A competência da Justiça Militar nos crimes dolosos contra a vida é um tema bastante debatido entre os doutrinadores , pois as alterações trazidas pela lei 9.299/96[1] e pela Emenda Constitucional nº 45/04[2], causaram reflexos significativos, tanto na competência da Justiça Militar da União , como na competência da Justiça Militar dos Estados, que deixaram de ser competentes para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, praticados por militares tendo como vítimas civis, sejam eles tentados ou consumados.
Com o advento da nova lei, passou a ser competente a Justiça Comum, fundamentada no reconhecimento da instituição do Tribunal do júri, art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal[3].
Muitos questionamentos foram levantados e diferentes interpretações foram feitas a respeito dessas alterações , quais sejam:
A lei 9.299/96 é constitucional ? Está pergunta tem duas respostas distintas, a saber: sim, esta é a interpretação do Supremo Tribunal Federal , STF, que por meio de controle concentrado de constitucionalidade, julgou medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil- ADEPOL- considerando ser constitucional a lei.
Do mesmo posicionamento, quanto à constitucionalidade da lei , pois não se deve interpretá-la de maneira gramatical e sim teleológica , compartilha Jesus[4], que defende ainda ter mudado a natureza do delito, que passou de militar para comum. Este entendimento por conseqüência faz com que o delito deixe de ser militar, o que refletirá na atribuição do Inquérito, que passa a ser da autoridade policial em detrimento da autoridade policial militar.
Contrário a esse entendimento, defendendo a inconstitucionalidade da lei, temos o Superior Tribunal Militar, STM, que por meio de controle difuso de constitucionalidade, considerou inconstitucional a lei.
Neste mesmo sentido, considera Rocha [5], a lei 9.299/96, inconstitucional, pois segundo o autor, ela violou a Constituição Federal, sendo que jamais uma lei ordinária poderia ter alterado a competência da Justiça Militar que é constitucional.
Outro ponto conflitante se refere a EC nº 45/04, pois existem alguns posicionamentos quanto ao seu alcance, Vejamos:
Segundo Assis[6], a Emenda Constitucional nº 45/04, veio a corrigir a ilegalidade da lei 9.299/96, que retirou a competência da Justiça Militar nos crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis , porém esta correção somente se dá no âmbito da Justiça Militar Estadual, pois a Emenda Constitucional, não alterou a competência da Justiça Militar da União, permanecendo inconstitucional a lei 9.299/96.
Ainda temos quem defenda que a Emenda Constitucional nº45/04, cria dentro da Justiça Militar o Tribunal do Júri, pois a Justiça comum é incompetente para julgar os crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, assim pensa Rocha[7].
Deste modo conforme Jesus[8], quando o crime for doloso contra a vida podemos ter as seguintes competências: se o autor do delito for militar e a vítima for civil, será competente a Justiça Comum, Tribunal do Júri.
Caso o autor do delito e a vítima sejam militares competirá o processo e julgamento à Justiça Militar[9], seja ela da União ou dos Estados, de acordo com a instituição que pertença os envolvidos.
Ainda, a Justiça Militar da União pode julgar civis que praticarem crimes dolosos contra a vida de militar em serviço[10], o que não é permitido à Justiça Militar dos Estados.
Não se pode definir com exatidão quando se deu o surgimento do Direito Penal Militar, conforme Roth[11], “ o surgimento da Justiça Militar data da Antiguidade e vem precedido, na história dos povos, da existência do exército constituído para a defesa e expansão de seus territórios”. Sendo necessário uma disciplina rígida com sanções fortes ao ponto de manter o controle das tropas.
Ensina Ferolla[12], que os campos de batalhas eram chamados de “Castros” ou
“Castrum” , sendo os julgamentos e as sanções aplicadas , ali mesmo , no campo de batalha. Sendo esta a origem para nos dias de hoje designarmos de Justiça “Castrense” a Justiça Militar.
No que tange a organização e a evolução do Direito Militar como ciência temos que destacar a influência do Império Romano, conforme Neto[13], os sucessos das conquistas romanas se deram através da disciplina de seu Exército, sendo sua legislação e arte militar exemplos aos povos modernos.
No Brasil, o Direito Militar tem sua origem na legislação penal portuguesa, durante o período colonial. Segundo Roth[14], A Justiça Militar Brasileira é efetivamente criada, em 1º de abril de 1808, por meio do Alvará com força de lei, assinado pelo príncipe regente de Portugal, D. João VI.
Segundo Ferolla[15], somente foram incorporados ao poder judiciário da União, definitivamente, o Superior Tribunal Militar e a Justiça Militar, a partir da Constituição Federal de 1934, permanecendo até os dias atuais.
Pode-se então afirmar, que a Justiça Militar da União está vinculada diretamente à história do Brasil, como ensina Miguel[16], “Desde a fundação, portanto há quase duzentos anos, a Justiça Militar da União foi cometida de funções judiciais e administrativas, embora só fosse introduzida, efetivamente, no Poder Judiciário, pela Constituição de 1934”.
Em relação à Justiça Militar Estadual, esta somente foi oficialmente reconhecida na Constituição de 1946, segundo Corrêa[17], muito embora a Justiça Militar Estadual já existisse na prática, sendo utilizada por alguns Estados, que previam em suas legislações os Conselhos de Justiça Militares, foi a Constituição Federal de 1946 que a oficializou.
O Direito Militar Segundo Neves[18], busca garantir o salutar desenvolvimento das instituições militares, garantindo a tutela dos bens jurídicos, para a preservação da ordem militar.
Assim, Compete a Justiça Militar julgar os crimes militares definidos em lei, que podem ser próprios ou impróprios. Os crimes militares próprios, define Costa[19], como a infração do dever funcional militar tipificada em lei e que somente pode ser cometida pelo soldado, enquanto os crimes militares impróprios, são aqueles que estão tipificados na legislação penal militar e na legislação penal comum, como ensina Assis[20].
[1] BRASIL. Lei ordinária nº 9.299, de 7 de agosto de 1996. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 de agosto de 1996. Página 14941, Coluna 1.
[2] BRASIL, Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004.. ed. São Paulo: Rideel. 2009.
[3] BRASIL. Constituição Federal.7. ed. São Paulo: Rideel. 2009.
[4] JESUS, Damásio de. Competência para julgamento de crime militar doloso contra a vida. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, nov. 2007. Disponível em: <www.damasio.com.br> Acesso em: 24 maio de 2010.
[5] ROCHA. Fernando A . N . Galvão. Tribunal do Júri na Justiça Militar Estadual. Minas Gerais, Jan. 2007, Disponível em:<www.jusmilitaris.com.br>Acesso em: 20 de maio de 2010.
[6] ASSIS. Jorge César de. Direito Militar: Homicídio: Aspectos Penais e Processuais em Face das Recentes Alterações na Legislação Constitucional e Infraconstitucional. Jan.2006. Disponível em: <http://www.jusmilitaris.com.br>Acesso em: 24 maio de 2010.
[7] ROCHA. Fernando A . N . Galvão. Tribunal do Júri na Justiça Militar Estadual.
[8] JESUS, Damásio de. Competência para julgamento de crime militar doloso contra a vida.
[9] BRASIL. Código de Processo Penal Militar.7. ed. São Paulo: Rideel. 2009.
[10] BRASIL. Código Penal Militar.7. ed. São Paulo: Rideel. 2009.
[11] ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação
Jurisdicional. 1ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.p.5.
[12] FEROLLA, Sérgio Xavier. A Justiça Militar da União : Revista de Estudos e Informações nº.
05, p. 12-15, Belo Horizonte: TJMMG, 2000.
[13] LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.
[14] ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação
Jurisdicional.
[15] FEROLLA, Sérgio Xavier. A Justiça Militar da União: Revista de Estudos e Informações nº.05, p. 12-15
[16] MIGUEL, Cláudio Amim; COLDIBELLI, Nelson. Elementos de Direito Processual Penal Militar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.p.2
[17] CORRÊA, Getúlio. Justiça Militar, uma Ilustre Desconhecida: Revista de Estudos e
Informações nº. 06, p. 07-09, Belo Horizonte: TJMMG, 2000.
[18] NEVES, Cícero Robson Coimbra. Reforma da Justiça Militar em Face da Emenda
Constitucional nº 45. São Paulo, 2005. Disponível em: <http://jusmilitaris..com.br> Acesso em: 25 de maio de 2010.
[19] COSTA, José Armando da. Direito Administrativo Disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica,
2004.
[20] ASSIS, Jorge César de. A Justiça Militar Brasileira. Curitiba, 2005. Disponível em:
<http://www.jusmilitaris.com.br./> Acesso em: 24 maio 10.
Acadêmico do Curso de Direito, do Centro Universitário IPA Metodista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Rodrigo da Silva. Competência da justiça militar nos crimes dolosos contra a vida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 set 2010, 09:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21635/competencia-da-justica-militar-nos-crimes-dolosos-contra-a-vida. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
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