosas drogas. Os usuários serão indicados para atendimento físico e psicológico, alem da orientação fundamental. Não mais existirão as cotas de controle da saúde pública, nem dependentes desconhecidos serão assistidos. Diferente do que se possa imaginar, esse é o modo como, numa única ação, poderemos exaurir o poder do tráfico e consequentemente o poder paralelo do crime, e ainda assistir com inteligência e racionalidade os necessitados de auxílio médico e psicológico.
No dia 28 de maio de 2010, estive na sede da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado do Rio de Janeiro, presidida pelo Advogado Wadih Damous e participei da cerimônia de lançamento da Comissão de Combate às Drogas da OAB/RJ. No evento, tomou posse como presidente da referida comissão o Advogado Wanderley Rebello Filho. Nessa data iniciei minha participação na referida comissão como colaborador.
Sérgio Luis Almeida Lisboa
Bacharel em Direito
Bacharel em Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LISBOA, Sérgio Luis Almeida. Regulamentação do Uso das Drogas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2010, 02:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19995/regulamentacao-do-uso-das-drogas. Acesso em: 23 dez 2024.
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