Introdução
Com o desenvolvimento desordenado das grandes cidades, as pessoas recorrem cada vez mais à Lei do Silêncio como forma de garantir uma boa noite de sono, à medida que o direito ao sossego por reiteradas vezes é violado pela poluição sonora emitidas por bares, sons automotivos, entre outros.
Segundo Elida Séguim1, “poluição sonora é qualquer alteração adversa das características ambientais causada por som ou ruído que, direta ou indiretamente, seja nociva à saúde, à segurança ou ao bem-estar coletivo. Está ligado a noção de ruído que pode ser definido como som que gera incômodo”.
Discorrendo sobre o tema, Américo Luís Martins da Silva2 conceituou poluição sonora como sendo “o excesso de som produzido artificialmente que causa danos ao meio ambiente (tanto em relação à fauna, como à flora) ou à saúde dos próprios seres humanos”.
1 – Conceito de Som e de Ruído
Apesar de não ser uma tarefa difícil identificar um ruído, principalmente para aqueles que prezam o silêncio, faz-se necessário primeiramente distinguir o conceito de som e ruído.
Nas palavras de Celso Antônio Pacheco Filho3, “som é qualquer variação de pressão (no ar, na água...) que o ouvido humano possa captar, enquanto ruído é o som ou conjunto de sons indesejáveis, desagradáveis, perturbadores. O critério de distinção é o agente perturbador, que pode ser variável, envolvendo o fator psicológico de tolerância de cada indivíduo.
Ainda segundo o mencionado autor, “o ruído possui natureza jurídica de agente poluente. Difere, evidentemente, em alguns pontos de outros agentes poluentes, como os da água, do ar, do solo, principalmente no que diz respeito à nocividade e ao objeto da contaminação”. Nesse caso, principalmente o homem seria seu objeto de contaminação.
2 – Efeitos do Ruído
O ruído em excesso é um fato comum em grandes centros urbanos. Várias atividades desenvolvidas pelo homem, nas cidades, resultam na emissão de ruídos em altas intensidades, contribuindo para uma nova modalidade de poluição: a poluição sonora ou acústica. O ruído passa a constituir atualmente um dos principais problemas ambientais dos grandes centros urbanos e, eminentemente, uma preocupação com a saúde humana.
De fato, os efeitos dos ruídos não são diminutos. Informam os especialistas da área que ficar surdo é só umas das consequências. Diz-se que o resultado mais gravoso ocorre em níveis moderados de ruído, porque progressivamente vão causando estresse, distúrbios físicos, mentais e psicológicos, insônia e problemas auditivos. Além de problemas secundários tais como: aumento de pressão arterial, paralisação do estômago e intestino, má irrigação da pele e até mesmo impotência sexual.
Outros fator determinante é o tempo de exposição aos ruídos, que pode gerar a perda da audição. Quanto o período, maior a possibilidade de lesão. Assim, estas nocividades estão em função da durabilidade, da repetição e, em especial, da intensidade auferida em decibéis.
3 – Limites Legais da Poluição Sonora
A identificação entre som e ruído é feita através da utilização de unidades de medição do nível de ruído. Com isso, definem-se, também, os padrões de emissão aceitáveis e inaceitáveis, criando-se e permitindo-se a verificação do ponto limítrofe com o ruído. O nível de intensidade sonora expressa-se habitualmente em decibéis (db) e para fiscalizar os níveis de ruído, os agentes públicos responsáveis realizam vistorias através de medição com o aparelho chamado de decibelímetro.
O Conselho Nacional do Meio – CONAMA é o órgão responsável pela normatização e estabelecimento de padrões de controle da poluição sonora necessários à uma sadia qualidade de vida. A tutela jurídica é regulada pela Resolução do CONAMA 001, de 08 de março de 1990, que nos itens I e II assim dispõe:
I – A emissão de ruídos, em decorrência de qualquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política. Obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.
II – São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior as ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.151 - Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT. 4
Esta Resolução adota os padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e pela Norma Brasileira Regulamentar – NBR 10.151, de junho de 2000, reedição.
A NBR 10.151 dispõe sobre à avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade. Esta Norma fixa as condições exigíveis para a avaliação da aceitabilidade do ruído em comunidades, independentemente da existência de reclamações.
Além da NBR 10.151, tem-se a NBR 10.152, que trata dos níveis de ruídos para conforto acústico, estabelecendo os limites máximos em decibéis a serem adotados em determinados locais. Exemplificando, em restaurante o nível de ruído não deve ultrapassar os 50 decibéis estabelecidos pela NBR 10.152.
O não impende que Leis Municipais regulem os níveis de ruído aceitáveis, o que ocorre a exemplo da Lei Municipal n° 1789/92 do Município de Aracaju/SE, a qual fixa em no máximo 60 decibéis no período diurno (das 07h às 22h) e em 50 decibéis no período noturno (das 22h às 07h).
4 – Poluição Sonora enquadrada como Contravenção Penal
Não é de hoje que a poluição sonora é motivo de preocupação por parte do legislador, tanto é verdade que o artigo 42, do Decreto-Lei 3.688/41, que instituiu a Lei de Contravenções Penais, assim dispôs:
Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda.
Pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa.
Portanto, o legislador elencou diversas formas de emissão de poluição sonora, entretanto deixou de regular de que forma a poluição sonora será constatada, o que faz presumir ser necessário a realização de vistoria e fiscalização audiométrica através do uso do decibelímetro para fins de substrato probatório.
Além disso, a Lei supracitada permaneceu silente quanto à regulamentação do prejuízo à saúde humana provocado pelos ruídos emitidos acima dos permissivos normativos. Ora, a Lei de Contravenções Penais se preocupou apenas com a perturbação do trabalho ou do sossego alheios, em nada ressaltando sobre a possibilidade de dano à saúde humana que, como demonstrado anteriormente, são inúmeros.
Em função dos diversos casos de consequências maléficas da poluição sonora sobre o organismo humano e da enorme quantidade de fontes causadoras de poluição sonora, esta vem sendo interpretada como crime com base no artigo 54 da Lei 9.605/98 que trata dos crimes ambientais.
5 – Poluição Sonora enquadrada como Crime Ambiental
Cumpre frisar inicialmente que o enquadramento da poluição sonora como crime foi objeto da tutela penal no Anteprojeto da Lei 9.605/98, que, em seu artigo 59, especificamente tratava do assunto, incriminando a seguinte conduta:
Art 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Tal artigo foi vetado pelo Presidente da República, fundamentando suas razões:
"O bem juridicamente tutelado é a qualidade ambiental, que não poderá ser perturbada por poluição sonora, assim compreendida a produção de sons, ruídos e vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quais atividades.
(...)
Tendo em vista que a redação do dispositivo tipifica penalmente a produção de sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as normas legais ou regulamentares, não a perturbação da tranquilidade ambiental provocada por poluição sonora, além de prever penalidade em desacordo com a dosimetria penal vigente, torna-se necessário o veto do art. 59 da norma projetada."
Em que pese o veto presidencial, a poluição sonora subsiste como crime ambiental abarcado pelo artigo 54 da Lei 9.605/98.
Compactuando tal raciocínio, Édis Milaré 5, afirma que o aludido artigo "ao falar em poluição de qualquer natureza que resulte ou possa resultar em danos à saúde humana, contempla a poluição sonora, restando inócuo o veto ao art. 59 da Lei, que tinha por missão cuidar da matéria".
Desse modo, o enquadramento da poluição sonora como crime ambiental, como dispõe o artigo 54, vai depender da possibilidade do nível de ruído resultar em danos à saúde humana.
Prescreve o citado artigo:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Abordando o tema, Paulo Afonso Leme Machado6 afirma que “o crime abrange poluição de qualquer natureza : a poluição das águas interiores e do mar; da atmosfera; do solo; através dos resíduos domésticos, dos resíduos perigosos; a poluição sonora; a poluição mineral. Não é excessivo o espectro da locução - qualquer natureza -, pois para a consumação do delito é preciso mais do que poluir: é necessário poluir perigosamente ou causando dano”.
E ainda prossegue, “Não há qualquer exceção na Lei 9.605/98, em seus outros artigos, permitindo a poluição de que resultem ou possam resultar danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”.
Vale destacar que apesar da valorização que a lei conferiu à autorização, à licença e à permissão e suas exigências, a tipificação do artigo 54 não ficou condicionada ao descumprimento das normas administrativas. As normas administrativas ambientais federais e estaduais serão levadas em conta para caracterizar o comportamento poluidor. Contudo, se essas normas forem inidôneas, inadequadas ou inexistentes para caracterizar os atos poluentes, a incriminação poderá ser feita de forma independente das normas administrativas, apontando-se, através de perícia, a possibilidade de danos à saúde humana ou os resultados danosos à saúde humana.
O caput do artigo 54 visa resguardar o direito constitucional à sadia qualidade de vida (art. 225, caput, da CF). O direito de todos de ter um ambiente saudável não pode sofrer limitações do Poder Público, estando esse direito acima de acordos celebrados por qualquer autoridade administrativa. Os prazos para a correção da poluição podem eliminar as sanções administrativas, mas não as sanções penais.
Considerações Finais
A poluição sonora constitui-se em ruído capaz de produzir incômodo ao bem-estar, ao sossego ou malefícios à saúde humana. Por ruído entende-se o som ou conjunto de sons indesejáveis, desagradáveis e perturbadores.
Estudos mais acurados revelam que um indivíduo submetido diariamente à poluição sonora, pode apresentar sérios problemas de saúde como distúrbios neurológicos, cardíacos e até mesmo impotência sexual.
A preocupação com o malefício causado pela poluição sonora foi tema de uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde, na qual foi tratada como uma das três prioridades ecológicas para a próxima década.
A poluição sonora pode ser enquadrada tanto como contravenção penal como crime ambiental. Para o devido enquadramento, é necessário verificar se a poluição ocorreu em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, o que nesse caso seria tipificado como crime ambiental ou se a conduta apenas perturbou o trabalho ou o sossego alheios, não sendo capaz de resultar em danos à saúde humana, assim sendo uma contravenção penal.
A grande inovação da Lei de Crimes Ambientais no que diz respeito à poluição sonora, está na pena prevista para os agentes poluidores (pessoa física ou jurídica), reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Assim, a sociedade deve utilizar-se deste novo instrumento jurídico em seu favor buscando de forma preventiva e repressiva melhorar a qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
Notas
1. SÉGUIM, Elida. O Direito Ambiental: Nossa Casa Planetária. 2ª edição. Editora Forense. 2002. p. 170.
2. SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. 1ª edição. Volume I. Editora Revista dos Tribunais. 2005. p. 180.
3. FILHO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2ª edição. Editora Saraiva. 2001. p. 105.
4. A referência original à NBR 10.152, constante da publicação da Resolução no D.O.U. de 02/04/90 (p. 6.408, seção I), foi retificada para indicar a NBR 10.151, conforme publicado no D.O.U. de 16/08/90, p. 15.520, seção I.
5. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 469.
6. MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15ª edição. Editora Malheiros. 2007. p. 717.
Técnico do Ministério Público do Estado de Sergipe, Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes em Aracaju/SE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Caio Nabuco D Avila. Poluição Sonora como Crime Ambiental e como Contravenção Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 set 2010, 07:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21707/poluicao-sonora-como-crime-ambiental-e-como-contravencao-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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