Qualquer produção científica na área processual ou principiológica exige uma abordagem sucinta dos institutos fundamentais da teoria geral do processo, ou seja, noções básicas de jurisdição, ação, processo e direito de defesa.
A idéia central desse trabalho é a problemática das limitações legais ao poder de tributar, que muitas vezes, se traduz em atividades confiscatórias, em flagrante desacordo com o texto constitucional, tendo como alvo principal, as micro e pequenas empresas, grandes responsáveis pelo montante de tributo arrecadado pelo país.
Diante da exorbitante tributação que é imposta ao contribuinte, torna-se importante uma análise dos instrumentos de que dispõe o intérprete para frear a tendência natural do poder tributante ao excesso.
No ato de instituição de determinados tributos é flagrante uma busca de meios, por vezes ilegais e inconstitucionais, de se impor uma determinada espécie tributária. Também no exercício fiscalizatório são freqüentes os abusos de poder e as situações constrangedoras impostas ao sujeito passivo. Tal tema se insere no estudo dos princípios constitucionais e imunidades, compondo o quadro de limitações ao poder de tributar do Estado.
Daí a importância do estudo da aplicação do princípio da razoabilidade e sua relação com outros princípios e imunidades constitucionais. O princípio da razoabilidade deve a sua importância à sua abrangência, podendo ser aferido a qualquer área do direito, inclusive ao direito tributário. Apesar de implícito no texto constitucional a essencialidade de tal princípio é indiscutível no meio jurídico. Nesse contexto, indaga-se quais seriam as possibilidades de utilização da razoabilidade para limitar o poder do Estado?
Importante se torna pautar esforços no resgate das ideologias e preceitos existentes no texto da nossa Carta Constitucional de 1988. Para isso, serão analisadas as tendências da jurisprudência e da doutrina nacional, relacionadas ao tema central da pesquisa, exaltando os preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Quanto à origem do princípio em tela, torna-se importante salientar que a Constituição dos Estados Unidos da América foi a primeira carta constitucional a abordar a incidência de tal princípio. De início, o princípio em epígrafe era utilizado largamente pelo judiciário americano para fundamentar decisões em que se reconheciam nulidades processuais, sobretudo quando atingiam atos dos demais poderes, mas nunca chegava a fundamentar decisões de mérito em respeito à separação dos poderes.
Fica evidente então a estreita relação entre o princípio da razoabilidade e o direito ao devido processo legal, sendo este último a concretização daquele. Grande parte da doutrina entende que o princípio da razoabilidade foi inserido no direito constitucional brasileiro sob a vestimenta de direito ao devido processo legal, conhecido por “due processo of law”. A sua característica abstrata e muitas vezes imprecisa dificulta a sua larga utilização pelo operador do direito que geralmente o utiliza em conjunto com outros princípios constitucionais, considerando sempre a ligação inevitável que existe entre eles. Tendo em vista a interação entre os princípios constitucionais, será abordada a semelhança que o princípio em tela tem com o seu primo, o princípio da proporcionalidade, dentre outros como a isonomia e a legalidade.
Na ceara tributária constata-se a interferência exercida pela razoabilidade em princípios exclusivamente tributários expressos, como o princípio da capacidade contributiva e o princípio de vedação ao não-confisco. O primeiro se trata de importante instrumento de aplicação da igualdade, impondo a mesma carga tributária a pessoas que estão na mesma situação. Já o último constitui importante instrumento de limitação à ingerência estatal no patrimônio particular.
A análise da razoabilidade também interfere na ocorrência ou não de lesão à legalidade em sentido amplo e à finalidade. Serve como um instrumento flexibilizador da tendência formalista, onde se privilegia a norma posta acima dos ideais de justiça e equidade, desprezando o caso concreto e as suas nuances.
Em 05 de outubro de 2008 a Constituição Federal completou vinte anos. Conhecida como Constituição Cidadã, a Constituição de 1988 veio para consolidar definitivamente o Estado Democrático de Direito. Alicerçada em um dos seus fundamentos, que é a cidadania, ela estatuiu uma série de direitos e garantias fundamentais, emanados diretamente da soberania popular e protegidos por cláusulas pétreas.
O legislador constituinte esculpiu por completo o Sistema Tributário Nacional na Constituição Federal, nada deixando à eventual colaboração do legislador infraconstitucional para acrescer ou diminuir. Prescreveu inúmeros princípios tributários buscando a preservação do regime político adotado, a saúde da economia e o respeito aos direitos e garantias fundamentais.
Vários princípios constitucionais, como os da razoabilidade, o da legalidade, da isonomia, da anterioridade, da imunidade, da capacidade contributiva, da vedação ao confisco, da uniformidade geográfica, dentre outros, formam o verdadeiro escudo de proteção do contribuinte, que fica a salvo de medidas legislativas resultantes da atuação de legisladores descompromissados.
É cediço que o sistema tributário nacional possui defeitos. Isso fica mais evidente no que tange ao nível de imposição, que tem piorado a cada reforma. Atualmente, o Brasil é o segundo país que mais tributa no mundo, oferecendo em contra partida, uma prestação de serviços públicos típica de país de terceiro mundo. Ou seja, a parcela da população que mais contribui para os cofres públicos, é a que mais precisa da atuação governamental, contudo é quem menos percebe seus frutos.
Enquanto o Governo Federal, detentor de mais de 60% do bolo tributário, for o condutor da reforma, como tem sido ao longo desses anos, jamais será possível uma reforma justa e equitativa para os entes que compõem esta federação, nem para a sociedade. Quanto mais pressão das entidades políticas regionais e locais, para a obtenção de maiores participações no produto da arrecadação de tributos da União, mais incisiva será a exacerbação da carga tributária, buscando compensar as perdas decorrentes dessas transferências.
Nesse momento, o operador do direito deve ficar atento à desobediência ao princípio da razoabilidade, que quando ferido afeta a legalidade em sentido amplo do ato normativo.
Percebe-se que grande parte da carga tributária brasileira possui caráter confiscatório, além disso, é flagrante que o Brasil é hoje um dos países que mais tributam no mundo. Contribui para isso o comportamento recorrente dos dirigentes da Administração Pública, que destroem as reservas do Estado através de atos praticados fundados em interesses corrompidos. Isso é observado diuturnamente com os acordos políticos que propiciam a criação de cargos e funções inservíveis, e com a contratação indiscriminada de servidores sem concurso público.
Torna-se evidente que os tributos também servem para sustentar a máquina inchada e inútil, formada por aliados políticos dos detentores do poder atual. Grande parte desses valores é perdida nos atos de corrupção e pelo desperdício. Em decorrência disso, os serviços públicos são cada vez piores e defasados, o que piora a situação da parcela da população menos favorecida, influenciando diretamente nos índices de miséria e criminalidade.
Sob o prisma da segurança jurídica, o Sistema Tributário Nacional é um dos mais inseguros, imprevisíveis, caóticos e contraditórios do mundo. De um lado, uma fantástica quantidade de princípios tributários modelados pelo legislador constituinte, conhecidos como limitações ao poder de tributar, ou escudos de proteção do contribuinte, que exigem a elaboração de normas jurídicas tributárias, de conformidade com os direitos fundamentais. De outro lado, legislações de três níveis impositivos, despejando inúmeros instrumentos normativos das mais variadas espécies, agredindo vários desses princípios sem que os tribunais os repilam adequadamente e a tempo.
Possuímos um Sistema Tributário estruturalmente viciado, por quebra do princípio da hierarquia das leis, e funcionalmente viciado, por atuação insatisfatória do Poder Judiciário, que está cada vez mais claudicando na sua missão de preservar a segurança do direito. A cúpula do órgão incumbido de fazer cumprir as leis válidas e expurgar aquelas inválidas, em matéria tributária, vem decidindo com preocupação com os aspectos financeiros do Estado, como se isso fosse de sua responsabilidade.
É importante salientar que o governo deve existir em função da sociedade e não em função do Estado. O Estado é meio e não fim. Diante disso, percebe-se que é preciso fortalecer o princípio federativo de freios e contrapesos, no sentido de nenhum poder fazer o que bem entende, sem que os outros dois intervenham imediatamente.
Hodiernamente é comum o legislador ignorar a natureza intrínseca de cada espécie tributária, levando em conta exclusivamente à sua denominação formal. Com isso, esquece a previsão de existência de cinco espécies tributárias distintas, e fere frontalmente o princípio constitucional da discriminação de impostos. Isso explica a cobrança de taxas sem serviço específico e divisível, assim como a cobrança de contribuição social sem benefício específico. Assim, a quantidade de impostos em vigor, em cada esfera política, ficará sempre a critério da vontade do legislador, sempre com a desculpa de melhorias para a população.
Contata-se que existem diversos instrumentos normativos no Sistema Tributário Brasileiro: emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, decretos, instruções normativas, portarias, pareceres normativos, atos declaratórios interpretativos, circulares, avisos, comunicados, dentre outros. Tudo isso, compõe uma confusão normativa, ferindo frontalmente o princípio da hierarquia vertical normativa. Assim, a legislação tributária nacional é caracterizada pela total insegurança e obscuridade normativa.
Nosso Sistema Tributário Nacional fere frontalmente o estabelecido no §5º do art. 150 do texto constitucional, que determina a expedição de medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços. Outro dispositivo que é totalmente desconsiderado é o art. 212 do CTN, que determina a consolidação anual em um texto único de todas as leis vigentes sobre uma determinada matéria. Nenhum dos entes dotados de competência tributária vem cumprindo este comando. Nesse contexto, observa-se constantemente a desobediência à hierarquia entre as normas, já que os instrumentos normativos menos importantes sobrepõem-se aos ditames constitucionais.
Diante dessa problemática, é importante salientar que o Sistema Tributário Nacional necessita urgentemente da elaboração de leis estáveis, previsíveis e seguras, em obediência ao que reza a Carta Cidadã de 1988. Além disso, exigisse um judiciário mais célere e previsível, orientado pelos princípios constitucionais.
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Analista do Ministério Público de Sergipe. Pós Graduado em Direito Constitucional e Tributário pela Unisul
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Gustavo Mendonça. Aplicabilidade do princípio da razoabilidade ao Direito Tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2010, 08:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21729/aplicabilidade-do-principio-da-razoabilidade-ao-direito-tributario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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