Em que pese todo o sistema protetivo presente no ordenamento jurídico trabalhista, a CLT não dispõe sobre o instituto da tutela antecipada, mecanismo que apresenta imensa compatibilidade com os princípios trabalhistas. O ponto principal do presente artigo é discutir a possibilidade da concessão de tutela antecipada de ofício pelo magistrado trabalhista e a repercussão dessa possibilidade nas partes em litígio.
Visando privilegiar o princípio da celeridade, insculpido na Constituição Federal de 1988, foi criado na processualística civil o instituto da Tutela Antecipada[1], que é considerado um meio para tornar o processo mais ágil e útil à sociedade, proporcionando uma prestação jurisdicional efetiva às partes.
Prevista no art. 273 do CPC, a tutela antecipada não foi prevista expressamente na Consolidação das Leis do Trabalho. Entretanto, a CLT, nos incisos IX e X do art. 659, autoriza o juiz a conceder liminar, mas nada fala sobre a tutela antecipada, que tem forma diversa da liminar. Em que pese alguma divergência, a maior parte da doutrina admite o cabimento do instituto no processo do trabalho, haja vista que o art. 769 da CLT autoriza que, nas omissões, sejam aplicadas as normas processuais civis, em caráter subsidiário, desde que compatíveis e não colidentes com os princípios trabalhistas.[2]
Adentrando no cerne da questão, questiona-se a possibilidade de concessão da tutela antecipada de ofício pelo magistrado trabalhista. Da leitura do caput do art. 273 do CPC, observa-se claramente que a tutela só pode ser concedida mediante requerimento da parte. Essa é a regra vigente no processo civil. Contudo, a interpretação deste dispositivo no âmbito laboral ainda provoca acirrada discussão.
Os defensores[3] da concessão da tutela ex officio, argumentam que, em virtude de sua especialização, processo laboral é marcado pela inquisitoriedade, o que permite uma atuação judicial mais protetiva ao obreiro; pela desigualdade das partes na relação processual; pelo fato do empregado ser detentor do jus postulandi (ou seja, sem conhecimento técnico para que pleiteie a antecipação dos efeitos da tutela numa petição inicial) e pelos amplos poderes dado ao juiz trabalhista (direção do processo de promoção da execução dos seus julgados), o que autorizaria uma atuação judicial mesmo sem o requerimento da parte interessada[4].
Eduardo Henrique von Adamovich[5] afirma que o deferimento da tutela não pode ser limitada pela leitura da letra do dispositivo processual comum que, presidido pela igualdade das partes e pela indispensabilidade de advogados, presume a disponibilidade pela parte do direito de requerer a antecipação, mas sim, pelo grau em que, caso a caso, se revelar a desigualdade das partes no Processo do Trabalho, onde o empregado pode exercer por si mesmo a postulação de créditos de natureza alimentar, indispensáveis para a sua subsistência e a de sua família.9
Os que pensam de modo diverso, isto é, defensores da não concessão da tutela antecipada de ofício, defendem que é necessário o requerimento da parte, alegando que haveria violação expressa ao art. 273, caput do CPC, que expressamente consigna a necessidade do pedido de antecipação de tutela, violando assim o devido processo legal, porquanto o réu seria espoliado seus bens sem a observância da legislação. Décio Sebastião Daidone argumenta que:
Outro aspecto é "a requerimento da parte", que deve ser respeitado pelo juiz, afastando desse modo a sua eventual possibilidade de decretar ex officio, mesmo que a parte, no processo trabalhista, esteja sem advogado constituído, em razão da possibilidade do jus postulandi. Nessa hipótese, a incumbência de ter verdadeiramente essa sensibilidade de requerer estaria nas mãos do funcionário da Justiça do Trabalho competente para elaborar as iniciais nas chamadas "orais", que devem ser de acordo com os requisitos legais.[6]
Concluo, diante dos argumentos esposados, que a tutela antecipada de ofício é totalmente possível no processo do trabalho, haja vista o caráter alimentício das parcelas pleiteadas e a patente desigualdade entre as partes na relação processual, defendo que o magistrado deve ter uma posição mais atuante, visando salvaguardar os direitos sociais e fundamentais dos trabalhadores previstos na Carta Magna,. Como bem salienta B. T. de Paiva, essa peculiaridade do Processo do Trabalho, que "pretender que um peão de obra faça o requerimento ao juízo da antecipação de tutela é abusar da incoerência", já que não se admitiria do magistrado trabalhista tamanha ingenuidade frente a uma realidade social, "onde se discute não o simples patrimônio mas muitas vezes a própria sobrevivência familiar"[7].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADAMOVICH, Eduardo Henrique von. A tutela de urgência no processo do trabalho: uma visão histórico-comparativa: idéias para o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
FRANÇA, Fernando. A antecipação de tutela ex officio. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
LEITE, CARLOS HENRIQUE BEZERRA. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5 ed. São Paulo: Ed. LTR, 2007, P. 450.
DAIDONE, Décio Sebastião. Direito Processual do Trabalho: Ponto a Ponto. 2. ed. São Paulo, LTr, 2001.
PAIVA, B. T. de. Antecipação de tutela no processo do trabalho. Disponível em http://www.trt13.gov.br/revista/7bruno.htm.
SILVESTRE, Almir Carlos. Particularidades da antecipação de tutela no processo do trabalho . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 184, 6 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4658>. Acesso em: 18 set. 2010.
WALDRAFF, Célio Horst. Antecipação de tutela "ex officio" . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1041, 8 maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8377>. Acesso em: 20 set. 2010.
[1] A tutela antecipada consiste na possibilidade de o juiz antecipar a solução pleiteada pelo autor na petição inicial, em decisão que se aproxima à sentença prolatada no fim na fase de conhecimento. Para a concessão da tutela antecipada, são necessárias a demonstração da prova inequívoca e a verossimilhança da alegação ( art. 273, I e II), além dos requisitos específicos de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, abuso de direito ou manifesto propósito protelatório do réu.
[2] Como ensina Almir Silvestre: É o que ocorre com a antecipação da tutela genérica de que trata o art. 273 do Código de Processo Civil. Em primeiro lugar, porque não há na CLT nenhum outro instituto suscetível de manejo, que tenha a mesma finalidade; em segundo lugar, porque celeridade e eficácia, objetivos precípuos da tutela antecipada, jamais serão incompatíveis com o Processo do Trabalho, que cuida, no mais das vezes, de contendas que envolvem verbas de cunho alimentar; e em terceiro lugar, porque impossível de se conceber que o uso de um instrumento com tais desígnios possa colidir com os princípios do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho. (SILVESTRE, Almir Carlos. Particularidades da antecipação de tutela no processo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 184, 6 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4658>.)
[3] Como um dos maiores defensores do cabimento de tutela antecipada ex officio pelo magistrado trabalhista, Calos Henrique Bezerra Leite afirma que: Não obstante a literalidade do caput do art. 273 do CPC, parece-nos que no processo do trabalho é factível a antecipação da tutela de ofício pelo próprio juiz, independentemente de requerimento da parte Ora, se estamos diante de um ato judicial com característica de provimento mandamental e executivo lato sensu e se o juiz, do trabalho está autorizado a promover a execução ex officio (CLT, art. 878), então não seria legalmente proibido ao juiz determinar , de ofício , a antecipação dos efeitos da tutela, desde que presentes os demais requisitos autorizadores... (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5 ed. São Paulo: Ed. LTR, 2007, P. .454).
[4] Fernando França[4] sustenta que o condicionamento ao requerimento específico da parte se compadece de três patologias: 1- alija a participação do estado na solução dos conflitos, favorecendo o exercício abusivo de direitos; 2- colide com o princípio do impulso oficial (presente na própria CLT, art. 765), e 3- viola o princípio da efetividade da prestação jurisdicional constante do art. 5º, inc. XXXV, da Constituição. FRANÇA, Fernando. A antecipação de tutela ex officio. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 184
[5] ADAMOVICH, Eduardo Henrique von. A tutela de urgência no processo do trabalho: uma visão histórico-comparativa: idéias para o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. Observa ainda Adamovich que a vinculação da possibilidade de deferimento da antecipação da tutela à iniciativa da parte inverteria a lógica que prevalece no Processo do Trabalho, na medida em que só a colocaria ao alcance daqueles empregados mais qualificados e bem remunerados que, capazes de contratar os melhores advogados, mais facilmente poderiam reclamar aqueles benefícios, deixando menos protegidos aqueles outros que recorressem a profissionais não tão afeitos ao trato com a tutela de urgência e completamente sem socorro os demais que exercessem per se a capacidade postulatória que lhes dá o art. 791, da CLT, cuja consonância com as mais modernas visões da amplitude de acesso ao Judiciário é quase inconteste
[6] DAIDONE, Décio Sebastião. Direito Processual do Trabalho: Ponto a Ponto. 2. ed. São Paulo, LTr, 2001, p. 94.
[7] PAIVA, B. T. de. Antecipação de tutela no processo do trabalho. Disponível em http://www.trt13.gov.br/revista/7bruno.htm.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Licia Regia dos Santos. Breve reflexão sobre Tutela Antecipada Ex Officio no Processo do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2010, 07:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21739/breve-reflexao-sobre-tutela-antecipada-ex-officio-no-processo-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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