De acordo com o Manual de Redação da Presidência da República a lei é um ato normativo primário e contém, em regra, normas gerais e abstratas. Embora as leis sejam definidas, normalmente, pela generalidade e abstração (“lei material”), estas contêm, não raramente, normas singulares (“lei formal” ou “ato normativo de efeitos concretos”). A estrutura da lei é composta por dois elementos básicos: a ordem legislativa e a matéria legislada. A ordem legislativa compreende a parte preliminar e o fecho da lei; a matéria legislada diz respeito ao texto ou corpo da lei.
Noutro giro, decretos são atos administrativos da competência exclusiva do chefe do executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso ou implícito, na lei. Em linhas gerais os decretos podem ser classificados em singulares, regulamentares e autônomos.
O supracitado manual de redação da Presidência da República é bastante didático ao tratar dessas modalidades, vejamos:
Decretos singulares
Os decretos podem conter regras singulares ou concretas (v.g., decretos de nomeação, de aposentadoria, de abertura de crédito, de desapropriação, de cessão de uso de imóvel, de indulto, de perda de nacionalidade, etc).
Decretos regulamentares
Os decretos regulamentares são atos normativos subordinados ou secundários.
A diferença entre a lei e o regulamente, no direito pátrio não se limita à origem ou à supremacia daquela sobre este. A distinção substancial reside no fato de que a lei inova originariamente o ordenamento jurídico, enquanto o regulamento não o altera, mas fixa, tão-somente, as “regras orgânicas e processuais destinadas a pôr em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei, ou para desenvolver os preceitos constantes da lei, expressos ou implícitos, dentro da órbita por ela circunscrita, isto é, as diretrizes, em pormenor, por ela determinadas”[1].
Decreto Autônomo
Com a Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, introduziu-se no ordenamento pátrio ato normativo conhecido doutrinariamente como decreto autônomo, i. e., decreto que decorre diretamente da Constituição, possuindo efeitos análogos ao de uma lei ordinária.
Tal espécie normativa, contudo, limita-se às hipóteses de organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e de extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos (art. 84, VI, da Constituição).
No que tange ao estudo do decreto regulamentar, especialmente sobre sua natureza jurídica e limites, pertinente se faz a lição de Diógenes Gasparini[2]:
Natureza da atribuição regulamentar
A natureza de atribuição regulamentar é originária. Com efeito, para expedir os atos que visam executar as leis, o Executivo não necessita de qualquer autorização específica ou constitucional genérica. O regulamento é o primeiro passo para a execução da lei, e essa execução é atribuição do Executivo. Por esse motivo, mesmo que silentes a lei e a Constituição, no que se refere ao Poder competente para regulamentar, essa atribuição é do Executivo, porque fluente de sua própria função.
Limites à atribuição regulamentar
A atribuição regulamentar sofre três ordens de limites que, se inobservadas, invalidam-na. São os limites: formais, legais e constitucionais. São formais, por exemplo, os que dizem respeito ao veículo de exteriorização, pois o regulamento, conforme prescrito no art. 84, IV, da Constituição Federal, há de ser manifestado mediante decreto. A portaria, se utilizada para exteriorizar o regulamento, seria um veículo ilegal. São legais os que se relacionam com o extravasamento da atribuição (por regulamento aumentou-se certo prazo fixado em lei). Dispôs-se, por regulamento, mais do que a lei permite. São constitucionais os que se relacionam com as reservas legais (criação de cargos por regulamento, quando a Constituição da República exige lei). A inobservância desses limites vicia o regulamento, tornando-o ilegal.
Ainda sobre os limites do decreto regulamentar, precisa é a doutrina de Pontes de Miranda citada por Bandeira de Mello[3]:
Se o regulamento cria direito ou obrigações novas, estranhos à lei, ou faz reviver direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções, que a lei apagou, é inconstitucional. Por exemplo: se faz exemplificativo o que é taxativo, ou vice-versa. Tampouco pode ele limitar, ou ampliar direitos, deveres, pretensões, obrigações ou exceções à proibição, salvo se estão implícitas. Nem ordenar o que a lei não ordena (...). Nenhum princípio novo, ou diferente, de direito material se lhe pode introduzir. Em conseqüência disso, não fixa nem diminui, nem eleva vencimentos, nem institui penas, emolumentos, taxas ou isenções. Vale dentro da lei; fora da lei a que se reporta, ou das outras leis, não vale. Em se tratando de regra jurídica de direito formal, o regulamento não pode ir além da edição de regras que indiquem a maneira de ser observada a regra jurídica.
Sempre que no regulamento se insere o que se afasta, para mais ou para menos, da lei, é nulo, por ser contrária à lei a regra jurídica que se tentou embutir no sistema jurídico.
Se, regulamentando a lei “a”, o regulamento fere a Constituição ou outra lei, é contrário à Constituição, ou à lei, e – em conseqüência – nulo o que editou.
A pretexto de regulamentar a lei “a”, não pode o regulamento sequer, ofender o que, a propósito da lei “b”, outro regulamento estabelecera.
Em resumo, o decreto regulamentar encontra na lei o seu substrato de validade, não podendo ir além do que ela, a lei, dispuser. Vale ressaltar, não pode o decreto regulamentar criar obrigações, direitos, exigências, etc, que não estejam contemplados na lei da que se originou.
Ademais, conforme elucidado acima, além do regulamentar (ou executivo), tem-se ainda a figura do decreto autônomo (ou independente), que segundo a ordem jurídica vigente só pode existir em matéria organizativa ou de sujeição; nunca nas relações de supremacia geral.
No direito brasileiro, a Constituição de 1988 limitou consideravelmente o poder regulamentar, não deixando espaço para o regulamento autônomo, não ser a partir da EC n. 32/2001, que alterando o art. 84, VI, passou a permitir ao Presidente da República competência para “dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos”. Destarte, de forma bem limitada, o regulamento autônomo no direito brasileiro, para a hipótese especifica inserida na alínea “a”, voltou a ser admitido.
Por fim, particularmente entendo que a regra do art. 84, VI, aliena “a” se aplica aos chefes dos executivos estaduais e municipais, principalmente por conta do princípio da simetria, que determina a extensão dos princípios magnos e paradigmas de estruturação orgânica do Estado sejam estendidos simetricamente aos demais entes da federação.
[1] MELO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, v. I, p. 314-316.
[2] GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, pág. 118.
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 307.
juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO). Membro do Comitê Técnico de Formação e Pesquisa da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM). Tutor de ensino à distância do Centro de Aperfeiçoamento e Formação de Servidores do Poder Judiciário (CEAJUD/CNJ). Professor e coordenador de cursos da Escola Superior da Magistratura do Tocantins (ESMAT). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra, Portugal (FDUC). Possui título de especialista em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e em Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae - Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (IGC/FDUC). Foi advogado militante em Brasília/DF, professor do núcleo de prática jurídica do Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) e Procurador do Município de Manaus/AM (PGM/Manaus)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WELLINGTON MAGALHãES, . Breves considerações sobre as leis e os decretos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 ago 2010, 01:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21148/breves-consideracoes-sobre-as-leis-e-os-decretos. Acesso em: 23 dez 2024.
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