Sumário: 1. Introdução; 2. Legislação Penal Eleitoral do Brasil; 2.1. Resumo Histórico; 2.2. Questões atinentes à legislação atual; 3. A Justiça Eleitoral; 3.1. Estrutura da Justiça Eleitoral; 3.2. Competência; 4. Processo Penal Eleitoral; 4.1. Da aplicação da Lei 9.099/95; 4.2. Foro por prerrogativa de função; 5. Conceito e Características dos crimes Eleitorais; 6. Natureza jurídica dos crimes Eleitorais; 7. Da Corrupção Eleitoral; 7.1. Da Corrupção Eleitoral Ativa; 7.2 Da Corrupção Eleitoral Passiva; 8. Conclusões; 9. Referências Bibliográficas.
1. Introdução:
O presente trabalho tem por escopo revelar a importância do estudo do Direito Penal Eleitoral, que tipifica condutas impondo sanção penal aos sujeitos que ofendem ou perturbam com seus comportamentos a representação, a democracia e o Estado de Direito.
Através da consulta a vários doutrinadores, sem a finalidade de esgotar o assunto, trago temas como a estrutura da Justiça Eleitoral, a legislação eleitoral específica, o procedimento aplicado aos processos que apuram crimes eleitorais, o conceito e a natureza jurídica destes delitos, questões polêmicas a eles atinentes, suas classificações, e mais especificamente, trato do crime de Corrupção Eleitoral, previsto no artigo 299 do Código Eleitoral Brasileiro, Lei 4.737 de 15 de julho de 1965.
2. A legislação penal eleitoral no Brasil:
Nos dizeres de Fávila Ribeiro, o Direito Eleitoral “dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo a que se estabeleça a precisa equação entre a vontade do povo e a atividade governamental”[1]
Como ramo do Direito Público, o Direito Eleitoral visa a normatização das condutas humanas face ao processo eleitoral, possuindo regras e princípios próprios que regulam os direitos dos eleitores e dos candidatos, garantindo o direito ativo e passivo do sufrágio, ainda que de forma tímida e até certo ponto insatisfatória face à realidade política hoje instaurada no nosso país, onde coincidentemente os responsáveis pela criação da legislação regulamentadora do processo eleitoral são os mesmos sujeitos que utilizam-no para alcançar o poder.
2.1. Resumo histórico:
Sob a vigência da Constituição de 1824 foi elaborado o Código Criminal do Império, que em seus artigos 100 a 106 já tratava da corrupção de outros delitos eleitorais, sob o título “Dos crimes contra o livre gozo e exercício dos direitos políticos dos cidadãos”, e ainda as Leis do Terço e Saraiva, que tratavam (também) do processo eleitoral e da sistematização dos crimes eleitorais, respectivamente.
Com a proclamação da República foi instituído em 1890 o Código Penal Republicano, que em seus artigos 165 a 178 tratava “Dos crimes contra o livre gozo e exercício dos direitos individuais”, capítulo em que tratava do crime de corrupção e demais delitos eleitorais; e completando a legislação eleitoral daquela época as Leis 1.269/1904 e 3.208/1916.
Após a Revolução de 1930, surge o primeiro Código Eleitoral Brasileiro, o Decreto 21.076/1932, que traz significativas modificações ao cenário eleitoral até então vigente, como a criação da Justiça Eleitoral, o fim da competência legislativa dos Estados sobre referida matéria, o voto extensivo às mulheres, bem como a previsão de crimes eleitorais e expedientes que traziam mais transparência ao processo eleitoral.
Em 1935, surge o segundo Código Eleitoral Brasileiro, Lei 48, consolidando toda a legislação esparsa existente até então, tratando do direito penal e processual penal no seu Título III.
A Justiça Eleitoral foi extinta pela Constituição Federal de 1937, mas recriada pelo Decreto-Lei 7.586/1945, bem como os delitos eleitorais passaram a ser objeto de leis extravagantes, vez que excluídos do Código Penal de 1940.
Sob a vigência da Constituição Federal de 1946, em 1950 foi editado o terceiro Código Eleitoral Brasileiro, tratando dos crimes eleitorais da mesma forma em que foram tratados na legislação anterior, determinando a aplicação supletiva do Código de Processo Penal e nada falando a respeito da aplicação do Código Penal vigente. Trouxe como novidade a regulamentação da propaganda eleitoral.
2.2 Questões atinentes à legislação atual:
O quarto e atual Código Eleitoral Brasileiro é a Lei 4.737/1965, que trata da matéria dos crimes eleitorais e seus procedimentos nos artigos 283 a 364.
Ressalta-se que, apesar de o Código Eleitoral vigente ter nascido como lei ordinária, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 na categoria de lei complementar apenas no que tange à organização e ao funcionamento da Justiça Eleitoral, pois assim determina seu artigo 121 caput. No que se refere às disposições penais eleitorais, como a Constituição Federal não exigiu o quorum qualificado, seus dispositivos possuem natureza de lei ordinária, a mesma conferida quando de sua instituição, podendo ser revogadas e alteradas por lei de mesmo patamar.[2]
Ainda, existem crimes eleitorais tipificados em leis extravagantes, ou seja, fora do Código Eleitoral, editadas posteriormente a este, adaptando-se às necessidades e peculiaridades de dado momento histórico, como a Lei 6.091/74, que dispõe sobre o fornecimento de transporte gratuito a moradores de zonas rurais no dia das eleições; a Lei 6.992/82 que regula a utilização de processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais; a Lei Complementar 64/90 que prevê as hipóteses de inelegibilidade; a Lei 9.504/97, que trata das coligações, dos registros dos candidatos, da propaganda eleitoral e das condutas proibidas aos agentes públicos em período eleitoral.
Há autores, como Magalhães Noronha, que defendem que a tipificação dos crimes eleitorais parte no Código Eleitoral e parte em leis esparsas posteriormente editadas é adequada, entendendo que “um Código Penal- caracteristicamente rígido e inflexível – não pode tratar de todas as condutas delituosas. Com efeito, há aqueles tipos que possuem caracteres próprios (efeitos, conseqüências, sujeitos ativo e passivo, bem jurídico, prescrição, etc.) que, por uma questão de Política Criminal, revela-se inconveniente discipliná-los homogeneamente num único Diploma”[3]
Discordamos do nobre autor, vez que uma legislação unificada em um único diploma proporciona maior segurança jurídica e controle tanto por parte dos aplicadores do direito quanto por parte da população, maior interessada nos pleitos eleitorais, vez que estes elegem seus representantes periodicamente.
Nas palavras do Professor Antônio Carlos da Ponte “O correto seria a previsão de todos os crimes eleitorais em alguns artigos do Código Penal, o que traria segurança jurídica e um maior controle das chamadas atividades ilícitas em matéria eleitoral. O caminho seguido pelo legislador é de tal abrangência que traz surpresas até mesmo aos mais experimentados profissionais do Direito, fazendo com que a lei eleitoral seja uma colcha de retalhos, conhecida por alguns e dominada por poucos.” Ainda, citando Sérgio de Oliveira Médice “A codificação favorece a análise e a compreensão dos institutos jurídicos por ele regrados. Propicia uma compatibilidade lógica entre suas regras, dispostas de forma harmônica e despida de contradições. Também facilita o acesso às normas vigentes, ao contrário do que ocorre com o sistema de legislação esparsa ou de criação consuetudinária.”[4].
3. A Justiça Eleitoral:
A Justiça Eleitoral, forma de Justiça Especializada da União, vem disciplinada nos artigos 92, inciso V, e 118 a 121 da Constituição Federal.
3.1. Estrutura da Justiça Eleitoral:
A Justiça Eleitoral é composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, órgão de maior hierarquia, pelos Tribunais Regionais Eleitorais, pelos Juízes e pelas Juntas Eleitorais.
O Tribunal Superior Eleitoral possui jurisdição sobre todo o território nacional e é composto por sete membros: três Ministros do Supremo Tribunal Federal (sendo um nomeado Presidente e outro Vice-Presidente), dois Ministros do Superior Tribunal de Justiça (sendo um nomeado Corregedor Eleitoral), e dois advogados nomeados pelo Presidente da República que possuam notório conhecimento jurídico e indiscutível idoneidade moral.
Os Tribunais Regionais Eleitorais possuem jurisdição sobre a circunscrição correspondente a cada Estado da Federação e ao Distrito Federal, e também são compostos por sete membros cada: dois desembargadores do Tribunal de Justiça daquele Estado (sendo um o Presidente e o outro o Corregedor Eleitoral), dois juízes estaduais (escolhidos pelo Tribunal de Justiça), um Desembargador ou Juiz de Direito do Tribunal Regional Federal, e dois advogados nomeados pelo Presidente da República que possuam notório conhecimento jurídico e indiscutível idoneidade moral.
As Zonas Eleitorais correspondem às Comarcas, sobre as quais os Juízes Eleitorais possuem jurisdição, e a quantidade varia de acordo com o número de eleitores do Município.
As Juntas Eleitorais são as responsáveis pela solução de impugnações e incidentes ocorridos na contagem e apuração dos votos, expedição de boletins de apuração e dos diplomas aos eleitos a cargos municipais e apuração das eleições das Zonas Eleitorais sob sua jurisdição. São compostas por um juiz de direito e mais dois a quatro membros de indiscutível idoneidade moral aprovados pelo Presidente do Tribunal Regional Eleitoral.
Quanto aos Tribunais Eleitorais, importante salientar que não é aplicada a regra do quinto constitucional, vez que não é dado ao Ministério Público o direito de indicar membros. Ainda, todas as decisões por eles proferidas devem ser resultantes de manifestação de todos os seus membros.
Como pode ser verificado, a Justiça Eleitoral não possui magistrados próprios, sendo eles advindos de outras carreiras da magistratura e de diferentes graus hierárquicos. A investidura nos cargos da Justiça Eleitoral garante a inamovibilidade, e dá-se pelo prazo de dois anos, podendo haver uma única recondução por mais um biênio.
3.2. Competência:
Cabe à Justiça Eleitoral a proteção da soberania popular exercida através do sufrágio universal e do voto direto e secreto (art. 14 da CF).
Tem como função administrativa a preparação, organização e administração de todo o processo eleitoral, desde a inscrição dos eleitores até a diplomação dos eleitos, bem como, garantir a tranqüilidade, liberdade e justiça de seu andamento, requisitando se preciso, apoio da Polícia Federal.
Também é de sua alçada o processo e julgamento dos crimes eleitorais.
Nelson Hungria faz uma divisão entre crimes eleitorais puros ou específicos e crimes eleitorais acidentais, sendo que os primeiros são aqueles que atingem bens jurídicos tutelados exclusivamente pelo direito eleitoral; e os segundos aqueles que possuem natureza diversa, mas que podem ser cometidos durante o processo eleitoral. Assim, presente o elemento normativo que caracteriza o delito como eleitoral, será processado e julgado pela Justiça Eleitoral, se ausente, seu processo e julgamento será de competência do outro órgão jurisdicional.[5]
Para Suzana de Camargo Gomes, os crimes conexos aos eleitorais, ainda que dolosos contra a vida, devem ser todos julgados pela Justiça Eleitoral, a menos que seja caracterizado constitucionalmente o foro privilegiado em razão da função exercida pelo agente. Quando não caracterizada a conexão, deve haver a cisão do processo, sendo a Justiça Eleitoral responsável pelo processo e julgamento apenas do crime eleitoral. Baseia seu entendimento no fundamento de que ambas as jurisdições, Tribunal do Júri e Justiça Eleitoral possuem assento constitucional.[6]
Já para o Professor Antônio Carlos da Ponte, com o qual concordamos, apesar de as duas jurisdições possuírem assento constitucional, a Justiça Eleitoral possui previsão constitucional como uma justiça especializada, a qual necessita de lei complementar para sua regulamentação; já o Tribunal do Júri vem previsto como uma garantia constitucional ao sujeito que pratica crime doloso contra a vida, e por ser garantia não permite transação, devendo prevalecer.[7]
Havendo conexão entre crime eleitoral de menor potencial ofensivo e crime comum, a solução mais adequada é a separação dos processos, sendo cada qual julgado pela justiça que lhe é originariamente competente. O argumento em que se baseia tal conclusão é de que, havendo transação quanto ao delito eleitoral, ficaria a Justiça Eleitoral encarregada do julgamento do crime comum, que não é de sua competência.
Ainda, o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais atuam como órgãos consultivos, vez que respondem a consultas atinentes à correta interpretação e aplicação das normas eleitorais formuladas por partidos políticos ou autoridades federais.
Ressalta-se, entretanto, que tais pareceres são meramente consultivos e, por basearem-se em situações abstratas, apesar de serem fundamentados por serem provenientes de órgãos judiciários, não devem obediência ao devido processo legal e não têm o condão de fazerem coisa julgada.
Por fim, cabe à Justiça Eleitoral a função normativa, pautada na expedição de instruções, consoantes à legislação eleitoral, instrumentos semelhantes aos decretos emanados do Poder Executivo.
4. Processo Penal Eleitoral:
O procedimento aplicado aos processos que têm por objeto os crimes eleitorais encontra-se nos artigos 355 a 364 do Código Eleitoral, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Penal.
Qualquer pessoa que tiver conhecimento de infração penal eleitoral deverá comunicá-la ao juiz eleitoral da zona onde a mesma se verificou. Verifica-se que a lei não exige a condição de eleitor para que o sujeito tenha legitimidade para a apresentação da notitia criminis eleitoral.
Sendo a delatio criminis verbal e dirigida ao juiz eleitoral, esta será reduzida a termo, assinada pelo apresentante e duas testemunhas, e encaminhada ao Ministério Público, que por sua vez poderá requisitar documentos a quem de direito, auxiliar na produção das provas que entender necessárias, ou requisitar a instauração do inquérito policial.
Como dito anteriormente, a polícia responsável pela apuração dos crimes eleitorais é a Federal que, caso não possua sede no local do delito, ficará a cargo da Polícia Estadual, que instaurará o competente inquérito.
Se o indiciado estiver preso, o prazo para a conclusão do inquérito é de 10 dias, se estiver solto 30 dias.
Concluído o inquérito, será remetido à zona eleitoral competente e aberto o prazo de 10 dias para que o membro do Ministério Público ofereça a denúncia ou requeira o arquivamento dos autos, caso o indiciado esteja solto. Estando o indiciado preso, o prazo será de 5 dias.
Entendendo o promotor de justiça ser o caso de arquivamento, e discordando o magistrado, os autos serão remetidos ao Procurador Regional Eleitoral que insistirá no arquivamento ou designará outro promotor para que apresente a denúncia.
Se ao crime apurado for cominada pena de reclusão, a denúncia poderá conter até 8 testemunhas; cominada pena de detenção, este limite cai para 5 testemunhas, caso apure-se contravenção penal, 3.
A ação penal será pública incondicionada. Porém, é admitida ação penal privada subsidiária no caso de inércia injustificada do órgão do Ministério Público.
O assistente de acusação será admitido nos casos em que além do Estado, há um terceiro ofendido, que poderá utilizar-se da sentença penal condenatória como título executivo no juízo cível para que tenha seu dano reparado.
Recebida a peça acusatória, o juiz determinará a oitiva do acusado, que na verdade trata-se de um interrogatório, e este, terá o prazo de 10 dias para a apresentação da defesa prévia, peça onde deverão constar as testemunhas a serem ouvidas, nos números acima explicitados e requerer diligências.
Serão designadas datas para oitiva das testemunhas de acusação e posteriormente para oitiva das testemunhas de defesa, seguindo-se da manifestação das partes sobre a regularidade formal do feito e requerimento de diligências no prazo de 24 horas
Abre-se prazo de 5 dias para que as partes apresentem suas alegações finais, devendo os autos irem conclusos no prazo de 48 horas para que o juiz prolate a sentença em 10 dias.
Quanto aos recursos cabíveis, a regra geral prevista no Código Eleitoral é de que o prazo será de 3 dias, contados da publicação da decisão a ser recorrida, e não possuem efeito suspensivo, ressalvadas as exceções previstas no próprio diploma, como na hipótese de apelação contra sentenças condenatórias ou absolutórias, que contam com o prazo de 10 dias e possuem tal efeito no primeiro caso.
O recurso em sentido estrito terá cabimento, no prazo de 3 dias, atacando decisão que rejeita a denúncia ou queixa, que acolhe as exceções processuais, que decide sobre prisão cautelar e liberdade provisória, que nega seguimento à apelação, que decide sobre incidente de falsidade e que extingue a punibilidade do agente.
Também no prazo de 3 dias, cabe recurso especial ao Tribunal Superior Eleitoral contra decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais que contrariem normas constitucionais ou legais expressas e quando houver divergência na interpretação destes diplomas por dois oi mais Tribunais Eleitorais.
Da decisão do Tribunal Regional Eleitoral que nega hábeas corpus ou mandado de segurança, cabe recurso ordinário, no prazo de 3 dias ao Superior Tribunal Eleitoral. Caso a decisão denegatória seja proveniente desta última corte, o recurso deverá ser interposto no Supremo Tribunal Federal.
Ainda, caberá recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, também no prazo de 3 dias, da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que contrarie a Constituição federal.
4.1. Da aplicação da lei 9.099/95:
A Lei 9.099/95 estabelece que todos os crimes que possuem pena máxima prevista de até 2 anos constituem infração de menor potencial ofensivo, pois dotados de menor lesividade social, trazendo algumas medidas, como a transação penal e a suspensão condicional do processo que visam afastar o cárcere dos sujeitos que praticam infrações mais leves.
Questão já pacificada é a aplicação da Lei 9.099/95 pelo juiz processante, aos crimes eleitorais que preencham os requisitos necessários, mesmo ainda não tendo sido criados os Juizados Especiais Criminais Eleitorais, porém, tal aplicação guarda peculiaridades.
Segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo têm aplicabilidade aos crimes eleitorais, exceto quanto aos delitos que cominem penas que ultrapassem a perda da liberdade e multa, como a cassação do registro da candidatura.
Tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo devem ser propostas exclusivamente pelo órgão do Ministério Público, titular da ação penal pública.
A suspensão condicional do processo terá cabimento quando a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano. Aceito e homologado o sursis processual, o processo ficará suspenso logo após o recebimento da denúncia e, findo o período de prova, será extinta a punibilidade do acusado sem que este tenha admitido sua culpa ou tenha sua inocência declarada.
4.2. Foro por prerrogativa de função:
Caso o autor do delito desfrute de prerrogativas funcionais, o processo e o julgamento serão deslocados do Juiz Eleitoral para o Tribunal Regional Eleitoral (no caso de crimes praticados por juiz eleitorais, promotores eleitorais ou prefeitos), para o Superior Tribunal de Justiça (no caso de crimes praticados por governadores, por exemplo), ou para o Supremo Tribunal Federal (nos casos de crimes praticados pelo Presidente da República, por Deputados Federais ou Senadores).
5. Conceito e características dos Crimes Eleitorais:
Para Suzana de Camargo Gomes, os crimes eleitorais, são em seu aspecto formal, “ aquelas condutas consideradas típicas pela legislação eleitoral e sancionadas com a aplicação de penas” , pois não há crime sem lei anterior que o defina e, sob o aspecto material, são “todas aquelas ações ou omissões humanas, sancionadas penalmente, que atendem contra os bens jurídicos expressos no exercício dos direitos políticos e na legitimidade e regularidade dos pleitos eleitorais”.[8]
Para o Professor Antônio Carlos da Ponte, “crimes eleitorais são condutas descritas na lei como atentatórias à lisura, transparência, correta formação e desenvolvimento do processo eleitoral, que tem como resposta penal destinada a seus responsáveis a imposição da correspondente sanção penal, sem prejuízo da suspensão dos direitos políticos.”[9]
Em suma, crime eleitoral corresponde a toda conduta que impede ou perturba o regular desenvolvimento do processo eleitoral, em suas diversas fases, na efetivação da soberania popular através do direito ao sufrágio, sendo penalmente sancionada.
Em sua maioria, os crimes eleitorais são comuns, ou seja, podem ser praticados por qualquer pessoa, isoladamente ou em concurso. Porém, há previsão de crimes próprios, como a inscrição fraudulenta efetuada por juiz (art. 291 do Código Eleitoral).
O Estado sempre figurará como sujeito passivo nos crimes eleitorais, podendo também configurar como tal o sujeito lesado pelo ato criminoso, como ocorre nos crimes contra a honra.
Face à não previsão da punibilidade do crime eleitoral a título de culpa, aplica-se a regra do artigo 18 do Código Penal. Assim, só existe crime eleitoral na modalidade dolosa.
Quanto à consumação dos crimes eleitorais, em relação à tentativa há que se considerar cada tipo isoladamente. Porém, há na legislação eleitoral crimes de atentado ou de empreendimento, como o artigo 309 do Código Eleitoral, que tipifica a conduta de votar ou tentar votar mais de uma vez, em que a pena destinada à tentativa é a mesma cominada ao crime consumado.
No que se refere às penas, aplicam-se as regras gerais previstas no Código Penal aos delitos eleitorais, guardadas as regras especiais trazidas pelo Código Eleitoral, que em seu artigo 284 estabelece como patamar mínimo quinze dias de detenção e um ano de reclusão às penas privativas de liberdade, nos casos de não previsão de pena no preceito secundário da norma.
A pena de multa também possui regra específica, sendo seu valor fixado entre um salário mínimo diário da região e trezentos salários mínimos mensais. Posição predominante nos Tribunais, é de que a multa deve ser executada pela Fazenda Pública junto à Vara das Execuções Fiscais, gerando problemas como a não execução de multas de valores pequenos, em prejuízo ao princípio da inevitabilidade da sanção penal, e ainda, a declaração da extinção da pena pelo Juízo das Execuções Fiscais, incompetente quanto à matéria penal.
6. Natureza Jurídica dos crimes eleitorais:
Não há um consenso na doutrina acerca da natureza jurídica dos crimes eleitorais.
De um lado, alguns doutrinadores, bem como o Supremo Tribunal Federal, defendem que os crimes eleitorais são crimes comuns, de outro, autores como Fávila Ribeiro, Nelson Hungria e Suzana de Camargo Gomes, defendem serem os crimes eleitorais delitos políticos, pois a objetividade jurídica destas tipificações é a defesa da liberdade e legitimidade do sufrágio, garantindo-se o regular andamento do pleito eleitoral, resguardando o próprio Estado Democrático de Direito.
Data vênia, transcrevendo as lições do Professor Antônio Carlos da Ponte e ressaltando a distinção estabelecida em capítulo anterior, “os crimes eleitorais puros ou específicos, cujos bens ou interesses são protegidos apenas pela legislação eleitoral, são crimes políticos, pois atingem não só a imagem, mas, por vezes, a própria existência do estado Democrático de Direito. Já os crimes eleitorais acidentais, cujos bens ou interesses são protegidos na legislação penal comum e na legislação eleitoral, são crimes comuns, de natureza especial, não políticos.”[10]
7. Da Corrupção Eleitoral:
Em atendimento a um mandado de criminalização implícito na Constituição Federal (artigo 1º, incisos I, II, III e V), e em atendimento aos princípios da igualdade de condições entre os postulantes do pleito e da moralidade administrativa, o legislador tipifica a Corrupção Eleitoral Ativa e Passiva no artigo 299 do Código Eleitoral, vejamos:
Art. 299: “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita. Pena: reclusão de quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”
Tutela-se a legitimidade e a transparência dos pleitos eleitorais, assegurando o regime democrático, com a proteção jurídica ao livre exercício do voto.
7.1. Da Corrupção Eleitoral Ativa:
A Corrupção Eleitoral Ativa configura-se quando o sujeito dá, oferece ou promete para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter voto ou conseguir a abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.
O crime restará configurado na prática de um ou mais núcleos do tipo, por se tratar de crime de ação múltipla, sendo que qualquer destas condutas admite tentativa.
- Objeto material: dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem.
Trata-se de crime formal, pois sua consumação independe da aceitação da oferta e muito menos do resultado das eleições. O fato de o eleitor votar no corruptor ou abster-se representa mero exaurimento do crime.
- Sujeitos do crime: O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, candidata ou não, admitindo-se co-autoria e participação. O sujeito ativo será o Estado.
A ação delituosa deve recair sobre um eleitor específico ou grupo deles, em benefício de candidato determinado. Promessas genéricas não configuram o crime em questão.
Caso a conduta seja realiza face a não-eleitor ou pessoa que esteja com seus direitos políticos suspensos, têm-se crime impossível por absoluta impropriedade do objeto.
- Elemento subjetivo: o delito em questão exige dolo específico, qual seja, a intenção do agente em conseguir o voto ou a abstenção.
7.2. Da Corrupção Eleitoral Passiva:
A Corrupção Eleitoral Passiva configura-se quando o eleitor solicita ou recebe, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem para votar em determinado candidato ou prometer abstenção.
- Objeto material: dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem.
Trata-se de crime formal quanto à solicitação, vez que se consuma independentemente da obtenção do resultado, e material quanto ao recebimento da vantagem. Neste segundo caso, o crime será bilateral, vez que só será reconhecido caso verificada a corrupção ativa.
- Sujeitos do crime: O sujeito ativo deve ser necessariamente eleitor, tratando-se de crime próprio. Admite co-autoria e participação e eleitor ou não eleitor, face ao artigo 30 do Código Penal.
- Elemento subjetivo: o delito em questão exige dolo específico, qual seja, a intenção do eleitor solicitar ou receber dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem em troca do voto em determinado candidato ou prometer abstenção.
Ressalta-se que quando da configuração da corrupção eleitoral passiva, necessário se faz observar se o sujeito ativo tem consciência da potencial ilicitude de seu ato, ou seja, se ele solicitou ou recebeu dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, prometendo seu voto a determinado candidato face à sua falta de instrução, bem como frente à situação em que se encontra de extrema necessidade, por fazer parte das classes excluídas socialmente. Nesses casos, concordamos com o Professor Antônio Carlos da Ponte que entende que a melhor solução seria se o legislador punisse apenas a Corrupção Eleitoral Ativa, de forma efetiva, posto que sem esta não haveria aquela.[11]
Finalizo com as sábias palavras do Professor:
“A corrupção eleitoral ativa é travada uma espécie de relação comercial; o voto é trocado por dinheiro, por recursos materiais diretos ou, até mesmo, por favores ilegais. O compromisso do corruptor é com a sua eleição e com a perpetuação da miséria, que lhe garantira novos triunfos eleitorias.”[12]
Ainda:
“Combater a corrupção eleitoral significa, pois, não apenas recrudescer a lei penal, mas adotar uma série de medidas que guardem compromisso com o modelo exigido por um Estado Democrático de Direito. A mera exasperação da lei penal traduz medida simplista, aliada, invariavelmente, à ausência de políticas de segurança pública e a práticas clientelistas”.[13]
8. Conclusões:
O Direito Penal Eleitoral visa garantir um processo eleitoral justo e transparente, protegendo precipuamente o voto, instrumento que viabiliza a efetivação de um Estado democrático de Direito.
A legislação penal eleitoral encontra-se tanto no Código Eleitoral quanto em legislação esparsa, o que não é o ideal. Os crimes eleitorais deveriam estar previstos em um capítulo específico do Código Penal proporcionando maior segurança jurídica e controle tanto por parte dos aplicadores do direito quanto por parte da população, maior interessada nos pleitos eleitorais, vez que estes elegem seus representantes periodicamente.
Ao que concerne aos crimes eleitorais, o Código Eleitoral Brasileiro foi recepcionado pela Constituição Federal como lei ordinária, podendo suas disposições serem alteradas ou revogadas por leis de mesmo patamar.
A Justiça Eleitoral possui função administrativa, consistente na preparação, organização e administração de todo o processo eleitoral, seus Tribunais funcionam como órgãos consultivos, vez que respondem a consultas atinentes à correta interpretação e aplicação das normas eleitorais e ainda, possui função normativa, pautada na expedição de instruções, consoantes à legislação eleitoral.
Compete ainda à Justiça Eleitoral o processo e julgamento dos crimes eleitorais e a eles conexos. Quando a conexão se der com crime doloso contra a vida, prevalece a competência do Tribunal do Júri, por constituir garantia fundamental. Se a conexão se der entre crime eleitoral de menor potencial ofensivo e crime comum, o processo deve ser cindido, vez que havendo transação penal quanto ao crime eleitoral, a Justiça Eleitoral não tem competência para o julgamento do crime comum.
Ao Processo Penal Eleitoral aplicam-se as disposições dos artigos 355 a 364 do Código Eleitoral e subsidiariamente, o Código de Processo Penal.
Quanto à aplicação da Lei 9.099/95, os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo são admitidos nos processos que apurem crimes eleitorais, exceto quanto aos delitos que cominem penas que ultrapassem a perda da liberdade e multa, como a cassação do registro da candidatura.
No que tange às penas, o Código Eleitoral disciplina de forma diferenciada o patamar mínimo da privativa de liberdade, bem como estabelece procedimentos de fixação e cobrança diferenciados do Código Penal quanto à multa. A execução da multa pela Fazenda Pública junto à Vara das Execuções Fiscais, gera problemas como a não execução de multas de valores pequenos, em prejuízo ao princípio da inevitabilidade da sanção penal, e ainda, a declaração da extinção da pena pelo Juízo das Execuções Fiscais, incompetente quanto à matéria penal.
Os crimes eleitorais puros ou específicos são crimes políticos, pois atingem a própria existência do estado Democrático de Direito. Já os crimes eleitorais acidentais são crimes comuns, de natureza especial, não políticos.
Quanto à corrupção ativa, crime irraigado no sistema eleitoral brasileiro de tal forma que se faz parecer essência deste, deve ser veementemente combatida através da criação de medidas efetivas, que incluem alterações legislativas, políticas sociais e mais do que isso, conscientização da população, no sentido de que é a maior prejudicada quando há a violação de seus direitos na escolha de seus representantes.
Já na apuração da corrupção passiva, que também deve ser combatida, deve haver cautela quando de sua penalização, vez que na maioria das vezes, os eleitores trocam seus votos por promessas de satisfação de suas necessidades básicas e primárias, por ignorância da lei, e na esperança de uma vida mais digna.
9. Referências Bibliográficas:
DÉCIO, Luiz José Rodrigues. Crimes Eleitorais. 1ª ed., São Paulo, WVC Editora, 1997.
GOMES, Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. 2ª ed. Revista, atualizada e ampliada, São Paulo, RT. 2006
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 7ª. Ed. Rio de Janeiro. Forense, 1990
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. V. 4. São Paulo. Saraiva, 1986.
PONTE, Antônio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo. Saraiva, 2008.
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 5ª ed. Forense: Rio de janeiro, 2000.
SANTOS, Paulo Fernando dos. Crimes Eleitorais Comentados, 1ª ed. São Paulo, Leud, 2008.
[1] RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 5ª ed. Forense: Rio de janeiro, 2000.
[2] GOMES. Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. 2ª ed. Revista, atualizada e ampliada, São Paulo, RT. 2006
[3] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. V. 4. São Paulo. Saraiva, 1986.
[4] PONTE. Antônio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo. Saraiva, 2008.
[5] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 7ª. Ed. Rio de Janeiro. Forense, 1990
[6] GOMES. Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. 2ª ed. Revista, atualizada e ampliada, São Paulo, RT. 2006
[7] PONTE. Antônio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo. Saraiva, 2008.
[8] GOMES. Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. 2ª ed. Revista, atualizada e ampliada, São Paulo, RT. 2006
[9] PONTE. Antônio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo. Saraiva, 2008.
[10] PONTE. Antônio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo. Saraiva, 2008.
[11] PONTE. Antônio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo. Saraiva, 2008.
[12] Idem.
[13] PONTE. Antônio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo. Saraiva, 2008.
Advogada e mestranda em Direito Penal na PUC/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTE, Thais Del. Crimes Eleitorais - Corrupção Eleitoral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 ago 2010, 01:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21149/crimes-eleitorais-corrupcao-eleitoral. Acesso em: 23 dez 2024.
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