RESUMO:
O presente artigo jurídico muito se utilizando da jurisprudência pátria mais recente, tem por objetivo a análise pormenorizada da viabilidade jurídica do instituto desaposentação, abrangendo o repúdio aos fundamentos adotados pelo Poder público para negação deste direito aos aposentados, interpretando-os como violação ao direito constitucional social do trabalho.
1. INTRODUÇÃO
Para aqueles casos em que o cidadão aposentado continua a trabalhar, e, por conseguinte, repassando mensalmente as respectivas contribuições previdenciárias ao INSS, deverá ser oportunizada a renúncia à aposentadoria originária, de modo que possam ser somadas novas contribuições realizadas às contribuições efetivadas antes da aposentadoria, objetivando o aposentado desfrutar de maior valor de beneficio. A este fenômeno dar-se o nome de desaposentação.
Desaposentação é definido nas singelas palavras de Fábio Zambitte[1] como: “a reversão da aposentadoria obtida no Regime Geral de Previdência Social, ou mesmo em Regimes Próprios de Previdência de Servidores Públicos, com o objetivo exclusivo de possibilitar a aquisição de benefícios mais vantajosos no mesmo ou em outro regime previdenciário”
2. A INCORRETA INTERPRETAÇÃO DO INSS
Usualmente, entende a Administração Pública que o desfazimento da aposentadoria somente seria viável com a previsão expressa em lei. Todavia, ignora o Poder Público a correta amplitude do princípio da legalidade, pois, muito embora a Administração Pública somente possa fazer algo desde que autorize a lei, ao administrado, tudo é possível, desde que não seja vedado por lei.
Deste modo, em não havendo no ordenamento pátrio vigente lei que proíba o desfazimento da aposentadoria regularmente deferida, impossível se cogitar seu indeferimento em razão da ausência de autorização legal, pois a renúncia de um direito que integrou o patrimônio de seu titular não clama por ilógicos e injurídicos pressupostos. Acaso existisse vedação da desaposentação está deveria constar em lei. Portanto, sua autorização é presumida, desde que, óbvio, não sejam violados os preceitos legais e constitucionais.
Não pode a Administração Pública, por simples ato administrativo, qual seja regulamento, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados, para tanto, ela depende de lei. Aqui está à fundamentação teórica para repudiar o art. 181-B, do decreto 3.048/99 (norma secundária que proíbe o requerimento de desaposentação), em virtude de sua natureza de regulamento normativo, não subsiste qualquer tentativa de inovação ou criação de vedações a direitos que a própria lei em momento algum fez menção, ou seja, impossível um regulamento normativo inovar no ordenamento jurídico.
3. A REVERSIBILIDADE DO ATO JURÍDICO DA APOSENTADORIA
A interpretação do Direito Social Previdenciário deve está assentada na maior garantia dos interesses coletivos e difusos da sociedade, assim deverá proceder o exegeta a uma interpretação com o fim de maior proteção ao segurado, haja vista não existir no ordenamento jurídico proibição expressa em lei ou advinda da Constituição.
A importância da Previdência Social é viabilizar a garantia da plena manutenção do segurado e de seus dependentes acaso advenha algum evento fortuito, como doença, invalidez, ou mesmo a senilidade.
Assim, em razão da não haver agressão a qualquer principio ou regra constante no ordenamento jurídico pátrio, surge a possibilidade de reverter a aposentadoria. A possibilidade de tal ato se dá porque, com o desfazimento de anterior ato de aposentação e efetivação de nova aposentadoria, melhora-se a condição de vida do segurado, promovendo-se uma sociedade justa e solidária, em consonância com os objetivos da República do Brasil, esculpidos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988 – CF/88.
4. APOSENTADORIA - ATO JURÍDICO DISPONÍVEL
A renúncia é um instituto de natureza eminentemente civil, de direito privado, somente alcançando os direitos de natureza civil, ante o caráter pessoal e, sobretudo, disponível destes, ao contrário dos direitos públicos e aos de ordem pública.
Nesse sentido, repetindo MARCO AURÉLIO S. VIANA[2], Doutor em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professor e Advogado em Belo Horizonte, em sua obra Curso de Direito Civil: "Renúncia é negócio unilateral, sendo bastante a declaração do titular do direito, que independe do assentimento de quem quer que seja."
Destarte, resta inconteste o caráter renunciável do direito à aposentadoria, haja vista trata-se de caráter disponível, podendo, deixar de ser requerido pelo seu titular, vez que não contraria qualquer interesse público, ou do público. Dessa forma, não resta alternativa, que não o INSS acatar a renúncia proposta pelo segurado.
Em que pese posição irredutível do INSS, o qual tem negado sistematicamente os pedidos de renúncia a aposentadorias com base no art. 181-B do Decreto nº 3.048/98, diversos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça têm reconhecido o que aqui está sendo defendido. Vejamos dois precedentes do STJ:
“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente se firmado no sentido de que é plenamente possível a renúncia à aposentadoria, por constituir direito patrimonial disponível. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AgRg no REsp 1055431/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 09/11/2009)
“PREVIDENCIÁRIO. MUDANÇA DE REGIME PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA ANTERIOR COM O APROVEITAMENTO DO RESPECTIVO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO DISPONÍVEL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. NÃO-OBRIGATORIEDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Tratando-se de direito disponível, cabível a renúncia à aposentadoria sob regime geral para ingresso em outro estatutário. 2. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos” (REsp 692.928/DF, Rel. Min. NILSON NAVES, DJ de 5/9/05). 3. Recurso especial improvido. (REsp 663.336/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 06/11/2007, DJ 07/02/2008, p. 1)
Desta feita, resta subsistente o direito renunciativo à aposentadoria, de modo que seja justaposto o tempo de serviço laborado anteriormente a aposentadoria originária ao segundo pedido de nova aposentadoria.
5. NÃO HÁ VIOLAÇÃO AO ATO JURÍDICO PERFEITO
O debate sobre o ato jurídico perfeito surge no próprio âmbito do direito adquirido, pois este é freqüentemente obtido por meio daquele. Daí a disciplina conjunta do texto constitucional, no artigo 5º, XXXVI.
O ato jurídico perfeito resulta, muitas vezes, na concretização de um direito, seja pelo desejo das partes interessadas, seja por força de lei. Sem dúvida, a aposentadoria é abrangida por essa garantia constitucional de não modificação do ato jurídico perfeito, com o claro objetivo de assegurar a prestação devida ao aposentado, em razão de seu trabalho durante vários anos. Assim, direitos individuais e coletivos são mantidos a salvo de eventuais mudanças legislativas. Caso assim não fosse, o aposentado estaria em situação de eterna insegurança, pois seu benefício poderia ser visto e revisto a qualquer momento.
O instituto do ato jurídico perfeito implica garantia do particular contra a tirania do Estado, nunca em motivo para serem sonegados seus direitos. O entendimento da Constituição Cidadã presume sua análise teleológica, sendo a aplicação literal de seus dispositivos algo muito incompleto, pois o preceito nunca produzirá com perfeição a norma jurídica a ser aplicada, de modo que para ser reproduzida deve contar com as ferramentas fornecidas pela hermenêutica jurídica. Interpretar-se uma norma garantista em contrariedade àqueles que seriam seus beneficiários é evidente equívoco.
6. DA VIABILIDADE ATUARIAL
Nas caprichosas palavras de Cármen Lúcia Rocha[3], “A Previdência Social funciona como um seguro coletivo contra os chamados riscos sociais, tais como a doença e a invalidez”. O artigo 201 da Carta Magna traz duas das principais características desse subsistema: a contributividade e a filiação compulsória. Como todo seguro, a previdência também deve se sustentar com seus próprios recursos, quais sejam, as contribuições vertidas para o sistema. Desta forma, deve buscar tanto o equilíbrio financeiro – no qual há compatibilização entre receita e despesa - como o equilíbrio atuarial – em que se dimensiona um plano de custeio compatível com o plano de benefícios oferecido. E sendo este último respeitado, a desaposentação é plenamente justificável.
Quando o beneficiário continua a trabalhar e por consequência a contribuir, essa nova contribuição certamente gerará um excedente atuarialmente imprevisto, o qual poderia ser utilizado em outro benefício, abrindo-se mão do anterior, de modo a utilizar-se o tempo de contribuição passado.
Da mesma forma, caso o segurado deseje ingressar em outro regime de previdência, também não há impedimentos, atuariais, pois o Regime Geral de Previdência Social irá deixar de efetuar os pagamentos ao segurado, vertendo os recursos acumulados ao regime próprio, mediante compensação financeira.
7. VALORES PERCEBIDOS DE BOA-FÉ, IMPOSSÍVEL SUA RESTITUIÇÃO
Hoje, depois de praticamente pacificado pelo STJ a permissividade do instituto que neologicamente, ficou conhecido por desaposentadoria, os Tribunais Superiores agora se prendem a questão da eventual necessidade de restituição dos valores percebidos pelo segurando enquanto aposentado.
Em uma primeira análise, não é incomum adotar a posição de plena restituição dos valores já recebidos, em obediência ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. Entretanto, tal postura acaba por inviabilizar o instituto.
Desaposentar no mesmo regime previdenciário não dar espaço a argumentação de que deverá existir restituição de valores, pois, o ato não se confunde com a anulação do ato concessivo do benefício, e por isso não há que se falar em efeito retroativo, que exija a restituição de valores alimentares recebidos de boa-fé, o que realmente ocorre é um recálculo do valor da prestação em razão de novas cotizações do segurado. Não faz sentido, então, determinar a restituição de valores fruídos no passado.
Ademais, lembre-se que “é pacífico o entendimento de que os valores recebidos mensalmente a título de aposentadoria têm natureza alimentar, ficando, portanto, protegidos pelo princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos. Tal posicionamento vem sendo adotado pelos tribunais pátrios, entre eles o STJ”. Conforme já assinalou Gisele Lemos Kravchychyn[4].
No mesmo diapasão, o Tribunal de Contas da União - TCU editou a Súmula de nº 106:
SÚMULA Nº 106 : O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão competente.
Assim esta posta a jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. DESAPOSENTAÇÃO. NATUREZA DO ATO. EFEITOS. DESNECESSIDADE DE RESTIUIÇÃO DE VALORES. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA. LEI Nº 9.796/99.
1. Remessa oficial não conhecida, tendo em vista a nova redação do artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil, determinada pela Lei nº 10.352/01.
2. O aposentado tem direito de buscar melhores condições econômica e social.Assim, quando presente uma situação que lhe seja mais favorável não há impedimento na lei ou na Constituição Federal, de renunciar à aposentadoria anteriormente concedida.
3. O direito à aposentadoria é um direito patrimonial disponível ao trabalhador, cabendo-lhe analisar sobre as vantagens ou desvantagens existentes.
4. O ato de renúncia, sendo um descontitutivo, seus efeitos operam-se ex nunc, isto é, não voltam ao passado, inclusive no que se refere ao pagamento de valores já vertidos para o regime próprio, Em, outras palavras, sua incidência é tão-somente a partir da sua postulação, não atingindo as conseqüências jurídicas consolidadas, conseqüentemente o ato de renúncia não vicia o ato de concessão do benefício, que foi legítimo, muito menos, afronta o princípio do ato perfeito.
5. A compensação financeira entre o Regime Geral da Previdência Social e os regime dos servidores públicos foi normatizada pela Lei nº 9.796/99, no artigo 4º, inciso III, parágrafos 2º, 3º e 4º, dando mostra de que não haverá desequilíbrio atuarial, mesmo se não houver devolução dos proventos por parte daquele que renunciou a aposentadoria.
6. Remessa oficial não conhecida. Apelação não provida.
(Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1095194 Processo: 200061830046794 UF: SP Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA Data da decisão: 25/02/2008 Documento: TRF300150998).
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DESAPOSENTAÇÃO. EFEITO EX NUNC. INDENIZAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. RECURSO DO INSS IMPROVIDO.
1. É assegurado o direito à renúncia à aposentadoria no Regime Geral da Previdência com a finalidade de aproveitar o tempo de contribuição no serviço público.
2. A desaposentação tem efeito ex nunc. Não gera obrigação de devolver valores que lhe eram efetivamente devidos.
3. Embargos de declaração do INSS improvidos.
(Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL – 933857 Processo: 200061830037562 UF: SP Órgão Julgador: TURMA SUPLEMENTAR DA TERCEIRA SEÇÃO Data da decisão: 11/03/2008 Documento: TRF300148445).
8. CONCLUSÃO
Enfim, apenas pelo fato do fenômeno da desaposentação não possuir previsão legal expressa, não é crível sustentar que está vedado pelo ordenamento jurídico, haja vista sua concessão não contraria preceitos constitucionais, nem legais.
Em verdade, é factível a possibilidade de o indivíduo demandar o desfazimento de sua aposentadoria, para computar o tempo de contribuição anterior com o novo tempo obtido após o ato de concessão do benefício a ser revertido, e desse modo usufruir benefício mais vantajoso. Esta importante demanda social não produz qualquer desequilíbrio atuarial ou financeiro no sistema protetivo, mais sim assegura o adequado interesse dos segurados.
Portanto, negar ao cidadão o direito de desaposentar-se é, indiretamente, impedir ou provocar desestímulo insuperável ao trabalho, prioridade da ordem social da Constituição.
Por todo o exposto, a desaposentação deve ser um mecanismo adequado e importante para o primado do trabalho na ordem Constitucional brasileira, devendo ser admitida sempre que vise a beneficiar a pessoa já aposentada, seja para a aquisição de melhor benefício, seja para viabilizar o retorno ao mercado de trabalho.
REFERÊNCIAS
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação – O Caminho Para Uma Melhor Aposentadoria. 4ª Ed. Rio de Janeiro. Ed. Impetus, 2010.
KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação – Comentários sobre o acórdão do RESP n.º 310.884, Revista de Direito Social, n. 27, Jul./Set. 2007.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação, São Paulo: LTr, 2ª Ed.2009.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos, São Paulo: Saraiva, 1999.
VIANA, Marco Aurélio. Curso de Direito Civil – Parte Geral. 1ª Ed. São Paulo: Forense, 2004.
Notas:
[1] [1] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação – O Caminho Para Uma Melhor Aposentadoria. 4ª Ed. Rio de Janeiro. Ed. Impetus, 2010.
[2] [2] VIANA, Marco Aurélio. Curso de Direito Civil – Parte Geral. 1ª Ed. São Paulo: Forense, 2004, p.202.
[3] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos, São Paulo: Saraiva, 1999, p.422.
[4] [4] KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação – Comentários sobre o acórdão do RESP n.º 310.884, Revista de Direito Social, n. 27, Jul./Set. 2007, p. 78.
Analista do Ministério Público de Sergipe, graduado em direito pela Universidade Tiradente.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Luiz Carlos Costa. A viabilidade jurídica da desaposentação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2010, 01:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21704/a-viabilidade-juridica-da-desaposentacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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