1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil por abandono afetivo paterno-filial, apresenta-se como uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro. Após a ruptura dos laços conjugais, uma das conseqüências é o abandono afetivo que causa muitos efeitos negativos nos filhos.
Com esse abandono afetivo, as crianças têm um forte abalo psicológico, principalmente no que diz respeito à formação da sua personalidade.
Essa inovação jurídica de pleitear judicialmente, uma indenização pela falta de afeto do pai. Surgiu como um meio de alertar a sociedade e até os próprios pais que foram partes nos processos, de que, deve-se manter os laços familiares que a convivência com ambos os pais, minimizam os impactos causados pela separação e mantém o bom desenvolvimento dos filhos.
A afetividade tem sido alvo de ampla discussão no âmbito do Direito de Família, trazendo ao Judiciário a questão do cabimento de indenização, fundamentada na ausência de amor e convivência dos pais no desenvolvimento dos filhos.
O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares, mesmo não constando na Constituição como Direito fundamental, este é a valorização constante da dignidade humana.
O Direito de família vem passando por uma evolução ao longo do tempo, deixando de ser conservador e passando a assumir uma preocupação com os direitos inerentes a cada pessoa.
Deve-se ressaltar a importância encontrada neste tema, por despertar no estudioso ou profissional do direito o interesse de tomar a iniciativa em tratar o assunto com importância, tendo em vista o crescimento da discussão a este respeito, uma vez que no Juízo de primeiro grau vem sendo concedida a indenização por abandono afetivo, divergindo muitas vezes com o Superior Tribunal de Justiça que discorda do direto a essa indenização.
Tem-se como objeto levantar uma polêmica atual e despertar uma reflexão acerca dos direitos de um filho em relação ao pai, sendo possível identificar se esse direito está restrito a alimentos pagos pelo pai, ou também em relação ao afeto, atenção e acompanhamento em relação ao mesmo.
O presente estudo visa analisar ainda que superficialmente, a possibilidade de indenização por abandono afetivo, pois essa matéria é algo que vem sido discutido recentemente, com visto na ausência de legislação específica sobre essa possibilidade de indenização.
2. O ABANDONO AFETIVO E OS POSSÍVEIS DANOS QUE ADVÊM DESTE ABANDONO
A família é a responsável pela inicialização das pessoas que a compõem, em especial as crianças, às normas da sociedade. Para que a criança tenha um desenvolvimento saudável, tanto de saúde, quanto de personalidade, é necessário um ambiente familiar.
É na infância que surge na pessoa a “autoconsciência”, é quando ela se encontra com o “eu”. Para que a criança consiga enfrentar as maldades da vida, diante da sua inofensabilidade, é preciso o acompanhamento dos pais, atuando sempre em favor do bem estar dos filhos.
Os filhos têm os pais como referência, como espelho, é a partir deles que os filhos desenvolvem seu caráter, sua personalidade e a sua capacidade de lidar com os obstáculos que surgirão no decorrer da vida.
Durante toda a história, a figura materna foi mais enaltecida, deixando a figura paterna em segundo plano, mas se faz necessário demonstrar que o pai tem tanta importância quanto à mãe no desenvolvimento dos filhos.
Ambos querem o bem dos filhos, torcem por eles, vibram com suas vitórias, só que a mãe está mais relacionada ao afeto, ao conforto, pois ela é dona de uma amor imensurável, para ela está tudo perfeito, ela é mais flexível. Já o pai está mais ligado à formação da personalidade e do caráter, é ele quem impõe a disciplina, a ordem e os limites.
Para Leonardo Boff apud Celina Gontijo Leão:
É da singularidade do pai ensinar aos filhos, o significado desses limites e o valor da autoridade, sem os quais não se ingressa na sociedade sem traumas. Nessa fase o filho/filha se destaca da mãe, até não querendo mais obedecê-la, e se aproxima do pai: pede para ser amado por ele e espera esclarecimento para os problemas novos que enfrenta. (LEÃO, internet).
O amor materno ganhou relevância devido à imposição feita pela cultura, que foi a grande responsável pelo modelo de amor materno que existe até hoje. A relação mãe-filho seria aquela união perfeita, que protege o filho de todos os males e ansiedades causados pela separação, abandono e perda.
Nos últimos anos, começou-se a destacar a figura paterna, e o homem deixou de ser só o genitor, para ter um papel participativo na formação e educação dos filhos, e outras coisas que estão muito além da somente subsistência da família,
Para as meninas, o pai é o primeiro contato com a figura masculina, por isso, um pai “ausente” pode gerar sérios danos no decorrer de sua vida, trazendo à tona até o sentimento de rejeição, pois pai e mãe se complementam, logo a criança necessita da presença de ambos para um bom desenvolvimento.
O pai traz para os filhos a noção de trabalho, de responsabilidade, disciplina, chefe de família. Enquanto amor de mãe é protecionista, já o pai tende a mostrar a realidade, as dificuldades encontradas na sociedade, o pai incentiva a aventura, o que gera confiança na criança.
O papel dos pais não está limitado ao sustento apenas, abrange também o apoio emocional, a função psicopedagógica e assistência em geral, portanto, se esse papel não é cumprido por uma ausência injustificada do pai, surge o dano, que há de ser reparado.
Não há que se discutir sobre a necessidade da presença paterna na vida do filho e sobre sua ausência, que causa sérios transtornos à vida da criança, portanto,
A ausência injustificada do pai origina evidente dor psíquica e conseqüente prejuízo á formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógica) que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade [...]. E, além da inquestionável concretização do dano, também se configura, na conduta omissiva do pai, a infração aos deveres jurídicos de assistência imaterial e proteção que lhe são impostos como decorrência do poder familiar. (BRASIL, internet.).
O que vem causando esse abandono paterno é que, muitas vezes, os pais quando se separam tendem a se separar dos filhos também, enfraquecendo o vínculo, cabendo ao pai somente a provisão alimentar e as visitas pré-estabelecidas pela Justiça.
Como é mais comum, nos casos de ruptura de casamento, a guarda das crianças ficar com a mãe, e com isso, os pais muitas das vezes relaxam e acham que como os filhos estão com a mãe, não é necessário dar o amor e o carinho que eles têm direito de receber.
As mágoas geradas durante e após a separação criam intrigas entre os pais, causando até o afastamento definitivo dos filhos por uma das partes, e muita vezes o pai acha que o fato de já estar pagando pensão, já estar cumprindo a sua tarefa no desenvolvimento dos filhos, que o dinheiro já supre suas necessidades. Para eles, o amor quem tem que dar é a mãe, todavia, se for pensar por este lado então, quando o filho completar a idade que não terá mais direito à pensão, ele deixará de existir para o pai, pois ele não terá mais que arcar com as despesas do filho, ou seja, o pai não terá mais obrigação alguma em relação ao filho.
A responsabilidade de um pai não está somente nos pagamentos de alimentos, existe também a obrigação de propiciar ao filho um desenvolvimento digno, uma convivência, o carinho, o respeito, até para que o filho possa nutrir pelo pai esses mesmo sentimentos. O professor Álvaro Villaça considera que,
O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa punição do poder judiciário, para que se preserve, não só o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma da rejeição e da indiferença. (VILLAÇA apud MELO, internet).
Essa ausência foi chamada de abandono moral, o que vem sendo alvo de diversas ações de dano moral intentadas na Justiça pelos filhos, em decorrência do abandono afetivo do pai.
A Constituição proporciona a proteção do afeto, através do princípio da dignidade humana, difundindo na sociedade o afeto como uma solidariedade, e é de obrigação dos pais assegurarem os direitos básicos como a dignidade e a convivência familiar, não os cumprindo, estarão infringindo a lei, devendo com isso, serem punidos.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito á convivência, ao amparo afetivo, moral, psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (AC nº. 408.550-5, de 01/04/2004).
A função parental é de fundamental importância para a formação e o desenvolvimento humano das crianças. Para a jurista belga Bernadete Bawin apud Rodrigo da Cunha Pereira:
Refletindo sobre as mudanças no direito de família da década de 70, publicou um artigo sob o título, A função paterna” onde considera que essa função é composta de três aspectos: a reprodução (função biológica), relação educativa (função psicopedagógica) e a transmissão de um nome e de patrimônio (função social). (PEREIRA, internet).
Diante de todos os argumentos aqui utilizados, é notória a importância que o pai tem no desenvolvimento dos filhos, e que sua ausência na formação dos mesmos, causa diversos transtornos e uma evidente dor psíquica aos filhos, pois uma criança jamais vai conseguir compreender o porquê que o pai a abandonou.
Diante de todos os prejuízos causados aos filhos pela ausência paterna e pelo descumprimento das disposições legais impostas pelo poder familiar, torna-se clara a concretização do dano, diante da omissão do pai, razão pela qual vários filhos vêm pleiteando na Justiça a reparação desses danos, tentando chamar a atenção desses pais para a atrocidade que eles cometeram ao abandoná-los no momento em que mais precisavam.
Tendo uma posição favorável à indenização por danos morais pelo abandono afetivo, Giselda Hironaka diz que:
Tem me sensibilizado, nesta vertente paterno-filial em conjugação a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar indenização compensatória em face dos danos que pais possam causar aos filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando lhes é negada a convivência, o amparo afetivo, moral, psíquico, bem como a referência paterna concreta, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que por si só é profundamente grave. (HIRONAKA, internet).
Há também posições contrárias a essa indenização, alegando que essa possibilidade de reparação por abandono afetivo, acabaria monetarizando o afeto, uma vez que amor não se compra, nem se vende, além disso, aumentaria a “indústria” dos danos morais no Brasil, e não seria a garantia do arrependimento do pai, nem faria com que o pai voltasse a amar seu filho, poderia causar inclusive um afastamento maior entre ambos.
A indenização nesse caso não quer compelir o pai a cumprir seus deveres para com os filhos, mas atende a duas funções, além da compensatória, a punitiva e a dissuatória. (BRASIL, internet).
É de suma importância verificar quais os problemas que o abandono afetivo paterno-filial causa no desenvolvimento e na formação do caráter e da personalidade das crianças.
Os filhos que são abandonados total e parcialmente correm sérios riscos de ser depressivos, ter a auto-estima baixa, e ainda por cima apresentar dificuldades de lidar com sentimentos.
Embora haja disputa pela criança após a separação dos pais, é necessário entender que os filhos não se divorciam dos pais. Segundo Rolf Madaleno apud Hironaka,
É justamente por conta das separações e dos ressentimentos que remanescem na ruptura da sociedade conjugal, não é nada incomum deparar com casais apartados, usando os filhos como moeda de troca, agindo na contramão de sua função parental e pouco se importando com os nefastos efeitos de suas ausências, suas omissões e propositadas inadimplências dos seus deveres. Terminam os filhos, experimentando vivências de abandono, mutilações psíquicas e emocionais, causadas pela rejeição de um dos pais e que só servem para magoar o genitor guardião. Como bombástico e suplementar efeito, baixa a níveis irrecuperáveis a auto-estima e o amor próprio do filho enjeitado pela incompreensão dos pais. (HIRONAKA, internet).
A ausência paterna traz vários danos psicológicos aos filhos, como sentimento de rejeição, falta de referência paterna, causando sérios problemas na formação da sua personalidade, ferindo profundamente os valores que uma pessoa tem de mais importante, como a honra, o nome e a moral.
A relação paterno-filial tem sua identidade gerada na afetividade, logo com o abandono do pai, a criança perde a noção de afeto, a meiguice, nutrindo muitas vezes sentimentos como o ódio dentro de si.
Como disse Flávio Augusto Siqueira:
A criança, para se desenvolver e alcançar paulatinamente a maturidade precisa de acompanhamento dos pais, pois neles se estriba a confiança, o desejo de melhorar, a vontade de aprimorar em busca de progressos no seu crescimento. A presença parental, em harmonia, nessa questão é fulcral para fluir da aprendizagem, evitando bloqueios psicológicos advindos da falta de companheirismo do casal. (SIQUEIRA, internet).
A personalidade é formada durante a infância, e é a prospecção de seus atos como adulto, logo a presença paterna é primordial para um pleno desenvolvimento educacional e mental. O abandono pode causar ainda reflexos como falta de sociabilidade, dificuldade no aprendizado na escola, inclusive a falta de aceitação própria.
A criança depende de seus pais para desenvolverem uma série de atividades, das quais depende o seu desenvolvimento, os pais devem zelar pela integridade física e mental de seus filhos, atendendo suas necessidades materiais e afetivas.
Na evolução do direito de família foi dada uma valoração à afetividade, atribuindo valor às questões de ordem psíquica, reconhecendo o dano provocado pela falta de afeto e convivência do pai.
A criança, quando se sente abandonada, tende a ser um adulto problemático, com complexo de inferioridade, medo ter sido o culpado pelo abandono. Esses problemas adquiridos pela falta de afeto, ensejam dano moral, pois este não é caracterizado somente pelo valor pecuniário obtido após a decisão judicial, é o reconhecimento de que o sentimento tem valor, é a demonstração da importância das relações de afeto nas famílias.
Ao contrário do que defendem alguns, o dano moral, não é uma indústria de “ganhar dinheiro”, e sim o reconhecimento de que não são apenas as coisas materiais que possuem valor, mas também os sentimentos são valiosos, que devem ser respeitados, servindo as condenações judiciais, como um fator que enseja debate sobre as questões, um fator de reflexão na sociedade, a perceber que o maior patrimônio do ser humano, é o sentimento da paz interior, do bem estar, da integridade física, psicológica. Se analisarmos tais questões em outros países, veremos que o Brasil ainda se encontra em atraso. (RICOTT, internet).
A falta de afeto causa na criança a falta de referencial e padrão sócio-familiares, desorganização, distorções no conceito de afetividade, instabilidade emocional, muitas vezes até o desvio social, comportamentos impulsivos e muita ansiedade.
Muitos filhos abandonados pelo pai não conseguem compreender sua própria identidade, têm sentimentos confusos sobre si mesmo, e para compensar essa necessidade de afeto e de carinho que eles não tiveram do pai, utilizam-se da agressividade como meio de defesa.
A maior dor para um filho é saber que ele tem um pai, afinal ele não foi concebido somente pela mãe, mas saber também que esse pai o esqueceu, não se interessa pela sua vida, pelos seus sonhos, pelos seus problemas emocionais, pela falta que um pai faz para esse filho e principalmente dar-se conta de que muitas vezes o pai não liga nem para as conseqüências que esse abandono trouxe na formação e desenvolvimento de seu filho.
É de extrema importância para a criança manter a convivência com ambos os pais, só assim elas poderão ter um desenvolvimento saudável e normal. Fica claro que a ausência do pai não é bom para um filho, e esse abandono durante a infância irá afetá-los na idade adulta.
Sugere o professor americano Karl Zinsmeister que:
Em famílias que estão atualmente intactas precisamos ligar mais fortemente o pai ao seu filho. Há um aspecto emocional tanto quanto físico na presença do pai, e um pai interessado e envolvido sempre encontrará soluções para tudo. [...] Enquanto continuarmos a racionalizar a presença do pai e perdoar o êxodo paterno tenho medo que teremos muito trabalho para manter nossos psiquiatras, assistentes sociais e policiais muito ocupados. (ZINSMEISTER, internet).
A criança, que é fruto de um relacionamento entre pai e mãe, não tem culpa se caso esse relacionamento não veio a dar certo, e mesmo após a separação dos pais, uma vez que a criança já veio ao mundo, ela tem pleno direito de ser amparada, tanto materialmente, quanto psicologicamente.
Rolf Madaleno, analisando essa questão do abandono paterno, trouxe à tona, o sentimento de rejeição que aflige quem está se sentindo rejeitado. Para ele:
Transitar pela vida, em tempo mais curto ou mais longo, sem a referência paterna, com sua identidade incompleta, causa em qualquer pessoa um marcante dano psíquico, máximo de culpa de seu crescimento e da sua formação moral, caracterizada pela extrema sensibilidade, a suscitar insegurança e sobressaltos na personalidade psíquica do descendente posto que priva o pai de um direito que pertence ao menor pelo decorrer do vínculo biológico que se apresentou no momento de sua concepção. (MADALENO, 1999, p.152-153).
A função de um pai, além de suprir as necessidades materiais do filho, é dar apoio, atenção, carinho, assegurando a ele as mínimas condições psicológicas para o seu desenvolvimento, aumentando com isso o vínculo afetivo entre pai e filho.
3. O DANO MORAL COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO DA AFETIVIDADE
O sentimento de amor que existe entre as pessoas, denomina-se afeto. Nos dias atuais, há uma valorização deste sentimento, sendo ele um dos principais fundamentos das relações familiares.
Por causa dessa valorização da afetividade, cada dia que passa, surgem novos casos de filhos pleiteando na Justiça danos morais pelo abandono afetivo paterno-filial.
Foi abordado no decorrer deste estudo, que a presença afetiva do pai, é de fundamental importância para que a criança tenha um estado adulto saudável, sem traumas.
Para Gustavo Tepedino apud Cleber Affonso Angeluci:
A figura do pai e da mãe, parecem insubstituíveis nas relações de vida em família. Ao contrário de desenvolvermos técnicas que possam parecer destinadas a superar a realidade cultural, em que vivemos, na verdade, temos técnicas terapêuticas para suprir deficiências humanas, para atender à pessoa para, excepcionalmente, prolongar e gerar vida, e não para suprir, pura e simplesmente, a falta de afeto e de amor que se dá no seio da família. (TEPEDINO apud ANGELUCI, internet).
O pedido de dano moral é fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana e também pelo fato de que o abandono afetivo ofende a integridade moral e psíquica da pessoa, adentrando assim no direito à personalidade e a intimidade.
Segundo Carlos Alberto Bittar:
O direito á integridade psíquica é o direito à incolumidade da mente e se destina a preservar o conjunto pensante da estrutura humana. Assim, na dualidade de que se compõe o ser humano, esse direito protege os elementos integrantes do psiquismo humano (aspecto interior da pessoa) e se completa com o direito ao corpo e a defesa integral da personalidade humana. ( BITTAR, 2001, p.115).
A própria Constituição garante e protege o direito à convivência familiar, sendo esta proteção ratificada pelo Estatuto da Criança e Adolescente.
Desse modo, o abandono afetivo paterno-filial enseja uma infração ao direito de personalidade, desrespeitando ainda o princípio da dignidade humana. Portanto, nada mais justo que se tenha uma sanção através da indenização por danos morais, principalmente quando se tratar de um menor.
A responsabilidade civil assume o caráter de reparação de algum dano, portanto havendo uma agressão por parte de uma pessoa, e com essa agressão fique provado que o abalo psíquico e moral da vítima adveio desse dano, caberá indenização por dano moral, independente de esse dano ter acontecido no direito de família.
Para Luiz Felipe Brasil Santos,
O principal objetivo da disciplina responsabilidade civil consiste em definir, entre os inúmeros eventos danosos que se verificam quotidianamente, quais deles devam ser transferidos do lesado ao autor do dano em conformidade com as idéias de justiça e equidade dominantes na sociedade. (SANTOS, internet).
No caso, a vítima tem a expectativa de reorganizar a essência lesada, tanto o quanto seja possível. O dano causado pelo chamado abandono afetivo, antes de mais nada, é um dano à personalidade da vítima e deve ser compensado.
Para o defensor dessa possibilidade de indenização, Sérgio Resende de Barros afirma:
O afeto é um direito individual, uma liberdade que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, senão as mínimas necessárias ao bem comum de todos. Trata-se de liberdade. (BARROS apud HIRONAKA, internet).
Existem várias críticas a essa possibilidade de indenização, pelo fato de que com isso possa ocorrer o alargamento excessivo de danos indenizáveis, tornando o dano moral uma indústria, acabando por monetarizar o afeto.
Para que o Poder Judiciário combata essa banalização da indenização, é necessário que se faça uma exposição concreta de cada caso, pois esse perigo da banalização, não pode interferir no importante papel dos juízes,
A indenização por abandono afetivo paterno-filial, deve ser utilizada com bom senso, para que não se deixe levar pelos sentimentos de ódio e vingança.
Segundo Giselda Hironaka:
A quantificação em dinheiro não muda nada na vida da vítima, não significa nada, a não ser o fato de ter sido o assunto colocado na pauta da sociedade, de modo a fazer que todos prestássemos atenção de alguma forma. Este é o fato principal que pode conter em si, intrinsecamente, aquilo que mais se almeja: a disseminação do valor pedagógico e do caráter dissuatório da condenação. Isso pode ser um significado fator de reforma de valorações sociais e de alteração de paradigmas jurídicos. (HIRONAKA, internet).
Na realidade, quando se decide favorável à indenização por abandono afetivo, tem-se uma punição à violação dos deveres morais e ao direito que um filho tem de ter seu um pai presente em sua formação.
A jurisprudência teve um papel fundamental ao analisar os casos concretos, consagrando com isso a possibilidade de indenização por danos morais nas relações de família.
Os primeiros julgados reconhecendo um direito à indenização no campo familiar, deram-se em razão da separação judicial, mas a maior contribuição para esse direito à indenização, vem do direito comparado.
A Justiça gaúcha, no ano de 2003, foi a primeira a discutir sobre o tema. No caso, o juiz condenou o pai a pagar 200 salários mínimos em face do abandono material e psicológico ao filho, nesse caso como o réu foi revel, não houve recurso.
Um outro caso concreto deste tema, ocorreu no Estado de Minas Gerais, em que o filho, tendo em vista a negativa afetiva de seu pai, pleiteou uma indenização por danos morais.
Nesse caso, o pai sempre contribuiu financeiramente com a pensão alimentícia, mas de uma hora pra outra, sem justificar-se, afastou-se do filho, estando ausente nas principais fases de seu desenvolvimento.
O juiz de primeira instância proferiu sentença, julgando o pedido de danos morais improcedente. Ao chegar à segunda instância no Tribunal de Minas Gerais, a sentença foi reformada, condenando o pai, a indenizar o filho pelos danos morais causados na quantia de R$ 44.000,00 ( quarenta e quatro mil reais).
Conforme acórdão proferido na apelação cível nº 408.550-5
A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade civil, possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar aos filhos, por força de uma conduta imprópria, essencialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que por si só, é profundamente grave. (Trecho extraído da apelação cível nº 408.550-5).
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO- FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.
O poder Judiciário não pode obrigar ninguém a ser pai, no entanto, no momento em que se escolhe ser pai, deve amar seus filhos, pois não basta prestar alimentos. Não amar os filhos, com isto não se desrespeita apenas a função de ordem moral, mas sim a de ordem legal, pois não se está educando bem os filhos.
Apesar de alguns processos terem logrado êxito na primeira instância, ao chegar ao Superior Tribunal de Justiça, ficou decidido pelo não cabimento da indenização.
No entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o pai que for condenado a pagar uma indenização ao filho, se afastará definitivamente deste. Entendendo ainda que não faz parte da função do Poder Judiciário, obrigar alguém a amar, logo, com essa indenização, a finalidade da reparação não seria alcançada.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância que um pai tem na formação e no desenvolvimento de um filho, é a razão do surgimento da inovação jurídica sobre a possibilidade de indenização pelo abandono afetivo, pois nunca se tinha ouvido falar de um filho pleitear indenização na justiça, pelo fato de não ter recebido do pai amor e atenção. Até porque quando um pai exerce normalmente sua função, presume-se que ele dá afeto, carinho e atenção ao filho.
O objetivo dessa indenização não está em colocar preço no amor paterno, até porque o valor do amor é imensurável, mas sim o forçar a pensar e agir de outra forma. O que se pretende ao mover esse tipo de ação na justiça, é abrir os olhos da sociedade para uma coisa que acontece normalmente, e que talvez nunca deixará de acontecer, que é a separação.
A relação paterno-filial vai além do casamento que une os pais. A convivência entre pais e filhos não pode ser interrompida. O casamento pode deixar de existir, mas o laço afetivo entre pai e filho, jamais pode deixar de haver, seja qual for o motivo da separação.
A ação proposta pelo filho é um apelo para que o pai se dê conta do erro que cometeu ao abandoná-lo. Acima do dinheiro, existe um sentimento que sempre deve existir entre pais e filhos, mas que foi contrariado de alguma forma, e esse sentimento que deve ser levado em conta, pois o filho teve sua integridade psicológica e sua dignidade ofendida, teve sua pessoa machucada e isso deve ser ressarcido pelo pai, uma vez que este foi o responsável por isso tudo.
Com esse tipo de ação, os filhos querem chamar a atenção dos pais. É possível que ao pleitear na Justiça uma indenização pela falta de afeto do pai, isso possa causar um afastamento ainda maior entre pai e filho, mas é provável também que o contrário possa acontecer e haja uma aproximação entre ambos.
Analisando a negativa de companhia, de afeto, amparo moral e psicológico, verificou-se que isso constitui um verdadeiro ato ilícito, desrespeitando não somente a Constituição Federal, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil, devendo portanto, o dano ser reparado pelo seu causador.
A indenização irá assumir o papel de real proteção aos direitos de personalidade, inibindo assim os pais de cometerem este ato ilícito de abandonar os filhos. Portanto, essa situação poderá fazer com que o pai pense melhor antes de omitir-se diante da existência de seu filho.
Obviamente que uma indenização não terá o poder de obrigar um pai a amar seu filho, até porque o amor não é objeto tutelado pela norma do Direito, mas poderá fazê-lo cumprir os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico ao menor, os quais os pais passam a ter a obrigação, no momento em que seu filho vem ao mundo.
O quantum indenizatório não mudará nada na vida do filho que litigou judicialmente por uma indenização por dano moral em face da falta de afeto do pai, o que será mais relevante, é o assunto ter vindo à tona, ter sido colocado em pauta na sociedade, para fazer com que as pessoas prestem atenção a determinados assuntos.
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Técnica do Ministério Público do Estado de Sergipe; Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes- Sergipe e Pós- Graduada em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALINE BARBOZA ALCâNTARA, . Responsabilidade civil por abandono afetivo paterno-filial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2010, 09:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21608/responsabilidade-civil-por-abandono-afetivo-paterno-filial. Acesso em: 23 dez 2024.
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