Co-autor: LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON - Advogado. Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil junto a Faculdade Damásio de Jesus.
De proêmio, cumpre salientar que em estudo anterior intitulado “DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL: da diferenciação entre nome empresarial e título do estabelecimento empresarial”, teceu-se vários comentários sobre a conceituação do que vem a ser o estabelecimento empresarial, ensejando-se na oportunidade uma comparação entre o nome empresarial e o título do estabelecimento empresarial.
No presente estudo, intenta-se discorrer sobre a operação jurídica conhecida por “trespasse”, instituto que se mostra intimamente ligado à noção de estabelecimento empresarial; e, em um segundo momento, discorrer de forma sucinta acerca das esferas de responsabilidade do empresário alienante e adquirente.
Em síntese, pode-se conceituar estabelecimento empresarial como sendo uma universalidade, ou seja, um conjunto de todos os bens, materiais (corpóreos) ou imateriais (incorpóreos), que o empresário reúne racionalmente de forma organizada, sendo este conjunto utilizado na exploração da atividade empresarial.
Essa é a definição que pode ser extraída do dispositivo legal do Código Civil de 2002, representado pelo artigo 1.142, in verbis: “Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.
Ocorre que, dessa organização racional que o empresário destina aos bens organizados, ocorre uma valorização dessa universalidade, quando comparada com o valor unitário de cada bem considerado em si mesmo e de forma isolada. A essa valorização dá-se o nome de “aviamento”.
Sendo assim, diante de tal apreciação econômica, torna-se possível ao empresário vender esse conjunto de bens (estabelecimento empresarial), na tentativa de gerar lucro dessa operação. É no bojo dessa operação que surge o conceito de trespasse.
Destarte, pode-se conceituar trespasse, em simples termos, como sendo a operação de venda do estabelecimento empresarial, havendo a alienação de todo o conjunto organizado de bens com o objetivo de manutenção de exploração da atividade. Trata-se, na praxe do mercado, da expressão conhecida como “passa-se o ponto”.
Imbuindo-se de fins meramente didáticos, antes de se transcorrer detalhadamente sobre a operação de trespasse, convém explicitar o que não é trespasse.
Ora, partindo da definição suso referida, pode-se apontar 3 (três) operações que não se caracterizam como trespasse, a saber:
a) a venda do imóvel (estabelecimento empresarial) bem como de todo o conjunto de bens, sem a manutenção da atividade empresarial outrora explorada;
b) a venda isolada de bens materiais que compunham o estabelecimento empresarial, de forma esparsa para vários empresários ou interessados, sem qualquer ligação entre si (nem sequer ocorre a venda do estabelecimento nessa hipótese);
c) a venda de participação societária, mesmo porque, o titular do estabelecimento empresarial antes e depois da venda das respectivas ações, continua sendo a mesma entidade, ou seja, a pessoa jurídica empresária (sociedade empresária).
Diante do exposto, uma vez caracterizado o que não é trespasse, pode-se avançar pelo referido instituto, bem como acerca do cerne do presente estudo, qual seja, a esfera de responsabilidade do alienante.
Pergunta-se, quando da concretização da operação de venda do estabelecimento empresarial (trespasse), os credores originários do empresário alienante podem intentar satisfazerem seus créditos junto ao empresário adquirente? E quanto ao empresário alienante, este continua responsável?
A resposta para tais indagações há de ser afirmativa, segundo critérios legalmente estabelecidos e que merecem uma análise pormenorizada. Senão vejamos:
Sumamente importante é salientar as 4 (quatro) esferas possíveis de responsabilidade, que a operação de trespasse submete tanto o empresário alienante como o adquirente, a saber: a) cívil; b) empresarial (comercial); c) tributária e d) trabalhista. Passa-se ao exame individualizado de cada uma delas.
Concernente à responsabilização nas esferas cívil e empresarial (comercial), há que se ressaltar a disciplina jurídica do artigo 1.146 do Código Civil de 2002, que averbera:
“Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.”
Ora, diante do texto legal suso transcrito, percebe-se que o adquirente do estabelecimento empresarial responderá tão somente pelo passivo contabilizado (escriturado e documentado), ou seja, qualquer passivo que o agente tenha condições de conhecer quando do momento da transação mercantil.
Contudo, com relação ao passivo não contabilizado, o Diploma Civil de 2002 protege o empresário adquirente, de boa-fé, ao dispor que permanecerá pessoal e isoladamente responsável pelo passivo não contabilizado o empresário alienante; não havendo que se falar em alienação ou transmissão de passivo não contabilizado.
É bem verdade que, com relação ao passivo contabilizado e escriturado, tanto o empresário alienante como o adquirente, continuam solidariamente responsáveis; pelo prazo de 01 (um) ano, com termo inicial a depender do tipo de crédito constituído. Explica-se.
Para o passivo contabilizado representado por débitos vencidos, a responsabilidade solidária perpetuar-se-á pelo prazo de um ano, a contar da data da publicação que comunica a realização do trespasse. De outra via, no que tange ao passivo contabilizado representado por débitos vincendos, a responsabilidade solidária se estenderá por um ano, a contar da data do vencimento da respectiva obrigação.
Em sede de responsabilidade pelas dívidas oriundas da esfera trabalhista, é de salutar importância trazermos a baila o conteúdo do artigo 448, da Consolidação das Leis Trabalhistas, que assim preconiza:
“Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.”
Diante do exposto, pode-se concluir pela responsabilidade solidária entre empresário alienante e adquirente, por todos os débitos oriundos da atividade empresarial, contabilizados ou não. Atente-se ao fato de que, no caso em tela, pouco importa se os débitos foram escriturados ou não, ambos envolvidos na operação do trespasse serão solidariamente responsáveis.
Quanto ao prazo pelo qual se perpetuará essa responsabilidade, igualmente há que se ressaltar disciplina díspare do caso anterior, ou seja, são dois prazos distintos, a saber: o primeiro de 02 (dois) anos para se valer da ação trabalhista; o segundo, de 05 (cinco) anos, com relação às verbas pretéritas constituídas e não pagas.
Por derradeiro, quanto à responsabilidade na esfera tributária, dispõe o artigo 133 do Código Tributário Nacional:
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
Iniciando-se pela análise do caput do dispositivo legal suso referido, pode-se concluir que a responsabilidade do empresário adquirente é estipulada em função da conduta tomada pelo empresário alienante, após a concretização da operação de trespasse. Explica-se.
Trata-se de regra especial, pela qual o adquirente responde pela totalidade do passivo tributário, contabilizado ou não, pelo prazo de 05 anos (lapso temporal da decadência tributária).
Na hipótese de o alienante vender o estabelecimento empresarial e continuar explorando atividade econômica, idêntica ou não a anteriormente exercida, dentro do prazo de 06 meses, a responsabilidade do adquirente será subsidiária, segundo inteligência do artigo 133, inciso II do Código Tributário Nacional.
Contudo, em sentido diametralmente oposto, se o alienante cessa a exploração de atividade empresarial, optando por exemplo, por viver de renda ou assumindo posição de empregado, a responsabilidade do adquirente será solidária e integral, conforme preconiza o artigo 133, inciso I do Código Tributário Nacional.
Em conclusão, diante de todo o exposto, afirma-se que a responsabilidade do empresário adquirente será de uma ou outra espécie, a depender do tipo de responsabilidade tratada in casu, e ainda, da origem de constituição do passivo da atividade empresarial, segundo os critérios legais acima expostos.
AUTORES COLABORADORES: MARINA VANESSA GOMES CAEIRO
LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON
ADVOGADA, DEVIDAMENTE INSCRITA NA OAB/SP SOB Nº 221.435 E ESCRITORA DE ARTIGOS E LIVROS JURÍDICOS. PÓS GRADUADA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA PUC/SP E PÓS GRADUADA EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DAMÁSIO DE JESUS. AUTORA DA OBRA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NOS TEMPLOS E CULTOS RELIGIOSOS (ISBN 978-85-7786-023-4) PELA EDITORA RUSSELL. CONTATOS ATRAVÉS DO EMAIL: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAEIRO, Marina Vanessa Gomes. A operação de trespasse e a responsabilidade do empresário alienante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2010, 01:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20357/a-operacao-de-trespasse-e-a-responsabilidade-do-empresario-alienante. Acesso em: 23 dez 2024.
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