“É certo que, à primeira vista, aqueles pensamentos vulgares serão perfeitamente conciliáveis com a ordem e a tranqüilidade exteriores, pois não chegam a aflorar, nem sequer a pressentir a substância das coisas e, do ponto de vista policial, de nada se poderão acusar. Mas o Estado contém em si a exigência de uma cultura e de uma inteligência mais profundas e carece da satisfação da ciência.” Prefácio, XXXII
Hegel[1] é conhecido como um filósofo da ideologia alemã. O seu diferencial, em relação aos gregos, modernos e os Kantianos, é o método, ou seja, a síntese histórica.
Significa dizer que no pensamento hegeliano, Justiça. Liberdade, Direito e História participam do mesmo movimento dialético do Espírito.
A referida síntese envolve a vontade. A filosofia hegeliana é voluntarista na medida em que envolve uma visão democrática (§ 29 – O fato de uma existência em geral ser a existência da vontade livre constitui o Direito. O Direito é, pois, a liberdade em geral como Idéia).
O Espírito, por sua vez, é a realidade absoluta.
Em sua dialética, a tese (ideia) se contrapõe à antítese (natureza) e o resultado é a síntese, que é o espírito.
No campo da eticidade, ou para alguns, a moralidade objetiva, a família e a sociedade civil são estágios para o atingimento do ápice que é o Estado, a concretização da liberdade (§ 260 – É o Estado a realidade em ato da liberdade concreta).
A família é o conteúdo, baseado no amor, simboliza a renúncia à liberdade fechada, porém a sua visão é particular (§ 158).
A necessidade material (§ 183) faz a família evoluir à sociedade civil, que pe a forma e o fenômeno da moralidade (§ 181). Como os indivíduos possuem, por natureza, fins egoístas (estado de natureza) - § 182/§ 289, a visão é geral.
Nestas duas situações, temos ainda o visão do indivíduo atomizado, que se contrapõe à visão molecular que se visa no Estado.
O Estado, como já frisado, é homogêneo e universal.
Hegel nega a tese jusnaturalista de que o Estado se presta para preservar direitos essenciais.
Estado é a esfera do universal e não do particular e a moralidade é um passo nesta direção. A moralidade está ligada à liberdade subjetiva, ou seja, ainda não concretizada.
A eticidade está ligada ao mundo concreto, à participação. Ser guiado pelas suas próprias leis. Reforma a idéia dos antigos, mas não retoma o Estado anterior.
Referida idéia é explícita no final da nota do § 211, onde o filósofo salienta: “Recusar a elaboração das leis a uma nação culta (Estado) é um insulto”. Se aproxima da concepção da Rousseau que assinala que a “obediência à lei que nós mesmos prescrevemos é a liberdade”.
A liberdade é efetivada pelas instituições sociais.
Sobre a concepção de Estado, no julgamento da ADI 3367, o Ministro Eros Grau, explícito seguidor das idéias hegelianas asseverou:
6. O que nos tem faltado é reflexão a respeito do Estado. Para compreendê-lo seria conveniente recorrermos a Hegel: o Estado político, diz ele, divide-se nas seguintes diferenças substanciais: a) o poder de definir e estabelecer o universal --- poder legislativo; b) a subsunção dos domínios particulares e dos casos individuais sob o universal --- poder de governo; c) a subjetividade como decisão suprema da vontade --- poder do príncipe. Neste último, os diferentes poderes são reunidos em uma unidade individual e, por conseqüência, este poder é a suma e a base do todo. Mas o Estado político, erigido sobre a Constituição racional --- racional na medida em que, continua Hegel, o Estado determina e distribui sua atividade entre vários poderes, porém de modo que cada um deles seja, em si mesmo, a totalidade, ou seja, um todo individual único --- o Estado político, dizia eu, é uma totalidade. Ensina, em passos sucessivos, o velho HEGEL:
“O princípio da divisão dos poderes contém, com efeito, o momento essencial da diferença, da racionalidade real. Ora, o entendimento abstrato apreende-o de um modo que implica, por um lado, a determinação errônea da autonomia absoluta dos poderes uns com relação aos outros, e, por outro lado, um procedimento unilateral que consiste em tomar seu relacionamento mútuo como algo negativo, como uma restrição recíproca. Esse modo de ver encerra uma hostilidade, um temor, de cada qual em face do outro; cada um aparece como um mal para o outro e o determina a opor-se a ele, o que certamente leva a um equilíbrio geral de contrapesos, mas de modo algum a uma unidade viva” ;
“... saibamos que nem sempre aquilo que espontaneamente vem à mente, ou aquilo que mais impressiona, é o essencial. É assim, é verdade, que devem ser distinguidos os poderes do Estado, mas cada um deles deve constituir um todo nele próprio, e conter nele os outros momentos. Quando se fala da diversidade de eficácia dos poderes, de sua ação e de sua eficiência, é necessário evitar incorrer no enorme erro de considerar as coisas como se cada poder estivesse supostamente lá abstratamente, por ele próprio, quando os diferentes poderes supostamente se diferenciam apenas enquanto momentos do conceito”
No julgamento da constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 41/03, o Ministro Eros Grau também aquilatou:
A dignidade da pessoa humana somente poderá tornar-se concreta na medida em que se compreenda que o destino dos indivíduos está em participarem de uma vida coletiva, que os indivíduos não vivem unicamente orientados pelo seu interesse, como simples pessoas privadas, sem relação com o universal [= com a vontade universal], como diria HEGEL. E isso mesmo porque seus interesses pessoais só deixam de ser abstratos, tornando-se efetivos, no seio da comunidade política.
Assim, postas tais premissas, tendo em conta o Estado objeto da transformação social e estado último da concretização da liberdade, devemos analisar a educação na visão de Hegel.
De início, imprescindível a transcrição do §343:
A história do espírito é a sua ação, pois reside inteiramente no que faz e age; é fazer de si mesma, e isso na medida em que é espírito, o objeto da sua consciência, conceber-se a sai mesma ao compreender-se. Este conceber-se a si é o seu ser e o seu princípio, mas, ao mesmo tempo, a plenitude de uma concepção é a sua alienação e transição para uma outra. Para se exprimir formalmente, o espírito que de novo concebe esta concepção de si e que regressa à alienação de si (que é o mesmo) constitui o grau na primeira concepção.
Nota – Aqui aparece a questão da perfectibilidade na educação do gênero humano. Os que afirmam tal perfectibilidade surpreenderam algo da natureza do espírito – que é isso de o espírito ter como lei do seu ser e de ser o (...) – ao conceberem o que ele é como uma forma mais elevada do que aquela que constituía o seu ser. Para os que não aceitam este pensamento, o espírito é uma palavra vã e a história é um jogo superficial de paixões e resultados contingentes tratados como simplesmente humanos. Se nas suas expressões mantêm todavia a Providência e os desígnios da Providência, com isso exprimem a crença num governo superior mas segundo uma representação incompleta, pois expressamente apresentam a Providência como incognoscível e inconcebível.
Depreende-se, portanto, que no pensamento hegeliano, a educação e a cultura são a síntese da dialética entre o ideal da perfectiblidade e a realidade.
Além disso, avançando no processo dialético, Hegel deixa clara uma das funções da educação § 175: “o de conduzir as crianças desde a natureza imediata em que primitivamente se encontram apara a independência e a personalidade livre e, por conseguinte, para a capacidade de saírem da unidade natural da família.”
Podemos traduzir esta conclusão com a seguinte frase: a função primeira da educação é a emancipação.
Do ponto de vista sociológico, a educação é vista como instrumento destinado à mudança da sociedade, como forma de estabilizar as relações sociais e promover o desenvolvimento e o melhoramento do ser humano, integrante desta sociedade, portanto, é inafastável do senso crítico e da inteligência. A escola, local destinado especialmente à promoção da educação, deve seguir as tendências e os objetivos.
Ainda, em nota ao já mencionado § 175, Hegel preleciona:
A exigência de ser educada existe na criança na forma daquele sentimento, que lhe é próprio, de não estar satisfeita em ser aquilo que é. É a tendência para pertencer ao mundo das pessoas adultas, que ela adivinha superior, o desejo de ser grande. A pedagogia do jogo trata o elemento pueril como algo de valioso em si, assim o apresenta às crianças e para elas degrada o que é sério, ela mesmo assume uma forma pueril que as crianças menosprezam. Representando as crianças como perfeitas no estado de imperfeição em que elas se sente, esforçando-se desse modo por torná-las contentes, a pedagogia perturba e altera o que é bem melhor do que isto: a espontânea e verdadeira carência infantil. O resultado é o afastamento das realidades substanciais, do mundo espiritual, desde o desprezo dos homens, que só apresentam as crianças como pueris e desdenháveis, até a vaidade e a confiança que dão às crianças o sentimento da sua própria distinção.
Mas não basta que a escola esteja disponível, é preciso que ela se preste aos objetivos da emancipação, é preciso uma escola, uma universidade de qualidade, a educação é um direito-dever. É neste ponto, que a avaliação de qualidade é elemento imprescindível para este fim. Não podemos admitir, como Hegel, já criticava, o ensino como mera repetição de conteúdo, é indispensável o desenvolvimento crítico do aluno. Que contribuição deixaremos ás gerações futuras?
Em nota ao § 69 elucidou:
A difusão das idéias em geral e o ensino especial são, por finalidade e por dever (sobretudo quando se trata das ciências positivas, da dogmática de uma igreja, da jurisprudência, etc.), a repetição de idéias estabelecidas, em expressões alheias adquiridas; o mesmo acontece com os escritos que se destinam ao ensino e propagação das ciências. Ora, até que ponto a forma dada a tal repetição e tradução transforma o anterior tesouro científico, especialmente as idéias de outros que ainda são proprietários da produção delas, numa propriedade intelectual para aquele que reproduz e lhe confere ou não um direito de propriedade jurídica, até que ponto a reprodução de uma obra literária constitui ou não um plágio – eis o que não é suscetível de ser determinado por uma regra exata e não pode, por conseguinte, estabelecer-se jurídica e legalmente. Pó isso devia o plágio ser uma questão de honra e por honra não se praticar.
No que se refere à autonomia universitária, requisito imprescindível à difusão do saber a que se presta a instituição, não como há dissociar o conceito da noção de liberdade, como já dito, tão próxima à filosofia hegeliana.
Difere a concepção de Hegel da filosofia de Kant.
A autonomia para Kant consistia em escolher sempre e de tal maneira que, na mesma volição, as máximas da escolha estejam, ao mesmo tempo, presentes numa lei universal. Este é tido por um dos seus imperativos categóricos contidos na fundamentação da metafísica dos Costumes.
Para Kant, a vontade constitui-se em uma determinação negativa à liberdade, a da limitação, uma vez que o racional é universal, exterior, formal.
Contudo, em Hegel, a situação é distinta. O racional não é limitação. A razão é diferente.
A razão para Hegel é a realidade, é histórica, é ética e não é positivista.
Como bem salientado na nota ao § 206, a particularidade subjetiva pressupõe o livre-arbítrio e dá vida à sociedade civil, permite o “desenvolvimento da atividade inteligente, do mérito e da honra”. Conseqüentemente: a liberdade!
Assim, o livre-arbítrio é necessário na sociedade civil e no Estado mesmo porque o Estado é o grau máximo da racionalidade (histórica, real e ética).
O Direito, por sua vez, como exposto no § 4º “o domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo”.
O ponto de partida, conforme se verifica, está na vontade livre e não há vontade sem liberdade.
O estado é o ápice da eticidade, último momento do Espírito objetivo, momento culminante do Direito, integrando pensamento e realidade.
A dialética, portanto, pressupõe o diálogo e a convivência harmônica da História, Justiça, Direto e Liberdade. Não há sobreposição, mas superação.
E assim, não é possível, para concluir, outra afirmação: A educação se insere no processo histórico de realização da liberdade!
[1] Todos os parágrafos referidos no presente artigo referem-se à obra: HEGEL, G.W.F.. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Especialista em Direito Constitucional e Mestranda em Direito Político e Econômico, ambos pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNQUEIRA, Michelle Asato. Hegel e a educação como elemento do movimento dialético no processo de realização da liberdade: Análise da obra "Princípios da Filosofia do Direito" na visão do Direito Educacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 ago 2010, 00:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21260/hegel-e-a-educacao-como-elemento-do-movimento-dialetico-no-processo-de-realizacao-da-liberdade-analise-da-obra-quot-principios-da-filosofia-do-direito-quot-na-visao-do-direito-educacional. Acesso em: 23 dez 2024.
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