Eis que uma divergência de interpretação entre a Banca Examinadora do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB) e a doutrina em Direito do Trabalho parece ter sido a causa de um desespero para centenas e centenas de Examinandos e Examinandas que prestaram a segunda fase do Exame de Ordem 2010.1.
A grande polêmica foi gerada porque muitos Examinandos e Examinandas de várias partes do Brasil foram reprovados, supostamente, por não ter utilizado nenhuma “fundamentação complementar”, como exigiu a Banca Examinadora por meio do chamado “Espelho de Correção”.
A Peça Prático-Profissional da segunda fase da prova de Direito do Trabalho do Exame de Ordem 2010.1, aplicada no dia: 25/07/2010, trouxe o seguinte texto para análise:
Lauro, representante legal da empresa Rápido Distribuidora de Alimentos Ltda., procurou auxílio de profissional de advocacia, ao qual relatou ter sido citado para manifestar-se a respeito de reclamação trabalhista ajuizada por ex-empregado que desenvolvia a função de vendedor externo da empresa. Disse que o vínculo empregatício em questão ocorrera entre 17/3/2000 e 15/12/2009. A contrafé apresentada por seu interlocutor demonstra, além da data de propositura da demanda (12/3/2010), a elaboração de pedido de pagamento de horas extraordinárias por todo o liame empregatício, dada a alegação de prestação de serviços das 8 h às 20 h, de segunda-feira a sexta-feira. Também estão relatados descontos efetuados no salário do empregado, relativos a multas de trânsito a ele atribuídas quando em uso de veículo da empresa na realização de seu mister. Em face disso, o empregado requereu a devolução dos valores deduzidos do salário, alegando que tais penalidades são ínsitas ao risco da atividade econômica a cargo do empregador. Lauro apresentou contrato de trabalho firmado entre as partes, no qual constam a data de contratação, a função que deveria ser exercida, o valor salarial pactuado e a forma de responsabilização do empregado quanto aos danos que viessem a ser praticados, por culpa ou dolo deste, no uso do veículo da empresa. Apôs a fotocópia da CTPS e a folha de registro do empregado reclamante, na qual constam as informações do contrato, excetuando-se a informação concernente ao uso de veículo da empresa. Apresentou, ainda, multas de trânsito que demonstram ter sido o empregado flagrado, por três vezes, conduzindo veículo a 100 km/h em vias em que a velocidade máxima permitida era de 60 km/h.
Diante desse texto, o Examinando e a Examinanda foram convidados a solucionar o problema nos seguintes termos:
Considerando essa situação hipotética, redija, na condição de advogado(a) contratado(a) pelo empregador, a peça processual adequada aos interesses de seu cliente.
Já no dia: 30/07/2010, o CESPE/UnB divulgou um documento rotulado de “Padrão de Resposta – Direito do Trabalho”, onde, supostamente, encontrava-se a resposta padrão esperada por parte dos Examinandos e Examinandas nos seguintes termos:
Trata-se de contestação ou defesa, que deve trazer em seu bojo tópico próprio relativamente à prescrição quinquenal de que trata o art. 7.º, XXIX, da Constituição Federal, por meio do qual deverá ser suscitada a aplicação do referido instituto sobre o período laborado entre a admissão, ocorrida em 17/3/2000, e a data 12/3/2005. Considerando-se que os documentos apresentados pelo empregador demonstram que o reclamante exercia a função de vendedor externo, sem sujeição a controle de jornada, deve-se pugnar pela aplicação do disposto no art. 62, I, da CLT, o qual assevera que não são abrangidos pelo regime previsto no capítulo relativo à jornada de trabalho estabelecida na CLT os empregados que exercem atividade externa, incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados. Quanto aos descontos relativos às multas dos quais pretende o empregado o ressarcimento, deve-se pugnar pela aplicação do § 1.º do art. 462 da CLT, o qual assevera que, em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que tal possibilidade tenha sido acordada, ou na ocorrência de dolo do empregado. Finalmente, deve-se requerer a prova do alegado pelos meios em juízo admitidos, pugnando-se pela improcedência dos pedidos formulados.
Observação para a correção: atribuir pontuação integral às respostas em que esteja expresso o conteúdo do dispositivo legal, ainda que não seja citado, expressamente, o número do artigo. (grifos do original).
Na próxima etapa do certame, para os fins desta análise, no dia 24/08/2010, foi permitido o acesso aos chamados “Espelhos de Correção” e às imagens dos textos da Prova Prático-Profissional e das Questões, com o objetivo de eventual interposição de Recurso Administrativo por parte do Examinando e da Examinanda.
Observando-se os Espelhos de Correção, encontra-se um item de nº 2.5, chamado de “Fundamentação complementar acerca da licitude dos descontos verificados em face das multas de trânsito”, sendo certo que é nesse item precisamente a grande polêmica, talvez a maior desta edição do Exame de Ordem, ao menos em Direito do Trabalho, que tem mobilizado centenas e centenas de Examinandos e Examinandas em várias partes do Brasil.
Quem acessar a rede de relacionamentos sociais Orkut, na comunidade “CESPE/OAB – Exame de Ordem”, certamente constatará várias declarações de vários internautas se dizendo prejudicados com um suposto “erro de correção” perpetrado pela Banca Examinadora do certame e uma indignação ainda maior, pois a Banca Revisora, aparentemente, parece nem ter se dado ao trabalho de analisar e deliberar acerca dos Recursos Administrativos interpostos por via eletrônica no período de 16/09/2010 a 18/09/2010.
Comparando-se atentamente o Padrão de Respostas esperadas e o Espelho de Correção, facilmente constata-se que em nenhum momento foi falado acerca de nenhuma “fundamentação complementar”, supostamente em legislação outra que não a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vez que o item 2.5 faz referência ao parágrafo único, do art. 8º, da CLT, o qual remete para o direito comum, ou seja, literalmente, “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.
Parece que a palavra “subsidiária” do texto da norma fez a Banca Examinadora entrar em choque de interpretação com grande parte da doutrina trabalhista, no sentido de tomar a palavra como acrescentar, somar, reforçar, ou, como registra o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “que vem em reforço ou apoio do que se alegou ou se estudou”, ou o Dicionário Priberam[1] da Língua Portuguesa, “que fortifica, que vem reforçar”.
Ocorre que esses mesmos dicionários registram outra acepção para esse verbete, qual seja, subsidiário é algo “de importância menor; secundário, acessório”, como consta no Dicionário Aurélio, e “que tem menos importância. = acessório, secundário ≠ essencial”, no Dicionário Priberam.
Neste ponto surge a divergência, pois, aparentemente, para a Banca Examinadora, a palavra “subsidiária” estaria posta na norma no sentido de acrescentar, reforçar, devendo então o Examinando e a Examinanda, obrigatoriamente, reforçar a argumentação da Pessoa Jurídica pela licitude dos descontos que foram efetivados em folha do ex-empregado reclamante com base nas disposições do Código Civil de 2002, possivelmente estavam imaginando o art. 927, nos seguintes termos: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Contudo, e quanto à outra acepção do vocábulo “subsidiário”? aquela no sentido de algo “que tem menos importância. = acessório, secundário ≠ essencial”? será que deveria ser descartada?
Bem, aparentemente, isso seria a famosa análise do mérito do ato de reprovar, Ato Administrativo em essência, como bem sabem os especialistas em Direito Administrativo e, fatalmente, o controle jurisdicional estaria impedido de atuar nesta divergência.
Pobres Examinandos e Examinandas! Como poderiam imaginar que uma única palavra, no caso “subsidiária”, poderia mudar as suas para sempre? Ou melhor dizendo, a palavra em si não, mas a interpretação que lhe atribui quem está no poder de aprovar ou reprovar! As palavras tem grande força e poder na Ciência do Direito! Ou melhor dizendo, as palavras em si não, mas a interpretação que lhe atribui quem está no poder!
Mas o grande cerne, a grande discussão, ainda não é essa! Explica-se. Os Examinandos e Examinandas reprovados no certame descobriram que algumas pessoas receberam a pontuação integral no item 2.5 (que valia 0,80), mesmo sem ter escrito uma só linha, nem do art. 8º, parágrafo único, da CLT; nem muito menos do Código Civil de 2002 e seu art. 927! Como é possível que a Banca Examinadora do certame tenha atribuído pontuação integral para algumas pessoas, enquanto que para outras atribuíram nota zero? Qual foi o “critério” de correção aplicado? Eis a grande celeuma! Eis o grande mistério dessa edição do Exame de Ordem!
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ainda em vigor, consigna no seu art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...”, naquilo que a doutrina constitucionalista, geralmente, chama de “Princípio da Isonomia”, sendo certo que pessoas em situação jurídica semelhante devem ser tratadas de maneira semelhante, ao passo que pessoas em situação jurídica desigual devem ser tratadas de maneira desigual, na medida das suas desigualdades.
Se atentarmos bem para a situação jurídica, veremos que todos os Examinandos e Examinandas estavam em semelhantes condições, qual seja, prestando um exame unificado nacionalmente, requisito necessário à inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), condição para a habilitação como Advogados e Advogadas e para o exercício da atividade da advocacia.
Em sendo assim, a pergunta que não quer calar é: por que algumas pessoas receberam a nota integral no item 2.5, enquanto que outras não? Será pelo motivo de terem mencionado a tal “fundamentação complementar”, qualquer que seja? Da leitura dos textos desses Examinandos e Examinandas constata-se que não é esse o motivo, pois nada escreveram nas suas provas que lembrasse uma “fundamentação complementar”!
Violado o princípio constitucional da isonomia? E a Banca Revisora o que disse? Aparentemente, limitou-se a confirmar o que já havia dito a Banca Examinadora! E a OAB o que disse? Bem, essa até a data em que estas linhas estavam sendo escritas (02/09/2010), nada havia dito: nem se reconhecia o “erro de correção”; nem se o desconhecia, sendo certo que “na data provável de 08/09/2010” será divulgada a resposta aos Recursos Administrativos que foram interpostos contra o resultado, nos termos do item 3.1, do Edital de 30 de agosto de 2010, do Conselho Federal da OAB, o qual tornou de conhecimento público o resultado final do certame.
Perplexidade! Tristeza! Surpresa! Indignação! Revolta! Impotência diante da sensação de ter sido injustiçado (a)! Recorrer a quem? Esse é o grande drama no qual centenas e centenas de Examinandos e Examinandas de várias partes do Brasil estão sendo obrigados a suportar até a presente data!
[1] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Verbete subsidiário. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=subsidiário>. Acesso em: 02 set. 2010. 17:45:30.
Bacharel em Direito pela Faculdade dos Guararapes - Jaboatão dos Guararapes - PE (2009.2), auxiliar de escritório. Site: http://www.geocities.com/jamensonespindula
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Jamenson Ferreira Espindula de Almeida. Divergência de interpretação, prejuízo para o cidadão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2010, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21301/divergencia-de-interpretacao-prejuizo-para-o-cidadao. Acesso em: 23 dez 2024.
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