Orientadoras
Ionete de Magalhães Souza[1]
Ana Clarice Albuquerque Leal Teixeira[2]
RESUMO[3]
O presente estudo analisa a politização da maternidade e a inserção do instituto do parto em anonimato no ordenamento jurídico nacional, bem como sua repercussão política e social. Investiga, igualmente, se o parto anônimo seria alternativa eficaz à morosidade nos processos de adoção e se a incorporação desse instituto pelo ordenamento jurídico brasileiro atenderia ao âmago da Emenda Constitucional nº. 45 (EC nº. 45/2004), realizando, sobremaneira, o ideal de Justiça.
PALAVRAS-CHAVE
Maternidade. Parto anônimo. Celeridade processual
SUMÁRIO
Introdução. 1 Welfare State e biopolítica. 2 Maternidade e biopolítica. 3 Parto anônimo como biopolítica: origens e práticas em diversos países. 4 Parto anônimo: possíveis repercussões jurídicas e sociais. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por escopo revelar, mediante a utilização do método bibliográfico e dedutivo de pesquisas, se a politização da maternidade e a adoção do parto em anonimato no Brasil realizam o ideal de Justiça. Colima ainda investigar se, como política de gestão da vida, o parto anônimo seria instrumento hábil à efetivação dos princípios norteadores da Emenda Constitucional nº. 45 (EC nº. 45/2004), da dignidade e do melhor interesse da criança, em se tratando de processos de adoção.
1 WELFARE STATE E BIOPOLÍTICA
O Estado do bem-estar social (Welfare State) surgiu como resposta à emergência da democracia de massas, objetivando conservar o corpo social coeso e desenvolver, harmonicamente, a vida em sociedade através da adoção de medidas de proteção social.
O Welfare State é fruto do manejo das políticas de distribuição, pautadas numa Justiça distributiva, hedônica e utilitarista, que colima a consecução de um bem-estar social geral por meio do sacrifício mínimo do pessoa. É o que obtempera o filósofo inglês Jeremy Bentham ao dissertar acerca da teoria utilitarista, construindo uma escala axiológica em que o valor atribuído a certa conduta em sociedade é auferido em razão da satisfação que oferece ao corpo social como um todo. (BENTHAM, 1979, p.65).
Em contrapartida, o também filósofo John Rawls em sua obra “Uma teoria da Justiça”, com intuito de alcançar o equilíbrio entre utilitarismo e intuicionismo, aduz que a igualdade deve deixar de ser vista em abstrato, atingindo conteúdo social, político e econômico concreto (RAWLS, 2000, p. 3).
No que tange ao estabelecimento do Welfare State, decorre dele a tomada pelo Estado do controle e gestão de políticas voltadas para os segmentos minoritários da sociedade, que visam colocá-los em situação equânime de oportunidades em relação ao corpo social como um todo.
No Brasil, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), a luta política do Welfare State foi transposta à seara jurídica. Isto porque a CRFB/1988 transformou o Estado brasileiro em provedor/garantidor de direitos sociais mínimos, tais como saúde, educação e lazer, aspectos básicos que uma sociedade justa e democrática deve assegurar a seus membros. Vê-se, neste ponto, liame indissociável entre o jurídico, o social e o político que se deu mediante a institucionalização dos direitos sociais.
Obtempera Sônia Draibe que a CRFB/1988 representou grande avanço, porquanto coíbe iniqüidades e amplia os direitos especialmente no que tange a área trabalhista e a seguridade social (DRAIBE, 1989, p. 218) sendo perceptível, ainda, a jurisdicionalização do político, pois a omissão do Estado com relação à satisfação desses direitos faz com que, não raras vezes, e mediante provocação do cidadão, o Judiciário exerça função de garantidor da efetividade dos direitos sociais mínimos ou fundamentais, sustentáculos de uma sociedade democrática.
Nesse contexto, surgem as políticas públicas de gestão da vida objetivando proteger precipuamente a mulher, detentora de um “biopoder”, que é a capacidade de gerar vida.
Marylin Yalom se refere a uma “politização do seio feminino” ao descrever as condições de surgimento do fenômeno que, na afluência da urbanização, do fortalecimento do sistema capitalista de produção e do surgimento e consolidação dos Estados Nacionais no decorrer dos séculos XVII, XVIII e XIX coloca a mulher, como mãe em potencial, no cerne das políticas voltadas à proteção da vida e da criança (YALOM, 1997).
Intitulando esse fenômeno de “biopolítica”, Michel Foucault em sua obra “História da sexualidade” afirma ser esta um processo de interferência do Estado/sociedade sobre a saúde, o corpo, as condições de viver, as formas de se alimentar e morar, enfim, em todo o espaço da existência da mulher e da família, favorecendo seu desenvolvimento e bem-estar (FOUCAULT, 1993, p.135).
2. MATERNIDADE E BIOPOLÍTICA
Michel Foucault ensina que a medicina é, sobretudo, uma estratégia “biopolítica”, já que o controle social se efetiva não só pela consciência, mas também “no corpo e com o corpo”. Preleciona, ainda, que a “biopolítica” trata da necessária “medicalização” do existir da mulher mediante a adoção pelo Estado de práticas de intervenção em sua saúde, higiene e bem-estar (FOUCAULT, 1993, p. 137).
Certo é que esta intervenção estatal no existir feminino perpassa não só pelo discurso médico, mas, sobremaneira, pelo discurso pedagógico, moral, econômico e jurídico, com objetivo primordial de manter o corpo social pacífico e harmônico.
Neste contexto, surgem as políticas públicas de gestão da vida objetivando proteger, precipuamente a mulher, detentora de um “biopoder”, que é a capacidade de gerar vida.
Relativamente à maternidade, o Estado estabelece padrões de comportamento para as mulheres-mãe com a finalidade específica de garantir ao nascituro, à criança e à família um coexistir harmônico e saudável a bem da coletividade, adequando a conduta individual à coletiva. Em outras palavras, entende-se que o bem-estar da mulher, mãe em potencial, propiciaria um bem-estar geral na sociedade. Por isso a atenção volta-se à promoção de políticas públicas em favor da mulher enquanto mãe e mantenedora da solidez da instituição familiar.
Assim, no decorrer dos séculos XIX e XX, multiplicaram-se os debates e propostas acerca dos cuidados com as mulheres, passando estes a serem exercidos com maior controle e rigor, sobremaneira quando se tratava da saúde das gestantes e mães (KNIBIELER, 1996, p. 359).
A estas mulheres, o Estado passa a destinar, gradativamente, cuidados mais específicos com uso das várias tecnologias, sendo possível, referir-se a uma politização da maternidade, o que demanda maior dispêndio de recursos estatais em políticas e práticas assistenciais voltadas principalmente às mulheres mães (MEYER, 2003).
A partir da década de 1960, momento em que o feminismo volta-se às construções teóricas, a mulher passa a ser vista pela sociedade capitalista ocidental também como produtora e consumidora, o que torna economicamente viável a emancipação feminina, o controle da natalidade e de aspectos outros dela decorrentes, provocando, dessa maneira, um traslado da ótica capitalista ocidental ao panorama sócio-cultural mundial.
Assim, por vários motivos, sejam eles de ordem econômica - a inserção da mulher no mercado como produtora e consumidora- de ordem política ou social – a colocação do Estado como provedor/garantidor dos direitos fundamentais, precipuamente o mais elementar deles : a vida- há uma politização da maternidade que se desdobra numa multiplicidade de sujeitos, em que o Estado, ao ofertar proteção especial à figura da mulher, salvaguarda a criança, garantindo-lhe o mais fundamental dos direitos: a vida. Por consectário, os argumentos e discussões acerca da dignidade humana e dos Direitos Humanos abrangem, de maneira especial, os direitos da mulher, os direitos sexuais e reprodutivos, os da criança e do adolescente e, ainda, os do nascituro.
À mulher-mãe se atribui, por conseguinte, responsabilidade quase que exclusiva pelo desenvolvimento cognitivo, afetivo e físico do nascituro e da criança. Trata-se de uma questão cultural, pois há leis no cenário jurídico nacional que buscam efetivar o exercício da co-responsabilidade parental, tais como as leis de alimentos e as que regulamentam os alimentos à gestante e as sucessões.
Vê-se que, conforme anuncia Dagmar Meyer, conquanto o movimento feminista tenha emancipado a mulher relativamente aos mais diversos aspectos da convivência social (aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais) dificultou o exercício da maternidade ao torná-lo excessivamente abrangente e interventor.
3 PARTO ANÔNIMO COMO BIOPOLÍTICA: ORIGEM E PRÁTICAS EM DIVERSOS PAÍSES
Particularmente a partir do século XX os cuidados e assistência prestados à mulher, “guardiã do espaço vital humano” (MAKAROOUN, 1999, p.206), e à família, por consectário foram transpostos da esfera privada à pública através da institucionalização da assistência às gestantes e parturientes.
A análise dos conhecimentos, das políticas e dos programas de saúde e educação promovidos pelo Estado permite concluir que a mulher-mãe é um ser múltiplo, porquanto agente de promoção da inclusão social, provedora e executora dos cuidados com as crianças e com a família.
Desta forma, a maternidade, seja desejada, seja recusada, está no foco das definições culturais e históricas do feminino, já que o corpo da mulher passa a se comunicar com o corpo social, com o espaço familiar e com a vida das crianças, decorrendo disso uma socialização das condutas de procriação associadas aos aspectos econômicos, políticos e médicos, conforme foi explanado anteriormente.
Neste ínterim, educar e capacitar mulheres para essa forma de maternidade torna-se prioridade nas políticas públicas e programas de promoção e inclusão social, que têm valorizado a mulher como sujeito proativo da por sua aptidão de se inserir concomitantemente na estrutura familiar e no mercado de trabalho.
Com o crescente desenvolvimento técnico-científico, especialmente no que concerne à biotecnologia em genética e tecnologias de imagens, há uma inserção indubitável do nascituro numa rede de controle da vida mediante um monitoramento minucioso e antecipado de seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.
Paul Virilio aponta em sua obra “A arte do motor” que as essas tecnologias a serviço da saúde e da vida constituem um paradigma de controle que deixa transparecer a expansão capitalista que abrange também o material genético e hereditário do ser humano ainda no útero materno (VIRILIO, 1996, p. 91).
Dessa maneira, os discursos acerca dos direitos humanos universais ou de grupos e sobre a politização da maternidade ambivalência entre universalismo X particularismo e entre a posição política e ponto de vista de seus diversos formuladores. Tais tensões decorrem tanto das políticas estatais como também das lutas dos movimentos sociais, seara em que as noções de direitos universais se tornam múltiplas.
No momento em que essas noções estabelecem novos sujeitos de direitos, essa multiplicidade formula questões de difícil solução, sobretudo ao contrapor, contestar ou suspender direitos mútuos ou de outros sujeitos com os quais estes se relacionam, a exemplo do que apontam Schmied e Lupton, ao afirmarem que, quanto à relação mãe-nascituro ou mãe-bebê em algumas áreas, tais como na Psicologia e no Direito, e teorizações há uma conceituação excessivamente linear e estática, que não aborda a tensão e ambigüidade que estas relações permeiam (SCHMIED; LUPTON 2001, p. 33)
Hodiernamente, o nascituro é visto como sujeito de direitos e não mais como extensão do corpo materno, portio mulieris vel viscerum. Nessa perspectiva, um ambiente uterino saudável passa a ser concebido como um direito deste sujeito político e, em concordância com o que assevera Dagmar Meyer, a mulher que não proporciona ao nascituro esse ambiente é tida como “desviante, negligente, ignorante ou, na pior das hipóteses, como criminosa em potencial” (MEYER, 2003).
As ações que envolvem os programas e políticas de educação e saúde contrapõem um dos maiores esforços do movimento feminista: o de demonstrar que mulher e mãe são sujeitos essencialmente distintos, que não se sobrepõem, tampouco consiste um extensão do outro, ao passo que, os programas e políticas de educação e saúde ao valorizar a capacidade de inserção concomitante da mulher no mercado de trabalho e na família, posiciona a mulher, enquanto sujeito-mãe, como responsável exclusiva por propiciar inclusão social e promover a educação e saúde das crianças (KLEIN, 2003 p. 126; MEYER, 2003, p. 38).
Incorporando novos e progressistas paradigmas de família, alguns desses programas têm elevado ao patamar do natural não só a ausência do homem-pai nos núcleos familiares, principalmente naqueles mais pobres, mas, sobretudo sua “des-responsabilização” pela vida, saúde e educação das crianças.
Nesse discurso, o homem tem sido posicionado como agente perturbador de cuidados. Há, por conseguinte, um reforço da responsabilidade da mulher pela reprodução biológica, pela educação dos filhos e pela saúde e inclusão social da família. O parto anônimo, como política de gestão da vida, pode, tranquilamente, ser inserido neste contexto.
Instituto de designação recente recebe influência direta do que se denominou na Itália de ruota dei trovatelli ou roda dos expostos ou roda dos enjeitados, que, ainda na Idade Média, representou a primeira iniciativa pública voltada ao atendimento às crianças rejeitadas.
No Brasil Colônia, esta prática largamente utilizada até 1948,e se iniciou por volta de 1739, no Estado do Rio de Janeiro, ocasião em que Romão de Mattos Duarte doou a quantia de 32 mil cruzados direcionados à criação de um local aparelhado para abrigar crianças rejeitadas.
Tema de importantes teses de médicos higienistas e instituto de forte inspiração cristã, a roda dos enjeitados deixa transparecer os usos e costumes da época, exercendo, notadamente, papel regulador de condutas desviantes nos núcleos familiares, segregando a prole decorrente das práticas reprodutivas restritas ao casamento daquela havida fora desse âmbito, ou seja, resultante de relações tidas como espúrias pela sociedade e pela Igreja. Nesse sentido, a roda funcionou como “medida eugênica de preservação da família” (BARBOSA, 1999, p. 255).
Mencione-se que a roda possuía a função de proteger as crianças enjeitadas do preconceito e sanções sociais de sua origem. Ressalta-se, ainda, que, concomitantemente à instituição da Casa dos Expostos, os conventos passaram a abrigar as mulheres maculadas pela desonra de uma gestação que atentava contra a moral social pré-estabelecida, acontecimento que tornava a mulher indigna da convivência familiar.
Negava-se à mulher o direito à maternidade para remediar o escândalo amoroso e minimizar os efeitos da conduta desviante dos pais na vida da criança enjeitada, como uma manifestação paradoxal de amor.
Posteriormente, mas ainda no período colonial, assiste-se a uma alta nos índice de crianças entregues ao abandono, especialmente em áreas portuárias cariocas e baianas. Algumas das causas do aumento desses números, consoante afirmam os historiadores, são: o controle de natalidade, a miséria e a indigência. Importante lembrar, todavia, que certamente existiam casos de abandonos motivados pelo desamor e irresponsabilidade dos progenitores.
Fato é que, em dado momento, a roda dos expostos tornou-se alvo de severas críticas, considerando-se as condições precárias e muitas vezes insalubres das Santas Casas que culminaram com o aumento da mortalidade infantil nesses locais, talvez em função da crescente demanda desse mecanismo em contraposição à falta de recursos destinados à manutenção das Casas dos expostos. No Brasil, mais precisamente em 1948, foi desativada a última roda, esta situada na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Tanto o parto anônimo, quanto a portinhola de bebês se constituem como uma tentativa de proteger a vida das crianças enjeitadas.
Entende-se por portinhola de bebês o mecanismo segundo o qual a criança é deixada em local seguro e aquecido, onde será recepcionada pela equipe dos hospitais ou casas de saúde, sem que haja qualquer possibilidade de identificação do depositante.
Já o instituto do parto anônimo diz respeito ao direito de entrega exercido pela mulher que coloca a criança recém-nascida, sua filha, à disposição para adoção nos hospitais e casas de saúde sem qualquer imputação civil ou penal. A identidade da mãe e os dados concernentes à identidade genética da criança ficam ocultos e em poder do Estado, que garante à mulher assistência médica e psicológica gratuita da durante a gestação e após o parto e até a entrega. Uma vez efetuada a escolha, frise-se, pela mulher, o que ignora a existência e vontade do pai e dos parentes biológicos ou socioafetivos da criança, e passado o tempo determinado pela legislação para que se evitem os vícios de vontade, há uma renúncia da mãe a autoridade parental sem possibilidade de arrependimento. Até ser adotada, a criança fica sem identidade e sob tutela estatal.
A origem genética da pessoa submetida à prática do parto anônimo torna-se sub-reptícia e seu resgate só se torna possível na ocorrência das hipóteses pontuadas em lei e mediante requerimento ao Poder Judiciário, sem que isso implique, entretanto, em qualquer reconhecimento do vínculo entre a mãe e/ou pai biológico e a pessoa submetida a essa prática.
França, país que primeiro instituiu o parto anônimo e o intitulou de accouchement sous X, obteve vitória no Tribunal Europeu de Direitos do Homem (TEDH) no caso Odièvre X França, ocasião em que o instituto previsto pela legislação francesa foi declarado compatível com a Convenção Européia de Direitos do Homem.
Segundo o entendimento de Henrique Prata, o TEDH ao apreciar a compatibilidade do instituto com a Convenção Européia dos Direitos do Homem, observou os pressupostos constantes no catálogo do art. 8º, inciso II da Convenção e analisou, tão somente, a discricionariedade para na confecção da lei e se houve, in casu, proporcionalidade dos interesses da pessoa em contraposição aos bens jurídicos protegidos pela Convenção, tais como a liberdade e a saúde. Para Henrique Prata, o TEDH não emitiu qualquer juízo de valor acerca da lei francesa, nem recomendou à França revisão da valoração atribuída aos interesses da criança ou da mãe (PRATA, p.107). Dessa maneira, com a legislação em comento, a França não teria ultrapassado sua discricionariedade nem contrariado a Convenção Européia de Direitos do Homem.
Henrique Prata critica a decisão do TEDH no caso Odièvre X França por julgar que, com a decisão, ainda resta discricionariedade para que outros Estados Europeus instituam o parto anônimo da maneira que julgarem melhor, haja vista que o Tribunal não apontou o sistema de parto anônimo francês como mais adequado, nem fez opção por qualquer modelo. O jurista observa também que não há na Europa consenso contrário acerca da institucionalização da prática do parto anônimo (PRATA, p.108-109).
Na Alemanha, a prática do parto anônimo e da portinhola de bebês (babyklappe ou janelas de Moisés) não têm aprovação oficial. Porém, fomentadores de projetos sociais voltados aos cuidados com a juventude e as mulheres grávidas têm dado apoio a quem deseja efetuar a entrega anônima do bebê nas também chamadas janelas de Moisés.
O abandono da criança numa portinhola não gera maiores conflitos relativamente ao estado de filiação, haja vista que nos ditames da Lei alemã de Registro Civil das Pessoas Naturais, a criança entregue na janela de Moisés receberá o mesmo tratamento da criança enjeitada, devendo os servidores da administração atribuir nome e sobrenome à mesma, indicando uma provável data do nascimento nos Livros de Registros de Assentos de Nascimento.
Baseando-se no paradigma alemão, Kumamoto, cidade japonesa, adotou de forma não oficial as portinholas nominando-as de konotori no yurikago, incubadora com temperatura adequada para o bebê com cesto pelo lado de fora do hospital ou casa de saúde destinada à recepção de crianças expostas.
Em território italiano, a prática do abandono seguro é conhecida como “culla per la vita” e entrou em vigência aproximadamente no ano de 1997 com o intuito precípuo de atender imigrantes e meretrizes que, impedidas por seus cáftens de manter consigo os filhos, praticavam o abandono dos bebês em condições desumanas.
Áutria, Suíça, Filipinas, África do Sul, Paquistão e Luxemburgo também instituíram a portinhola de bebês ou baby hatches para salvaguardar a vida e dignidade dos recém-nascidos não desejados.
A Associação Moeder voor Moeder colocou em funcionamento a primeira portinhola belga no ano de 2000 no distrito de Antwerp. República Tcheca teve em Praga a instalação da primeira portinhola em 2005.
Hungria e Índia também adotaram o mecanismo em 1996 e 1994, respectivamente, sendo que em Índia mecanismo foi instituído primeiramente no estado de Tamil Nadu com o intuito de minorar o número de mortes dos bebês do sexo feminino.
Espanha, verificando as controvérsias jurídicas e a ineficácia do instituto para a proteção da vida e dignidade do nascituro e dos envolvidos na prática do parto anônimo, eliminou-o de sua legislação em 1999, tendo a Suprema Corte espanhola julgado pela inconstitucionalidade e expurgado do ordenamento jurídico espanhol o art. 47 da Lei de Registro Civil de oito de junho de 1957 que permitia o registro da criança sem o nome da mãe.
Na ocasião, a corte espanhola motivou a decisão argumentando que a legalização dessa prática atinge o direito fundamental de igualdade de direitos e responsabilidades de ambos os pais. Para a corte, o instituto coloca para a figura materna toda a responsabilidade para com o filho que ambos, pai e mãe, geraram, excluindo a figura paterna, como se o poder familiar tivesse como titular somente a mãe. Em suma, a Suprema Corte considerou que a institucionalização da prática do parto anônimo atinge o direito fundamental do ser humano de conhecer sua origem genética. Concluiu, ainda, que a manutenção do anonimato da mãe colide com os princípios da livre investigação dos laços biológicos.
Intitulado de Baby Safe Haven, nos Estados Unidos da América (E.U.A) todos os estados possuem leis que regulam, a seu modo, o instituto em comento, sendo que o Texas foi o primeiro estado estadunidense a aprovar, em 1999, a lei do abandono seguro, instituindo que a mãe ou o pai do bebê de até sessenta dias de idade poderá, caso queira, deixá-lo com o servidor que esteja em plantão em qualquer hospital, com prestador de serviços médicos de emergência ou com servidor de agência de bem-estar da criança. Ausentes traços de maus-tratos ou abuso, não haverá qualquer imputação penal aos pais ou a quem no lugar deles efetue a entrega anônima do recém-nascido.
Nos E.U.A o abandono seguro é, em verdade, o mesmo mecanismo utilizado pela da portinhola de bebês. Não há obrigatoriedade do registro de informações mínimas acerca da origem genética e história médica da criança submetida a essa prática. Esse registro só ocorre caso o pai e/ou a mãe, ou alguém por eles e mediante autorização dos mesmos, o fizer de forma espontânea. Uma vez efetivada a entrega, consoante informações obtidas no site da National Safen Haven Aliance (NSHA), http://www.nationalsafehavenalliance.org/, as autoridades de todos os Estados Unidos da América (E.U.A) são notificadas, a fim de que se certifiquem de que nenhum familiar ou parente próximo tenha interesse em criar e cuidar da criança entregue ao programa.
Em fevereiro de 2003, aThe intent of these laws is to save the lives of newborns whose mothers had concealed their pregnancy, given birth alone, and then discarding the newborn in a hazardous location -- in a trash can, dumpster, park, forest, canal, church, carwash, somebody's front door, etc. Many states passed this legislation in response to a tragedy which caused the death of a newborn.The National Conference of State Legislatures issued a report in 2003-FEB which indicated that the laws did not fully solve the problem of newborn abandonment. Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais apontou em relatório que as leis que regulamentam o abandono seguro não resolvem o problema do abandono de recém-nascidos (Conferência dos Legislativos Estaduais, 2003).
For example, in California during the first 18 months after the state law came into effect, 20 babies were abandoned safely.Com os mesmos resultados, The Evan B. Donaldson Adoption Institute issued a report on 2003-MAR-11, based on:o Evan B. Donaldson Adoption Institute também publicou em 11 de março de 2003 um relatório demonstrando a ineficácia e as conseqüências negativas das leis que regulamentam abandono seguro. Para o instituto, a regulamentação jurídica do instituto do Safe Haven Baby não tem contribuído de forma significativa para a diminuição da ocorrência do abandono ilegal e tem produzido resultados indesejáveis porque dão impressão de que o abandono e a irresponsabilidade parental são práticas aceitáveis.
Outro malefício que o relatório aponta e que já foi mencionado neste estudo é a facilidade do progenitor ser preterido na legislação que regulamenta o abandono seguro em alguns estados, como se a vontade de um dos genitores em abandonar a criança suplantasse o desejo de seu consorte.
Ademais, na concepção do Instituto, a admissão da prática do abandono seguro tem dificultado a adoção das crianças a ela submetidas porque, em muitos casos, não há como contatar o outro genitor para receber dele a permissão para encaminhar o bebê para a adoção, o que resulta numa permanência maior da criança sob custódia estatal até que sejam preenchidos os requisitos exigidos por lei, ao passo que quando a mãe e/ou pai opta(m) pela adoção quando ainda gestante há uma rápida inserção da criança numa família substituta.
O Instituto aponta que o fato de a legislação sobre abandono seguro não dispor acerca de um tempo mínimo para que a mãe e/ou pai renunciem seus direitos sobre a criança juntamente com o fato de não mencionar auxilio médico e psicológico ao pai e/ou mãe que desejam submeter seu filho a esta prática pode gerar graves conseqüências no estado de espírito dos pais.
O relatório do Instituto revela, ainda, que a inexistência de dados relativos a história familiar da pessoa podem atrapalhar seriamente a detecção de doenças genéticas ou hereditárias raras (Evan B. Donaldson Adoption Institute, 2003). Assim, ao negar o direito de conhecimento da origem genética a institucionalização do abandono seguro estaria restringindo o direito à saúde já que um rápido diagnóstico de doenças genéticas ou hereditárias raras.
Partindo da análise da perspectiva mental, o relatório aponta que pessoas criadas por pais adotivos têm uma necessidade psicológica de conhecer sua origem biológica, o que é imanente a sua condição humana. Qualquer disposição que acolha o contrário danifica um aspecto da essência humana e, consequentemente, atinge a dignidade da natureza humana, em razão do que deverá ser repelida.
As leis de abandono seguro não incentivam que as mulheres realizem seus partos em hospitais e unidades de saúde, ou seja, as leis não tratam a questão do abandono como sendo também uma questão pedagógica e de saúde, fazendo com que haja mortalidade dos recém-nascidos mesmo nos abrigos, quando estão sob custódia estatal, já que é verificada, tão-somente, as condições aparentes da criança que está sendo entregue, não sendo feito qualquer exame clínico no ato da entrega.
4 PARTO ANÔNIMO: POSSÍVEIS REPERCUSSÕES JURÍDICAS E SOCIAIS
Nota-se que a polêmica que envolve o tema demanda uma acurada análise das implicações jurídicas, tais como os efeitos da ausência de filiação nos registros das crianças submetidas à prática do parto anônimo e da portinhola de bebês sobre a aplicação da Convenção de Haia, por exemplo, os efeitos biopsicossociais de uma identidade genética sub-reptícia sobre a pessoa sua influência nos arranjos familiares e ainda as implicações éticas e políticas que envolvem a adoção e legalização dessas práticas, bem como a responsabilidade por qualquer espécie de agressão à saúde mental das pessoas nelas envolvidas.
No Brasil, um recente Projeto de Lei (PL), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM) e proposto na Câmara Federal pelo Deputado Eduardo Valverde (PT-RO), dispõe sobre direitos reprodutivos da mulher, visando coibir o abandono de recém-nascidos através da regulamentação do parto em anonimato no Brasil. Consoante os termos do projeto, bem como de seus apensos, à progenitora não é atribuída qualquer responsabilidade jurídica com relação à criança, que poderá ser entregue para adoção em casas de saúde, devendo ela informar dados acerca de sua saúde e a do pai da criança.
No que concerne ao direito de vindicação do pai e demais parentes biológicos da criança, este poderá ser exercido mediante prova do liame genético e no prazo de 30 dias, ignorando-se o afeto como elemento constitutivo da família, na contramão do que apregoa o Direito de Família constitucional contemporâneo.
Ao justificar a iniciativa da elaboração do mencionado PL, o IBDFAM apregoou que, com a incorporação do instituto ao ordenamento nacional, haverá a substituição do abandono do recém-nascido pela entrega do mesmo à adoção, afastando a clandestinidade do abandono e suas nefastas conseqüências, salvaguardando, sobremaneira, a dignidade, a saúde e a integridade do recém nascido, lhe garantindo o direito à vida e à convivência familiar por meio da sua institucionalização e posterior entrega aos pais adotivos.
Para os defensores do projeto, a institucionalização do parto anônimo no Brasil encontra amparo jurídico nos princípios abrangidos pela CRFB/1988 em seu art. 1º, III, no art. 5°, caput e, ainda, no princípio da proteção especial à criança (art. 227). Para eles, a adoção do instituto em menção encontra respaldo, ainda, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 1990 - ECA), que garante à criança um nascimento e desenvolvimento sadios e condições dignas de existência por meio da efetivação de políticas públicas voltadas a este intento.
Os que defendem a legalização do parto em anonimato afirmam que, demandando políticas efetivas por parte do poder público, esta afastaria a clandestinidade do abandono e protegeria, sobremaneira, a vida e a integridade do recém-nascido. Haveria, então, a descriminalização da conduta dos progenitores mediante a substituição do abandono pela entrega da criança a hospitais ou unidades de saúde, potencializando sua inserção num novo núcleo familiar com o encaminhamento destas crianças à adoção. O que é garantido à mulher, por conseguinte, é a liberdade de escolha com relação à assunção de responsabilidades pelo filho que ela gerou e o amplo acesso a rede de saúde pública. Este ponto revela a fragilidade da iniciativa, pois se sabe que o acesso a saúde pública em nosso país é problemático.
A jurista Fabíola Alburquerque pontua que o parto anônimo é um instituto que almeja o equilíbrio de interesses opostos por garantir que a criança não planejada esteja a salvo do abandono, aborto ou infanticídio, além de salvaguardar o direito ao anonimato à mulher que dá á luz a uma criança, mas que não deseja ser mãe (ALBUQUERQUE, p.11). Todavia, com relação à assertiva da jurista, cumpre observar que se o que justifica a institucionalização do parto anônimo é, justamente, a ausência de qualquer imputação criminal ou responsabilização civil com a desvinculação materno-filial para a mulher que opta pela entrega, a quem ou para quê servirá a ocultação da origem genética das pessoas submetidas a esta prática? A questão envolve, nitidamente, a forma com que a mulher tem sido posicionada na sociedade e nas políticas públicas: como detentora de uma capacidade inata para conceber e cuidar dos filhos.
A maternidade sigilosa que compreende o abandono ou entrega perpassa por questões bem mais complexas tais como as que permeiam as políticas públicas preventivas, constituindo-se como problema social que demanda ações e investimentos que propiciem de fato uma orientação para a prática sexual responsável, bem como a quebra do mito do determinismo biológico que envolve a sexualidade feminina, mediante o vislumbre da importância do planejamento familiar, tal qual o previsto na Lei nº 9.263/96.
Ressalte-se que, na hipótese de ocorrer uma gravidez não programada não existe nenhum empecilho no ordenamento jurídico brasileiro para a adoção do nascituro para que se garanta, ainda no útero, uma existência digna do bebê. Cumpre ressaltar que a adoção também extingue o vínculo parental entre a criança adotada e seus pais biológicos.
A iniciativa do legislador seria equivocada porque não trata o problema do abandono de recém-nascidos em sua origem. Ignora, portanto, a possibilidade de melhoria ou reformulação das iniciativas de conscientização, de controle de natalidade e de ajuda social ofertada pelo Estado Brasileiro à juventude e, principalmente, às mulheres. Ignora ainda a existência e vontade do pai e dos parentes biológicos ou socioafetivos da criança no que concerne ao direito de vindicar criança para criá-la junto á família biológica e/ou socioafetiva.
A referida proposta significa um retrocesso do paradigma de proteção à infância, já que não atenta a uma perspectiva holística dos vários direitos que a institucionalização do parto anônimo afetaria, já que viola o direito da criança à convivência familiar de várias maneiras, desconsiderando tanto o direito do pai quanto o da família natural extensa ou socioafetiva.
O projeto se equivoca ao pressupor que o abandono de crianças decorre tão-somente de aspectos psicológicos, ignorando o aspecto socioeconômico ou fatores culturais e de gênero, os quais a instituição do parto anônimo só contribuiriam para manter.
Ressalta-se, ainda, que mencionado PL desconsidera o direito patrimonial e sucessório da criança submetida à prática do parto em anonimato, em patente confronto com o que estabelece a CRFB/1988 em seu art. 227.
Outro ponto questionável da proposta trazida pelo PL, diz respeito ao aspecto estrutural do projeto, que delega toda a responsabilidade pelo acolhimento da criança a estabelecimentos de saúde, sendo eles, pelos termos do PL, incumbidos de encaminhar os filhos anônimos à adoção, ignorando, sobremaneira, a competência exclusiva das Varas da Infância e Juventude e a intervenção obrigatória do Ministério Público na destituição da autoridade parental e na inserção da criança em família substituta.
Ressalta-se que os procedimentos previstos no ECA já são sigilosos e a conduta da mãe que se apresenta ao Conselho Tutelar ou à Vara da Infância e Juventude declarando a intenção de encaminhar o filho a uma família substituta , mediante, adoção, inclusive, não tipifica crime e não gera qualquer tipo de responsabilização. A mãe receberá todo o apoio e orientação social, jurídica e psicológica imanentes à situação, devendo a família natural extensa e a socioafetiva ser contatada nos termos do que estabelece o art. 5º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
Razoável considerar as possíveis conseqüências da inserção do parto anônimo no ordenamento jurídico nacional. É possível que a legalização da prática se torne um incentivo ao abandono precipitado de crianças de famílias economicamente desfavorecidas. Ademais, corre-se o risco de rejeição e maior institucionalização de crianças com problemas congênitos, o que contribui para a promoção de uma cultura de discriminação das crianças e da posição socioeconomica das mulheres que submetem suas crianças a esta prática.
O parto anônimo, tal qual vem sendo entendido, dificulta a adoção das crianças a ela submetidas provocando sua maior institucionalização porque, em muitos casos, não há como contatar o outro genitor, quando identificado, para receber dele a permissão para encaminhar a criança para a adoção. Via de consequência, a prática do parto anônimo certamente atingirá o direito da criança em várias esferas, principalmente no que tange à convivência familiar e ao direito de conhecer sua identidade genética.
Nesse ínterim, forçoso concluir que a instituição do parto anônimo, além de ofender o direito à identidade e historicidade enquanto atributos da dignidade da natureza humana, não contribui para a prevenção do abandono de recém-nascidos em condições desumanas. Ademais, o conhecimento do patrimônio genético e do histórico familiar da pessoa é essencial á prevenção, tratamento e cura de doenças genéticas ou hereditárias. Negar à pessoa essa ciência atinge, ainda que de maneira indireta, seu direito à saúde e ao tratamento adequado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A institucionalização da prática do parto anônimo no ordenamento jurídico brasileiro, além de não resolver o problema do abandono de recém-nascidos, exige do aparelho estatal e judiciário um aparato que este não possui. Traz, ainda, problemas outros, pois da simples leitura do texto da lei depreende-se que a vontade da genitora supre a vontade do pai da criança e de sua família natural extensa ou socioafetiva, chegando ser possível, inclusive, a retirada da criança do convívio familiar sem que a família haja consentido ou tomado conhecimento da submissão do recém-nascido a esta prática.
A prática e legalização do parto em anonimato no ordenamento jurídico brasileiro não contribuiria em nada à efetivação do direito à razoável duração do processo, tampouco imprimiria celeridade aos procedimentos para a adoção, restando nítido não ser este o escopo do PL, já que o citado projeto não tratou dos procedimentos de armazenamento de informações e registros, aplicando-se, assim, mesmo com a legalização do instituto do parto anônimo, as mesmas formalidades do procedimento comum.
Consoante o elucidado no decorrer do presente estudo, a legalização do parto anônimo em legislação nacional traria consigo grande impacto social através da maior institucionalização de recém-nascidos, o que demandaria reestruturação não só de hospitais e unidades de saúde, mas também das Varas da Infância e Juventude; reestruturação essa, inclusive, no que tange aos recursos humanos, exigindo-se uma multidisciplinaridade entre medicina, psicologia, sociologia e direito.
Insta salientar que o PL apresenta má técnica legislativa e é pouco jurídico ao ignorar, através de seu texto, a competência exclusiva das Varas da Infância e Juventude e a intervenção obrigatória do Ministério Público na destituição da autoridade parental e na inserção da criança em família substituta.
A EC nº. 45/2004, que traz também como sustentáculo a prestação de tutela jurisdicional de forma célere e tempestiva, não propicia mecanismos que conceda um aparato judicial e mecanismos legais capazes de promover a reestruturação do Judiciário para bem administrar e fiscalizar esse tipo de prática.
Conferir celeridade ao processo sugere a modificação quantitativa e qualitativa na estrutura funcional do Poder Judiciário, atribuindo-lhe aparato mais eficiente e eficaz. Requer também a instituição de mecanismos que incentivem a resolução extrajudicial dos conflitos, bem como aqueles que estimulem, em juízo, a conciliação dos litigantes acerca do objeto da demanda a qualquer tempo. Demanda, ainda, a formulação de técnicas processuais que minorem o tempo despendido para cumprimento dos atos judiciais, sem prejudicar, entretanto, as garantias e princípios constitucionais do processo.
A inserção da aludida prática no contexto jurídico nacional ocasionaria vários impasses nos mais variados âmbitos do relacionamento humano, inclusive em âmbito jurídico. A admissão da prática do parto em anonimato no ordenamento jurídico nacional não contribuiria em nada à efetivação do direito à razoável duração do processo, tampouco imprimiria celeridade aos procedimentos para a adoção.
Conceber que a prestação de uma tutela jurisdicional célere possa acarretar lesão à dignidade da natureza humana é sagrar uma injustiça e suscitar inquietude no corpo social, resultados completamente adversos aos desígnios políticos e sociais do processo no Estado Democrático de Direito.
A inclusão do parto anônimo no panorama jurídico-social hodierno, consequentemente, não tutelará de forma eficaz a dignidade das crianças e demais envolvidos nessa prática, tratando-se, inclusive, de inovação legislativa desnecessária, inconstitucional e contrária a tendência do Direito de família contemporâneo de valorizar o afeto como elemento constitutivo da família hodierna.
Representa, sobretudo, inovação legislativa desnecessária, principalmente depois de promulgada a Lei nº. 12.010/2009, alcunhada de “nova lei nacional da adoção”, haja vista que esta dispõe acerca de mecanismos que imprimem maior celeridade aos processos de adoção e que permitem a rápida inserção da criança entregue em abrigos em um núcleo familiar, ressalvando logo em seu art. 1º que a intervenção do Estado para a proteção integral da criança e adolescente deve ser voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, aspecto que a legalização do parto anônimo no Brasil, em função dos inúmeros argumentos despendidos neste estudo, torna de difícil aplicação.
A inserção do parto anônimo no panorama jurídico-social hodierno, portanto, não tutelará de forma eficaz a dignidade das crianças envolvidas nessa prática, tratando-se, inclusive, de inovação legislativa desnecessária, inconstitucional e contrária a tendência do Direito de família contemporâneo de valorizar o afeto como elemento constitutivo da família hodierna.
A Inclusão do § 5º no art. 8º do ECA pela “nova Lei de adoção”estende a assistência apontada nesse dispositivo a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar os filhos para adoção, restando patente a falta de necessidade de uma nova lei colimando os mesmos fins e com os mesmos efeitos práticos. Admitir o anonimato da origem genética é negar à criança parte de sua historia e sua própria identidade.
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[1] Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina –UFSC, Professora do Curso de Direito da UNIMONTES e Coordenadora do módulo “Família e Sucessões” do projeto “Reforma do Judiciário”.
[2] Professora Especialista do Curso de Direito da UNIMONTES e Coordenadora do módulo “Família e Sucessões” do projeto “Reforma do Judiciário”.
[3] Artigo científico, resultado do módulo “Família e Sucessões”, integrante do Projeto de Pesquisa “Reforma do Judiciário” do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES.
Advogada. Especialista em Direito. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VERSIANI, Tátilla Gomes. Parto anônimo, abandono infantil e morosidade nos processos de adoção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2010, 00:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20157/parto-anonimo-abandono-infantil-e-morosidade-nos-processos-de-adocao. Acesso em: 23 dez 2024.
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