1. ABORDAGEM HISTÓRICA
As penas privativas de liberdade possuem em seu fim uma verdadeira contradição desde as épocas mais primitivas. A forma de privação de liberdade do ser humano sempre se mostrou ineficaz para sua ressocialização e reeducação. É praticamente impossível a ressocialização do homem que se encontra preso quando vive em uma comunidade cujos valores são totalmente diferentes daqueles que estão em liberdade.
Independente do país ou da época, nota-se que a forma como o sistema penitenciário é aplicado sempre apresentou diversas falhas e por mais que surjam inovações ou modernize-se a forma de encarceramento o fato de privar o ser humano de sua liberdade sempre trouxe mais prejuízos do que resultados positivos, segundo Pastore (1991).
1.1 No Mundo
Nos tempos primitivos não poderia admitir-se a existência de um conjunto de princípios, pois os grupos sociais dessa época viviam envolvidos por um ambiente mágico e religioso. Os fenômenos naturais como a peste, a seca, e erupções vulcânicas eram consideradas castigos divinos, pela prática de fatos que exigiam reparação, segundo Noronha (2004).
Dessa forma, nas origens da humanidade as formas de punição baseavam-se na vingança penal, que se prolongou até o século XVIII. Pode-se distinguir as diversas fases de evolução dessa vingança penal, como a seguir:
1) Fase da vingança privada
2) Fase da vingança divina
3) Fase da vingança pública
Entretanto, essas fases não se sucedem umas às outras com precisão matemática. Uma fase convive com a outra por largo período, até constituir orientação prevalente, para, em seguida, passar a conviver com a que lhe se segue. Assim, a divisão cronológica é meramente secundária, já que a separação é feita por idéias, segundo Noronha (2004).
1) Vingança Privada
A vingança privada constituiu-se por muito tempo como uma freqüente forma de punição adotada pelos povos primitivos. Consistia na reação da vítima, parentes ou do grupo social face à ofensa sofrida. Sendo que não só o ofensor era atingido proporcionalmente à ofensa por ele cometida, mas também todo o seu grupo.
Dessa vingança privada surgiram duas grandes regulamentações: o Talião e a Composição. A pena de Talião (apesar de não ser propriamente uma pena) consistia na aplicação em similar proporção ao delinqüente ou ofensor que cometia algum tipo de delito, segundo Mirabete (2002).
Conforme o autor supracitado, a Composição era o um método onde o ofensor comprava sua liberdade, com dinheiro, gado, armas, etc, foi largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais.
2) Vingança Divina
Nessa fase a repressão ao delinqüente tinha por fim aplacar a "ira" da divindade ofendida pelo crime, bem como castigar ao infrator. A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça. Refletindo assim a influência decisiva da Igreja na vida dos povos antigos, aplicando penas cruéis, severas e desumanas em “nome de Deus”, segundo Noronha (2004).
3) Vingança Pública
Com uma maior organização social, especialmente com o desenvolvimento do poder político, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembléia.
A pena, portanto, perde sua índole sacra para transformar-se em um sanção imposta em nome de uma autoridade pública, representativa dos interesses da comunidade, que também eram responsáveis pela punição, e não mais o ofendido ou os sacerdotes, porém esta autoridade também cometia inúmeras arbitrariedades, segundo Noronha (2004).
A pena de morte era uma sanção largamente difundida e aplicada por motivos que hoje são considerados insignificantes. Usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e extrapolar a pena até os familiares do infrator.
Embora a criatura humana vivesse aterrorizada nessa época, devido à falta de segurança jurídica, verifica-se avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo Estado, segundo Noronha (2004).
Entre 1750 e 1850 o povo estava saturado de tanto barbarismo sob o pretexto de aplicação da lei, surge então o período conhecido por Período Humanitário como reação à arbitrariedade da administração da justiça penal e contra o caráter atrás das penas, segundo Noronha (2004).
Este período foi marcado pela atuação de pensadores como Locke, Montesquieu, Rousseau, Diderot e D’ Alembert que contestavam os ideais absolutistas. Pregava-se a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII.
O pensamento predominante neste período ia de encontro a qualquer crueldade e se rebelava contra qualquer arcaísmo do tipo que a salvação do homem dependia da sua resistência à dor por ele sofrida, além de ter repercutido bastante na aplicação da justiça, segundo Noronha (2004).
Este período começa a partir do século XIX, por volta do ano de 1850 e estende-se até hoje. É também conhecido como período criminológico e caracteriza-se por um notável entusiasmo científico.
Neste período começa a preocupação com o homem delinqüente e a razão pelo qual ele comete tal delito, influenciada também pelo Determinismo, cujo pensamento baseia-se na teoria de que para cada fato existem razões que o determina.
Para a filosofia determinista todos os fenômenos do universo, abrangendo a natureza, a sociedade e a história são subordinadas a leis e causas necessárias, sendo que, cada elemento depende de outros, de tal modo que se pode prevê-lo, provocá-lo ou controlá-lo segundo se conhece, provoque ou controle a ocorrência desses outros elementos, segundo Noronha (2004).
Assim, o delito, como fato jurídico, deveria também obedecer esta correlação determinista, já que por trás do crime haveria sempre razões suficientes que o determinaram.
1.2 No Brasil
A História do Sistema Penitenciário brasileiro foi marcada por episódios que revelam e apontam para o descaso com relação às políticas públicas na área penal, segundo Zaffaroni (1997).
A prisão, símbolo do direito de punição do Estado, teve, quando de sua implantação no Brasil, utilização variada: foi alojamento de escravos e ex-escravos, serviu como asilo para menores e crianças de rua, foi confundida com hospício ou casa para abrigar doentes mentais e, finalmente fortaleza para encerrar os inimigos políticos. Monumento máximo de construção da exclusão social, cercado por muros altíssimos ou isolados em ilhas e lugares inóspitos, escondia uma realidade desconhecida, e às vezes aceita pela população: os maus-tratos, a tortura, a promiscuidade e os vícios, conforme Nuno, 1985.
A primeira menção à prisão no Brasil foi dada no Livro V das Ordenações Filipinas do Reino, Código de leis portuguesas que foi implantado no Brasil durante o período Colonial. O Código decretava a Colônia como presídio de degredados. A pena era aplicada aos alcoviteiros, culpados de ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos, contrabando de pedras e metais preciosos (ORDENAÇÕES FILIPINAS, 1870, p. 91)
A constituição de 1824 que estabeleceu que as prisões deveriam ser seguras, limpas, arejadas, havendo a separação dos réus conforme a natureza de seus crimes. Mas as casas de recolhimento de presos do início do século XIX mostravam condições deprimentes para o cumprimento da pena por parte do detento. Os órgãos públicos pouco se interessavam pela administração penitenciária, que ficava entregue nas mãos dos carcereiros que, por sua vez, instituíam penalidades aos indivíduos privados de liberdade.
O Código Criminal do Império do Brasil de 1830 admitia duas espécies de penas: a prisão simples e a prisão com trabalho, variando a duração de ambas conforme a penalidade aplicada, desde a prisão perpétua até a reclusão de alguns dias. Mesmo com a insistência nesse modelo penitenciário, o artigo 49 deste Código estabelecia que, enquanto não houvesse condições para o cumprimento da pena de prisão com trabalho, ela deveria ser substituída pela pena de prisão simples, com acréscimo da sexta parte do tempo da penalidade prevista. Essa modalidade se defrontou com dificuldades para sua implantação, já que na maioria dos cárceres, as características humildes dos edifícios não comportavam a aplicação de tal sistema inovador: eram casas alugadas e sem acomodações próprias, principalmente as do interior, o que dificultava a instalação de oficinas de trabalho para os presos.
Todo o esforço legislativo montado pela regulamentação das prisões e pelo conjunto de leis, decretos e códigos não humanizou o sistema penitenciário; muito pelo contrário, a quantidade de novos mandamentos sobre a conduta e direção das casas de aprisionamento fez com que se perdesse a finalidade da origem da prisão, transformando a instituição em um mero aparelho burocrático. Dessa forma, o mau gerenciamento foi uma das causas que, desde a implantação dos cárceres em território brasileiro, impediu que o objetivo de transformar o condenado em uma "nova pessoa" fosse atingido, retornando, assim, após o cumprimento da pena, à readaptação social.
Com o Código Penal de 1890 foram estabelecidas novas modalidades de penas: prisão celular, banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, suspeição e perda do emprego público e multa. A questão penitenciária tratava, do ponto de vista ideal, mais do que nunca, das funções que a pena deveria exercer na vida social. Toda essa boa vontade entrou em colisão com as condições deprimentes dos presídios brasileiros, detectáveis através de estudos e depoimentos de época.
No início do século XX a legitimidade social da prisão ganhou variações para um melhor controle da população carcerária. Surgiram tipos modernos de prisões adequadas à qualificação do preso segundo categoriais criminais: contraventores, menores, processados, loucos e mulheres. Os asilos de contraventores tinham por finalidade o encarceramento dos ébrios, vagabundos, mendigos, em suma, os anti-sociais. Os asilos de menores se propunham a empregar uma pedagogia corretiva à delinqüência infantil. Pressupondo a inocência do réu, foi proposto uma prisão de processados, considerando-se não conveniente misturá-los com delinqüentes já condenados ou provavelmente criminosos. Os manicômios criminais foram idealizados para aqueles que sofriam alienação mental e requeriam um regime ou tratamento clínico enquanto que os cárceres de mulheres seriam organizados de acordo com as indicações especiais determinadas por seu sexo.
Em 1940 foi promulgado o novo código penal brasileiro sob o Decreto-Lei 2.848 de 7 de Dezembro de 1940. Era uma legislação eclética, que não assumiu compromisso com qualquer das escolas ou correntes que disputavam o acerto na solução dos problemas penais.
Em 1980, houve a reforma do Código em vigor. Em 1981, foi publicado o anteprojeto, para receber sugestões. Depois de discutido no Congresso, o projeto foi aprovado e promulgada a Lei Nº 7.209 de 11/07/1984, que alterou substancialmente a parte geral, principalmente adotando o sistema vicariante (pena ou medida de segurança).
Com a nova Parte Geral, foi promulgada a nova Lei de Execução Penal (nº 7.210 de 11/07/1984) para regular a execução das penas e das medidas de segurança, o que era súplica geral.
Hoje, porém, o sistema penitenciário brasileiro, vive uma crise. O Censo Penitenciário Nacional realizado em 1995 registrava uma população carcerária de 148.760 detentos. O sistema padece de um problema fundamental, que é a superpopulação.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, há um déficit de 72.514 vagas nos sistemas estaduais. Isso sem contar os mais de 250 mil mandados de prisão que aguardam execução. Do total de encarcerados, 61,4% cumprem pena nas penitenciárias estaduais, enquanto 38,6% encontra-se em Distritos Policiais ou em outros estabelecimentos prisionais provisórios, sem as mínimas condições materiais de segurança. Essa superlotação agrava ainda mais as condições de encarceramento, com fortes repercussões na esfera da saúde, educação e trabalho dos presos.
De 1995 para cá, esse número praticamente dobrou, já que, em abril de 2002, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), havia 235.085 presos. Destes, 155 mil cumprem pena definida, enquanto 80 mil esperam julgamento pelos tribunais, sem mencionar o déficit atual de 58.055 vagas.
2 A EVOLUÇÃO DAS PENAS NO BRASIL
Toda vez que ocorre um fato político importantes que altera a estrutura constitucional de um país, muitas mudanças podem ser sentidas na esfera legislativa, principalmente na esfera penal, segundo Grinover (2000).
Com essa idéia, a Lei 9.099/95 significou uma verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro. Com efeito, seu surgimento implicou a possibilidade de se pôr fim aos processos judiciais, sem a necessidade de um procedimento moroso e penoso, com a dispensa da oitiva desmesurada de testemunhas e da reiteração da prática de atos repetitivos.
O modelo político-criminal brasileiro, particularmente desde 1990, quer dizer, desde que foi editada a Lei dos Crimes Hediondos, caracteriza-se inequivocamente pela tendência paleorrepressiva. Suas notas marcantes são: aumento das penas, corte de direitos e garantias fundamentais, tipificações novas, sanções desproporcionais e endurecimento da execução penal. (GRINOVER ,2002,p.41).
A Lei 9.099/95 não retirou o caráter ilícito de nenhuma infração penal. Ela trouxe, porém, quatro novas medidas despenalizadoras, que evitam a aplicação da pena privativa da liberdade: a) nas infrações de menor potencial ofensivo, cuja ação requer iniciativa privada ou pública condicionada à representação, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, parágrafo único); b) não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, pode ocorrer a aplicação imediata de pena alternativa restritiva de direitos ou de multa (transação penal, art. 76); c) as lesões corporais culposas ou leves passaram a exigir representação da vítima (art. 88); d) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89). Isto coincide com a exigência de alterações nas funções clássicas dos juízes, que se tornarem co-responsáveis pelas políticas dos outros poderes estatais, segundo Gomes Filho (2000).
As medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95 significam a adoção do consenso como solução para os conflitos penais. Em última análise, é a aplicação da linguagem em toda a sua plenitude em contraposição à força. A lei, sua concretização na dogmática jurídica, sua interpretação e aplicação pelos tribunais e a crítica a estas decisões, tudo isso é linguagem, segundo Grinover (2000).
Recentemente, a Lei nº 9.714/98 fez uma alteração no que concerne as penas restritivas de direitos. Incluídos foram mais dois tipos de penas: a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. Ademais, no que tange à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, poderá ela se dar quando, atendidos os requisitos específicos – não reincidência, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime favoráveis – a pena aplicada não for superior a quatro anos. Vale salientar que, em sendo o crime culposo, haverá a substituição, qualquer que se seja a pena aplicada.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1999.
BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Censo penitenciário de 2002.
CARVALHO FILHO, Luiz Francisco Carvalho. A prisão. São Paulo: Ed. Publifolha, 2002.
FOUCALT, Michael. Vigiar e Punir: A história da violência nas prisões. Editora Vozes, 2001.
NUNO J, Espinosa Gomes da Silva. História do Direito Português. Vol. I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 19. São Paulo: Editora Saraiva, 1991.
Especialista em Direito Processual e Docência Universitária pela UNAMA. Professora na PUC Goiás. Técnica de Normas e Processos prestando serviços para a PETROBRAS. Aluna extraordinária do Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento na PUC Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULA FERNANDES TEIXEIRA CANêDO, . O histórico das penas privativas de liberdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 set 2010, 08:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21441/o-historico-das-penas-privativas-de-liberdade. Acesso em: 23 dez 2024.
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