A Constituição Federal de 1988, a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 62, publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, nº 236, do dia 10 de dezembro de 2009, sofreu significativas alterações em suas regras concernentes ao pagamento dos precatórios, em especial nas prerrogativas constantes no art. 100 da Carta Magna.
Frise-se que a Emenda Constitucional nº 62/2009 acrescenta o art. 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, o qual é permitido aos Entes Federados o parcelamento do estoque de precatórios em 15 anos ou deposito em conta especial do percentual de apensas 1,5% a 2% da receita corrente líquida, e ainda, a controvertida possibilidade do devedor utilizar-se de leilão para pagar suas dívidas aos credores que oferecer maior deságio.
Ademais destas regras, merece especial destaque, a solução apresentada pelo Legislador Constituinte Derivado, no que tange a questão da expressa convalidação de todas as cessões de créditos de precatórios efetuadas antes da promulgação da Emenda Constitucional n.º 62/2009, independentemente da concordância da entidade devedora, assim como da convalidação de todas as compensações de precatórios com tributos vencidos até 31/10/2009, efetuados na forma do disposto no § 2.º do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, realizados antes da promulgação desta Emenda, conforme expressamente prevê:
Art. 5º Ficam convalidadas todas as cessões de precatórios efetuadas antes da promulgação desta Emenda Constitucional, independente da concordância da entidade devedora.
Art. 6º Ficam também convalidadas todas as compensações de precatórios com tributos vencidos até 31 de outubro de 2009, da entidade devedora, efetuadas na forma do disposto no § 2º do art. 78 do ADCT, realizadas antes da promulgação desta emenda constitucional. (grifei)
Para que não haja dúvida sobre a semântica da palavra recorre-se ao Dicionário Jurídico da Doutrinadora Maria Helena Diniz[1], a qual assim conceitua a palavra convalidar, senão vejamos:
CONVALIDAR. Direito civil e direito administrativo. 1. Convalescer. 2. Sanar ato do vício que o tornava anulável. 3. Tornar válido. 4. Restabelecer a eficácia de um ato. (grifei)
CONVALIDAÇÃO: Ato de tornar válido um ato jurídico que continha vício ou que não apresentava algum requisito exigido.
Frise-se que não foi a primeira vez que o Congresso Nacional utilizou-se do instituto da convalidação, senão vejamos o art. 96 do ADCT, o qual passou a vigorar a partir da Emenda Constitucional nº 57, de 18 de dezembro de 2008, com a seguinte redação:
Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação.
Nota-se na redação da Emenda Constitucional nº 62 a tentativa do Legislador Constituinte Derivado em resolver a grave situação brasileira no que tange ao acumulo da dívida pública, assim como evitar a violação dos direitos fundamentais dos cidadãos e contribuintes, colocando, assim, um “divisor de águas” do que aconteceu antes e o que acontecerá após a emenda.
Assim, cumpre mencionar o embasamento constitucional que possibilita a quitação de débitos de ICMS, utilizando-se da prerrogativa inserta na Carta Magna em vigor, nos termos do art. 78, § 2º, do ADCT[2], que assim dispõe:
Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data da promulgação desta Emenda e os que decorram de ações judiciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.
(...)
§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.
Com efeito, o Legislador Constituinte Derivado não poderia ter sido mais claro e expresso na redação do parágrafo transcrito do artigo constitucional supracitado, o qual trata de autorização de encontro de contas, referindo-se quanto ao poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, quando vencidas e não pagas as parcelas do precatório de natureza Comum.
Assim, não há como entender que continuam sem efeito tais dispositivos, pois resta claro e expresso que a norma contida no art. 6º da EC nº 62 tem eficácia plena.
Ponderação crítica deve ser feita, mesmo aqueles que ainda tinham dúvida que a norma do art. 78, do ADCT era auto-aplicável agora com a convalidação constitucional das cessões e das compensações, resta claro, o cerne da intenção do Legislador Constituinte Derivado, foi terminar com a resistência dos Fiscos Estaduais que relutantemente apresenta a tese que a compensação constitucional necessitava de lei infraconstitucional.
Dessa forma, com a vigência da Emenda Constitucional nº 62/2009, percebe-se novamente que o Legislador Constituinte Derivado não se olvidou da possibilidade de realização da compensação no teor do art. 78, § 2º, do ADCT, sendo que impossível negar a validação da quitação dos débitos com o uso de precatórios nestes termos.
Neste sentido, assevera SCAFF[3]:
Este é um aspecto muito importante para as operações fiscais anteriores à EC 62, pois várias dúvidas haviam no âmbito judicial sobre a possibilidade de cessão de créditos de precatórios. Alguns desses dissídios jurisprudenciais foram apresentados no meu trabalho antes mencionado.
Logo, a disposição expressa convalidando todas as operações antes efetuadas é positiva, pois afasta as dúvidas existentes nos tribunais – desde que realizadas de conformidade com o Direito então vigente, pois não pode haver convalidação contrária ao Direito, mesmo pela via constitucional. (grifei)
Ademais, Emenda Constitucional possui aplicabilidade imediata, neste sentido, importante observar a orienta o Supremo Tribunal Federal[4]:
IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO FORMAL. ADVENTO DA EC Nº 35/2001. SUPRESSÃO DO INSTITUTO DA LICENÇA PRÉVIA. APLICABILIDADE IMEDIATA DA NOVA DISCIPLINA CONSTITUCIONAL, MESMO TRATANDO-SE DE INFRAÇÃO PENAL COMETIDA EM MOMENTO ANTERIOR AO DA PROMULGAÇÃO DA EC Nº 35/2001. A QUESTÃO DA EFICÁCIA IMEDIATA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. - As normas constitucionais supervenientes, ressalvado o que dispuserem em sentido contrário, alcançam, desde logo, situações em curso, legitimando-se, em conseqüência, a sua pronta aplicabilidade, eis que prevalece, em tal matéria, como diretriz de regência, o postulado da incidência normativa imediata. Doutrina. Precedentes. (Grifei)
Pois bem, a Emenda Constitucional nº 62, expressamente no seu artigo 6º legitima todas as compensações de ICMS realizadas pelos contribuintes com créditos vencidos e pendentes de pagamento oriundos de precatórios, nos termos no art. 78 do ADCT, § 2º, do ADCT até 31 de outubro de 2009, conforme transcrito a seguir:
Art. 6º Ficam também convalidadas todas as compensações de precatórios com tributos vencidos até 31 de outubro de 2009, da entidade devedora, efetuadas na forma do disposto no § 2º do art. 78 do ADCT, realizadas antes da promulgação desta emenda constitucional.(grifei)
Deste modo, se depreendem da redação do artigo referido as seguintes conclusões:
i. Tornaram-se válidas todas as compensações de precatórios com tributos vencidos até 31 de outubro de 2009;
ii. As convalidações das compensações têm efeitos “ex tunc”, sendo nulo de pleno direito os lançamentos lavrados sobre estas operações;
iii. As compensações com a utilização de precatório poderiam ter sido realizadas antes da Emenda Constitucional nº 62;
iv. As convalidações independem da concordância do devedor;
v. Não atribui competência para os Estados Federados legislarem sobre a expressa convalidação;
vi. Não limitou a convalidação da compensação a categorias ou naturezas de precatórios.
Portanto, deve ser entendido que o Legislador Constituinte Derivado ao prever a convalidação da compensação realizada no art. 78, caput e §2º do ADCT, não limitou os efeitos da validação somente àqueles Estados que possuíssem leis estaduais autorizadoras, portanto os efeitos são em sentido geral, para todas as compensações realizadas.
E ainda, a convalidação sem limitações vem comprovar que o entendimento daqueles Constituintes que redigiram a EC nº 62, é no sentido de que o art. 78, §2º do ADCT era plenamente auto-aplicável, independente da existência de lei estadual regulamentadora, caso contrário refeririam a necessidade de regulamentação do Poder Executivo.
Além dos comandos referidos até aqui, cabe realçar ainda o art. 97, § 10, do ADCT, também introduzido pela emenda em questão, ressalva que, caso não sejam depositados os valores ao Regime Especial de pagamento de precatórios o Presidente do Tribunal Regional tem a competência de conceder poder liberatório para pagamento de tributos com créditos dos precatórios, nos seguintes termos:
Art. 97. Omissis.
§ 10. No caso de não liberação tempestiva dos recursos de que tratam o inciso II do § 1º e os §§ 2º e 6º deste artigo:
I – Omissis;
II - constituir-se-á, alternativamente, por ordem do Presidente do Tribunal requerido, em favor dos credores de precatórios, contra Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, direito líquido e certo, autoaplicável e independentemente de regulamentação, à compensação automática com débitos líquidos lançados por esta contra aqueles, e, havendo saldo em favor do credor, o valor terá automaticamente poder liberatório do pagamento de tributos de Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, até onde se compensarem; (grifei)
Ora, cabe consignar frente ao momento histórico de mais uma tentativa de forçar a Fazenda Pública adimplir seus débitos, considerando toda discussão judicial decorrente do dispositivo contido no art. 78, ADCT, o qual a tese estatal é de que requer legislação estadual autorizadora, o Legislador Constituinte Derivado entendeu dessa vez, melhorar o texto constitucional, inserindo a permissão da compensação referindo expressamente que o comando tem auto-aplicabilidade e independentemente de regulamentação, sendo que o valor do precatório não pago terá automaticamente poder liberatório do pagamento de tributos de Estados, recado diretamente enviado aos Devedores, com clara finalidade de evitar nova irresponsabilidade de inadimplência estatal resultando em “eternas” demandas judiciais.
Em suma, a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, as compensações de ICMS com créditos de precatórios, realizadas nos termos do artigo 78, § 2º, do ADCT estão convalidadas, sendo, inclusive, temerária e dispensável toda a discussão da viabilidade ou não de cessão de créditos de precatórios e sua utilização para extinção de créditos tributários, visto que foram todas validadas nos termos da emenda constitucional em questão.
[1] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2005. 2. Ed., V.1. p. 1070-1071.
[2] BRASIL. Constituição Federal (1988). Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000.
[3] SCAFF, Fernando Facury. O uso de precatórios para pagamento de tributos após a EC 62. São Paulo: Revista Dialética de Direito Tributário nº 175, Abril-2010. p. 113.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq nº 1637, Relator Min. Celso De Mello, julgado em 12/12/2001, publicado em DJ 01/02/2002.
Site: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=1637&classe=Inq& codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M >, Acesso em: 03 abr. 2010.
Assessor Jurídico de empresa de gestão tributária. Atua na área jurídica contenciosa e administrativa Fiscal, bem como foi perito assistente tributário, somando mais de 13 anos de experiência no ramo tributário. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Rede Metodista de Educação - IPA/RS; Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Contabilista inscrito no Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, André Luís Moreira dos. A superveniência da Emenda Constitucional nº 62/2009, que expressamente convalidou todas as compensações com créditos de precatórios, realizadas até 30/10/2009, nos termos do art. 78, § 2º do ADCT Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul 2010, 02:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20390/a-superveniencia-da-emenda-constitucional-no-62-2009-que-expressamente-convalidou-todas-as-compensacoes-com-creditos-de-precatorios-realizadas-ate-30-10-2009-nos-termos-do-art-78-2o-do-adct. Acesso em: 23 dez 2024.
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