Estado tem o dever de respeitar integralmente os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente o de ir e vir. Ao prender indevidamente um indivíduo, o Estado atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais.
A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção violado.
A Magna Carta preceitua no art. 37, § 6º o fundamento constitucional para a responsabilização objetiva do Estado, pela qual basta a comprovação do fato administrativo, do dano e do nexo para que esteja configurado o dever de indenizar do Estado:
Art. 37 [...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de culpa ou dolo.
Diógenes Gasparini, em comentários à citada norma constitucional, leciona:
Sabe-se que a responsabilidade civil do Estado, instituída nesse dispositivo constitucional, é a do risco administrativo ou objetiva, dado que a culpa ou dolo só foi exigida em relação ao agente causador direto do dano. Quanto às pessoas jurídicas de Direito Público (Estado), nenhuma exigência dessa natureza foi feita. Logo, essas pessoas respondem independentemente de terem agido com dolo ou culpa, isto é, objetivamente.
O texto constitucional em apreço exige para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado uma ação do agente público, haja vista a utilização do verbo ‘causar’ (causarem). Isto significa que se há de ter por pressuposto uma atuação do agente público e que não haverá responsabilidade objetiva por atos omissivos.
O dano há de ser causado por um agente do Estado, sob pena de não se ter caracterizada a responsabilidade objetiva do Estado. Desse modo, parece-nos que a expressão ‘agente’, propositadamente incluída no texto dessa regra, é para ter havido como de conteúdo lato. Desse modo, abriga todas as espécies de agentes públicos. Assim também entende Lúcia Valle Figueiredo (Curso, cit. p. 173).
É imprescindível que o agente esteja no desempenho de seu cargo, emprego ou função pública na entidade a que está vinculado (RT 715:258). Sendo assim, não responde o Estado por dano causado por alguém que não é seu agente ou que, embora o seja, não esteja, por ocasião do dano, no desempenho das atribuições do seu cargo, função ou emprego público, (...).
Frise-se que, o tipo de responsabilidade a ser aplicada ao Estado, neste caso particular, será a objetiva, tendo em vista a ação consubstanciada na prisão indevida de um cidadão, perpetrada por agentes públicos no desempenho de suas funções.
Quanto ao fato administrativo, para que enseje uma indenização, este deve ser ilícito, culposo ou com abuso de direito do agente.
Importante destacar que a prisão sem pena é uma exceção, haja vista a Constituição Federal disciplinar ser a liberdade um direito fundamental do homem, sendo esta permitida apenas quando a segregação se faça comedidamente e dentro dos limites impostos pela lei. Sobre o assunto, discorreu Nestor Távora1:
"A prisão é o cerceamento da liberdade de locomoção, é o encarceramento. Pode advir de decisão condenatória transitada em julgado, que é a chamada prisão pena, regulada pelo Código Penal, com o respectivo sistema de cumprimento, que é verdadeira prisão satisfativa, em resposta estatal ao delito ocorrido, tendo por título a decisão judicial definitiva.
No transcorrer da persecução penal, contudo, é possível que se faça necessário o encarceramento do indiciado ou do réu, mesmo antes do marco final do processo. Isto se deve a uma necessidade premente devidamente motivada por hipóteses estritamente previstas em lei, traduzidas no risco demonstrado de que a permanência em liberdade do agente é um mal a ser evitado. Surge assim a possibilidade de prisão sem pena, também conhecida por prisão cautelar, provisória ou processual, que milita no âmbito da excepcionalidade, afinal, a regra é que a prisão só ocorra com o advento da sentença definitiva, em razão do preceito esculpido no art. 5º, inciso LVII da CF, pois "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
(...)
O uso da força deve ser evitado, salvo quando indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso (art. 284, CPP). O uso desnecessário da força, ou os excessos, podem caracterizar abuso de autoridade, lesões corporais, homicídio, etc."
A Constituição Federal, fundamento de todo o ordenamento jurídico, expressa como vontade popular que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária.
Logo, a vida humana passou a ser o centro de gravidade do ordenamento jurídico, por isso que a aplicação da lei, qualquer que seja o ramo da ciência onde se deva operar a concreção jurídica, deve perpassar por esse tecido normativo-constitucional.
Os direitos fundamentais resultantes desse comando maior erigido à categoria de princípio e de norma superior estão enunciados em diversos incisos do art. 5º da Carta Magna. Vejamos:
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; [...]
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[...]
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
[...]
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
[...]
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança'.
Com base nessa construção constitucional, tem-se que o Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais.
A indenização por danos morais é, portanto, uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado.
BIBLIOGRAFIA
LOPES JUNIOR, Aury – Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, volume I / Aury Lopes Junior. - 5. ed. Rev. e atual – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2010.
CAPEZ, Fernando – Curso de Processo Penal – 16ª edição – Saraiva, 2009.
TOURINHO FILHO, Fernando Costa – Manual de Processo Penal – 13ª edição – Saraiva, 2010.
OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de – Curso de Processo Penal – 12ª edição - Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009.
CARVALHO FILHO, José dos Santos – Manual de Direito Administrativo – 15ª edição - Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio - Curso de Direito Administrativo – 14ª edição, São Paulo: Malheiros, 1999.
GASPARINI, Diogenes – Direito Administrativo – 15ª edição – São Paulo: Saraiva, 2010.
BONAVIDES, Paulo – Curso de Direito Constitucional – 23ª edição, São Paulo: Malheiros, 2008.
SILVA, José Afonso da – Curso de Direito Constitucional Positivo – 32ª edição, São Paulo: Malheiros, 2009
1TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM, 2010 - 4ª edição - pág. 499 e 506.
Técnica do Ministério Público do Estado de Sergipe. Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT). Pós Graduada em Direito do Trabalho e Processual pela Universidade Castelo Branco através do IESDE - Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Raquel Soares da. Responsabilidade civil do Estado e prisão ilegal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2010, 07:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21767/responsabilidade-civil-do-estado-e-prisao-ilegal. Acesso em: 23 dez 2024.
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